Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:37/12.7BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:09/17/2020
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:SEGURANÇA SOCIAL
PRESCRIÇÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO – NÃO INDICAÇÃO DA ALÍNEA A) OU B) DO Nº 1 DO ARTIGO 24º DA LGT
Sumário:I - Enquanto os factos interruptivos da prescrição das dívidas tributárias elencados no n.º 1 do artigo 49.º da LGT têm todos eles efeito duradouro, assim não é quanto aos factos interruptivos da prescrição das dívidas à segurança social, alguns dos quais - como a notificação para audiência prévia - têm efeito meramente instantâneo, enquanto outros têm também efeito duradouro (como a citação para a execução).
II – No caso sub judice, o despacho de reversão é absolutamente omisso quanto à concreta alínea do artigo 24º da LGT que sustentou a reversão, sendo certo que as implicações da imputação da responsabilidade por cada uma dessas normas (nº1, alínea a) e b) do artigo 24º) são legalmente relevantes, tendo em conta a bipartição de regimes quanto à repartição do ónus da prova.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I- RELATÓRIO

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja que julgou, com respeito à oposição deduzida contra o processo de execução fiscal nº 02... e aps, instaurado pela Secção de Processo Executivo de Beja, “prescrita a dívida exequenda respeitante ao período decorrente entre novembro de 2005 e outubro de 2006 tal como já o havia sido pelo IGFSS” e, bem assim, “extinta a execução quanto à Oponente pela falta de verificação dos pressupostos para manutenção da reversão do processo de execução fiscal operada no que ao restante período em cobrança respeita”, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:

A) Vista a matéria documental espelhada nos autos de execução, designadamente a notificação pessoal da oponente, pelo Instituto da Segurança Social, nos termos e para os efeitos previstos no art. 105, n.º 4, alínea b), do RGIT, as quantias em dívida referente às cotizações contidas na execução fiscal nº 02... não se encontram prescritas;

B) A decisão que determinou a prescrição da dívida proferida pelo Órgão de Execução Fiscal apenas abrange a dívida de contribuições contida no Pef.nº02...;

C) A decisão do Órgão de Execução Fiscal não podia ser outra, face à verificação da interrupção da prescrição da dívida de cotizações, através da notificação pessoal da oponente;

D) A dívida de cotizações considerada não prescrita está contida em execução distinta da execução da dívida de contribuições;

E) O recorrente que o Tribunal Central Administrativo Sul, reaprecie a prova documental e a prova testemunhal que foi gravada, e sindicando a aplicação do direito aos factos, ao abrigo dos poderes que são conferidos a V. Exs.ª pelo artigo 712.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, modifique a decisão de facto e revogue a decisão de direito;

F) O facto constante da Alínea L) consiste na transcrição de parte do despacho de reversão, porém tal despacho não é transcrito na sua integralidade e completude, pelo que, tratando-se de um facto essencial para a decisão da causa, nomeadamente para apreciar se está validamente fundamentado, deverá a alínea L) transcrevê-lo integralmente.

A douta, a decisão recorrida violou por errada interpretação a aplicação das disposições legais ao caso aplicáveis.

Termos em que, com o douto suprimento de V.Exªs., Venerandos Desembargadores, deve ser dado provimento ao recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença, com as legais consequências.

Assim se fará a costumada JUSTIÇA!


*


A Recorrida, M..., não apresentou contra-alegações.

*


Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso (cfr. parecer de fls. 345 e 346).

*


Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:


“Em resultado da apreciação da prova documental carreada para os autos pelas partes, e bem assim do processo administrativo junto, dão-se como provados os seguintes factos que se revelam os suficientes para a decisão a proferir:
A) Em 25/11/2008, na secção de processo executivo de Évora do IGFSS, foi instaurada a execução fiscal nº 02... contra a sociedade comercial V... – Sociedade Distribuidora de Bebidas, Lda para cobrança de dívida de cotizações respeitantes ao período decorrente entre 11/2005 e 12/2006 e 06/2007 a 09/2007, no valor global de 13.860,33 €;
B) Na mesma data foi instaurada a execução fiscal nº 02... contra a mesma sociedade comercial para cobrança de dívida de contribuições respeitantes ao período decorrente entre 11/2005 e 12/2006 e 06/2007 a 09/2007, no valor global de 29.831,30 €;
C) Esta segunda execução fiscal ficou apensa à primeira;
D) Através do ofício nº 009979 foi expedida citação da sociedade executada em 09/12/2009;
E) Esta foi devolvida sem reclamação;
F) Novamente em 04/01/2010, através do ofício nº 010383, foi expedida citação da sociedade executada para o processo de execução fiscal;
G) Esta voltou a ser devolvida;
H) Em 09/02/2010 o OEF levou a cabo diligências com vista a apurar da titularidade de bens susceptíveis de penhora pela sociedade executada, designadamente junto do Serviço de Finanças e da Conservatória do Registo Automóvel;
I) Em despacho preparativo da reversão foi consignado pelo órgão de execução fiscal que “Não são conhecidos bens móveis ou imóveis registados em nome do executado que sejam suficientes para o pagamento da dívida exequenda e acrescido o que permite ao órgão de execução fiscal concluir pela necessidade de accionamento da responsabilidade subsidiária, conforme dispõe o nº 2 do art. 153º do CPPT”;
J) Foram os autos preparados para reversão contra a ora Oponente mediante notificação para audição prévia;
K) Tal notificação teve lugar mediante ofício datado de 30/08/2010;
L) Veio a ser proferido despacho de reversão em 16/11/2011 com o seguinte teor:
“Nos termos do art. 24º da LGT encontram-se preenchidos os requisitos exigidos no nº 2 do art. 23º da LGT, em conjugação com o art. 153º do CPPT e foi dado cumprimento ao estabelecido no nº 4 do art. 23º bem como no nº 3 e 5 do art. 60º da LGT, nessa medida CITE-SE, nos termos do art. 23º da LGT e art. 160º do CPPT o responsável subsidiário, a fim de o processo de execução fiscal seguir os seus trâmites em sede de reversão”;
M) Foi remetido ofício datado de 16/11/2011 destinado a citar a Oponente para a reversão;
N) Em 20/12/2011 a Oponente deu entrada à petição inicial que deu origem aos presentes autos;
O) Após esta apresentação foi elaborada informação nos autos pela secção de processo de Beja do IGFSS que refere, além do mais que “(…) Da análise dos autos resulta:
»» a dívida reporta-se aos períodos de 11/2005, de 01 a 12 de 2006 e de 06 a 09 de 2007 (cotizações – certidão de dívida nº 10808/2008) e aos períodos 11/2005, de 01 a 12 de 2006 e de 06 a 09 de 2007 (contribuições – certidão de dívida nº 10809);
»» que a sociedade executada não se encontra citada;
»» que não existem registados nas matrizes bens imóveis;
»» que não foi ordenada a apreensão de veículos automóveis, embora ainda, na presente data a mesma ainda não esteja concretizada;
»» os gerentes da sociedade iniciaram a gerência em 05MAR1979;
»» os gerentes da sociedade foram citados em reversão em 21Nv2011;
»» da consulta aos dados registados em IDQ pode-se extrair que relativamente à gerente M... foram apresentadas folhas de remuneração como moe desde a data do início da sua gerência na sociedade executada até Dezembro de 2007;
»» da consulta aos dados registados em IDQ pode-se extrair que relativamente ao gerente E... não foram apresentadas quaisquer folhas de remuneração como moe.
Assim, em face do supra exposto e em conclusão é de parecer que deverá ser revogado o despacho de reversão relativamente ao sócio-gerente E...; relativamente à sócia-gerente M..., a execução deverá prosseguir os seus trâmites legais quanto aos períodos de 11/2005 e 01 a 11/2006, em ambas as certidões de dívida.
No que concerne ao requerimento de oposição, os actos que lhe deram fundamento relativamente ao gerente E... é de parecer que (conforme já se afirmou) deverão ser revogados na totalidade; quanto à gerente M..., pelas razões supra enunciadas, é de parecer que apenas deverá ser revogado parcialmente, com a declaração da prescrição da dívida”.;
P) Em 10/01/2012 foi proferido despacho pelo OEF declarando prescrita toda a dívida relativa aos períodos de 11/2005 a 10/2006;
Q) Em 25/10/2017 o OEF fez juntar a estes autos notificação de valores em dívida pela Oponente a essa data onde são mencionados como tal todas as cotizações respeitantes ao processo identificado em A) e quanto ao mencionado em B) as dívidas de contribuições respeitantes aos períodos novembro e dezembro de 2006 e junho a setembro de 2007;
R) A sociedade comercial executada foi constituída em 05/03/1979 pelos sócios E... e M...;
S) Aquando da constituição da sociedade ambos os sócios foram designados gerentes da mesma;
T) Assim permanecendo até 20/11/2007, data em que é registada a renúncia do gerente E...;
U) Nessa data todo o capital social passa a ser detido pela sócia M...;
V) Esta, em 08/01/2008, transmite a totalidade das quotas a B...;
W) A sociedade devedora originária tinha como atividade a distribuição e comercialização de bebidas sendo que a desenvolvia no Barlavento Algarvio;
X) Em setembro de 2007 a sociedade era detentora de existências no armazém onde funcionava, de equipamentos destinados à atividade como empilhadores e viaturas pesadas e ligeiras de transporte de mercadorias;
Y) Entre as viaturas detidas pela sociedade executada nessa data contam-se três pesadas e três ligeiras;
Z) De acordo com os elementos feitos constar da declaração anual de 2006 – elementos contabilísticos e fiscais - do Balanço / Activo constava o valor de existências correspondentes a 305.324,00 €, imobilizações corpóreas correspondentes a 452.686,89 € e créditos sobre clientes no valor de 315.814,43 €;
AA) Em 11/04/2000 ocorreu a rescisão do contrato que a sociedade executada mantinha com a S... Portugal, SA de distribuição exclusiva de bebidas;
BB) Tal rescisão foi objeto de acção judicial instaurada pela sociedade executada que correu termos sob o nº 100/2001 no Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão que a reconheceu como ilícita através de decisão transitada em julgado em 11/06/2004, não fixando indemnização pela falta de alegação de factualidade;
CC) A sociedade executada detinha um escritório onde funcionavam os seus serviços administrativos na localidade de Três Bicos e um armazém onde funcionava o apoio à distribuição e comercialização em distinto local mas próximo daquele;
DD) Os gerentes exerciam as suas funções a partir do escritório;
EE) A Oponente tinha a seu cargo essencialmente a vertente administrativa da empresa, entregando documentação aos trabalhadores e ao contabilista da empresa e nessa área organizando a atividade da mesma e dos seus colaboradores;
FF) Após a cessação do contrato com a S... ambos os gerentes da empresa procuraram recuperá-la e manter a sua actividade de distribuição e comercialização de bebidas essencialmente no Barlavento Algarvio;
GG) A empresa manteve até 2007 as suas instalações, equipamentos e viaturas não obstante a actividade fosse reduzindo;
HH) Nesse último ano de actividade quer o Técnico Oficial de Contas (L...) quer os funcionários do armazém A... e J... acederam a trabalhar sem receber os seus salários por forma a que a empresa conseguisse superar as suas dificuldades continuando a laborar, acreditando que o esforço conjunto a tal conduziria;
II) Tais funcionários ficaram com 9 meses de salários em atraso;
JJ) O TOC ficou com cerca de quatro mil euros por receber;
KK) Este TOC foi responsável pela contabilidade da empresa desde 2004 até setembro de 2007, momento em que os seus serviços foram dispensados através de uma carta de renúncia ao contrato mantido;
LL) As dívidas de clientes registadas em 2006 já vinham transitando de outros exercícios sendo algumas desde o início de funções do TOC como responsável pela contabilidade;
MM) Este mesmo TOC constatava pelas demonstrações da contabilidade que a sociedade se deparava em 2006 e 2007 com grandes dificuldades de tesouraria;
NN) A opção dos gerentes nesses últimos exercícios foi manter a atividade da empresa por forma a que esta superasse tais dificuldades não procedendo ao pagamento dos salários, da Segurança Social e Impostos e ao TOC;
OO) A partir de data não apurada os recibos de vencimento passaram a ser emitidos no gabinete do TOC;
PP) Este mensalmente procedia a tal emissão de acordo com os dados fornecidos pela gerência;
QQ) Ao emiti-los procedia ainda à comunicação à Segurança Social e apurava o valor de contribuição devida pela empresa;
RR) Do mesmo modo alertava a empresa do valor que devia ser entregue à Segurança Social a título de contribuições;
SS) O TOC cumpria a obrigação de emissão dos recibos de vencimento embora soubesse que inexistiam meios financeiros como proceder ao seu pagamento.
6.1.
Resultou a convicção do Tribunal da análise dos documentos dos autos que não foram impugnados, designadamente o processo de execução fiscal apenso, ou parte do mesmo, bem como daqueles que a Oponente apresentou com a petição inicial. Além disso atendeu-se ao depoimento das testemunhas arroladas pela Oponente e cuja inquirição decorreu de forma suficientemente esclarecedora ainda que a inquirição se tenha mostrada excessivamente orientada, a roçar a sugestão das respostas. Tal consideração decorre da circunstância de tais depoimentos, no essencial, se mostrarem coerentes entre si e credíveis quanto à factualidade que importava apurar, a responsabilidade da Oponente na gestão da sociedade executada e na insuficiência do património da mesma para solver as dívidas em cobrança.
7.
FACTOS NÃO PROVADOS
Para a decisão proferida não resultou assente, da matéria alegada, que:
- tenha existido culpa por parte da Oponente na insuficiência do património societário para solver os tributos reclamados;
- a gama de produtos fornecida pelo fornecedor S... Portugal, SA era extensa abarcando águas, refrigerantes, chás e cerveja;
- sendo que tais produtos representaram nos anos de 1995, 1996, 1997, 1998 e 1999 o movimento de 81%, 31%, 33%, 41% e 36,5 % respetivamente em relação à totalidade do movimento comercial da sociedade;
- não fora a rescisão ilícita do contrato de distribuição por parte da S... as dívidas à Segurança Social e à Fazenda Nacional, e execuções como a presente, não teriam surgido;
- tivesse a sociedade executada conseguido realizar o crédito resultante de tal rescisão e teria fundos para pagar a todos os credores.
7.1.
A falta de demonstração desta matéria que se encontra alegada na petição inicial decorre do circunstancialismo de não ter sido apresentado qualquer meio de prova nesse sentido, fosse de natureza documental ou testemunhal. Aliás, esta, em si mesma, consubstancia matéria conclusiva e não factual. Ainda assim, e pese embora o modo como decorreu a inquirição das testemunhas, tais ilações não lograram ser confirmadas”.

*

- De direito

Antes da análise do presente recurso, importa deixar claro o seguinte: a dívida exequenda subjacente à presente oposição reporta-se a dois diferentes processos de execução que se mostram apensos, em concreto o processo nº 02... (principal) e o nº 02.... No primeiro processo mostram-se em cobrança quotizações à Segurança Social (períodos 11/2005, 01, 03, 05, 07, 09, 11 de 2006 e 06 e 08 de 2007); no outro, contribuições à Segurança Social (igual período temporal).

Ora, lida a p.i de oposição, temos que a Oponente, aqui Recorrida, aí invocou os seguintes fundamentos:

- prescrição da dívida exequenda – contribuições e quotizações respeitantes ao período compreendido entre Novembro de 2005 (inclusive) e Novembro de 2006;

- “ausência de culpa da gerente, ora Oponente”, pela insuficiência do património societário para solver as dívidas, independentemente de se considerar que a reversão operou nos termos da alínea a) do nº1 do artigo 24º da LGT ou nos termos da alínea b) desse mesmo preceito legal;

- não verificação do pressuposto da reversão atinente à insuficiência dos bens da devedora originária;

- falta de fundamentação do despacho de reversão;

- nulidade da citação, por falta de junção de elementos essenciais da liquidação.

Na sentença sob recurso, como antes se referiu, julgou-se “prescrita a dívida exequenda respeitante ao período decorrente entre novembro de 2005 e outubro de 2006 tal como já o havia sido pelo IGFSS” e, bem assim, “extinta a execução quanto à Oponente pela falta de verificação dos pressupostos para manutenção da reversão do processo de execução fiscal operada no que ao restante período em cobrança respeita”.

Em concreto, para fundamentar este último esteio da decisão, considerou o Tribunal a quo que “o despacho de reversão cede perante a falta de prova da culpa da Oponente na insuficiência do património e, por outro lado, pela suficiência da demonstração que a mesma veio a produzir no sentido do seu afastamento, em razão do que a execução deve ser extinta quanto a si”.

Realce-se, a este propósito, que o Tribunal, considerando que “o órgão de execução fiscal procedeu à reversão ao abrigo do disposto do nº 1 do artigo 24º da LGT sem precisar quanto a que alínea a imputa”, considerou incumbir-lhe “aferir da verificação dos pressupostos para cada um dos casos”, o mesmo é dizer da alínea a) e da b) do nº1 do artigo 24º da LGT.

Feito este esclarecimento inicial que se impunha para melhor percebermos o alcance do recurso jurisdicional que nos vem dirigido, foquemos, então, a atenção no ataque à sentença, não perdendo de vista que, conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, da concatenação das alegações e conclusões, temos que as questões que constituem objecto do presente recurso, são as seguintes:

- saber se a sentença errou ao considerar que a declaração de prescrição da dívida exequenda abrange, para além dos montantes atinentes às contribuições do período compreendido entre Novembro de 2005 e Outubro de 2006, as dívidas atinentes às quotizações de igual período temporal; para a Recorrente, o assim decidido resulta de um erro quanto à matéria de facto, uma vez que a prova documental mostra que a declaração de prescrição se limitou às dívidas em cobrança no processo nº 02..., respeitante a contribuições (que não quotizações);

- sem prejuízo, a dívida relativa a quotizações não se mostra prescrita, devendo ser aditada factualidade que releva a este propósito;

- saber se a sentença errou no julgamento da matéria de facto;

- saber se a sentença errou no julgamento de direito quanto ao afastamento da culpa da gerente.


*

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer, não obstante os termos menos claros em que o recurso jurisdicional se mostra delineado, deixando claro que de fora do recurso jurisdicional está o decidido quanto às dívidas de contribuições à Segurança Social, respeitantes a Novembro de 2005 e até Outubro de 2006 (inclusive), que a Recorrente não questiona. Nesta parte, como já antes dissemos, o TAF limitou-se a reconhecer a prescrição das dívidas, tal como declarado pelo IGFSS.

Dito isto, avancemos.

Comecemos pelo erro de julgamento da matéria de facto.

No que respeita à impugnação da decisão da matéria de facto e ao ónus que impende, nessa impugnação, sobre o Recorrente, dispõe o artigo 640º do CPC nos seguintes termos:

“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.

Portanto, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Terá o Recorrente de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.

Não sendo linear a distinção entre matéria de facto e matéria de direito, tem-se por consensual, porém, que, para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto, ao passo que é questão de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei.

No âmbito da matéria de facto, processualmente relevante, “inserem-se todos os acontecimentos concretos da vida, reais ou hipotéticos, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis: os acontecimentos externos (realidades do mundo exterior) e os acontecimentos internos (realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo), sendo indiferente que o respectivo conhecimento se atinja directamente pelos sentidos ou se alcance através das regras da experiência (juízos empíricos) — neste sentido, Manuel A. Domingues Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1963, pp. 180/181, e Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, p. 268; na jurisprudência, entre outros, o Acórdão deste Supremo de 24 de Setembro de 2008 (Documento n.º SJ20080924037934, em www.dgsi.pt).

No mesmo âmbito da matéria de facto, como realidades susceptíveis de averiguação e demonstração, se incluem os juízos qualificativos de fenómenos naturais ou provocados por pessoas, desde que, envolvendo embora uma apreciação segundo as regras da experiência, não decorram da interpretação e aplicação de regras de direito e não contenham, em si, uma valoração jurídica que, de algum modo, represente o sentido da solução final do litígio” – vide, acórdão do STJ, de 07/05/09, proferido no processo nº 08S3441.

Assim, conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos (que integram e respondem o thema decidendum) devem estar arredados do quadro factual relevante para a decisão.

Com isto dito, avancemos.

Quanto à conclusão E), da qual consta o pedido genérico de que este TCA “reaprecie a prova documental e a prova testemunhal que foi gravada”, é incontornável que, no confronto entre tal vaguidade e os termos do transcrito artigo 640º do CPC, tal pretensão está condenada ao insucesso.

A conclusão F), na qual a Recorrente pretende que se complete o teor da alínea L) do probatório, por considerar que a transcrição do despacho daí constante se mostra incompleta e que o teor integral do mesmo se apresenta relevante para efeitos de apreciação da invocada falta de fundamentação do despacho de reversão, também não terá aqui acolhimento.

Com efeito, o teor da alínea L) dos factos provados corresponde, efectivamente, ao teor do despacho de reversão, proferido em 16/11/11, com respeito à Oponente, aqui Recorrida, tal como consta de fls. 102 do PEF.

Vejamos, por último, e quanto à impugnação da matéria de facto, se o Tribunal errou ao considerar provado que a declaração de prescrição da dívida relativa ao período compreendido entre Novembro de 2005 e Outubro de 2006, reconhecida por despacho do OEF, de 10/01/12, incluía as dívidas provenientes de quotizações.

Com efeito, na alínea P) dos factos provados consta o seguinte: “Em 10/01/2012 foi proferido despacho pelo OEF declarando prescrita toda a dívida relativa aos períodos de 11/2005 a 10/2006”.

A Fazenda Pública impugna tal factualidade, dizendo que a declaração de prescrição apenas teve lugar no processo nº 02... (contribuições) e não no nº 02... (quotizações).

Analisado a certidão do PEF apenso, deve concluir-se que, neste particular, a Fazenda Pública tem razão, ou seja, o TAF de Beja laborou em erro na fixação do apontado facto.

Com efeito, da análise dos documentos juntos ao PEF, concretamente a fls. 120 a 122, correspondentes ao despacho da Coordenadora da Secção de Processo de Beja, do IGFSS, proferido em 10/01/12, resulta que aí foi reconhecida a prescrição das dívidas de contribuições do período de 11/2005 a 10/2006, sendo que, diferentemente, com respeito às dívidas de quotizações foram ordenadas diversas diligências relativas à obtenção de prova de notificações efectuadas e obtenção de documentação relativa a veículos do executado.

Apesar de este ser o alcance do despacho de 10/01/12, a que se refere a alínea P) dos factos provados, deve esclarecer-se que o mesmo foi proferido na sequência de uma informação que propunha a declaração de prescrição que abrangia quer as dívidas de contribuições, quer as de quotizações, informação esta que, como se vê, não foi integralmente acolhida pelo órgão decisor. Admite-se, assim, que este circunstancialismo está na origem da confusão estabelecida pela Mma. Juíza a quo ao dar como provado o facto a que corresponde a alínea P).

Diga-se, ainda, em reforço desta constatação que, em 23/01/12, já na pendência da oposição, o IGFSS remeteu um ofício aos Mandatários da Oponente, a que coube o nº 834 (cfr. fls. 140), no qual se comunicava que havia sido declarada a prescrição da dívida referente a contribuições respeitantes ao período de 2005/11 a 2006/10, contida na certidão de dívida nº 10809/2008, mais se questionando a Oponente sobre o interesse no prosseguimento da oposição deduzida. A este ofício a Oponente respondeu (cfr. fls. 158 do PEF), esclarecendo, além do mais, que “aceita-se o reconhecimento da prescrição, nos moldes exarados no despacho…”, manifestando interesse na remessa dos autos de oposição ao TAF de Beja.

Em suma, atento o erro que encerra, dá-se sem efeito a alínea P) dos factos provados e em seu lugar deverá passar a ler-se o seguinte:

P) Em 10/01/12, a Coordenadora da Secção de Processo de Beja, do IGFSS, proferiu um despacho, no âmbito do processo de execução fiscal nº 02... e aps, no qual reconheceu a prescrição das dívidas de contribuições do período de 11/2005 a 10/2006, mais tendo ordenado, quanto às dívidas de quotizações, diversas diligências relativas à obtenção de prova de notificações efectuadas e a obtenção de documentação relativa a veículos do executado (cfr. fls. 120 a 122 do PEF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos);

Ainda com respeito à matéria de facto, pretende a Recorrente que se adite ao probatório a circunstância de ter sido realizada “a notificação pessoal da oponente, pelo Instituto da Segurança Social, nos termos e para os efeitos previstos no art. 105, n.º 4, alínea b), do RGIT, das quantias em dívida referente às cotizações contidas na execução fiscal nº02...” – cfr. conclusão A).

Considerando que com a consideração de tal factualidade pretende a Recorrente retirar relevantes efeitos com vista à apreciação da prescrição das dívidas de quotizações, entende-se pertinente o seguinte aditamento:

TT) Com data de 16 de Janeiro de 2009, foi endereçado à Oponente, Cândida da Costa Paiva, ofício com a referência 003189, do ISS, Unidade de Identificação, Qualificação e Contribuições, sob a epígrafe “Notificação para pagamento nos termos e para os efeitos do art. 105º, nº4 al. B) do RGIT”, do qual consta a aposição de um carimbo com a menção “registado com aviso de recepção” e que apresenta, além do mais, o seguinte teor (cfr. fls 137 do PEF cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

“(…)

Nos termos e para os efeitos do disposto na al. B) do nº 4 do art. 105 do RGIT (…) fica V. Exa. notificado, na qualidade de representante legal/ membro de órgãos estatutários da sociedade V... (…) da existência da dívida à Segurança Social referente ao período de Setembro de 2005 a Dezembro de 2007, no valor de 19.632,24€, respeitantes às quotizações retidas dos salários pagos aos seus trabalhadores (…).

Assim, fica V. Exa. notificado para o pagamento voluntário dos montantes supra identificados, acrescidos dos respectivos juros legais, no prazo de 30 dias, sob pena de ser instaurado procedimento criminal”.

UU) – O aviso de recepção que acompanhou o envio por correio registado do ofício a que alude o ponto precedente, mostra-se assinado e com data de 20/01/09 (cfr. fls. 136 do PEF).

Ainda com respeito à matéria de facto, entende este Tribunal dever suprimir a asserção que encerra o primeiro ponto dos factos não provados, onde se lê “tenha existido culpa por parte da Oponente na insuficiência do património societário para solver os tributos reclamados”, uma vez que, como acima dissemos, “conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos (que integram e respondem o thema decidendum) devem estar arredados do quadro factual relevante para a decisão”.

Com efeito, saber se a insuficiência do património da devedora para solver as dívidas é resultado de uma actuação culposa do gerente é precisamente a conclusão que o Tribunal há-de retirar (ou não) do circunstancialismo de facto que enforma a actuação do gerente.


*

É, pois, o momento de analisarmos o erro de julgamento de direito.

A primeira questão prende-se, pois, em saber se a sentença errou ao reconhecer, nos termos já expostos anteriormente, que o reconhecimento da prescrição constante do despacho proferido pela Coordenadora da Secção de Processo de Beja, de 10/01/12, abrangia, para além das dívidas respeitantes a contribuições, as relativas a quotizações do período compreendido entre Novembro de 2005 e Outubro de 2006.

Aquando da análise do erro de julgamento, concretamente quanto à alínea P) do probatório, fizemos uma apreciação detalhada do circunstancialismo aqui relevante em termos que quase esgotam a apreciação que aqui se impõe.

Com efeito, face a tudo o que vem dito, e levando em consideração a nova formulação da alínea P) do probatório, dúvidas não restam que a sentença errou ao considerar que as dívidas relativas a quotizações do período compreendido entre Novembro de 2005 e Outubro de 2006 haviam sido declaradas prescritas pela SS, com as consequências daí decorrentes e já assinaladas.

Portanto, neste segmento da sentença, fruto de um manifesto erro de facto, errou no julgamento de direito e, como tal, não pode manter-se.

Nesta parte, há que, reconhecendo razão à Recorrente, e revogar a sentença, o que aqui, desde já se determina.


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A Recorrente insurge-se igualmente contra o decidido com respeito às dívidas de Novembro de 2006 a Agosto de 2007, com fundamento na ilegitimidade da revertida, por considerar que “o afastamento da culpa da oponente não poderá ser relevado na medida em que tal decorreu do depoimento das testemunhas arroladas pela Oponente, o qual afigura-se não ser credível”.

Entendeu a Mma. Juíza estar perante a “falta de prova da culpa da oponente na insuficiência do património e, por outro lado, pela suficiência da demonstração que a mesma veio a produzir no sentido do seu afastamento”.

Vejamos.

Comecemos por deixar devida nota do discurso argumentativo alinhado na sentença a este propósito. Aí se lê, além do mais, o seguinte:

“Analisada a prova produzida em sede de audiência temos que a Oponente carreou para os autos elementos mínimos que, indiciariamente concatenados, permitem afastar a presunção de culpa legalmente estabelecida a favor do IGFSS. Com efeito logrou a mesma criar a convicção no Tribunal de que envidou os esforços que lhe foram possíveis por forma a que a sociedade sobrevivesse na sua recta final, ou seja, no decurso do ano de 2007. Para tal contribuiu a generosidade dos seus trabalhadores que, estamos em crer fundados em reais expectativas de melhoria da actividade e das condições financeiras da empresa na sequência da gerência da Oponente, foram abdicando do recebimento do salário durante todos os meses desse ano. Do mesmo modo para tal contribuiu a postura do Técnico Oficial de Contas, então responsável pela contabilidade da empresa, que confirmou ao Tribunal a existência de património afecto ao armazém e viaturas à data a que remontam as dívidas em cobrança, a pendência de créditos de clientes que já vinham transitando de outros exercícios passados e as dificuldades de tesouraria que impediam o pagamento quer de salários, quer das contribuições e cotizações para a Segurança Social. Sem embargo, foi abdicando do pagamento da remuneração pela sua prestação de serviços fazendo crer ao Tribunal que por reconhecer que a Oponente ( a par do outro gerente ) tudo estavam a fazer por forma a superar tais dificuldades. Por fim, e ainda que não tenha o Tribunal dado como provado com o alcance pretendido, releva-se o facto de o contrato de distribuição mantido com a S... ter sido rescindido e a quebra na atividade que daí decorreu.

Tudo visto e ponderado, entende o Tribunal que a Oponente produziu prova bastante no sentido de demonstrar que a insuficiência do património da sociedade executada não derivou da sua má gestão da atividade ou dos bens da mesma já que procurou mantê-la com actividade até ao limite da sua capacidade e resistência, sua e dos seus trabalhadores, e não ficou provada qualquer dissipação dos bens que tinha afectos, estes aptos unicamente ao seu funcionamento.

Pelo exposto, é forçoso concluir que o despacho de reversão cede perante a falta de prova da culpa da Oponente na insuficiência do património e, por outro lado, pela suficiência da demonstração que a mesma veio produzir no sentido do seu afastamento, em razão do que a execução deve ser extinta quanto a si”.

Antes de avançar, importa ter presente, que, previamente ao assim decidido, a sentença faz realçar que:

“Conforme supramencionado, o órgão de execução fiscal procedeu à reversão ao abrigo do disposto do nº 1 do artigo 24º da LGT sem precisar quanto a que alínea a imputa. Por conseguinte incumbe ao Tribunal aferir da verificação dos pressupostos para cada um dos casos.

Assim sendo, e principiando pelos requisitos legais atinentes à situação enquadrada na alínea a), concluímos que face ao probatório se encontram demonstrados os primeiros dois pressupostos. Ou seja, temos como indiciariamente demonstrado pelo IGFSS que as dívidas remontam ao período da gerência da executada revertida mas já não que foi por culpa sua que o património da devedora originária se tornou insuficiente para o pagamento das dívidas tributárias”.

Os termos em que a sentença se mostra elaborada estão longe de ser lineares. Ainda assim se dirá que a interpretação que dela fazemos vai no sentido de a Mma. Juíza a quo, assumindo, embora, que o despacho de reversão não indicou, tal como a Oponente referia, qualquer das alíneas – a) ou b) - do nº 1 do artigo 24º da LGT, ao abrigo da qual a reversão operou, acabou por tornar irrelevante essa falta de indicação, tratando de analisar a verificação dos (diferentes) pressupostos de ambos os normativos.

Só assim se entende que a sentença não tenha retirado nenhuma consequência invalidante da falta de indicação da norma legal ao abrigo da qual a reversão operou - repita-se, a) ou b) - sendo certo que a Oponente havia invocado a ilegalidade do despacho de reversão, além do mais, por não fazer tal destrinça, comprometendo a participação e defesa da revertida no procedimento de reversão.

Por outro lado, e corroborando a interpretação que fazemos da sentença, só assim se entende que a Mma. Juíza tenha concluído pela ilegitimidade da revertida e, como tal, pela ilegalidade da reversão, não apenas pela M... ter demonstrado a sua falta de culpa na insuficiência do património da devedora principal, mas, também, por entender que o “despacho de reversão cede perante a falta de prova da culpa da Oponente na insuficiência do património”.

Ora, este entendimento da sentença (que redundou na verificação dos pressupostos ao abrigo das duas alíneas do nº 1 do artigo 24º da LGT) e, em especial, a circunstância de a mesma ter assumido (também) a reversão ao abrigo da alínea a), do nº1, do artigo 24º da LGT e, nesse pressuposto, ter considerado que a Exequente não provou a culpa da gerente (como lhe competia, nos termos daquela alínea), acaba por neste recurso jurisdicional não ser atacado.

Com efeito, dos termos manifestamente lacónicos do recurso em análise percebe-se que o que vem atacado, no que respeita à ilegitimidade, é apenas o que o tribunal considerou ter sido a prova levada a efeito pela Oponente, ora Recorrida, para afastar a presunção de culpa [ou seja, a alínea b), do nº1 do artigo 24º da LGT].

Porém, repete-se, a Mma. Juíza também considerou que a prova que incumbia à Administração Tributária, nos termos da alínea a), no nº 1 do artigo 24º da LGT, não foi feita e, como é claro, tanto bastava para concluir pela ilegitimidade.

Portanto, dir-se-á que, fruto da apontada especificidade da análise levada a cabo pelo TAF de Beja – cujo acerto aqui não cabe apreciar, por não ter sido sindicado - os termos em que o recurso jurisdicional se mostra formulado acabam por ser insuficientes e manifestamente ineficazes para atacar o decidido, já que, ainda que o Tribunal desse razão à Recorrente quanto à vertente por si atacada, restaria incólume o juízo adoptado quanto ao demais (não cumprimento do ónus da prova que impende sobre a Administração Tributária, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT).

Nesta conformidade, há que julgar improcedentes as conclusões do recurso, mantendo-se o decidido, no sentido da ilegitimidade da oponente relativamente às dívidas que vimos analisando, cujo período temporal cobre Novembro de 2006 a Agosto de 2007.


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Aqui chegados, resta-nos apreciar, em substituição, os fundamentos da oposição que não foram analisados, por o seu conhecimento ter ficado prejudicado face à solução dada anteriormente, no que respeita às dívidas de quotizações do período compreendido entre Novembro de 2005 e Outubro de 2006. Esclareça-se que as partes foram notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 665º, nº3 do CPC, nada tendo dito.

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Analisemos, então, se efectivamente as dívidas em causa estão, ou não, prescritas.

A Oponente, ora Recorrida, defende que sim.

Já a Recorrente entende que não, pois, do seu ponto de vista, há que ter em devida conta que a notificação pessoal da oponente, pelo Instituto da Segurança Social, nos termos e para os efeitos previstos no art. 105, n.º 4, alínea b), do RGIT obsta a que se julguem prescritas tais dívidas.

Vejamos se assim é.

Recuperando a apreciação feita no acórdão do TCA Norte, de 28/09/17, no acórdão nº 01241/16.4BEAVR, diremos que “… o prazo de prescrição aplicável às dívidas à segurança social é de 5 anos, as quais são objecto de disciplina especial em relação às demais dívidas tributárias no que ao prazo e factos interruptivos da prescrição respeita (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 49.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro, os n.ºs 3 e 4 do artigo 60.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro e os n.ºs 1 e 2 do artigo 187º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro).

O n.º 3 do art. 49º LGT é de aplicação subsidiária às dívidas da segurança social, porquanto a especialidade do regime da prescrição das dívidas à segurança social respeita apenas ao prazo (5 anos e não 8), respectivo “dies a quo” (a data em que a obrigação deveria ter sido cumprida) e factos interruptivos (quaisquer diligências administrativas, realizadas com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducentes à liquidação ou à cobrança bem como, desde a entrada em vigor do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, a apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação), sendo de aplicar as regras da LGT no que não está especialmente regulado atenta a vocação desta Lei para regular a generalidade das relações jurídico-tributárias, afirmada no seu artigo 1.º (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária: Notas Práticas, 2.ª ed., 2010, p. 126).

Só assim não seria se o legislador, no domínio da Segurança Social, (i) tivesse afastado a aplicação dessa norma, o que não fez - nem quando aprovou a Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007), nem quando aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, cuja aprovação e entrada em vigor ocorreram já após a alteração ao artigo 49.º n.º 3 da LGT introduzida pela Lei n.º 53-A/2006 -, ou se (ii) o regime especial previsto para tais obrigações fosse incompatível com a aplicação da norma do n.º 3 do artigo 49.º da LGT, o que não é o caso porquanto o facto de no domínio da segurança social serem factos interruptivos da prescrição quaisquer diligências administrativas tendentes à liquidação ou à cobrança da dívida de que seja dado conhecimento ao responsável pelo pagamento apenas significa que o legislador se dispensou de, em concreto, as enumerar, preferindo utilizar como técnica legislativa uma cláusula geral, ou, finalmente, se se (iii) descortinassem razões pelas quais se fosse levado a entender que o regime que vale para a generalidade das obrigações tributárias desde 1 de Janeiro de 2007 não deve valer igualmente para as dívidas à segurança social, o que também se não descortina Seguimos de perto o douto acórdão do STA n.º 01500/14 de 20-05-2015 Relator: ISABEL MARQUES DA SILVA.

Acresce que sempre entendeu a jurisprudência, que os n.ºs 2 e 3 do artigo 48.º da LGT, bem como o n.º 2 do artigo 49.º da LGT, revogado pela Lei n.º 53.º-A/2006, de 29 de Dezembro, são disposições subsidiariamente aplicáveis às dívidas à Segurança Social, em conformidade, aliás, com o âmbito de aplicação que a LGT define para si própria (cfr. o seu artigo 1.º) e com a natureza jurídica tributária das dívidas à segurança social – cfr., a título de exemplo, os Acórdãos do STA de 12 de Abril de 2012, rec. n.º 115/12, de 9 de Maio de 2012, rec. n.º 282/12 e de 31 de Outubro de 2012, rec. n.º 761/12.

Por conseguinte, a norma do n.º 3 do artigo 49.º da LGT é aplicável à interrupção da prescrição das dívidas à segurança social, embora com adaptações.

Enquanto os factos interruptivos da prescrição das dívidas tributárias elencados no n.º 1 do artigo 49.º da LGT têm todos eles efeito duradouro (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., pp. 57/58 e 69/72), assim não é quanto aos factos interruptivos da prescrição das dívidas à segurança social, alguns dos quais - como a notificação para audiência prévia -, têm efeito meramente instantâneo, enquanto outros têm também efeito duradouro (como a citação para a execução, ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil).

Daí que, por paridade de razões com o que se verifica para as demais dívidas tributárias, se entende que a limitação a uma das interrupções da prescrição das dívidas à segurança social apenas vale para as que têm o efeito duradouro de impedir que novo prazo comece a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”.

No caso concreto, tenhamos presente que, atento o prazo prescricional de cinco anos e o início da sua contagem, a dívida mais antiga, de Novembro de 2005, teria de ser paga até 15 de Dezembro do mesmo ano, pelo que o prazo prescricional de cinco anos consumar-se-ia – na ausência de qualquer facto suspensivo ou interruptivo – em 15 de dezembro de 2010.

Vista a matéria de facto, temos que em 30/08/10, ou seja, ainda a decorrer o prazo de 5 anos, ocorre o primeiro facto com efeito interruptivo da prescrição, a saber a notificação para o exercício do direito de audição da revertida.

Ora, a notificação para audiência prévia da M... determinou a inutilização para a prescrição do tempo anteriormente decorrido e o início da contagem de novo prazo de 5 anos.

Em Novembro de 2011 ocorre a citação da revertida e com esta interrupção, nos termos já vistos, inutilizou-se para a prescrição todo o tempo anteriormente decorrido, não começando novo prazo de prescrição a correr enquanto não findar o processo executivo no qual aquela interrupção se verificou (artigo 327º/1 do Código Civil).

Assim sendo, resulta claro que a dívida exequenda mais antiga reclamada nos processos de execução fiscal não está prescrita.

Acresce que é já irrelevante ponderar o efeito da notificação do ofício a que aludem os pontos TT) e UU) do probatório, ofício esse, aliás, dirigido à devedora originária e não à revertida. E, a este propósito, importa não perder de vista que as causas de interrupção da prescrição ocorridas relativamente ao devedor principal são oponíveis ao devedor subsidiário (cfr. artigo 48º, n.º 2 da LGT), a não ser que a citação deste (devedor subsidiário) ocorra mais de 5 anos após a liquidação do imposto (cfr. artigo 48º, n.º 3), o que aqui sempre se verificaria.

Em suma, e sem necessidade de nos alongarmos, concluímos que as dívidas em apreciação não se mostram prescritas.


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Prossigamos sem perder de vista que já só se mostram em discussão as dívidas relativas a quotizações de Novembro de 2005 e Outubro de 2006, relativamente às quais nenhum fundamento de oposição foi apreciado pelo TAF de Beja, tal como antes deixámos explicado.

Um dos fundamentos invocados na p.i oposição prende-se com ilegalidade do despacho de reversão resultante da circunstância de o mesmo não ter indicado a concreta alínea do artigo 24º da LGT que sustentou a reversão – lê-se no articulado inicial, além do mais, o seguinte: “reportando-se o referido projecto ao art. 24º da LGT, de forma genérica e simplista, inviabilizou assim qualquer participação da oponente no procedimento, porquanto a mesma desconhecia, como desconhece, a que título a SPE de Beja do IGFSS IP a pretendia responsabilizar”.

Vejamos o que dizer a este propósito, chamando à colação o teor do acórdão do STA, de 09/04/14, processo nº 954/13, com relevo para a presente decisão.

“É inquestionável que a Administração tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou legítimos interesses dos administrados, em harmonia com o princípio plasmado no art. 268º da CRP e acolhido nos arts. 124º do CPA e 77º da LGT. E como a doutrina e a jurisprudência têm vindo exaustivamente a repetir, a fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao contribuinte um conhecimento concreto da motivação do acto; e congruente, de modo que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação.

Assim, a fundamentação deve ser entendida como a obrigação de enunciar expressamente (de modo directo ou por remissão) os motivos de facto e de direito que determinaram o agente ou órgão decisor, esclarecendo o seu destinatário das razões que o motivaram e do porquê do sentido decisório, visando proporcionar ao administrado o conhecimento do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto.

Deste modo, o acto só estará fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o artigo 487º, nº 2, do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação”.

No caso presente, emerge clara e expressamente do teor do despacho de reversão [transcrito na alínea L) do probatório] que:

“Nos termos do art. 24º da LGT encontram-se preenchidos os requisitos exigidos no nº 2 do art. 23º da LGT, em conjugação com o art. 153º do CPPT e foi dado cumprimento ao estabelecido no nº 4 do art. 23º bem como no nº 3 e 5 do art. 60º da LGT, nessa medida CITE-SE, nos termos do art. 23º da LGT e art. 160º do CPPT o responsável subsidiário, a fim de o processo de execução fiscal seguir os seus trâmites em sede de reversão” -

Quer isto dizer que tal despacho é absolutamente omisso quanto à concreta alínea do artigo 24º da LGT que sustentou a reversão.

É, assim, inequívoco que o despacho de reversão se fundamenta, além do mais, no artigo 24º da LGT, sem enunciar, como devia, qualquer das duas normas contidas no seu nº 1, “pese embora cada uma delas tenha um âmbito de aplicação próprio e específico: enquanto a norma da alínea a) se aplica aos casos em que as dívidas se constituíram no período de exercício do cargo de gerente mas foram postas à cobrança depois da cessão dessas funções ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício, já a norma da alínea aplica-se aos casos em que o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tenha terminado no período de exercício do cargo.

E as implicações da imputação da responsabilidade por cada uma dessas normas são legalmente relevantes, tendo em conta a bipartição de regimes quanto à repartição do ónus da prova: enquanto na alínea a) não se prevê qualquer presunção de culpa do gerente da sociedade, ficando, por isso, a cargo da Fazenda Pública o ónus de provar que foi por culpa daquele que o património social se tornou insuficiente para satisfação das dívidas, já na alínea b) se onera o responsável subsidiário com a prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento.

O que significa que, no caso, e face ao teor do despacho de reversão, não se sabe qual delas determinou a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, ora recorrido, isto é, não se sabe se recaía sobre este o ónus de prova de que não tinha tido culpa na insuficiência dos bens da executada originária para pagamento das dívidas tributárias ou se esse ónus de prova recaía sobre a administração tributária” – ac. citado, de 09/04/14.

Sobre a mesma questão que aqui nos ocupa já se pronunciou igualmente o TCA Norte, no acórdão de 08/03/12, no processo n.º 1449/07.3BEPRT, citado no acórdão do mesmo Tribunal, de 13/03/14, no processo nº 305/09.5BEPNF:

“Vista tal fundamentação, fácil é concluir que a Administração Tributária não esclareceu suficientemente as razões de facto que levaram à reversão da execução contra o Recorrido, nem, por outro lado, fez qualquer referência às disposições legais, normas ou princípios jurídicos em que fez assentar a reversão.

De resto, o emprego da expressão “exercício de funções de gerência no período” é absolutamente ambíguo e insuficiente para determinar o possível enquadramento da situação numa das alíneas previstas no nº1 do artigo 24º da LGT, já que a responsabilidade subsidiária dos gerentes tanto pode respeitar às dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste (alínea a) do artigo 24º) ou pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo (alínea b) do artigo 24º). Ora, o enquadramento numa ou noutra alínea assume, como se sabe, enorme relevância pois que, neste último caso – alínea b) – é ao revertido que cabe provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento, ou seja, só neste caso a Administração Tributária beneficia de uma presunção legal de imputabilidade ao gerente da falta de pagamento da dívida.

(…) Aqui chegados, importa retomar o acórdão citado do TCAN, de 18 Fevereiro 2010, nos termos do qual: “a simples referência de que o Oponente foi «sócio-gerente» nada permite conhecer relativamente ao fundamento por que a AT entendeu responsabilizá-lo pelas dívidas exequendas. Note-se que não pode este Tribunal, sob pena de ilegal intromissão na actividade administrativa e de intolerável restrição dos direitos dos administrados, substituir-se à Administração na fundamentação do despacho que determinou que a execução fiscal revertesse contra o aqui Recorrente, procurando e elegendo agora, de entre as várias possibilidades que podem em abstracto justificar tal decisão, aquela que se lhe afigure mais ajustada à situação…” .

Procede, pois, a invocada ilegalidade, por falta de fundamentação, do despacho de reversão da execução fiscal contra a ora Recorrida, determinando-se anulação daquele acto. Consequentemente, e sublinhando que apenas está em causa já a reversão das dívidas de relativas a quotizações de Novembro de 2005 e Outubro de 2006, julga-se a oposição procedente na parte correspondente.

Face ao decidido, fica, assim, prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos invocados.


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III - DECISÃO


Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em:

- conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença na parte em que considerou prescritas as dívidas relativas a quotizações do período compreendido entre Novembro de 2005 e Outubro de 2006;

- manter o decidido quanto ao mais;

- conhecendo em substituição, quanto às dívidas relativas a quotizações do período compreendido entre Novembro de 2005 e Outubro de 2006, julgar a oposição procedente, com fundamento na falta de fundamentação do despacho de reversão, determinando a sua anulação.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 17.09.20


(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro)

(Cristina Carvalho)