Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8632/15.6BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
FIXAÇÃO DO VALOR PATRIMONIAL
2.ª AVALIAÇÃO NO REGIME DO CCPIIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I. A fundamentação do ato tributário, enquanto ato administrativo que é, deve ser expressa, clara, congruente e suficiente, o que significa que deve conter de forma clara a elucidação das razões de facto e de direito que conduziram à sua elaboração, dado que a mesma visa, essencialmente, permitir ao destinatário que de foram esclarecidas e conscientes o possa aceitar ou impugnar.

II. Ambas as avaliações (1.ª e 2.ª) tem por finalidade a fixação do valor tributável dos prédios, sendo, porém, autónomas uma da outra, o que significa que a segunda avaliação, nos casos é solicitada, constitui um procedimento novo, ou seja, uma nova avaliação, distinta e autónoma da primeira, como se infere do disposto no artigo 279.º do CCPIIA.

III. O ato de 2.ª avaliação não se mostram suficientemente fundamentados, quando não evidência as concretas razões porque foi atribuído o valor locativo, tal como se exige nos artigos 125.º, 133.º e 144.º regra 7.ª do CCIIA para alcançar o rendimento colectável.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

J..., deduziu impugnação judicial contra o resultado da 2ª avaliação da fração autónoma designada pelas letras "BI", que constitui a garagem nº 55 do prédio sito na Rua F..., inscrito na matriz sob o nº 8... da freguesia de São Mamede, em Lisboa, avaliação essa que manteve o valor patrimonial de 14.544,95€.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença de 03 de dezembro de 2014, julgou procedente a impugnação.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer da decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«I - Visa o presente Recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por J... (falecido em 25/08/201 1), actualmente representado pela Recorrida e, determinou a anulação do acto de segunda avaliação da fracção autónoma designada pelas letras "81", que constitui a garagem/parqueamento n.º 55 integrada no prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua F..., Lisboa, inscrito sob o artigo n.º 8....da freguesia de S. Mamede e, com a qual não concordamos

II - A fundamentação da Sentença recorrida assenta, em síntese, no seguinte entendimento :

«(...) cabia aos louvados que procederam à segunda avaliação fundamentarem de forma clara, expressa e congruente as razões pelas quais não aceitaram o argumento do impugnante e quais as concretas razões pelas quais a fracção do impugnante é avaliada por um valor claramente superior ao das duas fracções que a ladeiam»;

III - Por último, «(...) a fundamentação do termo de avaliação mostra-se manifestamente insuficiente, o que, de acordo com o disposto no artigo 125.º, n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo, equivale à falta de fundamentação»

IV - Na situação "sub judice " está em discussão saber se tal como o Tribunal "a quo" refere a fundamentação do Termo de Avaliação é manifestamente insuficiente, o que, de acordo com o disposto no artigo 125.º, n.º 2 do CPA equivale à falta de fundamentação;

V - Nos termos do art. 2.0, alínea d) do CPPT, as normas do CPA só serão subsidiariamente aplicáveis se houver uma lacuna, de natureza adjectiva, na regulamentação do CPPT e dos diplomas a que se refere o seu artigo 1.º;

VI - Antes da Reforma do Património o regime das avaliações prediais urbanas encontrava-se regulado pelo CCPllA, aprovado pelo Decreto - Lei n.º 45104, de 1 de Julho de 1963;

VIII - Com a falta de um Código das Avaliações, a base de determinação do valor tributável manteve-se inalterável, ou seja, determinava o art. 125.º do CCPllA que o rendimento colectável dos prédios não arrendados obtinha-se deduzindo do valor locativo a percentagem e encargos mencionados no art. 113.º;

IX - Assim, no caso em apreço, e porque o Impugnante não concordou com o resultado da primeira avaliação da fracção autónoma em crise, nomeadamente com o valor que lhe foi fixado (2.916.000$00) nos termos do disposto no art. 278.º do CCPllA , requereu uma segunda avaliação nos termos do disposto no art. 279.º do mesmo diploma legal;

X - Previa o art. 280.º do supra citado Código que os contribuintes que requeiram primeiras ou segundas avaliações deveriam descrever os prédios, com todas as suas confrontações ou com a indicação do respectivo número de polícia, se o tiverem, designar os artigos matriciais correspondentes e declarar o rendimento que atribuam aos mesmos prédios;

XI - Atento o supra exposto e, consultados os autos constatámos que relativamente à fracção "BI" existe um conhecimento de sisa onde o Impugnante declara que a compra da predita fracção foi pelo preço de 2.500.000$00 (cfr. fls. 38 do PA), preço diferente do que foi atribuído à fracção "BK", ou seja, 1.500.000$00, como se pode verificar pelo conhecimento de sisa constante a fls. 45 dos autos;

XII - Assim, os peritos quando fizeram a avaliação das fracções supra referenciadas dispunham dos preços de 2.500.000$00 e de 1.500.000$00, e limitaram-se a apurar o rendimento colectável tendo presente a legislação à data dos factos, ou seja, segundo as regras do CCPllA, nomeadamente no seu art. 125.º «o rendimento colectável dos prédios não urbanos não arrendados obtém-se deduzindo do valor locativo a percentagem e encargos mencionados no art. 113.º»;

XIII - No que se refere à fracção autónoma designada pelas letras "BI" (garagem/parqueamento) o rendimento colectável 194.400$00 foi apurado deduzindo-se do valor locativo (270.000$00) a percentagem de despesas de conservação (27.000$00) e encargos fixos (48.600$00) vide caderneta predial constante a fls. 36 e 37 do PAT;

XIV - P..., quer na qualidade de louvado, quer na qualidade de Impugnante ao não concordar com o resultado da avaliação deveria ter apresentado prova de outros factos ou outra valoração e interpretação dos mesmos que pudessem permitir àquela Comissão um valor patrimonial diferente para o imóvel em questão, mas também isso não conseguiu;

XV - Assim, pese embora o Impugnante tenha participado na decisão que lhe dizia respeito, não logrou convencer os outros elementos da Comissão, tendo por isso sido parte vencida;

XVI - Não chega alegar que as fracções "BL", "BK" e "81" tinham uma área de 16,50m2, 13,44m2 e 12,10m2, respectivamente, já que, nos termos do art. 74.º da LGT o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, o que no caso em apreço, competia ao Impugnante, o que não logrou apresentar, até à presente data;

XVI - Aliás, entendimento, também, perfilhado pelo DMMP já que no parecer refere "Pelas razões de facto e de direito, aduzidas pela AT, a f/s. 57 a 65, do PAT apenso, com as quais se concorda e que aqui se dão por reproduzidas, afigura-se-nos que a douta impugnação apresentada é improcedente» (cfr. fls. 155 dos autos

XVII - A sentença ora recorrida, a manter-se na ordem jurídica revela uma inadequada interpretação e aplicação do direito, designadamente as normas vertidas no art. 125.º do CCPllA e no art. 77.º n.º1 da LGT.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando­ se, em consequência a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.»


»«

A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

»«

Os autos foram com vista à Exma. Sra. Procuradora Geral - Adjunta junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n. º1 do CPPT, que emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

»«

Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.


»«

2 – OBJECTO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que vêm submetidos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT).

Termos em que as questões que aqui importa aqui decidir, consistem, antes de mais em saber se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito ao decidir pelo vicio de forma por falta de fundamentação da decisão de fixação do valor patrimonial do imóvel urbano e errada interpretação e aplicação do direito, designadamente as normas vertidas no artigo 125.º do CCPllA e no artigo 77.º n.º1 da LGT.

3 - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

É a seguinte a materialidade dada por provada na sentença recorrida:

« A) Em 14.02.1994 foi assinado junto do 24° Cartório Notarial de Lisboa, por representantes do I..., o escrito denominado "Constituição de Propriedade Horizontal" relativamente ao prédio sito na Rua F..., em Lisboa, sendo atribuída a permilagem de 5,6 às garagens "AS" e "BN" e a permilagem de 3,3 a todas as restantes 76 garagens (cfr. doC. de fls. 79 a 90 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

B) Em 29.06.1994 o impugnante assinou o termo de declaração de SISA no qua declarou pretender pagar a SISA devida com referência à compra que iria fazer pelo preço de 2.500.000$00 da fração autónoma designada pelas letras "BI" que constitui a garagem nº 55 do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua F..., em Lisboa (dr. fls. 38 e 39 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

C) Através do ofício nº 5156 de 12.11.1994, foi o impugnante notificado da avaliação efetuada à fração mencionada na alínea antecedente, aí constando o valor patrimonial final de 2.916.000$00, resultado da aplicação da seguinte fórmula: 270.000$00 (Valor Locativo) - 27.000$00 (Dedução de 10% de despesas de conservação) - 48.600$00 (dedução de encargos nos termos do artigo 115º do C. da Contribuição Predial) = 194.400$00 (Rendimento Colectável) X 15 = 2.916.000$00 (Valor Patrimonial) (cfr. fls. 9 dos autos).

D) O prédio identificado em A) foi inscrito na matriz sob o artigo 8...° da freguesia de S. Mamede, concelho de Lisboa, dele fazendo parte 78 frações para estacionamento, sendo que destas 9 frações foram avaliadas em 2.268.000$00, duas delas em 3.240.000$00 e as restantes em 2.916.000$00, em que se inclui a fração do impugnante (dr. fls. 46 a 56 dos autos).

E) O impugnante apresentou pedido de 2ª avaliação nos termos do disposto no artigo 279º do Código da Contribuição Predial (acordo).

F) Em 25.09.2003 foi elaborado termo de avaliação com o seguinte teor:


«Imagem no original»

G) Conforme o termo de avaliação mencionado na alínea antecedente foi, no mesmo dia 25.09.2003 concluída a 2ª avaliação da fração referida em A), tendo sido mantidos integralmente os valores considerados na 1ª avaliação, sendo a mesma assinada por todos os louvados (cfr. fls. 47 do PA).

H) O Impugnante foi notificado da 2ª avaliação mencionada em E) em 29.09.2003 (acordo e cfr. fls. 50 e 51do PA).

I) A presente impugnação judicial foi apresentada em 15.12.2003 (dr. fls. 2 dos autos).


***

Factos Não Provados: Não foi provado que as fracções "BL", "BK" e "BI" tivessem a área de 16,50m2, 13,44m2 e 12,10m2, respetivamente.

***

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

***

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na posição factual expressa pelas partes na p.i. e contestação, na prova documental junta aos autos e no processo administrativo em apenso. O facto não provado assenta na ausência absoluta de qualquer elemento de prova que permita concluir qual a efetiva área de cada uma das frações de estacionamento, já que tal facto não resulta nem da escritura de constituição de propriedade horizontal, nem da matriz.»
»«

De direito

Em sede de aplicação do direito a sentença recorrida julgou procedente a impugnação e determinou a anulação do ato de segunda avaliação da fração “BI”, que constitui a garagem/parqueamento n.º 55 do prédio urbano inscrito sob o artigo n.º 8... da freguesia de S. Mamede em Lisboa, ancorada em normas constantes do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Industria Agrícola (CCPIIA), por considerar que a fundamentação do termo de avaliação se mostra manifestamente insuficiente, o que, de acordo com o disposto no artigo 125°, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), equivale à falta de fundamentação, razão pela qual determinou a sua anulação

Por seu lado, a recorrente, Fazenda Pública (FP), não se conformando com a decisão proferida vem dela recorrer apontando à sentença erro de julgamento de facto e de direito ao decidir pelo vicio de forma e errada interpretação e aplicação do direito, designadamente as normas vertidas no artigo 125.º do CCPllA e 77.º n. º1 da LGT.

No salvatério a recorrente alude a que a avaliação do imóvel se processou no âmbito das regras definidas no Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Industria Agrícola (CCPIIA), tendo a 2, ª avaliação decorrido nos termos do artigo 279.º do referido diploma.

Informa que “relativamente à fracção "BI" existe um conhecimento de sisa onde o Impugnante declara que a compra da predita fracção foi pelo preço de 2.500.000$00 (cfr. fls. 38 do PA), preço diferente do que foi atribuído à fracção "BK", ou seja, 1.500.000$00, como se pode verificar pelo conhecimento de sisa constante a fls. 45 dos autos;” - concl. XI

Acrescenta que os peritos que procederam à avaliação da fração em conflito se limitaram a apurar o rendimento coletável tendo presente a legislação à data dos factos, ou seja, segundo as regras do CCPllA, nomeadamente no seu artigo 125.º «o rendimento colectável dos prédios não urbanos não arrendados obtém-se deduzindo do valor locativo a percentagem e encargos mencionados no art. 113.º»;” – concl. XII

Considera a recorrente que o impugnante, quer enquanto sujeito passivo, quer enquanto louvado da parte, “ao não concordar com o resultado da avaliação deveria ter apresentado prova de outros factos ou outra valoração e interpretação dos mesmos que pudessem permitir àquela Comissão um valor patrimonial diferente para o imóvel em questão, mas também isso não conseguiu;” – concl. XIV a XVI

Conclui dizendo que a sentença recorrida “revela uma inadequada interpretação e aplicação do direito, designadamente as normas vertidas no art. 125.º do CCPllA e no art. 77.º n. º1 da LGT.” – concl. XVII

Antes de prosseguir, vejamos discurso fundamentador alinhado na sentença recorrida, diz-se ali:

“(…) tendo em conta a data da 1ª avaliação e os efeitos temporais a que se reporta a 2° avaliação, a legislação aplicável é a contida no Código da Contribuição Predial e do Imposto Sobre a Indústria Agrícola (CCPIIA), sendo que a avaliação a efetuar nos termos de tal diploma legal tinha em vista determinar valor patrimonial dos imóveis de acordo com os índices previstos nos artigos 113° e ss. do citado CCPIIA. Por outro lado, quando o sujeito passivo ou a A.T. não concordassem com o resultado da 1ª avaliação, podiam requerer uma 2ª avaliação nos termos do disposto no artigo 279° do mesmo diploma legal, a efetuar por louvados diferentes dos que interviera na primeira avaliação, em número de três, sendo aplicáveis as regras da 1ª avaliação, tudo nos termos dos artigos 279° e 283° do CCPIIA.

Assim, a avaliação, nos termos do disposto no artigo 130° do mesmo Código, seria efetuada com precedência de vistoria, tendo por objetivo determinar o rendimento colectável (valor tributável, ou seja o que resultar da capitalização do rendimento colectável, através do factor de aplicação 15, nos termos do artigo 6°, nº 1 do Decreto-Lei nº 442°-C/88) tal como se encontra definido nos artigos 36° e 125° do CCPIIA.

Como referido no acórdão do TCA Sul de 25.11.2008, proferido no processo nº 02632/ 08, "Tanto a primeira avaliação com a segunda, têm em vistn o mesmo fim , ou seja encontrar o valor tributável do prédio, tendo em conta então, os citados índices dos art.ºs 113.º e segs do citado Código, sendo autónomas uma da outra, não se tratando a segunda de um recurso da primeira ou de um seu complemento, mas de uma avaliação completamente nova, distinta e autónoma, efectuada por louvados diferentes que não tenham intervindo na primeira , como se dispõe na norma do citado art.0 279.º do mesmo CCPIIA.

Assim sendo, como não poderá deixar de ser, a fundamentação de uma não pode relevar para a fundamentação da outra, como pretende a recorrente, que a fundam entação da primeira seja aproveitada na segunda - cfr. sua conclusão 2ª - tendo a fundamentação de cada uma delas de ser analisada e ponderada, se satisfaz os requisitos legais, de per si, que não como complemento ou acréscimo de fundamentação de urna em relação à outra".

Feito de forma sintética o panorama legal aplicável aos procedimentos de avaliação de prédios urbanos nos termos do CCPIIA, cumprirá aferir se ocorre a invocada falta de fundamentação do ato de fixação do valor patrimonial decorrente do procedimento de 2ª avaliação da fração "BI", garagem nº 55, propriedade do impugnante.

Vejamos.

O princípio constitucional da fundamentação dos atos administrativos (artigo 268º, nº3, da CRP) encontra-se densificado nos artigos 124º e 125º do CPA e no artigo 77º, nºs 1 e 2, da LGT (ato administrativo tributário).

O direito à fundamentação do ato tributário, ou em matéria tributária, constitui uma garantia específica dos contribuintes e, como tal, visa responder às necessidades do seu esclarecimento, procurando-se informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do ato por forma a permitir-lhe conhecer as razões de facto e de direito que determinaram a sua prática e qual o motivo por que se decidiu num sentido e não noutro.

Tem, aliás, conforme expresso no Acórdão do STA de 02/02/ 2006, Proc. nº 1114/05, "o dever legal de fundamentação, a par de uma Junção exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do neto ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada e séria".

Neste sentido, a fundamentação deve externar, de forma sucinta, os elementos e critérios de facto e de direito que serviram de suporte à decisão tomada, por forma a possibilitar aos interessados uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa (artigo 77',nº l, da LGT).

Fundamentação essa que tem de ser contextual, ou seja contemporânea e integrada no próprio ato, ainda que sob forma remissiva, na perspetiva da respetiva sindicabilidade na via contenciosa.

(…)

Ora, o impugnante apresentou pedido de 2ª avaliação da sua fração "BI", sendo certo que a principal razão pela qual o fez reside na circunstância de, tal como alega na impugnação, as fracções de estacionamento "BL" e BK", que rodeiam a sua, terem uma área superior e um valor patrimonial inferior.

Face a esta posição do impugnante, que interveio na 2ª avaliação como louvado em nome próprio, os restantes louvados, de forma verdadeiramente impressionante, proferiram a seguinte fundamentação : "A Comissão por maioria decidiu manter o valor da ia avaliação. O louvado da parte vota vencido porquanto existem pelo menos dois estacionamentos ditas garagens, BL nº 58 e BK nº 57, que têm áreas superiores à fracção BI, sendo a do BL 16,52 m2 e a do BK 13,47 m2 e a BI 12,10 m2, sendo certo que foi atribuído um valor patrimonial à fracção BI de 2.916.000 Escudos, ou seja, 14.580€ enquanto as outras duas têm um valor patrimonial de 2.268.000Escudos ou seja 11.340€".

(…)

Uma coisa é certa, cabia aos louvados que procederam à segunda avaliação fundamentarem de forma clara, expressa e congruente as razões pelas quais não aceitaram o argumento do impugnante e quais as concretas razões pelas quais a fração do impugnante é avaliada por um valor claramente superior ao das duas frações que a ladeiam.

Em face das deficiências de fundamentação expostas, verificando-se vício de forma, tal impossibilita o controlo do acto e saber se ocorreu, com a segurança e certeza exigíveis, algum erro nos pressupostos de facto. Assim, o ato de avaliação contestado não esclareceu, como devia, o seu destinatário acerca do itinerário cognoscitivo e valorativo que levou à sua prática com um certo conteúdo, impedindo-o de conhecer as razões, de facto e de direito, que levaram a A.T. a decidir num sentido e não noutro. E, da mesma forma, sendo patente a total e absoluta ausência de fundamentação do ato, nem o próprio Tribunal tem a possibilidade de sindicar a validade dos eventuais pressupostos de facto em que assentou o ato de avaliação.

(…)” – fim de citação

Pode, já adiantar-se que o assim decidido, não nos merece qualquer censura e que é de manter.

Com efeito, os atos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos, conforme disposto no artigo 268.º, n.º 3, da CRP.

Neste sentido os artigos 125.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) - em vigor à data dos factos - e bem assim o 77.º n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT) mantém que a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo, acrescenta a lGT, os que integrem o relatório de fiscalização tributária.

Assim e conforme a jurisprudência tem vindo a entender, de forma reiterada, “… a elevação à categoria de garantia do contribuinte do dever de fundamentação facilmente se percebe quando atentamos nos objectivos deste instituto, quer se trate do propósito de pacificação das relações entre a Administração e o Administrado, quer na perspectiva da defesa do contribuinte, quer, ainda, tendo em vista o próprio autocontrole da Administração. Na verdade, um contribuinte conhecedor dos motivos do acto praticado pode convencer-se da sua justeza e aceitá-lo ou, conhecendo os motivos e deles discordando, pode atacar o acto pondo em causa os seus fundamentos, sendo certo, também, que tal dever funcionará, ainda, como forma de a própria Administração se autofiscalizar e autocontrolar em resultado da reflexão e ponderação sobre os motivos que estão na origem do acto (cfr. o acórdão deste TCAN de 17.05.2012, proc. n.º 137/02-Porto)” – cfr. ac. do TCAN proferido em 15/03/2013 no processo n.º 00122/03-Porto.

Donde se retira que a fundamentação do ato tributário, enquanto ato administrativo que é, deve ser expressa, clara, congruente e suficiente, o que significa que deve conter de forma clara a elucidação das razões de facto e de direito que conduziram à sua elaboração, dado que a mesma visa, essencialmente, permitir ao destinatário que de foram esclarecidas e conscientes o possa aceitar ou impugnar.

Do mesmo modo tem sido assumido que, equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, pela sua obscuridade, contradição ou insuficiência não permitam em concreto elucidar o destinatário do ato quanto aos motivos da decisão, o que não impede que “(…) essa fundamentação possa consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. o art. 77º da LGT), tendo-se como constitucionalmente adequada a fundamentação que respeite os mencionados princípios da suficiência, da clareza, e da congruência e que, por outro lado, seja contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori (cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. n.º 01674/13 e de 23/4/2014, proc. n.º 01690/13).
E a violação destes requisitos da decisão implica a respectiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação, em sede do adequado meio processual.» (disponível em www.dgsi.pt/).” – cfr. Ac. do STA proferido em 09/09/2015, no processo n.º 01173/14.

No caso em apreço, está em causa um ato de fixação de um concreto valor patrimonial de um imóvel – o prédio urbano a que se refere o ponto B). do probatório -, importaria que do seu teor resultassem expressos e justificados os fatores/critérios que motivaram a fixação daquele valor, o que, basta a leitura do termo de avaliação constate do probatório para concluir que o mesmo não se verifica - ponto F).

Atentemos, antes de prosseguir, ao que nos dizia, à data, o direito aplicável.

No que respeita aos prédios urbanos o CCPIIA, distinguia prédios arrendados de não arrendados, dizendo o artigo 113.º, que o rendimento coletável dos prédios arrendados é igual às rendas efetivamente recebidas em cada ano, liquidas de uma percentagem para despesas de conservação e dos encargos referidos no artigo 115.º quando suportados pelo senhorio, sendo que, relativamente aos prédios não arrendados o rendimento corresponde à “justa renda pelo período de um ano em regime de liberdade contratual” (§ único do artigo 125.º do extinto código da CPIIA), sendo que na determinação dessa “justa renda” concorrem fatores objetivos ou objetiváveis, como o confronto com outros que se encontrem dados de arrendamento, em regime de liberdade contratual, de preferência na mesma localidade, e que melhor sirvam de padrão (artigos 133.º e 144.º, regra 7.ª do mesmo compendio legal).

Na situação dos autos, conforme resulta da factualidade assente, nomeadamente do termos de avaliação (ponto F) do probatório), damos conta que a posição que ali fez vencimento nada refere quanto ao modo como chegou ao valor fixado, quedando-se com a indicação de: “A comissão por maioria decidiu manter o valor da 1.ª avaliação…”, e não obstante tenha sido ali acrescentada a posição assumida pelo louvado da parte, que voltou vencido referindo que existe no local outras garagens, que identificou, com áreas superiores a que foi atribuído valor patrimonial inferior, nada se diz ou infere no auto de avaliação quanto à posição por este assumida.

Nesta parte acolhemos o entendimento sufragado pelos tribunais superiores, como, de resto, a sentença recorrida também o faz de que ambas as avaliações (1.ª e 2.ª) se confinam na fixação do valor tributável dos prédios, sendo, porém, autónomas uma da outra, o que significa que a segunda avaliação, nos casos é solicitada, constitui um procedimento novo ou seja uma nova avaliação, distinta e autónoma da primeira, não sendo recurso ou complemento da primeira, como se infere do disposto no artigo 279.º do CCPIIA:

Quando o contribuinte ou o chefe da repartição de finanças não concordar com o resultado das avaliações, poderá ser requerida ou promovida, no prazo de oito dias, contados da data em que o primeiro tenha sido notificado, uma segunda avaliação, a efectuar por louvados diferentes, em número de três, sendo dois nomeados pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e o terceiro pelo contribuinte, seguindo-se quanto ao mais o estabelecido para a primeira avaliação.” – o negrito é nosso.

Neste sentido apelamos, mais uma vez, ao Acórdão do TCAS de 17/12/2009, prolatado no processo n.º 03283/09, de cujo discurso fundamentador com a devida vénia transcrevemos parte:

“Tanto a primeira avaliação com a segunda, têm em vista o mesmo fim, ou seja encontrar o valor tributável do prédio, tendo em conta então, os citados índices dos art.ºs 113.º e segs do citado Código, sendo autónomas uma da outra, não se tratando a segunda de um recurso da primeira ou de um seu complemento, mas de uma avaliação completamente nova, distinta e autónoma, efectuada por louvados diferentes que não tenham intervindo na primeira, como se dispõe na norma do citado art.º 279.º do mesmo CCPIIA.

Assim sendo, como não poderá deixar de ser, a fundamentação de uma não pode relevar para a fundamentação da outra, como parece pretender a recorrente, tendo a fundamentação de cada uma delas de ser analisada e ponderada, se satisfaz os requisitos legais, de per si, que não como complemento ou acréscimo de fundamentação de uma em relação à outra.” - (disponível em www.dgsi.pt/)

Regressando à situação em análise e atento o que se deixou dito quanto à fundamentação que constante do auto de avaliação, torna-se para nós óbvio que o ato de 2.ª avaliação aqui em conflito não se mostra suficientemente fundamentado, não evidenciado as razões, concretas, precisas, por que foi mantido o valor fixado na primeira avaliação, não mostrando qualquer referência ou similitude ao que seria ou poderia ser a “justa renda pelo período de um ano em regime de liberdade contratual” e bem assim e/ou as despesas de conservação e os outros encargos referidos no art.º 115.º do CCPIIA, de que o citado artigo 125.º exige para se alcançar tal rendimento coletável.

Termos em que, bem andou o Mmo. Juiz a quo ao decidir que as deliberações impugnadas padecem de falta de fundamentação.

Por tudo o que se deixou exposto resta-nos sufragar a sentença recorrida e julgar improcedentes in totum as conclusões recursivas, ao que se provirá na parte do dispositivo do presente acórdão.

3 - DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência, os juízes da 1.ª Subsecção de CT deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida que assim se mantém na ordem jurídica.

Sem custas porque delas estar isenta a FP, vencida nestes autos (processo instaurado anteriormente a 01/01/04 – artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11/02 - cfr. os artigos 14.º, n.º 1 e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27/12, bem como o artigo 18.º do DL n.º 324/2003, de 29/12).

Lisboa, 08 de julho de 2021

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Ana Cristina Carvalho e Ana Pinhol]


Hélia Gameiro Silva

(Assinado digitalmente)