Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1550/15.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/05/2019
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:FUSÃO;
JUROS;
IRC.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. Relatório

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa – que, julgando integralmente procedente a Impugnação Judicial deduzida por G... Portugal Unipessoal, Lda., anulou as liquidações adicionais de IRC e respectivos juros compensatórios relativas aos exercícios de 2010, 2011 e 2012 e a condenou a restituir à Impugnante o imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios - interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.

Nas alegações apresentadas concluiu nos seguintes termos:

A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação à margem identificada, e, em consequência decidindo anular os atos impugnados, com as legais consequências e ainda condenar a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios.

B. Ora, com o assim decidido, e salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode a Fazenda Pública conformar-se, padecendo a douta sentença de erro de julgamento quanto à matéria de direito.

C. Entende esta RFP que o douto tribunal incorreu em erro de julgamento: (1) ao considerar que o relatório da IT apresentava um erro de cálculo nas correções efetuadas, quando o que resulta do mesmo é que a consideração do valor efetuada se deveu ao facto de ser em relação àquele valor que são calculados os encargos financeiros aqui em causa; (2) ao determinar a anulação dos atos de liquidação, aqui em causa, por considerar que o artº75º- A, nº2, do CIRC, possui carater interpretativo quando tal não decorre da lei; (3) ao considerar que a desconsideração dos encargos financeiros colocaria em causa o regime da neutralidade fiscal quando as duas realidades não se confundem ou relacionam; e (4) ao determinar que importante é a indispensabilidade do custo à data do financiamento e não em momento ulterior à fusão quando princípios como o da especialização dos exercícios impõe exatamente o contrário.

D. Entendeu a sentença de que se recorre, acompanhando a argumentação da Impugnante, no final da página 48 e início da página 49, que há um erro de partida no relatório de inspeção relativo ao considerar o valor de €1.977.500,00, ora entende a RFP que incorreu em erro a referida sentença na sua conclusão.

E. De facto argumenta a Impugnante que a IT apresenta um erro de cálculo nas correções efetuadas, ou, não se tratando de erro de cálculo os montantes corrigidos, quanto aos montantes de €126.68,36 em 2010, de €138.425,00 em 2011 e de €38.804,25 em 2011, carecem de falta de fundamentação.

F. No entanto, conforme referido em sede própria, a correção da IT centra-se nos encargos suportados com os empréstimos obtidos pela aquisição das sociedades M... de Gestão e M... Unipessoal, entretanto extintas por fusão, e que a Impugnante suporta, ora, aqueles empréstimos somam o valor de € 76.947.592,00, ocorre que, por força de uma reestruturação operada em 2010 a Impugnante operou uma transferência contabilística daquele montante, aquilo que entenderam os serviços da IT, e que resulta do relatório de inspeção, é que, não existiu uma diminuição efetiva do valor dos empréstimos aqui em causa, por força da operada “reestruturação” a Impugnante mantém o valor em dívida e suporta encargos financeiros – os juros – exatamente nos mesmos termos de antes da “reestruturação” mas quanto ao montante de €1.977.500,00 alterou-se a entidade a que procede ao pagamento dos juros, conforme resulta do inscrito nas páginas 24, 26, 27 e 31 do relatório de inspeção tributária assim como dos pontos 41) a 61) dos “FACTOS PROVADOS” da sentença, pelo que, tratando-se a “reestruturação” de uma mera operação contabilística, mantendo-se o valor dos empréstimos que originam os encargos financeiros alterando-se apenas a entidade a quem são pagos os juros, entendeu a IT que tendo o empréstimo igual natureza a desconsideração dos seus encargos deveria ter igual tratamento.

G. Refere a sentença, na página 57: “Aliás, tal como mencionado pela impugnante, atualmente esta situação encontra-se de forma clara prevista no art.º 75.º-A, n.º 2, do CIRC, pelo que tal circunstância vale ainda como reforço interpretativo”, ora, incorreu em erro de julgamento a sentença de que se recorre ao decidir desta forma, porque a norma que ali refere, o artigo 75º-A, n.º 2, do CIRC não possuí qualquer caracter interpretativo.

H. Entendeu o douto tribunal, em sentido contrário ao propugnado pela Administração Fiscal, considerando que, nos anos subsequentes à fusão, os encargos financeiros vincendos são dedutíveis na esfera da sociedade incorporante em virtude de, antes da fusão, ter sido verificada a sua indispensabilidade para a obtenção de proveitos ou manutenção da fonte produtora da sociedade incorporada e a sobredita operação de reestruturação económica ser neutra para efeitos fiscais, entende esta RFP que incorreu também aqui o tribunal em erro de julgamento.

I. Atendendo ao decidido, o que verdadeiramente importa saber é se a indispensabilidade dos custos deve ser aferida em cada período de tributação, na esfera da entidade que emerge da fusão, ou se, pelo contrário, deve ser aferida uma única vez, reportando, apenas e só, ao exercício em que a obrigação da qual provém o gasto foi assumida, e tão-somente na esfera da sociedade que se obrigou, e, qual a relevância, para o caso em apreciação, do regime de neutralidade fiscal concedido á fusão.

J. Compete decidir (1) se os requisitos de indispensabilidade que a lei faz depender a aceitação dos gastos para efeitos fiscais devem verificar-se:
a. Em cada período de tributação, na esfera da sociedade que é, em cada um desses períodos, o sujeito passivo de IRC - conforme defende a AT;
Ou, pelo contrário,
b. Apenas no exercício em que o correspondente empréstimo foi contraído, na esfera da sociedade fundida ou incorporada, valendo tal verificação para os períodos seguintes na esfera da sociedade que resultou da fusão em razão da neutralidade fiscal de que beneficia, não relevando a circunstância dos ativos adquiridos com recurso a tal empréstimo não se encontrarem afetos à sua atividade empresarial nesses anos - conforme entende o douto tribunal a quo.
E (2), paralelamente, saber em que medida o regime de neutralidade fiscal de que beneficia a fusão é suscetível de influenciar a aceitação ou não aceitação dos referidos encargos de financiamento após a sua realização, na esfera da sociedade incorporante.

K. Começando pela neutralidade, importa, desde logo, esclarecer que o juízo relativo à dedutibilidade dos gastos financeiros, a nosso ver, não depende da legalidade da operação de fusão, mas sim, de uma análise da conexão dos gastos com os rendimentos, em obediência ao disposto no artigo 23º do CIRC, neutralidade fiscal da fusão não colide com o entendimento defendido pela AT de que a indispensabilidade dos encargos financeiros deve ser aferida em cada período de tributação, em função dos pressupostos verificados em cada um desses exercícios, tal como acontece com todos os outros custos/gastos e perdas.

L. A ratio da neutralidade fiscal da fusão reside na opção do legislador em tributar a transmissão dos elementos patrimoniais em momento posterior, isto é, no momento da sua realização e não no momento da sua transferência no âmbito da reestruturação do grupo económico, ora, a desconsideração fiscal dos encargos financeiros em crise em razão da sua não indispensabilidade nos exercícios seguintes à fusão, nada tem a ver com a não tributação da transferência, no exercício em que ocorreu a fusão, do património no seio do grupo económico, pelo que carece de fundamento legal a fundamentação da sentença em causa.

M. Incorreu em erro de julgamento, a sentença de que se recorre, por não atender aos efeitos da fusão, ao fundamentar a decisão de anulação dos atos impugnados, no argumento de que: “Se à data em que ocorreram as aquisições que estiveram na origem dos financiamentos em causa os gastos inerentes a estes se revelavam imprescindíveis o facto de ter ocorrido ulteriormente uma fusão, como sucedeu nos termos dos autos, não pode transformar um encargo indispensável, mas que, por natureza, se reporta por vários anos, num gasto não indispensável.”

N. É que, na situação que compete apreciar, resulta que após as fusões e os seus efeitos, a aceitação como custo fiscal dos encargos financeiros em crise na sociedade G... fica inevitavelmente prejudicada porque lhe falta o nexo necessário e indispensável, a ligação ineludível ao ativo suscetível de gerar proveitos ou rendimentos tributáveis na sua esfera.

O. Aquilo a que não atendeu o douto tribunal é que os elementos patrimoniais que originaram os encargos financeiros em apreço não pertencem, agora, após a fusão de alavancagem, à sociedade que resultou da fusão, mas sim à sua acionista, é, portanto, na esfera desta acionista, e não na esfera daqueloutra sociedade, que os ditos elementos patrimoniais contribuirão para a obtenção de rendimentos.

P. Daí que, agora, o pressuposto é outro: o ativo suscetível de gerar rendimentos que antes se encontrava na posse económica e jurídica da sociedade que contraiu o empréstimo gerador de tais encargos financeiros passa a ser suscetível de gerar proveitos na esfera fiscal da sócia/acionista da sociedade que emergiu da fusão, e não da própria sociedade incorporante no processo de fusão.

Q. Deste modo, os encargos financeiros em crise eram aceites em sede fiscal na esfera da sociedade fundida porque se encontravam preenchidos os requisitos da sua indispensabilidade no período pré-fusão (ligação ineludível ao bem gerador de rendimentos ou fonte produtora), porém, não podem contribuir como componentes negativas do lucro tributável na esfera da sociedade incorporante em virtude dos respetivos requisitos de indispensabilidade não se verificarem no período pós-fusão (o bem gerador de rendimentos pertence agora à sócias/acionista da sociedade incorporante e não á própria sociedade incorporante na fusão).

R. Por fim, errou ainda a sentença de que se recorre, ao considerar que: “(…) o que é relevante é a indispensabilidade do custo à data do financiamento, que não é posta em causa (..)”

S. Ora, os mais elementares princípios de direito determinam que as situações iguais sejam tratadas de forma igual, e as situações diferentes sejam tratadas de forma diferente, materializando o princípio da igualdade material, deste modo, se, como se expôs, os elementos patrimoniais que originaram os encargos financeiros não foram transmitidos, a alegada inevitabilidade da transmissão dos respetivos encargos também não se verifica.

T. Na verdade, se por hipótese for admitida a transmissibilidade dos encargos financeiros em causa, ver-se-ão lesados não só os pressupostos conformadores do artigo 23º do CIRC, como também o princípio da especialização dos exercícios e do balanceamento entre os gastos e rendimentos sujeitos a tributação, previsto no artigo 18º do mesmo diploma legal, daí que se torne necessário aferir casuisticamente, em cada período económico, a pertinência fiscal dos gastos relevados na esfera da sociedade beneficiária, de modo a consentir apenas aqueles que cumpram os requisitos da indispensabilidade.

U. Defende, esta RFP, o entendimento com base no qual os requisitos de indispensabilidade dos encargos financeiros em crise para efeitos da sua consideração em sede fiscal devem ser aferidos em cada período de tributação, na esfera da entidade que se apresenta como sujeito passivo de IRC em cada exercício, porque é naquele exercício que produz efeitos fiscais, nos termos e com o efeitos previstos nos artigos 18º e 23º do CIRC, em estrito cumprimento dos princípios legalmente consagrados, da especialização dos exercícios, e do seu corolário, o balanceamento dos gastos e rendimentos.

V. Em consequência, tendo presente o já referido, os encargos respeitantes àqueles empréstimos, suportados pela Impugnante, não preenchem o requisito da indispensabilidade a que se refere o nº 1 do artigo 23º do CIRC, porque, em síntese:

a) A própria impugnante não demonstrou a sua indispensabilidade, como lhe impõe a lei;
b) Aqueles não respeitam à atividade por si desenvolvida [conforme Acórdão STA no processo 171/11]; e
c) Não existe qualquer nexo causal entre aqueles gastos e os seus proveitos ou ganhos, explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica [conforme Acórdão TCA-Sul no processo nº 6754/13];

W. De nenhum vício sofrem os atos de liquidação impugnados, não havendo lugar a quaisquer juros indemnizatórios.

Nestes termos e nos demais de Direito:

1) Deve ser dado provimento ao presente recurso por erro de julgamento, revogando-se a douta sentença recorrida.
2) A Fazenda Pública requer, muito respeitosamente a V. Exas., ponderada a verificação dos seus pressupostos, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no nº7 do artº6º do RCP.”

A Sociedade impugnante, ora Recorrida, notificada da admissão do recurso interposto, e do despacho que o admitiu, apresentou contra-alegações, defendendo, em conclusão, que:

“A. As presentes contra-alegações de recurso são apresentadas pela Recorrida na sequência do recurso interposto pela FP da Decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que (i) declarou ilegais e ordenou a anulação das liquidações de IRC emitidas pela AT relativamente aos exercícios de 2010, 2011 e 2012 - por entender que os encargos financeiros (juros) suportados pela Recorrida naqueles exercícios em consequência dos empréstimos obtidos para a aquisição de sociedades (a M... de Gestão, Lda., adquirida em 2001; e a M... Unipessoal, Lda., adquirida em 2006) que foram posteriormente fundidas com as correspondentes sociedades adquirentes, não deverão ser considerados como fiscalmente dedutíveis, nos termos do disposto na al. c) do nº1 do art.23° do CIRC -; e (ii) condenou a FP no reembolso dos montantes pagos acrescidos de juros indemnizatórios;

B. O Tribunal a quo decidiu julgar procedente a impugnação judicial apresentada pela Recorrida com fundamento na ilegalidade das Liquidações Contestadas, anulando-as, por entender que a melhor interpretação do artigo 23°, nº1, alínea c) do CIRC impõe que a indispensabilidade dos encargos financeiros seja aferida no momento em que os correspondentes financiamentos são contraídos e utilizados, concluindo por conseguinte que já que "à data em que ocorreram as aquisições que estiveram na origem dos financiamentos em causa, os gastos inerentes a estes se revelavam imprescindíveis", pelo que "o facto de ter ocorrido ulteriormente uma fusão, como sucedeu nos termos dos autos, não pode transformar um encargo indispensável, mas que, por natureza, se reporta por vários anos, num gasto não indispensável" — cf. pág. 56 da Decisão;

C. É com esta Decisão que a FP não se conforma, por se encontrar, no seu entendimento, "ferida de erro de julgamento de direito" (cf. art.3° do Recurso), interpondo o presente recurso no qual reitera a irrelevância fiscal dos encargos financeiros suportados pela Recorrida e pugna pela reversão da Decisão a quo, e ao qual vem a Recorrida pelas presentes contra-alegações dar resposta;

D. No seu Recurso, a FP imputa à Decisão recorrida, em primeiro lugar, erro de julgamento por decidir pela ilegalidade das correções na origem das Liquidações Contestadas por erro de cálculo da AT no RIT na parte em que tais correções consideram os juros relativos ao empréstimo contraído junto da L... no valor de €1.977.500, já que tais juros nunca foram, quanto à sua dedutibilidade, postos em causa pela AT;

E. Em segundo lugar - e a título principal, diremos -, discorda ainda a FP da Decisão na parte em que esta julga integralmente ilegais as correções propostas pela AT e na origem das Liquidações Contestadas por demonstrada indispensabilidade dos gastos incorridos pela Recorrida relacionados com os financiamentos contraídos para a Aquisição 2001 e a Aquisição 2006 M..., com os mesmos fundamentos com que repetidamente o vem fazendo junto dos tribunais arbitrais (ainda que quase sempre em situações em que ocorrem fusões invertidas, o que não é o presente caso), e que as decisões proferidas vêm reiteradamente rejeitando [A esta data existem sobre este terna 13 decisões proferidas, sendo 11 delas — e as mais recentes — favoráveis à posição que aqui se defende e que o Tribunal recorrido sancionou na sua Decisão];

F. Tais alegações não apenas se fundam num conjunto de lapsos, como não encontram, além disso, qualquer arrimo na lei, o que sempre votaria o presente Recurso não apenas à sua inevitável inadmissibilidade parcial, como à sua manifesta improcedência, que igualmente se requer, e à manutenção da Decisão recorrida, que não merece reparo;

II.1 Do invocado erro de julgamento no que respeita à correção na parte do erro de cálculo (cf. Conclusões D a F do Recurso)

G. Em primeiro lugar, e no que respeita ao erro de cálculo das correções propostas pela AT, entende a FP que o valor das correções propostas no RIT foi o correto, já que -certamente por lapso - continua a propugnar que os empréstimos obtidos pela aquisição das sociedades M... de Gestão e M... Unipessoal (Aquisição 2001 e Aquisição 2006 M...) somam o valor total de €76.947.592 e que quanto ao montante de €1.977.500 (valor do financiamento concedido pela L... à Recorrida que a FP inclui no referido valor de €76.947.592) apenas se alterou a entidade a quem a Recorrida procede ao pagamento dos referidos encargos financeiros;

H. Salvo melhor opinião, tal posição da FP é não apenas insuscetível de fundamentar um recurso para este douto Supremo Tribunal Administrativo, como é, em face dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo e que a FP não questiona (nem poderia, pois decorrem de forma clara da prova junta aos autos), manifestamente improcedente;

I. Muito embora a FP reconduza o seu Recurso nesta matéria a uma questão de Direito, entendendo que o Tribunal a quo incorreu neste caso num erro de julgamento em matéria de Direito, a verdade é que a questão em apreço, i.e., a conclusão sobre o valor dos encargos incorridos pela Recorrida com referência aos financiamentos contraídos para a Aquisição 2001 e a Aquisição 2006 M... - que inevitavelmente determina o valor das correções aqui impugnadas -, depende dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo;

J. O facto sobre o qual existe dissensão entre a FP e a decisão recorrida é o de saber qual é a dívida respeitante à Aquisição 2001 e a Aquisição 2006 M... cujos juros entende a AT que não são dedutíveis para efeitos fiscais, o que por sua vez depende de saber qual é nos exercícios em causa a dívida à P... BV (que inclui a dívida remanescente de tais financiamentos após a compensação operada e a dívida relativa à Aquisição 2006 Lojótica), sendo que enquanto o Tribunal a quo deu como provado que essa dívida ascende a € 74.970.092 (cf. ponto 38 a 51 dos factos provados, em particular o ponto 51), a FP afirma que tais empréstimos ascendem a €76.947.592 (cf artigo 9° do Recurso);

K. A diferença entre os dois valores prende-se com uma dívida à L..., no valor de € 1.977.500 contraída em 2010, e que não tem qualquer relação com os financiamentos e a dívida à P...BV (cf. pontos 52, 56 e 58 dos factos provados);

L. Ora, os factos dados como provados não foram diretamente questionados pela FP em sede de Recurso, na medida em que o Recurso em apreço se fundamenta unicamente em "erro de julgamento de direito";

M. Sucede que o Recurso vem interposto diretamente para este douto Supremo Tribunal nos termos do nº1do artigo 280° do CPPT, segundo o qual apenas caberá recurso quando a matéria objeto de recurso for exclusivamente de direito, porquanto se encontra excluída da sua competência a apreciação direta da prova e apreciação de mérito quanto à matéria de facto, cingindo-se este douto Supremo Tribunal — no que para estes autos releva -à apreciação de questões de Direito;

N. Por pretender, in fine, uma alteração da matéria dada por provada pelo Tribunal recorrido, já que de outra forma não pode ser diferente a Decisão proferida e aqui recorrida, o presente recurso é um meio impróprio para a discussão de um qualquer eventual erro de julgamento na apreciação desta matéria, pois tais questões de facto não merecem a apreciação deste douto Supremo Tribunal por extravasarem o recorte da sua competência e, portanto, o Recurso é insuscetível de conduzir ao resultado almejado pela FP, i.e., o de anulação da Decisão recorrida nesta parte, devendo por conseguinte o Recurso em apreço interposto pela FP ser nesta parte rejeitado, já que incide sobre matéria de facto que se encontra excluída do recorte de competências deste douto Supremo Tribunal no que aos presentes autos diz respeito;

O. Mesmo que houvesse que apreciar o Recurso nesta parte - no que não se concede -, sempre se concluiria que dos autos resulta claro que a Decisão a quo é a mais acertada e é a que decorre de forma inelutável da prova junta aos autos e não merece qualquer censura, devendo por esse motivo manter-se;

P. Se, como a própria FP admite, "a correção da IT centra-se nos encargos suportados com os empréstimos obtidos pela aquisição das sociedades M... de Gestão e M... Unipessoal, entretanto extintas por fusão, e que a Impugnante suporta" (cf. ponto C das Conclusões e artigo 9° do Recurso), então, as correções propostas pela AT deverão incidir unicamente sobre os encargos que a Recorrida tenha suportado efetivamente relacionados com os referidos empréstimos, e apenas estes;

Q. Ora, a totalidade dos juros incorridos pela Recorrida nos exercícios em causa foi de €5.306.220,60 em 2010 e de €5.386.331,44 em 2011 e de €5.386.710,67cm 2012 - cf. pontos 53, 57 e 59 dos factos provados -, pelo que, retirando a estes valores o montante dos juros incorridos com a Aquisição 2006 L... (cujo capital em dívida ascende a €8.455.000 e cujos juros não vêm questionados pela AT), bem como o montante total dos juros incorridos com o contrato de empréstimo celebrado com a L... (cujo capital em dívida ascende a €1.977.500 e cujos juros não vêm questionados pela AT), ambos alheios aos presentes autos por não respeitarem às operações questionadas e sindicadas pela AT, o montante total dos juros contabilizados e deduzidos pela Recorrida naqueles exercícios ascende a um valor total de €13.914.177,04, sendo que a AT corrige e entende como não dedutível um montante total de €14.318.032,96;

R. Em conclusão: se da factualidade dada por provada pelo Tribunal a quo resulta que os empréstimos contraídos para a Aquisição 2001 e Aquisição 2006 M... ascendem a apenas € 66.515.092,00 após a restruturação da dívida (i.e., a partir de 1 de fevereiro de 2010), os encargos financeiros efetivamente suportados pela Recorrida nos exercícios de 2010, 2011 e 2012 com os referidos empréstimos ascendem inevitavelmente aos seguintes montantes: (i) €4.602.064.16 em 2010; (ii) €4.656.056,44 em 2011; e (iii) €4.656.056,44 em 2012;

S. Em face do exposto, e na medida em que a AT incorreu em manifesto lapso no apuramento dos encargos financeiros suportados pela Recorrida com referência aos empréstimos contraídos para a Aquisição 2001 e a Aquisição 2006 M..., ainda que fosse de admitir o Recurso interposto pela FP nesta parte - que não é, conforme já demonstrado supra, já que se trata in fine de um recurso da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo que não merece apreciação por este douto Tribunal -, sempre seria o presente Recurso manifestamente improcedente nesta parte, pois a Decisão recorrida não merece qualquer censura e, a partir dos factos corretamente dados por provados, deles retirou as necessárias e aplicáveis consequências jurídicas;

II.2. Da improcedência do Recurso quando à dedutibilidade dos juros (cf. Conclusões G a U do Recurso)

T. Adicionalmente, tal como mencionado supra, recorre ainda a FP da Decisão proferida pelo Tribunal recorrido por alegado erro de julgamento do Tribunal a quo na interpretação que deu ao artigo 23°, nº1, do CIRC e da aplicação que faz de tal ínsito legal ao caso concreto;

U. Da análise das alegações da Recorrente facilmente se conclui que a pedra de toque que marca a dissensão entre a FP e a Decisão recorrida é a relevância a atribuir às operações de fusão na aferição da dedutibilidade dos encargos financeiros, pois enquanto para o Tribunal a quo as subsequentes operações de fusão não põem em causa a dedutibilidade dos juros (porque não foi questionada a sua dedutibilidade no momento em que os empréstimos foram contraídos e os capitais aplicados e porque, além disso, não foram as mesmas operações questionadas como abusivas); para a FP, nos antípodas desta posição, as operações de fusão determinam que os juros até aí dedutíveis deixam de o ser, porque com a sua ocorrência desaparece o ativo (as participações sociais adquiridas) e, como tal, este não pode ser suscetível de gerar proveitos;

V. É, então, a existência das operações de fusão e o facto de na decorrência destas as participações sociais adquiridas com recurso aos financiamentos se extinguirem e os juros passarem a ser deduzidos aos resultados gerados pelos negócios adquiridos que leva a FP a entender que tais gastos não são indispensáveis na esfera da sociedade beneficiária de tais fusões (a Recorrida);

W. Assim, e à semelhança dos temas em discussão nos autos nos quais foi proferida a Decisão ora recorrida pela FP, são os seguintes os principais alegados erros de julgamento de que padece a Decisão recorrida (segundo a FP):
(i). Na irrelevância a que a Decisão a quo atribui às operações de fusão para aferir da dedutibilidade dos encargos financeiros, errando (entende a FP) quanto ao momento relevante para aferir da indispensabilidade do gasto para efeitos fiscais, já que a Decisão recorrida não atendeu aos efeitos da fusão ao decidir que "Se à data em que ocorreram as aquisições que estiveram na origem dos financiamentos em causa os gastos inerentes a estes se revelavam imprescindíveis o facto de ter ocorrido ulteriormente uma fusão, como sucedeu nos termos dos autos, não pode transformar um encargo indispensável, mas que, por natureza, se reporta por vários anos, num gasto não indispensável" (cf. pág. 56 da Decisão e Conclusões I, J, Q, R, T e U do Recurso);
(ii). Os efeitos da fusão e a quebra do nexo de indispensabilidade entre os gastos incorridos pela Recorrida e a realização de rendimentos sujeitos a imposto e manutenção da fonte produtora, pois no entendimento da FP, "os elementos patrimoniais que originaram os encargos financeiros em apreço não pertencem, agora, após a fusão de alavancagem, á sociedade que resultou da fusão, mas sim á sua acionista, é, portanto, na esfera desta acionista, e não na esfera daqueloutra sociedade, que os ditos elementos patrimoniais contribuirão para a obtenção de rendimentos" (cf. Conclusões M a P e S do Recurso);
X. Os fundamentos acima elencados — que se resumem ao facto de os juros serem (i) insuscetíveis de dedução por extinção das participações sociais adquiridas com recurso aos empréstimos e (ii) deduzidos, por efeito das fusões ocorridas, aos resultados dos negócios adquiridos quando deveriam, no entender da FP, ser suportados pela sócia única da Recorrida (verdadeiros problemas identificados pela FP) - não colhem, carecem de suporte legal e, além disso e acima de tudo, não têm a virtualidade de levar a qualquer conclusão sobre a indispensabilidade dos gastos em causa.

Y. Entende, por isso, a Recorrida, como melhor se demonstrará, que nenhum dos argumentos invocados pela FP, por si só ou em conjunto, é suscetível de levar à conclusão de que os juros em causa não são comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, nos temos do art.23° do CIRC, não padecendo a Decisão recorrida de qualquer vício ou erro de julgamento;

A. Do momento em que deve ser aferida a indispensabilidade dos gastos (cf. Conclusões I, J, Q, R, T e U do Recurso)

Z. A FP imputa erro de julgamento em matéria de Direito à Decisão proferida pelo Tribunal recorrido, já que o douto Tribunal recorrido entende - numa Decisão que não merece qualquer censura pois observa de forma exemplar não apenas os preceitos legalmente aplicáveis, mas também a melhor jurisprudência produzida nesta matéria - que o que importa para aferir da indispensabilidade do gasto é promover a análise da origem do financiamento (o momento em que houve recurso ao capital alheio e o destino que lhe foi dado) (cf. pág. 56 da Decisão), pois a indispensabilidade dos gastos para efeitos fiscais só pode ser aferida por referência (i) à entidade que contraiu o empréstimo e (ii) no momento em que o contraiu; não influem, portanto, nesta apreciação, as subsequentes fusões das sociedades adquiridas na Recorrida;

AA. E assim é precisamente porque o que deve cumprir o requisito da indispensabilidade para a geração de proveitos sujeitos a imposto e, como tal, a relevância fiscal dos correspondentes encargos financeiros, é a aplicação do capital mutuado que está na origem dos juros (e não os juros em si), pois os juros não são aplicados na exploração (art.23°, n°1, alínea c) do CIRC), nem são, por si, indispensáveis para a produção de rendimentos sujeitos a tributação;

BB. Como resulta claro da lei, e como nota (e bem!) o Tribunal na Decisão a quo (cf. pág. 51 da Decisão in fine), a regra geral sobre a dedutibilidade dos gastos tem previsão normativa no artigo 23°, n°1, do CIRC, que exige que estes sejam "indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora";

CC. Não obstante, a lei dispõe de forma específica sobre os encargos financeiros, e a indispensabilidade destes (que dita a sua dedutibilidade) na al. e) do n°1 do artigo 23º do CIRC, elegendo como dedutíveis os "juros de capitais alheios aplicados na exploração" (como igualmente bem nota a Decisão recorrida a págs. 51 m/me);

DD. Assim, para o juro ser dedutível (demonstrando-se a indispensabilidade do gasto), importa saber se o capital alheio foi aplicado na exploração, o que implica, quanto aos financiamentos "uma análise da sua origem", como se lê na Decisão a quo (cf. pág. 52 da Decisão);

EE. O que pode ou não ser indispensável à geração de proveitos ou ganhos ou à manutenção da fonte produtora é o destino que foi dado ao financiamento obtido, pelo que sendo esse destino aceite e não questionado pela FP (como não é nos presentes autos, já que a FP expressamente admite a dedutibilidade dos referidos encargos financeiros no momento pré-fusão — cf. conclusão Q e artigos 58° e 59° do Recurso), é irrelevante para aferir da indispensabilidade dos encargos financeiros uma qualquer posterior fusão;

FF. É que mais do que o momento em que deve aferir-se a indispensabilidade, é relevante o objeto ou a realidade que deve ser indispensável à geração de proveitos, e essa é indiscutivelmente o financiamento e a sua aplicação;

GG. E é nesse sentido — e bem — que refere o Tribunal a quo, afirmando que "Portanto, indo à génese dos financiamentos, a sua indispensabilidade não é posta em causa" (cf. pág. 53 da Decisão recorrida), já que a FP nunca questionou a dedutibilidade dos juros no momento em que os empréstimos foram contraídos pelo que a decisão não pode ser outra que não a transcrita na Conclusão W (i) supra;

HH. Se os financiamentos foram "aplicados na exploração" (como exige o artigo 23°, n°1, al. c) do CIRC) naturalmente os juros - que por definição e natureza são relevados durante vários anos subsequentes ao abrigo do princípio da especialização dos exercícios na sua vertente contabilística e fiscal (cf. NCRF 10° e artigo 18° do CIRC) - são dedutíveis;

II. Isto não significa que o "teste de indispensabilidade" (que, repita-se, se refere à suscetibilidade de gerar proveitos da realidade em que foi aplicado o capital alheio mutuado na origem dos juros), não possa ser feito anualmente, mas tão só que a conclusão sobre a indispensabilidade (e, em consequência, sobre a dedutibilidade dos juros que, em respeito pelo princípio da periodização, são contabilizados anualmente — cf. NCRF 10 e artigo 18° do CIRC) apenas se altera se o pressuposto de dedutibilidade se modificar, i.e., se ao capital mutuado for dado destino diverso do original e estranho aos fins empresariais, o que não é manifestamente a situação dos autos, e que sempre careceria, em qualquer caso, de prova cujo ónus pertencia à FP;

JJ. A esta conclusão não obsta o facto de os financiamentos se destinarem à aquisição de participações sociais, porque essa é apenas uma alternativa à aquisição direta dos ativos detidos pela sociedade adquirida (share deal vs. asset deal), sendo uma decisão de gestão não sindicável pela AT;

KK. E tal conclusão não compromete nem bule com o princípio da especialização dos exercícios, pois não obstante o momento em que fiscalmente devem relevar os juros continuar a ser o ano em que, em respeito por tal princípio, tais juros são contabilizados (com independência do seu vencimento ou pagamento), o preenchimento do requisito da indispensabilidade deverá ser aferido por referência ao financiamento e ao destino dado ao capital mutuado, pelo que concluindo-se ser este relevante para efeitos fiscais (como foi no presente caso e não vem questionado pela FP), os juros, que são a obrigação que nasce do financiamento e se prolonga no tempo, serão contabilizados e relevados fiscalmente por referência a cada exercício e só poderão deixarão de ser dedutíveis se aos ativos em que foi aplicado o financiamento for dada utilização para fins alheios à empresa (o que não é o caso dos autos, nem vem alegado e demonstrado pela FP);

LL. Ora, os factos supervenientemente ocorridos e que a FP entende que põem em causa, da sua verificação em diante, a dedutibilidade dos juros para efeitos fiscais são precisamente as operações de fusão;

MM. Sucede que a conclusão nos presentes autos não se alterou, porque os financiamentos foram aplicados na Aquisição 2001 e Aquisição 2006 M... (esgotando-se) e os ativos adquiridos (sendo os imediatos as participações e os mediatos as lojas) continuam "afetos à exploração" e não se põe em causa que tais ativos fossem na sua aquisição (e se mantivessem nos anos em causa) suscetíveis de gerar proveitos;

NN. Não se ignoram todas as considerações tecidas a propósito da oportunidade das operações de fusão e das opiniões deixadas pela FP sobre estas opções de gestão [Ficando, aliás, clara a suspeita do comportamento abusivo, que ao longo de todo o processo que a AT invoca de forma infundada e não sustentada, como bem refere a Decisão recorrida] e naturalmente se reconhece que a FP poderia — ainda que sem razão, o que se discutiria certamente também em sede judicial -desconsiderar os juros aqui em causa por entender (e demonstrar) serem tais operações abusivas;

OO. É, por isso, evidente que ainda que estivéssemos em presença de um encadeamento abusivo de operações o que não é o caso e não vem invocado nem demonstrado nos autos - o art.23° do CIRC não serviria de fundamento legal a tais correções, sendo por isso os atos em crise ilegais com esse fundamento;

PP. Na medida em que tais fusões não alteram o destino do capital mutuado (que foi a aquisição indirecta de 53 lojas), e que os ativos adquiridos se mantêm afetos à exploração e são susceptíveis de gerar rendimentos, é integralmente correta e não merece censura a Decisão recorrida nesta parte, que deve manter-se, o que se requer;

QQ. E é esta, aliás, a melhor interpretação e aplicação do artigo 21°, n°1, alínea c), do CIRC, tal como defendida pela mais avisada doutrina (J. L. SALDANHA SANCHES, ANTÓNIO CASTRO CALDAS e J. M. CABRAL SACADURA e douta jurisprudência (processo arbitral n°101/2013-T, 491/2016-T, 560/2016-T, entre muitos outros);

B. Da relevância das operações de fusão e do alegado desaparecimento do ativo (cf. Conclusões M a P e S do Recurso)

RR. Defende a EP — através de uma argumentação que, como bem analisámos supra, não pode proceder e que sempre prejudica o argumento invocado pela FP que ora se analisa — que a aferição da indispensabilidade dos gastos com encargos financeiros suportados pela Recorrida deve ser feita com periodicidade, a cada exercício, efetuando um juízo a posteriori da indispensabilidade desses mesmos gastos e afirmando que após as operações de fusão se perde a "ligação a quaisquer elementos do seu ativo afeto à exploração" e que como tal os juros não "são suscetíveis de contribuir para a obtenção de rendimentos tributáveis" (cf. artigos 61° e 65° do Recurso);

SS. Assim, e em resumo útil, afirma a FP nas suas alegações de Recurso, aferindo o nexo de indispensabilidade entre gasto incorrido e rendimentos produzidos sujeitos a tributação a cada exercício, que carecem os encargos financeiros suportados pela Recorrida em apreço de relevância fiscal já que, após as fusões das sociedades adquiridas na Recorrida: (i) os encargos financeiros deixam de contribuir para a produção de rendimentos sujeitos a tributação porque os ativos adquiridos com recurso ao financiamento (participações financeiras) "desaparecem do ativo" da Recorrida; e que (ii) os encargos financeiros passam, outrossim, a gerar proveitos na esfera fiscal da acionista da Recorrida;

TT. No que respeita à primeira questão aqui em apreço — do "desaparecimento" do ativo adquirido através dos financiamentos na origem dos encargos financeiros subjudice por efeito da fusão -, fundamenta a FP este entendimento num longo excurso nos pontos II.II.II e II.II.III do seu Recurso sobre as dicotomias entre o interesse societário vs. interesse dos sócios, apuramento dos resultados contabilísticos vs. resultados fiscais, o papel do ativo no apuramento desses mesmos resultados, o princípio da especialização dos exercícios e o impacto da fusão como uma "nova realidade económica e fiscal" que deverá nortear a aferição "da indispensabilidade dos encargos financeiros em crise" (cf. artigos 34° a 45° do Recurso);

UU. Tais dicotomias e ponderações de interesses opostos são uma realidade inelutável, mas não se vê como tal raciocínio possa ter relevância para o caso dos autos, já que não obstante seja indiscutível que a realidade antes e pós-fusão se altera, tal alteração não passa pelo "desaparecimento" dos ativos e menos ainda pela sua insusceptibilidade de gerar proveitos (entendimento que revela apenas um flagrante desconhecimento do regime legal e dos efeitos jurídicos de uma operação de fusão);

VV. Com tal argumento pretende a FP retomar o argumento já largamente utilizado e expendido em sede de RIT pela AT e seguido pela FP no âmbito dos autos que ora seguem recorridos, de que a fusão importa o "desaparecimento" das participações sociais e que por esse motivo o "ativo" adquirido através dos empréstimos deixa de figurar no balanço da Recorrida e compromete o nexo de indispensabilidade entre gastos e rendimentos sujeitos a tributação, condenando os gastos incorridos pela Recorrida com tais financiamentos à irrelevância fiscal nos termos do artigo 23º do CIRC;

WW. Tal entendimento da FP - de que deixa de se encontrar verificado o critério de "indispensabilidade do gasto" ancora-se num pressuposto — i.e., o de que por efeito da fusão o ativo adquirido através dos financiamentos desaparece - que não se verifica e que ademais assenta numa errada conceção sobre a natureza, substância económica e efeitos jurídicos quer do negócio jurídico de aquisição das participações sociais em apreço (share deal), quer das próprias operações de fusão aqui em causa;

XX. Quanto à natureza das operações de aquisição de participações sociais, tal entendimento radica numa total dissociação entre as participações sociais adquiridas — que refletem a opção pelo share deal, conforme já mencionado — e o que está na sua base, isto é, o negócio de exploração de estabelecimentos de ótica, que constitui um ativo das sociedades adquiridas que foi transmitido para a Recorrida em virtude destas fusões.

YY. Com efeito, muito embora a Recorrida tenha optado pela aquisição das sociedades M... de Gestão e M... Unipessoal via share deal ou seja, via aquisição das participações sociais das referidas sociedades, o que a Recorrida adquire, na realidade, é o ativo detido por essas mesmas sociedades, in casu, o negócio de exploração de estabelecimentos de ótica (ie., as lojas e todos os seus ativos), mantendo contudo a estrutura societária na qual tais ativos se encontram inseridos, ou seja, mantendo a sociedade constituída e detentora desses ativos;

ZZ. Aliás, as referidas participações sociais apenas geram "rendimentos tributáveis em sede de IRC" na Recorrida, na medida em que o ativo que constitui as referidas sociedades participadas, ie., as lojas de ótica, geram rendimentos suscetíveis de distribuição para a Recorrida, já que na ausência de tal ativo — as lojas detidas pelas sociedades participadas -, inexistiria o rendimento distribuível para a Recorrida (ou existiria em termos distintos) e sujeito a tributação em IRC;

AAA. Vê-se por isso com grande dificuldade a posição que pretende sustentar a FP, que não apenas é contrária à posição reiterada pelos tribunais superiores quanto aos efeitos jurídicos e económicos de uma operação de fusão (nos termos dos acórdãos do STA e do TCAS acima citados), como é contrária à vasta jurisprudência arbitral proferida e reiterada sobre a questão em concreto da dedutibilidade dos juros após uma fusão (e.g., processo n°42/2013-T, 537/2016T e 560/2016-T, entre muitos outros).

BBB. E não se compreende tal argumento pois muito embora se tenha extinguido a realidade jurídica - as sociedades - e naturalmente com ela as correspondentes participações sociais, o que é evidente e é consequência necessária de qualquer operação de fusão, a verdade é que os ativos se mantêm e passaram a ser diretamente detidos pela sociedade incorporante, mantendo-se por isso inalterada a fonte suscetível de produzir rendimentos tributáveis (mantendo-se por isso os financiamentos totalmente afetos à exploração);

CCC. E assim é porquanto o património das duas sociedades antes da fusão — as lojas de ótica - integram o património da sociedade que resulta da fusão, pelo que ainda que se tenham "extinguido" as participações sociais adquiridas, as mesmas foram, na esfera de Recorrida, substituídas pelo conjunto dos ativos e passivos detidos pelas sociedades incorporadas, ou seja, tais ativos e passivos deixaram de ser indiretamente detidos pela Recorrida, para passarem a sê-lo de forma direta;

DDD. Assim não entender consubstanciaria, de resto, uma violação inaceitável do princípio da neutralidade fiscal, ao introduzir uma ingerência inadmissível na tomada de decisão de negócios e nos atos de gestão da Recorrida;

EEE. As fusões têm, em face do exposto, unicamente a virtualidade de reunir no balanço da sociedade incorporante a totalidade do ativo da sociedade incorporante e incorporada, sem que quaisquer ativos ou passivos se percam — já que são universalmente transferidos para a sociedade beneficiária -, mas unicamente que se extinga a realidade jurídica sob o qual os ativos e passivos da sociedade incorporada se encontravam albergados, i.e., a sociedade;

FFF. Em face do exposto, sempre serão, assim, para a apreciação da dedutibilidade dos encargos financeiros em apreço, irrelevantes as operações de fusão efetuadas subsequentemente — contrariamente ao que a FP pretende - e a extinção das sociedades incorporadas que estas implicaram, atendendo a que todo o substrato patrimonial adquirido em virtude da aquisição das participações sociais continua a existir na esfera jurídica da Recorrida e a gerar proveitos na atividade de exploração de estabelecimentos de ótica;

GGG. Em segundo lugar, e quanto ao segundo grande problema identificado pela FP nesta matéria, relacionado com o facto de o "ativo" passar a gerar proveitos na esfera fiscal da acionista da Recorrida, a Recorrida tem alguma dificuldade sequer em apreender tal afirmação, que supomos seja feita por estar a FP de tal forma habituada a usar o argumento nas situações de fusões invertidas, que não cuidou de o adaptar ao presente caso, em que as fusões em causa são ambas fusões não invertidas (cf. artigo 89° do Recurso e voto de vencido do PROFESSOR JOÃO MENEZES LEITÃO no processo arbitral n° 93/2015-T, cf. artigos 94° e seguintes do Recurso);

HHH. Antes de mais, note-se, uma vez mais, que esta observação da FP reflete uma total desconsideração relativamente aos factos subjacentes aos presentes autos, pois decorre de forma clara e indubitável de toda a prova carreada aos presentes autos, (i) que a Recorrida exerce a atividade de prestação de serviços éticos e de comercialização de material ótico, bem como todas as sociedades adquiridas e entretanto nela incorporadas e que (ii) os financiamentos para a Aquisição 2001 e a Aquisição 2006 M... foram contraídos pela Recorrida diretamente, não constituindo nunca gastos das sociedades que foram incorporadas e não tendo sido transferidos para a Recorrida em virtude destas fusões;

III. Sem prejuízo do entendimento que se tenha relativamente aos efeitos da fusão invertida na dedutibilidade dos gastos de financiamento para efeitos fiscais — que a Recorrida entende que não será comprometida pela fusão excetuando nos casos em que se demonstre que tal fusão foi efetuada com finalidades estranhas ao seu objeto social -, a verdade é que in casu as considerações tecidas pela FP — e todas as suas reservas relativamente à manutenção da relevância fiscal destes gastos — não são aplicáveis ao caso em apreço já que, contrariamente ao que propugna, a entidade que suporta os encargos financeiros dedutíveis no momento pré- fusão é a mesma que no momento pós-fusão, i. e., a Recorrida;

JJJ. Não se nega que em caso de fusões invertidas os encargos financeiros da sociedade incorporada se transmitem por efeito da fusão para a sociedade incorporante (sendo certo que, mesmo nesse caso, se defenderia, em linha aliás com a melhor e mais recente jurisprudência sobre a matéria, a manutenção da dedutibilidade dos gastos), mas simplesmente este não é manifestamente o caso da Recorrida (ainda que tal conviesse à FP para sustentar o seu argumento);

KKK. Se, na opinião da FP, merece acolhimento o entendimento segundo o qual "Como o juro é a retribuição paga para adquirir o direito ao uso de dinheiro emprestado e como o dinheiro é um meio de troca, o uso do dinheiro emprestado são os bens ou serviços recebidos em contrapartida. Sendo assim, então é o uso dos bens e serviços recebidos mediante o pagamento com os fundos disponibilizados pelos empréstimos que determina se os juros, remuneração desses empréstimos, são dedutíveis na determinação do lucro tributável da sociedade que os suporta" (cf. artigo 94° do Recurso), então é indubitável a dedutibilidade dos encargos financeiros em apreço;

LLL. E assim é porquanto a entidade que suporta os juros referentes aos empréstimos contraídos para a Aquisição 2001 e Aquisição 2006 M... é — sempre e tão só — a Recorrida, quer no cenário — fusão, quer no cenário pós-fusão!

MMM. A dedutibilidade para efeitos fiscais mesmo em caso de fusão deverá ser, assim, evidente nos casos de fusão por incorporação como na dos presentes autos, já que, tal como já amplamente demonstrado, temos unicamente a conversão de participações sociais (adquiridas por share deal), na realidade económica em que se traduz a sociedade, e que consiste nos ativos e passivos por esta detidos (e que seria a realidade jurídica adquirida ab initio caso tivesse a Recorrida optado por um asset deal);

NNN. É esta, igualmente, a melhor aplicação do artigo 23°, n°1, do CIRC, tal como tem vindo a ser efetuada pela mais avisada jurisprudência na matéria (e. g., processos n°s 101/2013-T, 491/2016-1), pois se tais juros deverão ser dedutíveis quando o gasto era da sociedade incorporada e se transferiu por efeito da fusão para a sociedade incorporante, por maioria de razão deverão sê-lo quando, como sucede nos presentes autos, o gasto era e continuou a ser da sociedade incorporante, que se limitou pela fusão a passar a deter diretamente os ativos e passivos da sociedade incorporada (que antes da fusão detinha de forma indireta);

OOO. Bem se compreende que o que a FP não aceita é que em virtude da fusão em apreço, tais gastos de financiamento estejam a ser deduzidos aos resultados das sociedades incorporadas pois, no seu entendimento, tais encargos deveriam antes ser suportados pela empresa holandesa (P... BV, atual (G... Portugal BV), e deduzidos ao resultado desta, daí retirando um qualquer ensejo fraudulento ou de redução da obrigação fiscal da Recorrida em Portugal;

PPP. Mas tal resultado não é estranho ao ordenamento jurídico-tributário português, já que sempre seria esse o resultado em caso de aplicação do RETGS ou de opção pela aquisição direta dos ativos, através de um asset deal, motivo pelo qual sempre se deverá entender neste caso pela dedutibilidade dos correspondentes encargos financeiros, sob pena de violação do princípio da neutralidade fiscal, enquanto decorrência do princípio da igualdade ínsito no art.13° da CRP e do princípio da liberdade de iniciativa económica previsto nos arts. 61°, n°1 e 80°, al. c) da CRP, que impõe que as regras de natureza fiscal não tenham uma influência significativa nas decisões económicas dos sujeitos passivos;

QQQ. É que nada impede - e não merece de resto qualquer censura -, que sejam obtidos financiamentos no âmbito de reestruturações societárias, como é o caso das Operações 2001/2002 e 2006/2008, em que uma entidade adquire outra e depois se funde com ela, não existindo aliás qualquer norma fiscal que penalize com a desconsideração para efeitos fiscais os juros relacionados com a obtenção de tais financiamentos, nem sendo sequer sindicáveis pela AT tais atos de gestão, cujo mérito, no que respeita à aceitação da dedutibilidade dos correspondentes juros, apenas aos agentes económicos dizem respeito;

RRR. Acresce que, contrariamente ao propugnado pela EP, a implementação destas operações de fusão teve, efetivamente, efeitos positivos na esfera das sociedades incorporantes (M... Ópticas Unipessoal, Lda. e P... Portugal Unipessoal, Lda.), as quais (numa perspetiva individual), viram a sua situação patrimonial incrementada, com os consequentes efeitos positivos ao nível dos resultados tributáveis apurados!

SSS. É, pois, evidente que se a indispensabilidade do gasto não foi questionada no momento anterior à fusão por referência aos financiamentos contraídos e à aplicação que lhes foi dada (o que é pacificamente aceite até pela FP), não pode a mesma dedutibilidade ser questionada na sociedade resultante da fusão, onde os gastos terão o mesmo tratamento que tinham anteriormente, a menos que se demonstre um qualquer desvio dos ativos para fins não empresariais (o que não é o caso) ou intuito abusivo (o que igualmente não é o caso e que, além disso, segue procedimentos e regras próprios de que a AT não lançou mão);

TTT. Fica, em face de tudo quanto se vem expondo, por demais demonstrado que não procede o entendimento da FP, segundo o qual os gastos na origem das correções propostas pela AT aqui em crise "não respeitam à atividade por si desenvolvida" e "não existe qualquer nexo causal entre aqueles gastos e os seus proveitos ou ganhos, explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica" (cf. Conclusão V do Recurso), devendo por conseguinte o Recurso em apreço ser julgado manifestamente improcedente, mantendo-se integralmente a Decisão recorrida, que não merece qualquer censura e que, contrariamente ao propugnado, efetua uma correta aplicação do artigo 23°, n°1, do CIRC ao caso em apreciação nos presentes autos;

C. Da relevância do princípio constitucional da neutralidade e do regime da neutralidade fiscal (cf. Conclusões G, H, K e L do Recurso)

UUU. Entendimento diverso — ao privilegiar aquisições segundo o modelo de asset deal (em que os juros sempre seriam dedutíveis), em prejuízo das aquisições efetuadas através do modelo de share deal -, sempre seria contrário ao princípio da neutralidade fiscal — enquanto decorrência do princípio da igualdade ínsito no art.13° da CRP e do princípio da liberdade de iniciativa económica previsto nos arts. 61°, n°1 e 80°, al. c) da CRP — que impõe que as regras de natureza fiscal não tenham uma influência significativa nas decisões económicas dos sujeitos passivos;

VVV. Com efeito, vivemos num cenário de igualdade e de liberdade de iniciativa económica — ta como protegidos pela CRP nos seus arts. 13º, 61°, nº1, e 80°, al. e) —, no qual (i) os operadores económicos devem ter urna ampla margem de liberdade na definição das suas estratégias empresariais e de gestão e (ii) as regras de natureza fiscal não devem ter uma influência significativa nas decisões económicas dos sujeitos passivos, tal corno decorre do princípio da neutralidade fiscal (que decorre também do princípio da igualdade ínsito no art.13° da CRP);

WWW. Por outro lado, o próprio princípio constitucional da tributação pelo lucro real, enquanto decorrência do princípio da capacidade contributiva — art. 104°, n° 2, da CRP — impõe de forma decisiva que os gastos incorridos pelos sujeitos passivos no âmbito da sua atividade — que gozam da já antes referida ampla margem de discricionariedade ao abrigo dos princípios da liberdade de iniciativa económica e da neutralidade fiscal — devam ser, regra geral, considerados como dedutíveis aos resultados apurados;

XXX. E assim é porquanto não pode a FP a ignorar o facto de a atribuição ou não de relevância fiscal a determinado gasto inevitavelmente importar consequências económicas para o sujeito passivo, já que o pagamento do imposto naturalmente influi nas decisões de gestão, sobretudo quando nos encontramos perante um valor de imposto adicional que excede €3,5 M, aos quais acrescerão as correções aplicadas pela AT com idênticos fundamentos aos exercícios de 2009 e de 2013, 2014 e 2015 (que se encontram pendentes de apreciação junto do Tribunal Tributário de Lisboa nos processos n°s 1949/14.9BELRS e 1099/17.6BELRS, respetivamente), e que, no seu conjunto, deram a origem a um valor total de imposto adicional de €5.064.900,71;

YYY. Assim, e não obstante a não aceitação de um gasto para efeitos fiscais não proíba a decisão de gestão, é inelutável que é suscetível de condicioná-la de forma absolutamente relevante e — sempre que erradamente aplicada, como pretende a FP -constitucionalmente inadmissível, por bulir com o princípio de neutralidade que se almeja atingir;

ZZZ. Não se confunda porém o princípio da neutralidade, que é enformador e que deve nortear e servir como critério interpretativo da lei fiscal (por conduzir à solução mais conforme à CRP), com o regime da neutralidade de operações de reestruturação previsto nos arts.73° e ss do CIRC;

AAAA. Não pode proceder, salvo melhor opinião, o entendimento propugnado pela FP nesta matéria, pois sendo as fusões realizadas ao abrigo do regime da neutralidade (como é o caso das fusões em apreço nos presentes autos), será aplicável um princípio de continuidade, que implica, per se, que ativos e passivos transferidos para a sociedade beneficiária não sofram qualquer alteração júridico-fiscal relevante;

BBBB. Das normas acima transcritas decorre urna intenção clara do legislador de garantir que, em resultado de fusões realizadas ao abrigo do regime da neutralidade (como é o caso das fusões em apreço nos presentes autos), não se verifique qualquer alteração do ponto de vista tributário de modo a que, tal como o próprio nome do regime indica, a operação seja efetivamente neutral do ponto de vista fiscal e se assegure o já referido princípio da continuidade fiscal.

CCCC. Com efeito, em resultado da fusão apenas se opera uma consolidação de patrimónios (ativos, passivos, direitos) numa única entidade jurídica, não devendo daí extrair-se quaisquer consequências ao nível da tributação (onde se inclui a aceitação ou rejeição de determinados gastos como dedutíveis) sob pena de subversão e mesmo violação do regime de neutralidade fiscal aplicável;

DDDD. Acresce que, se dúvidas houvesse sobre a interpretação e aplicação do princípio da neutralidade fiscal às restruturações e, em particular, a dedutibilidade dos encargos financeiros num cenário pós-fusão, o legislador introduziu através da Lei n°2/2014, de 16 de janeiro, o artigo 75°-A no CIRC, que veio dissipar qualquer margem de dúvida que pudesse existir (em particular, nas situações de fusão inversa, onde esta questão vem sendo mais discutida e que, conforme demonstrado já amplamente supra, não é o caso dos autos), deixando expresso em letra de lei que quaisquer gastos financeiros (como os que estão aqui sob análise) de sociedades fundidas serão dedutíveis na esfera da sociedade beneficiária depois de concretizada a fusão ao abrigo do regime legal da neutralidade fiscal;

EEEE. Não procede, assim o entendimento da FP segundo o qual a Decisão da FP se baseou num qualquer caráter interpretativo da norma do artigo 75°-A, n°2, do CIRC para sustentar a sua Decisão (cf. Conclusão O do Recurso), já que é manifesto que o Tribunal recorrido decidiu exclusivamente com base no artigo 23°, n°1, alínea c) do CIRC, tendo concluído - e bem - que a melhor interpretação do referido ínsito legal impõe a aferição da indispensabilidade por referência à origem dos financiamentos e à entidade que os contraiu e, portanto, no momento em que foram contraídos e aplicados os respetivos capitais alheios, assim decidindo que, no caso da Recorrida, tal indispensabilidade dos encargos financeiros em apreço se encontrava demonstrada in casu (já que inclusive a própria FP não questiona a sua dedutibilidade - cf. artigos 58° e 59° e Conclusão Q do Recurso);

FFFF. E em tal análise limitou-se a invocar o artigo 75°-A, n°2, do CIRC já que este regime legal foi introduzido precisamente para clarificar o regime da dedutibilidade dos encargos de financiamento em cenário pós-fusão (sobretudo nas situações de fusão invertida em que a sociedade adquirente assume por efeito da fusão um encargo que antes pertencia à sociedade adquirida), em virtude da ampla discussão que tem gerado na doutrina e na jurisprudência (de que é, aliás, exemplo o presente Recurso);

GGGG. Acresce que a invocação de tal regime legal se dá meramente como "reforço interpretativo" da Decisão e não, conforme invoca a FP, invocando um qualquer "caráter interpretativo" da referida norma;

HHHH. Aliás, mesmo que á referida norma tivesse sido atribuído pelo legislador caráter interpretativo, estamos perante a dedutibilidade de encargos financeiros que já eram da Recorrida e que, portanto, não lhe foram transmitidos por efeito da fusão (cf. parece ter a FP entendido, já que esta labora, ao longo de todo o seu Recurso, nesse pressuposto), pelo que nunca deixariam, em qualquer caso, tais encargos financeiros de ser dedutíveis precisamente porque já lhe pertenciam antes da fusão e por esta operação ter sido celebrada ao abrigo do regime da neutralidade fiscal, como tem vindo a entender a melhor jurisprudência nesta matéria (cf. processo n°s 491/2016-T) e contrariamente ao propugnado pela FP;

IIII. Desta forma, é claro que as correções na origem das Liquidações Contestadas são manifestamente ilegais, já que negar, em consequência de uma operação de fusão, os encargos financeiros cuja indispensabilidade não foi negada na esfera da sociedade que contraiu o empréstimo em momento anterior à fusão viola não apenas o art.23° do CIRC mas também o regime da neutralidade fiscal — art.67° e ss do CIRC (atualmente, arts.73°e ss) —, pelo que sempre as liquidações impugnadas padeceriam de vício de violação de lei (devendo ser anuladas com todas as consequências legais) com este fundamento.

JJJJ. Não merecendo, em face de todo o exposto, a Decisão recorrida qualquer censura, devendo em consequência ser o Recurso ora interposto pela FP ser julgado inteiramente improcedente e a Decisão recorrida manter-se na ordem jurídica.

II.3 À cautela: Do cumprimento do ónus da prova da indispensabilidade dos gastos em apreço (cf. Conclusão V do Recurso)

KKKK. Por fim, não pode a Recorrida deixar ainda de se pronunciar quanto à alegação da FP - que não é suportada por qualquer argumento ou fundamentação, note-se, e da qual habitualmente se socorre quando se vê desprovida de razão - de que, no que respeita aos encargos financeiros incorridos pela Recorrida com os financiamentos contraídos para a Aquisição 2001 e Aquisição 2006 M..., "a própria impugnante não demonstrou a sua indispensabilidade, como lhe impõe a lei" (cf. Conclusão V do Recurso);

LLLL. Ora, a indispensabilidade dos gastos é um conceito jurídico, o que conduz a que o seu preenchimento tenha vindo a ser efetuado de forma casuística pela jurisprudência, com base precisamente nos elementos de prova caneados para os autos, devendo considerar-se indispensáveis tais gastos sempre que tenham em vista a obtenção de lucro por parte dos sujeitos passivos - i.e., apenas podem ser desconsiderados quando não atos de gestão - e independentemente da efetiva produção de resultados positivos (cf. decisão arbitral proferida no processo n°101/2013-T);

MMMM. Adicionalmente, e como se viu também supra, tal indispensabilidade deverá ser aferida por referência aos financiamentos na origem dos correspondentes encargos financeiros e à utilização que foi conferida a esses mesmos capitais alheios, pelo que, ao tratar-se de um conceito jurídico, o seu preenchimento terá de ser efetuado de forma casuística pela jurisprudência, com base precisamente nos elementos de prova carreados para os autos, motivo pelo qual a discussão aqui em causa é, outrossim, se da prova que se encontra produzida sobre a natureza destes gastos, o contexto societário em que foram incorridos e todas as demais informações produzidas nestes autos, se pode concluir que o gasto em apreço é, ou não, indispensável;

NNNN. Sucede que, da prova carreada aos autos, o douto Tribunal recorrido concluiu que inexiste qualquer questão de facto sobre a qual exista dúvida fundada ou que careça de prova adicional (cf. pág. 44 da Decisão recorrida), motivo pelo qual o Recurso da FP incide sobre a matéria de facto dada por provada pelo Tribunal recorrido, pois ao invocar o incumprimento do ónus probatório está, de forma velada, a alegar que (i) não podiam ter sido dados por provados os elementos que o Tribunal recorrido entendeu demonstrados (e que fundamentaram as conclusões de Direito retiradas pelo mesmo Tribunal na Decisão), ou, alternativamente, que (ii) a matéria de facto dada por provada não é suficiente para retirar as conclusões de Direito formuladas pelo Tribunal recorrido na Decisão, motivo pelo qual o Recurso é, desde logo, de rejeitar nesta parte, já que extravasa, nos termos já melhor mencionados supra, o recorte de competências deste douto Supremo Tribunal Administrativo, chamado a apreciar o Recurso da FP nos termos do artigo 280°, n°1, do CPPT e, portanto, exclusivamente em matéria de Direito;

OOOO. Ainda que assim não se entenda, note-se que, muito embora a FP venha invocar o incumprimento do ónus de prova por parte da Recorrida - na tentativa, conforme já mencionado, de assacar um qualquer desvaler no seu comportamento e atuação -, a verdade é que contrariamente ao que pretende a FP, o ónus de prova cabia in casu à própria FP, já que as declarações apresentadas pela Recorrida beneficiam de presunção de veracidade nos termos do n°1 do artigo 75° da LGT, pelo que a AT (e subsequentemente a FP), tendo reputado que tais gastos relevados pela Recorrida para efeitos fiscais não são indispensáveis à produção de rendimentos sujeitos a tributação em IRC e, como tal, não devem relevar fiscalmente e devem com esse fundamento ser desconsiderados, então cabia-lhe demonstrar, conforme já analisado supra, que (i) a Recorrida não contraiu os financiamentos em apreço ou (ii) que tais financiamentos contraídos mereceram utilização distinta da que é invocada pela Recorrida fora aos fins empresariais da Recorrida e, por esse motivo, não são indispensáveis nos termos do artigo 23° do CIRC, o que também, e desde logo, vota o presente Recurso à necessária improcedência;

PPPP. Por fim, note-se que o ónus da prova sobre a Recorrida, a existir — única e exclusivamente sobre os factos que invoca -, existirá apenas como meio de dotar a AT — ou o Tribunal — de todas as informações necessárias para a emissão do referido juízo de indispensabilidade, cabendo por esse motivo unicamente, ao contribuinte "provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, seja a efectiva existência das alegadas transacções" (cf. acórdão do STA proferido no processo n°128/07-30);

QQQQ. Tal como demonstra a Decisão do Tribunal recorrido proferida nos presentes autos e de que a FP ora recorre, inexiste qualquer questão de facto sobre a qual exista dúvida fundada ou que careça de prova adicional, pois a Recorrida efetivamente demonstrou o contexto societário em que foram tomadas as despesas, todos os factos com elas conexionados, por forma a contextualizar tais despesas e operações, fundamentar a sua dedução para efeitos fiscais e assim viabilizar um juízo sobre a indispensabilidade de tais gastos, que foi o que a Recorrida fez amplamente ao longo de todo o procedimento na origem dos presentes autos (cf. pág. 44 da Decisão);

RRRR. Se a FP espera que a ora Recorrida faça prova de que os gastos em análise são indispensáveis, desde já se refira que a dispensabilidade ou indispensabilidade dos gastos, por se tratar de um conceito jurídico, não é suscetível de prova, sendo apenas suscetíveis de prova os factos necessários para a emissão de tal juízo, ie., para que se possa aferir, de tais factos e da prova sobre eles produzida, se o gasto em apreço se revela ou não "comprovadamente indispensável" para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto, o que a Recorrida manifestamente fez, já que, a partir de todos os elementos que a Recorrida forneceu à AT e carreou aos autos, foi possível formular tal juízo de dispensabilidade ou indispensabilidade dos gastos em apreço;

SSSS. Em face do exposto, mesmo que venha a ser apreciada tal alegação - no que não se concede - não procede, assim, a insinuação da FP de que (i) a Recorrida não apresentou prova suficiente ou idónea para servir de base a este juízo de indispensabilidade, o que sempre teria como cominação a desconsideração destes gastos e/ou, ainda, de (ii) que não demonstrou a indispensabilidade dos gastos em apreço, pois tal prova é, conforme mencionado, impossível por se tratar de um juízo de direito sobre a prova carreada para os autos e não de um facto suscetível de prova;

TTTT. E assim é porquanto tal questão - sobre o cumprimento ou incumprimento do ónus de prova - (i) sempre implica um juízo sobre a matéria de facto dada por provada como sendo suficiente ou insuficiente para a aferição da indispensabilidade dos gastos em apreço, o que consubstancia matéria de facto que extravasa as competências deste douto Supremo Tribunal Administrativo nesta sede; (ii) em qualquer caso, tal ónus cujo incumprimento a FP imputa à Recorrida corria, outrossim, sobre a própria AT, que deveria demonstrar os factos a partir dos quais conclui que os gastos em apreço não são indispensáveis ao abrigo do artigo 23° do CIRC, pois as declarações da Recorrida beneficiam de presunção de veracidade, nos termos do artigo 75°, n°1, da LGT; e, por fim (iii) é evidente que a Recorrida demonstrou adequadamente com toda a prova que carreou para os autos os factos dos quais é possível formular o juízo de indispensabilidade ao abrigo do artigo 23° do CIRC e que fundamentaram a Decisão ora recorrida;

UUUU. Termos em que deve o presente Recurso ser julgado manifestamente improcedente e a Decisão recorrida ser integralmente mantida, pois não merece qualquer censura.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. Doutamente suprirá, deverá ser considerado integralmente improcedente, por manifesta falta de fundamento, o Recurso interposto pela FP.
Mais requer que, à semelhança do requerido pela Recorrente, sejam as partes dispensadas do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, nos termos do art.6°, nº7, do Regulamento das Custas Processuais.


Distribuídos os autos, foi, pelo Supremo Tribunal Administrativo, proferida decisão de incompetência em razão da hierarquia para conhecer o recurso e declarado competente, para esse efeito, este Tribunal Central Administrativo.


Aberto «Termo de vista» à Exma. Procuradora – Geral Adjunta, foi emitido parecer no sentido de ser julgado improcedente o recurso.


Colhidos os «Vistos» dos Ex.mos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

II - Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção do Tribunal de recurso-

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 635.°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.°3 do mesmo artigo 635.°). Pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa, assim, decidir:

- Se a sentença padece de erro de julgamento por aí se ter concluído que existe um erro de cálculo nas correcções efectuadas (que deram origem às liquidações adicionais), porque do Relatório de Inspecção, como se constata dos factos 41. a 61. do probatório, constam as razões que conduziram a Administração Fiscal a integrar nas correcções o valor de € 1.977.500,00 (idêntica natureza do empréstimo respectivo a determinar idêntico tratamento) – conclusões C) a F) das alegações de recurso;

- Se o Tribunal a quo errou ao julgar que aos encargos financeiros vincendos (juros decorrentes de empréstimos contraídos por uma sociedade no desenvolvimento da sua actividade social tendo em vista a obtenção de proveitos ou manutenção da fonte produtora) deve ser reconhecido relevo fiscal, como custo, após aquela sociedade ser objecto de uma operação de fusão, uma vez que:

(i) os elementos patrimoniais que originaram os encargos financeiros deixaram de pertencer, após a fusão, à sociedade que resultou da fusão e passaram a pertencer à sua accionista e, consequentemente, é na esfera fiscal desta que passa a ser susceptível de gerar proveitos, sendo irrelevante que, antes da fusão estivessem efectivamente preenchidos os requisitos da sua indispensabilidade;

(ii) esse relevo fiscal, após a operação de fusão, é incompatível com o regime consagrado no artigo 23.º do CIRC, com o princípio da especialização dos exercícios e do balanceamento entre os gastos e rendimentos sujeitos a tributação, previsto no artigo 18.º do mesmo diploma legal;

(iii) o regime de neutralidade fiscal da operação de fusão não colide com a desconsideração dos encargos financeiros vincendos (verificados no período pós fusão), quando o fundamento desaa desconsideração fiscal resulta de não estarem verificados nos anos em causa (período de tributação) os pressupostos consagrados no artigo 23.º do CIRC e

(iv) o artigo 75.º - A, n.º 2 do CIRC, em que o Tribunal suportou juridicamente a sua decisão, não tem natureza interpretativa.

III - Fundamentação de facto
O julgamento de facto em 1ª instância ficou exarado na sentença recorrida nos termos que ipsis verbis se reproduzem:

1) Foi constituída, a 12.04.2001, a sociedade M... Ópticas Unipessoal, Lda (cfr. documento constante de fls. 249).

2) A sócia única da sociedade referida em 1) era à data a sociedade holandesa P... BV (cfr. documento constante de fls. 249).

3) O objeto social da sociedade referida em 2) era, à época, a exploração de estabelecimentos de óticas, aquisição e alienação de patentes, direitos de autor, processos industriais secretos knowhow e quaisquer outros tipos de direitos de propriedade intelectual, a cedência de licenças sobre tais direitos e a aquisição de licenças relativamente aos mesmos direitos, a prestação de serviços a terceiros, a condução de negócios próprios, bem como por conta de terceiros, participação, financiamento, administração ou qualquer outro interesse noutros negócios e empresas e realização de tudo o que possa ser de utilidade ou estar relacionado com o objeto (cfr. documento constante de fls. 249).

4) Foi realizada assembleia geral da sociedade M... Ópticas Unipessoal, Lda, a 18.05.2001, na qual foi deliberada a negociação da aquisição de 100% das ações representativas do capital social da sociedade M... de Gestão, SA, a solicitação da realização de prestações suplementares por parte da sócia única, em numerário, no valor de 7.446.612,00 Eur., a negociação de empréstimo a longo prazo, com as sociedades H… VI BV e C… Corporation, a negociação de empréstimo com a sociedade H… Investments e a negociação de empréstimo de longo prazo junto do Banco …, SA, tudo para financiamento da aquisição de 100% das ações representativas do capital social da sociedade M... de Gestão, SA (cfr. ata, constante de fls. 276 a 277).

5) Através de documento escrito, datado de 18.05.2001, designado de “Share purchase agreement”, no qual surgem como partes
a) A sociedade de direito espanhol M... Internacional, SA, e seis pessoas singulares, na qualidade de vendedores;
b)A sociedade de direito português M... Ópticas Unipessoal, Lda, e a sociedade holandesa P... , BV, na qualidade de compradoras; e
c) As sociedades de direito português M... de Gestão, SA, e M... de Investimento, SA, as partes referidas em a) declaram, designadamente, vender ações da sociedade M... de Gestão, SA, à M... Ópticas Unipessoal, Lda, e esta declarou comprar-lhas, pelo preço de 55.990.064,00 Eur., e vender ações da sociedade M... de Investimento, SA, à sociedade P... , BV (cfr. documento junto de fls. 250 a fls. 267 verso e respetiva tradução, constante de fls. 634 a 652 verso).
6) A sociedade M... de Gestão, SA, foi constituída em 1988, tendo o respetivo contrato social sido objeto de registo, na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a 27.07.1988 (cfr. documento constante de fls. 269 a 274).

7) No momento referido em 5) a sociedade M... de Gestão, SA, tinha por objeto social a comercialização de todo o material ótico e optométrico, tanto internamente como internacionalmente, mediante importação e exportação por grosso e a retalho, bem como a prestação de serviços de qualquer espécie relacionados com a ótica, optometria, a gestão de centros ou quaisquer instalações de audiometria oftalmológicas ou similares e conexas, bem como a sua implementação (cfr. documento constante de fls. 269 a 274).

8) Do preço mencionado em 5) parte foi pago por abatimento de empréstimos dos vendedores (cfr. documento junto de fls. 250 a fls. 267 verso e respetiva tradução, constante de fls. 634 a 652 verso).

9) Para efeitos da aquisição referida em 5), a sociedade P..., BV, realizou uma prestação suplementar de capital à sociedade M... Ópticas Unipessoal, Lda, em numerário, no valor de 7.446.612,00 Eur (cfr. fls. 276 a 278).

10) Para efeitos da aquisição referida em 5), através de documento escrito, datado de 18.05.2001, designado de “Shareholder Loan Agreement”, no qual surgem como partes as sociedades H… VI BV e C… Corporation, de um lado, e a sociedade M... Ópticas Unipessoal, Lda, do outro, as primeiras declararam disponibilizar à última o valor total de 14.341.740,00 Eur. (10.756.305,32 Eur., da sociedade H… VI BV, e 3.585.435,11 Eur., da sociedade C… Corporation), a reembolsar pela última (cfr. fls. 276 e 277, bem como o documento constante de fls. 279 a 283 e respetiva tradução, constante de fls. 676 a 682).

11) Para efeitos da aquisição referida em 5), foi contraído pela sociedade M... Ópticas Unipessoal, Lda, junto da sociedade H... BV, empréstimo no valor de 2.400.000,00 Eur. (cfr. fls. 276 e 277, bem como o documento constante de fls. 284 e respetiva tradução, constante de fls. 690).

12) Para efeitos da aquisição referida em 5), foi outorgado, no 3.º Cartório Notarial de Lisboa, a 18.05.2001, entre a sociedade M... Ópticas Unipessoal, Lda, na qualidade de primeira outorgante, e o Banco …, SA, na qualidade de segundo outorgante, mútuo com penhor de quotas, no qual o segundo declarou emprestar à primeira o valor de 28.500.000,00 Eur., entregue à segunda, a qual se confessou do mesmo devedora (cfr. fls. 285 a 288).

13) A M... Ópticas Unipessoal, Lda, explorava pelo menos lojas na Covilhã, no M… Retail e no Centro Comercial das T… (facto que se extrai do relatório de auditoria relativo a 2002, constante de fls. 309 a 312, lido em consonância com o alegado no artº15º, da petição inicial).

14) Em abril de 2002, as sociedades M... Ópticas, Unipessoal, Lda, e M... de Gestão, SA, apresentaram requerimento, dirigido ao Ministro das Finanças, com fundamento no DL n.º 404/90, de 21 de dezembro, pedindo que fosse concedida a isenção de Imposto do Selo e de outros encargos legais exigidos com o ato de fusão da segunda na primeira e com o projetado aumento do capital social (cfr. fls. 313 a 329).

15) Em 2002, foi elaborado projeto de fusão das sociedades M... Ópticas, Unipessoal, Lda, e M... de Gestão, SA, por incorporação desta na primeira, constando do mencionado projeto como motivo subjacente designadamente o ganho de capacidade competitiva e expansão do negócio e a diminuição das ineficiências económicas e logísticas pela similitude dos ramos de negócio (cfr. fls. 289 a 304).

16) A 26.12.2002 as sociedades M... Ópticas, Unipessoal, Lda, e M... de Gestão, SA, fundiram-se, por incorporação da segunda na primeira, com alteração da denominação social para M... UnipessoaI, Lda (cfr. documento junto de fls. 305 a 308).

17) Por despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 16.07.2003, foi deferido o pedido de isenção de imposto do selo e outros encargos legais, mencionado em 14) (cfr. fls. 330).

18) A 11.10.2004, a sociedade M... UnipessoaI, Lda, amortizou totalmente o empréstimo concedido pela sociedade C…, BV, pelo valor de 4.804.483,00 Eur. (facto que se extrai do relatório e contas da M... UnipessoaI, Lda, constante de fls. 396 a 398).

19) Para efeitos da amortização mencionada em 18), a sociedade P... Iberia, BV, através de documento escrito, datado de 11.10.2004, declarou emprestar à sociedade M... UnipessoaI, Lda, o valor de 4.804.483,05 Eur (facto que se extrai do relatório e contas da M... UnipessoaI, Lda, constante de fls. 396 a 398, bem como do documento junto de fls. 399 a 401 e respetiva tradução, constante de fls. 738 a 741).

20) A 29.12.2005, a sociedade M... UnipessoaI, Lda, amortizou totalmente o empréstimo concedido pela sociedade H...VI, BV, pelo valor de 15.721.739,00 Eur. (facto que se extrai do relatório e contas da M... UnipessoaI, Lda, de 2005, constante de fls. 402 e 403).

21) A 31.12.2005, a sociedade M... UnipessoaI, Lda, amortizou totalmente o empréstimo concedido pelo Banco …, SA, pelo valor de 10.996.858,00 Eur. (facto que se extrai do relatório de inspeção tributária – RIT – cfr. fls. 479 verso, bem como do art.º 71.º, da petição inicial).

22) Para efeitos das amortizações mencionadas em 20) e 21), a sociedade P... Iberia, BV, concedeu à sociedade M... UnipessoaI, Lda, um empréstimo no valor de 26.718.597,00 Eur. (cfr. documento junto a fls. 404 e respetiva tradução, constante de fls. 747).

23) Através de documento escrito, datado de 01.07.2006, designado “Purchase Agreement”, a sociedade P... Iberia, BV, declarou adquirir participações sociais representativas da totalidade do capital da sociedade portuguesa L... - Serviços Ópticos e Fotográficos, SA, à sociedade belga G... International, SA, e esta declarou vender-lhas, pelo preço de 9.547.000,00 Eur., subtraído do valor de 1.092.000,00 Eur. (cfr. documento constante de fls. 331 a 338 e respetiva tradução, constante de fls. 694 a 700).

24) Foi constituída, a 28.12.2006, a sociedade P... Portugal Unipessoal, Lda (ora impugnante), tendo como sócia a sociedade P... Iberia, BV, e sendo seu objeto social a comercialização de todo o material ótico e optométrico, tanto internamente como internacionalmente, mediante importação e exportação por grosso e a retalho, bem como a prestação de serviços de qualquer espécie relacionados com a ótica, optometria, a gestão de centros ou quaisquer instalações de audiometria, oftalmológicas ou similares e conexas, bem como a sua implementação, a exploração de estabelecimentosde óticas, a aquisição e alienação de patentes, direitosde autor, processos industriais secretos (know how) e quaisquer outros tipos de direitos de propriedade intelectual, a cedência de licenças sobre tais direitos e a aquisição de licenças relativamente aos mesmos direitos, a prestação de serviços a terceiros, a condução de negócios próprios, bem como por conta de terceiros, a participação, financiamento, administração ou qualquer outro interesse noutros negócios e empresas, e a realização de tudo o que possa ser de utilidade ou estar relacionado com o objeto (cfr. documento junto a fls. 339).

25) A sociedade P… Portugal Unipessoal, Lda, adquiriu, 22.12.2006, a totalidade do capital social da sociedade L... - Serviços Ópticos e Fotográficos, SA, pelo valor de 8.455.000,00 Eur. (cfr. documentos constantes de fls. 342 a 344 e respetiva tradução, constante de fls. 717 e 722 a 725).

26) A 28.12.2006, a sociedade P… Portugal Unipessoal, Lda, declarou contrair empréstimo à sociedade P... lberia, BV, no valor de 46.609.000,00 Eur., cuja data de maturidade veio a ser fixada em 30.06.2010 (cfr. documento constante de fls. 346 e 346 verso e respetiva tradução, constante de fls. 730 e 730 verso, bem como o documento constante de fls. 409 a 411).

27) O empréstimo mencionado em 26) destinou-se a financiar a aquisição da totalidade do capital social da sociedade M... Unipessoal, Lda (cfr. o anexo às demonstrações financeiras, constante de fls. 409 a 411; facto que se extrai igualmente do RIT – cfr. fls. 476).

28) Através de documento escrito, datado de 29.12.2006, designado “Quota Purchase Agreement”, a sociedade P... Portugal Unipessoal, Lda, declarou comprar à sociedade P... lberia, BV, e esta declarou vender àquela a totalidade do capital social da sociedade M... Unipessoal, Lda., pelo preço de 46.609.000,00 Eur. (cfr. documento constante de fls. 340 e 341 e respetiva tradução, constante de fls. 710 a 713).

29) A 29.12.2006, a sociedade P... Portugal Unipessoal, Lda, declarou contrair empréstimo à sociedade P... lberia, BV, no valor de 8.455.000,00 Eur., cuja data de maturidade veio a ser fixada em 30.06.2010 (cfr. documento constante de fls. 347 e respetiva tradução, constante de fls. 734).

30) O empréstimo mencionado em 29) destinou-se a financiar a aquisição da totalidade do capital social da sociedade L... - Serviços Ópticos e Fotográficos, SA, referida em 25) (cfr. o anexo às demonstrações financeiras, constante de fls. 409 e 411; facto que se extrai igualmente do RIT – cfr. fls. 476).

31) Através de documento escrito, designado “Agreement of Assignement of Contractual Position”, datado de 31.03.2007, a sociedade P..., BV, na qualidade de cedente, declarou ceder a sua posição credora sobre a sociedade M... Unipessoal, Lda, à sociedade P... Portugal Unipessoal, Lda, na qualidade de cessionária, referente aos empréstimos mencionados em 19) e 22), no montante de 33.797.818,00 Eur. (cfr. documento constante de fls. 412 a 415 e respetiva tradução, constante de fls. 752 a 754).

32) Por referência a 31.12.2007, a impugnante tinha registados, na sua contabilidade, empréstimos concedidos pela sociedade P... Iberia BV, no valor total de 88.861.818,00 Eur. (cfr. relatório e contas 2007, constante de fls. 416 a 418).

33) Em 2007 a sociedade P... Portugal Unipessoal, Lda, explorava uma loja (facto que se extrai do documento constante de fls. 368 verso).

34) Em 2007 a sociedade M... Unipessoal, Lda, explorava 53 lojas (facto que se extrai do documento constante de fls. 368 verso).

35) Em 2008, foi elaborado projeto de fusão das sociedades P... Portugal Unipessoal, Lda, e M... Unipessoal, Lda, por incorporação desta na primeira, constando do mencionado projeto como motivo subjacente designadamente a racionalização da atividade económica, a eliminação de custos de intermediação e o aumento da competitividade (cfr. fls. 348 a 356).

36) Em junho de 2008, as sociedades P... Portugal Unipessoal, Lda, e M... Unipessoal, Lda, apresentaram requerimento, dirigido ao Ministro das Finanças, com fundamento no artº56º-B, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, pedindo que fosse concedida a isenção de Imposto do Selo e de outros encargos legais exigidos com o ato de fusão da segunda na primeira (cfr. fls. 358 a 389).

37) A 29.09.2008 as sociedades P... Portugal Unipessoal, Lda, e M... Unipessoal, Lda, fundiram-se, por incorporação da segunda na primeira (cfr. fls. 357).

38) Por referência a 31.12.2008, a impugnante tinha registados, na sua contabilidade, empréstimos concedidos pela sociedade P... Iberia BV, no valor total de 88.861.818,00 Eur., decompostos em:
a) 5.397.475,00 Eur. e 28.400.343,00 Eur. (total de 33.797.818,00 Eur.)referentes aos empréstimos mencionados em 19) e 22);
b) 46.609.000,00 Eur., referentes ao empréstimo mencionado em 26);
c) 8.455.000,00, referentes ao empréstimo mencionado em 29) (cfr. relatório e contas 2008, constante de fls. 419 a 421; facto que se extrai igualmente do RIT – cfr. fls. 480 verso).

39) Por despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 31.07.2009, foi deferido o pedido de isenção de imposto do selo e outros encargos legais, mencionado em 36) (cfr. fls. 390 a 393).

40) Por referência a 31.12.2009, a impugnante tinha registados, na sua contabilidade, empréstimos concedidos pela sociedade P... Iberia BV, no valor total de 88.861.818,00 Eur. (cfr. relatório e contas de 2009, constante de fls. 422 e 423).

41) Através de documento escrito, designado “Assignment Agreement”, datado de 29.01.2010, a sociedade P..., BV, declarou assumir a dívida da sociedade P... Europe Coõperatife UA. perante a sociedade L... - Serviços Ópticos e Fotográficos, SA, no valor de 1.977.500,00 Eur. e a sociedade L... - Serviços Ópticos e Fotográficos, SA declarou ceder esse crédito à sociedade P... Portugal Unipessoal, Lda (cfr. documento constante de fls. 425 a 427, e respetiva tradução, constante de fls. 428 a 430).

42) Através de documento escrito, designado “Contrato de Empréstimo”, datado de 01.02.2010, a sociedade L... - Serviços Ópticos e Fotográficos, SA, declarou emprestar à sociedade P... Portugal Unipessoal, Lda, o valor de 1.977.500,00 Eur., à taxa de juro de 7% e com maturidade até 01.02.2020 (cfr. documento constante de fls. 431).

43) A impugnante decidiu reestruturar, a 01.02.2010, os empréstimos concedidos e obtidos com empresas do grupo e associadas, consolidando os vários empréstimos num único (facto que se extrai do Relatório e Contas da impugnante, relativo a 2009, constante de fls. 422 e 423).

44) Por referência a 31.01.2010, a impugnante tinha registada na sua contabilidade uma dívida à sociedade P... Iberia, BV, de valor de 98.243.609,08 Eur., relativa aos financiamentos pela reestruturações empresariais decorrentes da aquisição de 2001 e das aquisições de 2006 (cfr. fls. 432 a 435; facto que se extrai igualmente do RIT – cfr. fls. 484).

45) Por referência a 31.01.2010, a impugnante tinha registado na sua contabilidade um crédito perante a sociedade P... Iberia BV e a sociedade P... Europe Cooperatief UA no valor de 22.804.433,23 Eur. (cfr. fls. 432 a 435; facto que se extrai igualmente do RIT – cfr. fls. 481 verso).

46) Na sequência da reestruturação de dívida referida em 43), a impugnante procedeu à compensação de créditos referidos em 45) - cfr. fls. 432 a 435.

47) Na compensação mencionada em 46), a impugnante imputou em primeiro lugar 9.381.791,08 Eur. aos juros e em segundo lugar 13.891.738 Eur. ao capital da dívida cronologicamente mais antiga (cfr. fls. 432 a 435).

48) O valor 9.381.791,08 Eur. foi objeto de retenção na fonte no valor de 469.089,86 Eur. (facto não controvertido – cfr. art.º 107.º, da petição inicial, RIT – cfr. fls. 481 verso).

49) Na sequência da reestruturação de dívida referida em 43), a impugnante apurou um valor em dívida de 75.439.175,85 Eur. à sociedade P... Iberia, BV, e à sociedade P... Europe Cooperatief UA, sem atender ao valor de imposto retido na fonte referido em 48) (cfr. fls. 432 a 435).

50) Para efeitos da reestruturação de dívida referida em 43), através de documento escrito, datado de 01.02.2010, designado de “Loan Agreement”, a sociedade P... Iberia, BV, declarou realizar um suprimento à impugnante no valor de 75.439.182,00 Eur., à taxa de juro de 7% e com maturidade em 31.01.2061 (cfr. documento constante de fls. 436 a 438 e respetiva tradução, constante de fls. 773 a 776).

51) Através de documento datado de 27.12.2010, o valor mencionado em 50) foi corrigido para 74.970.092,00 Eur. (cfr. documento constante de fls. 439 e respetiva tradução, constante de fls. 782).

52) Por referência a 31.12.2010, a impugnante tinha registados na sua contabilidade os seguintes valores:
a) Dívida perante a sociedade P... Iberia, BV, no valor de 74.970.092,00 Eur.;
b) Dívida perante a sociedade L... - Serviços Ópticos e Fotográficos, SA, no valor de 1.977.500,00 Eur. (cfr. relatório e contas da impugnante, relativo a 2010, constante de fls. 440 a 444).

53) Em 2010 a impugnante apurou juros no valor total de 5.306.220,59 Eur., sendo:
a) 5.179.552,25 Eur., relativos à sociedade P... Iberia, BV;
b) 126.668,34 Eur., relativos à sociedade L... - Serviços Ópticos e Fotográficos, SA (cfr. fls. 454).

54) A denominação da sociedade P... Portugal Unipessoal, Lda, foi alterada, a 25.05.2011, para G... Portugal Unipessoal, Lda (cfr. fls. 394).

55) A denominação da sociedade L... - Serviços Ópticos e Fotográficos, SA, foi alterada, a 30.06.2011, para G... Portugal, SA (cfr. fls. 395).

56) Por referência a 31.12.2011, a impugnante tinha registados na sua contabilidade 76.947.592,00 Eur. a título de empréstimos de empresas do grupo, correspondendo a:
a) Dívida perante a sociedade P... Iberia, BV, no valor de 74.970.092,00 Eur.;
b) Dívida perante a sociedade G… Portugal, SA (antiga L...), no valor de 1.977.500,00 Eur. (cfr. demonstrações financeiras da impugnante, relativas a 2011, constantes de fls. 445 a 449).

57) Em 2011 a impugnante apurou juros no valor de 5.386.331,42 Eur., sendo:
a) 5.247.906,44 Eur., relativos à sociedade P... Iberia, BV;
b) 138.424,98 Eur., relativos à sociedade G... Portugal, SA (antiga L...) (cfr. fls. 456).

58) Por referência a 31.12.2012 a impugnante tinha registados na sua contabilidade 76.947.592,00 Eur. a título de empréstimos de empresas do grupo, correspondendo a:
a)Dívida perante a sociedade P... Iberia BV, no valor de 74.970.092,00 Eur.;
b) Dívida perante a sociedade G... Portugal, SA (antiga L...), no valor de 1.977.500,00 Eur. (cfr. demonstrações financeiras da impugnante, relativas a 2012, constantes de fls. 450 a 453).

59) Em 2012 a impugnante apurou juros no valor de 5.386.710,67 Eur., sendo:
a)5.247.906,44 Eur., relativos à sociedade P... Iberia BV;
b) 138.804,23 Eur., relativos à sociedade G... Portugal, SA (antiga L...) (cfr. fls. 458).

60) A impugnante foi objeto de ação inspetiva, em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI2014…, OI2014… e OI2014…, pela Direção de Finanças de Lisboa (cfr. fls. 470).

61) Da ação inspetiva referida em 60) resultou um Relatório de Inspeção Tributária, datado de 10.12.2014, do qual decorreram correções à matéria tributável de IRC no valor de 4.794.481,44 Eur., constando do mesmo designadamente o seguinte:
“…





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(…)
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(…)



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(…)

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(…)
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(…)





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(…)

O que se verifica é que a P... Ibérica BV constitui uma empresa (M... Ópticas Unipessoal, Lda) que adquiriu a M... de Gestão, Lda e que posteriormente de forma sucessiva alterou a composição societária do grupo, detendo sempre a totalidade do capital de entidades que recorrem a financiamentos seus para adquirirem empresas que de seguida se fundem na sociedade adquirente, gerando assim na esfera das entidades, encargos financeiros elevados.
A P... Ibérica BV poderia ter adquirido directamente, em 2001, a empresa que exercia a ACTIVIDADE OU NÉGÓCIO EXERCIDO NAS LOJA M... E ATRAVÉS DA REDE DE FRANCHISADOS (M... de Gestão, Lda) sendo nesse caso, a P... Ibérica BV a suportar os custos de investimento.

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(…)
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(…)

Da mesma forma, os gastos com a aquisição da sociedade M... Unipessoal, que haviam siso incorridos pela sociedade P... Portugal Unipessoal, Lda, por via da fusão, em 2008, passaram a ser suportados pelos cash-flows gerados pela entidade adquirida (M... Unipessoal).
Com as fusões, a actividade desenvolvida pelas sociedades incorporantes passou a corresponder integralmente à actividade que já vinha sendo exercida pelas sociedades incorporadas, sendo que os empréstimos obtidos pelas sociedades incorporantes (M... Portugal Unipessoal, Lda e P... Portugal Unipessoal, Lda) tiveram como único objectivo a obtenção de capital para a aquisição do negócio M..., que até 18-05-2001 pertencia a um grupo espanhol.

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(…)
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…” (cfr. documento junto de fls. 469 a fls.491 verso).

62) Na sequência do RIT mencionado em 61) foi emitida pela AT, em nome da impugnante, a liquidação adicional de IRC n.º 2014 …, relativa ao exercício de 2010, e a dos respetivos juros compensatórios, de cuja demonstração de acerto de contas resultou o valor a pagar de 1.519.934,36 Eur. (cfr. documentos juntos a fls. 242 e 243).

63) A liquidação referida em 62) foi paga a 25.02.2015 (cfr. fls. 492).

64) Na sequência do RIT mencionado em 61) foi emitida pela AT, em nome da impugnante, a liquidação adicional de IRC n.º 2014 …., relativa ao exercício de 2011, e a dos respetivos juros compensatórios, de cuja demonstração de acerto de contas resultou o valor a pagar de 1.466.518,22 Eur. (cfr. documentos juntos a fls. 244 e 245).

65) A liquidação referida em 64) foi paga a 27.02.2015 (cfr. fls. 493).

66)Na sequência do RIT mencionado em 61) foi emitida pela AT, em nome da impugnante, a liquidação adicional de IRC nº2014 …, relativa ao exercício de 2012, e a dos respetivos juros compensatórios, de cuja demonstração de acerto de contas resultou o valor a pagar de 577.547,27 Eur. (cfr. documentos juntos de fls. 246 a 248).

67) A liquidação referida em 66) foi paga a 03.03.2015 (cfr. fls. 494).

3.2. FACTOS NÃO PROVADOS.

Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.

3.3. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos, bem como na posição assumida pelas partes, conforme indicado em cada um desses factos.»

IV - Fundamentação de Direito

Expostos os fundamentos das liquidações impugnadas, o objecto da impugnação e os factos que suportam o julgamento e que não foram postos em causa pela Recorrente – ainda que o tenha sido a valoração que lhes foi dada, mormente as conclusões de facto que deles foram extraídas - importa agora apreciar e decidir as questões que nos foram colocadas e de cuja resposta positivas está dependente a almejada procedência da pretensão de revogação da sentença.

Assim:

4.1. Errou o Tribunal a quo ao reconhecer que existe um erro de cálculo nas correcções efectuadas (que deram origem às liquidações adicionais)?

Para a Recorrente, como se depreende das conclusões de recurso vertidas nas alíneas C) a F), a resposta é simples: é indiscutível a existência de erro de julgamento uma vez que, contrariamente ao aduzido na sentença recorrida do Relatório de Inspecção constam as razões que conduziram a que a Administração Fiscal tivesse integrado o valor de € 1.977.500,00 nas liquidações impugnadas e que se podem reconduzir ao facto de, sendo idêntica a natureza do empréstimo em causa (€€ 1.977.500,00) não haver fundamento para que não fosse objecto do “mesmo tratamento fiscal”.

Independentemente de ser nítida a relação directa entre a “idêntica natureza” e o “mesmo tratamento fiscal” estabelecida pela Recorrente no seu discurso argumentativo - isto é, o mesmo tratamento fiscal surge como consequência da igual natureza do empréstimo - nem nessa relação de causa efeito nem isolando qualquer uma das premissas do raciocínio lhe pode ser reconhecida razão.

Para que bem se perceba porque assim concluímos, começamos por salientar que o fundamento das liquidações adicionais impugnadas constituem o resultado do não reconhecimento por parte da Administração Fiscal dos encargos suportados pela Recorrida em consequência de “empréstimos” por esta contraídos para aquisição das sociedades M... de Gestão e M... Unipessoal, entretanto extintas por fusão.

Sublinha-se, atenta a relevância do que ficou exposto para a decisão que iremos tomar, que a identificação que fizemos do fundamento das liquidações é pacífica, traduzindo, inclusive, os termos em que o fizemos, uma mera adesão à delimitação realizada pela Recorrente ao longo das peças procedimentais e processuais destes autos e que mantém neste recurso ao adiantar que a correcção da Inspecção Tributária se centrou nos encargos suportados com os empréstimos obtidos pela aquisição das sociedades M... de Gestão e M... Unipessoal, entretanto extintas por fusão, e que a Impugnante suporta, como claramente resulta das suas alegações e conclusões [vide, conclusão F)]

Para a Recorrente esses encargos (juros) decorrentes dos financiamentos contraídos para as referidas aquisições não se subsumem a “gastos” nos termos definidos no artigo 23.º do Código de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) – vide, ponto III supra, muito especialmente do seu n.º 61. -Relatório de Inspecção.
Conforme resulta dos factos apurados, os “empréstimos” contraídos para esse efeito ascendiam, após a restruturação da dívida (1 de Fevereiro de 2010), a € 74.970,092.092, e não a € 76.947,952, como considerado para efeitos de correcção e subsequente liquidação pela Administração Tributária. Ou seja, tendo em conta o que ficou provado, é forçoso concluir-se que não podia a Administração Tributária ter procedido a uma correcção que reflecte como não dedutível, àquele título (fundamentação) o gasto ou encargos relativos ao “empréstimo” de € 1.977.500.

Recuperando a argumentação da Recorrente, diga-se que é verdade, e este Tribunal não o pretende ignorar, que a 1 de Fevereiro de 2010 foi celebrado um “Contrato de Empréstimo” entre a L... – Serviços Ópticos e Fotográficos, S.A” e a P... Portugal Unipessoal Lda., no valor de € 1.977,500 (factualidade vertida em 42. do ponto III supra).

Todavia, não está provada qualquer relação desse “empréstimo” com os financiamentos contraídos pela P... BV para a aquisição de participações sociais cuja desconsideração como “gasto” suporta as liquidações impugnadas, mas, tão só, no limite, que esse valor terá servido para a P… BV suportar a dívida assumida perante a L... – Serviços Ópticos e Fotográficos, S.A” (cfr. factualidade apurada nos pontos 41. a 59.).

Acresce que, contrariamente ao que ora em recurso vem defender a Recorrente, do referido Relatório de Inspecção não resulta que a integração daquele valor (financiamento de € 1.977.500,00) decorra de qualquer entendimento firmado quanto a, não obstante não estar subjacente à sua contracção a aquisição de participações sociais, esse financiamento dever ter o “mesmo tratamento fiscal” e dever ser integrado no valor liquidado, aí residindo, segundo nos parece, a razão de ser da singela argumentação adiantada em recurso pela Administração Fiscal, como vimos, exclusivamente sustentada numa alegada “natureza idêntica e no subsequente dever de um mesmo tratamento fiscal”.

Aliás, basta atentar no Relatório, especialmente no que ficou exarado no ponto 4.1.1., para concluirmos que a Administração Tributária, no que respeita ao montante em causa - € 1.977.500,00 – reconduziu a questão a uma mera transferência do “titular do crédito”, dando implicitamente por assente que aquele valor resultava de um financiamento contraído para a aquisição “das sociedades M... de Gestão e M... Unipessoal entretanto extintas por fusão” (fundamento assumido da liquidação e de desconsideração dos respectivos juros pós-fusão – cfr. Relatório de Inspecção e conclusão F) das alegações de recurso jurisdicional).

Como mencionado, esse entendimento colide frontalmente com os factos apurados, especialmente com as limitadas conclusões que é possível serem extraídas da factualidade vertida, em especial nos n.ºs 41. a 61. do ponto III supra, sendo manifesto que em nenhum desses factos, nem de qualquer outro apurado, distintamente do que ocorre quanto aos demais financiamentos em questão, ficou provada a relação (financiamento e subsequente aquisição de participações sociais) em que necessariamente assenta a pretensão da Recorrente.

Donde, para nós, apenas duas hipóteses podem ser consideradas. Ou, como salienta a Impugnante na petição inicial e foi acolhido pela sentença recorrida, tudo se reconduz a um “erro de cálculo ou aritmético”, que conduziu a que, a final, por manifesto lapso, tenham sido incluídos os valores totais dos “empréstimos” contraídos (que anteriormente a Administração Tributária autonomizara devidamente na fundamentação da mesma peça procedimental – vide, alteração a partir do ponto 4.2. do Relatório de Inspecção), originando que as liquidações impugnadas tenham sido emitidas por um valor substancialmente superior ao que era devido (se o erro aritmético não tivesse sido cometido). Ou, como para nós é patente, não tendo existido tal lapso - e a Administração Tributária revelou sempre que o não aceitava, posição que mantém neste recurso -, não existe fundamentação substancial capaz de suportar a liquidação adicional correspondente àquele valor uma vez que se não provou que o financiamento que lhe deu origem se integra no conjunto de financiamentos contraídos tendo em vista a aquisição das sociedades já identificadas e que constituem o fundamento das liquidações.

Em suma, não tendo ficado apurada “a idêntica natureza do empréstimo em causa” leia-se, que o empréstimo no valor de € 1.977,500,00 tenha qualquer relação com as operações de aquisição em causa e em que se suportaram as liquidações adicionais relativas ao IRC da Recorrida dos anos de 2010, 2011 e 2012, é manifesto o erro de facto e de direito em que a Administração Fiscal incorreu e, consequentemente, com esta fundamentação, sempre se impõe a confirmação da sentença recorrida nesta parte.
Não será, pois, por esta via e nesta parte, que o recurso jurisdicional será julgado procedente.

4.2. Avançando, enfrentemos agora aquela que é a questão nuclear do recurso jurisdicional e que no ponto II subdividimos em diversas subquestões em função dos argumentos de facto e direito esgrimidos: errou o Tribunal a quo ao julgar que aos encargos financeiros vincendos (juros decorrentes de empréstimos contraídos por uma sociedade no desenvolvimento da sua actividade social tendo em vista a obtenção de proveitos ou manutenção da fonte produtora) deve ser reconhecido relevo fiscal após aquela sociedade ser objecto de uma operação de fusão?

Como igualmente já deixámos relevado, o erro de julgamento suscitado surge suportado em quatro argumentos de facto e de direito nucleares:

(i) os elementos patrimoniais que originaram os encargos financeiros deixaram de pertencer, após a fusão, à sociedade que resultou da fusão e passaram a pertencer à sua accionista e, consequentemente, é na esfera fiscal desta que passa a ser susceptível de gerar proveitos, sendo irrelevante que antes da fusão estivessem efectivamente preenchidos os requisitos da sua indispensabilidade;

(ii) esse relevo fiscal, após a operação de fusão, é incompatível com o regime consagrado no artigo 23.º do CIRC, com o princípio da especialização dos exercícios e do balanceamento entre os gastos e rendimentos sujeitos a tributação, previsto no artigo 18.º do mesmo diploma legal;

(iii) o regime de neutralidade fiscal da operação de fusão não colide com a desconsideração dos encargos financeiros vincendos (verificados no período pós fusão), quando o fundamento dessa desconsideração fiscal resulta de não estarem verificados nos anos em causa (período de tributação) os pressupostos consagrados no artigo 23.º do CIRC e

(iv) o artigo 75.º - A, n.º 2 do CIRC, em que o Tribunal suportou juridicamente a sua decisão, não tem natureza interpretativa.
Diga-se desde já, como as partes destes autos bem sabem, que a questão de mérito essencial ora colocada, com todos ou alguns destes fundamentos, vem sendo apreciada pelos nossos Tribunais Tributários, especialmente de 1ª instância, bem como pelo Supremo Tribunal Administrativo e pelos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD.

E ainda que seja seguro afirmar-se que, contrariamente ao que ocorre na nossa jurisdição, em que o entendimento no sentido de dedutibilidade dos gastos que foram desconsiderados e que estão na origem das correcções operadas pela Administração Fiscal foi sendo construído numa posição unânime, a questão não foi nem permanece pacifica nos Tribunais Arbitrais, ainda que, se bem vemos, seja já possível descortinar-se uma maior uniformidade do sentido das decisões finais (1).

4.2.1. Posto isto, e porque é importante que as subquestões a apreciar devem sê-lo numa rigorosa delimitação dos fundamentos de facto e de direito em que se louvou a sentença recorrida, começamos por responder de imediato à última que por nós ficou enunciada (errou o Tribunal no seu julgamento porque suportou a sua decisão no artigo 75.º - A, n.º 2 do CIRC, o qual não tem, distintamente do que se colhe da sentença “natureza interpretativa) - dizendo frontalmente que não corresponde à realidade que o Tribunal a quo tenha fundado juridicamente a sua decisão de improcedência no artigo o artigo 75.º - A, n.º 2 do CIRC.

Na verdade, como se conclui com relativa facilidade da leitura da sentença recorrida, o Tribunal Tributário de Lisboa limitou-se – após ter expendido o seu julgamento de que a indispensabilidade dos “gastos” deve ser aferida, à luz do preceituado artigo 23.º, al. c) do CIRC, por referência ao momento do financiamento - a adiantar que “tal como mencionado pela impugnante, atualmente esta situação encontra-se de forma clara prevista no art.º 75.º-A, n.º 2, do CIRC, pelo que tal circunstância vale ainda como reforço interpretativo.”

E bem.

Efectivamente, devidamente analisado o “TEXTO DE SUBSTITUIÇÃO” do Projecto de Lei n.º 429/XII e da Proposta de Lei n.º 175/XII (3ª GOV), resultante da discussão e votação, na especialidade, ocorrida nas reuniões da Comissão de Orçamento, Finanças e Administração pública de 11, 12 e 19 de Dezembro de 2013, a introdução do artigo 75.º - A do CIRC surge já no âmbito dessa última discussão, não existindo registo daquela previsão normativa (em qualquer redacção) na Proposta inicial.

E surge, como acertadamente afirma a Recorrida, como uma forma de pôr fim à querela que se colocava relativamente à “dedutibilidade dos encargos financeiros num cenário pós-fusão” especialmente nas situações de fusão inversa onde a questão assumia particular acuidade.

Neste novo quadro legislativo (emergente da última grande reforma do IRC entrada em vigor por força da Lei 2/2014, de 16-1) ficou claramente consagrado que “Os gastos de financiamento líquidos das sociedades fundidas por estas não deduzidos, bem como a parte não utilizada do limite a que se refere o n.º 3 do artigo 67.º, podem ser considerados na determinação do lucro tributável da sociedade beneficiária numa operação de fusão a que seja aplicado o regime especial estabelecido no artigo 74.º, até ao termo do prazo de que dispunham as sociedades fundidas, de acordo com o disposto nos n.os 2 e 3 do referido artigo 67.º” (artigo 75-A, n.º 2 do CIRC).

Foi, pois, seguramente, a consciência das “circunstâncias” em que a nova lei foi elaborada – para que nos remete o artigo 9.º do Código Civil (CC) - que conduziu a Meritíssima Juiz a quo a convocar o novo normativo como mero reforço argumentativo”, sendo visível que em momento algum, expressa ou implicitamente, acolheu a nova regulamentação como “lei interpretativa” nos termos consagrados no artigo 12.º nº 2 do CC.

Em suma, do discurso aduzido na sentença resulta claramente que foi no artigo 23.º, n.º 1 al. c) do CIRC na redacção em vigor à data dos factos (“redação vigente à data “) - e não no artigo 75.º-A, n.º 2 do mesmo diploma legal actualmente em vigor, que aí surge marginalmente -, que se fundou juridicamente o julgado, como se vê, desde logo, do excerto conclusivo aí vertido que ora se transcreve: “ o que é relevante é a indispensabilidade do custo à data do financiamento, que não é posta em causa (cfr. a este respeito a decisão arbitral proferida no processo 101/2013-T, de 02.12.2013). Sendo indispensável, os seus gastos são abrangidos pela al. c) do art.º 23.º, do CIRC, não se podendo retirar da circunstância de ter havido em momento ulterior uma fusão que esse caráter simplesmente desapareça.”.

Carece, assim, de fundamento e, salvo o devido respeito, de sentido, nesta parte, o erro de julgamento invocado.

4.2.2. Ainda numa definição do contexto em que devem ser encontradas as respostas às questões para que fomos convocados, importa realçar duas outras notas delimitativas que, pese embora se nos afigurem pacíficas face à posição assumida pela Recorrente e aos normativos legais que curaremos de citar, são relevantes quanto à exclusão do impacto que em abstracto poderiam gerar.

A primeira é a de que a indispensabilidade do gasto não foi posta em causa no momento anterior à fusão por referência aos financiamentos contraídos e à aplicação que lhes foi dada. A Administração Tributária reconhece-o expressamente, ainda que seja um dado que considera “irrelevante”.

A segunda só se revela necessária, por um lado, atenta a forma como se encontram redigidas as conclusões do Relatório de Inspecção, notoriamente construídas em termos factuais tendo em vista o preenchimento do abuso do direito do regime fiscal em causa que, pelo menos aparentemente, a Recorrente pretende ver censurado e, por outro, atenta a importância nuclear que a questão do regime de neutralidade fiscal assume na economia do recurso em apreço.

Ora, quanto a este aspecto deixamos bem claro o seguinte: a Administração Tributária não lançou mão da cláusula específica anti-abuso, então prevista no artigo 67.º n.º 10 do CIRC, hoje com consagração no artigo 73.º, n.º 10 do mesmo Código (normativo que no plano do ordenamento jurídico tributário nacional acolheu a mesma redacção do normativo de Direito da União Europeia - artigo 11 da Diretiva n.º 90/434/CEE de 23 de Julho de 1990) que permite que o regime de neutralidade seja afastado quando haja abuso, isto é, quando se alegue e comprove que as operações de fusão foram construídas exclusivamente tendo em vista a obtenção de ganhos ilegítimos - leia-se, quando se alegue e comprove que não existiram razões económicas válidas capazes de legitimar a operação de fusão ou outras operações que a antecederam, todas sucessivamente construídas tendo em vista esse mesmo fim.

Esse procedimento, vinculativo ou obrigatório para que ao Tribunal seja legítimo afastar o regime neutral em apreço, encontrava-se consagrado, ao tempo em que nos movemos, no artigo 63.º do CPPT.

Do que ficou dito resulta, pois, que prevendo e impondo a Lei “um procedimento administrativo autónomo de aplicação de uma regra antiabuso, (…) os tribunais não podem operar a aplicação de cláusulas antiabuso, à míngua da adoção, pela AT, daquele mesmo procedimento, isto é, concretizando: sendo certo que o abuso e a aplicação de cláusulas antiabuso pode ser sindicado pelos tribunais, no quadro geral da reserva da lei fiscal, no nosso ordenamento a reação ao abuso através de cláusulas antiabuso só pode ocorrer após reação prévia da AT, nos termos do art. 63.º do CPPT. Não tendo sido aplicado o procedimento antiabuso previsto neste último preceito, não pode o tribunal averiguar da existência, ou não, de razões económicas válidas para a fusão. Esta posição é também compatível com a doutrina do TJUE: mesmo quando o Tribunal de Justiça da União Europeia interpreta o conceito de "razões económicas válidas", submete as consequências de tal interpretação ao direito nacional: só se o direito nacional contiver normas e medidas antiabuso que possibilitem a aplicação da regra antiabuso de Direito Europeu, é que esta é efetivamente aplicável (caso Kofoed, Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 5 de Julho de 2007, C-321/05, Colect., p. I-5795). Mutatis mutandis, só se os procedimentos do direito nacional na aplicação de cláusulas antiabuso tiverem sido respeitados é que a (eventual) ausência de razões económicas válidas tem consequências para o caso concreto.

Em síntese, não tendo a Administração Tributária, pese embora a motivação exarada no Relatório de Inspecção, lançado mão do referido procedimento administrativo, não podia o Tribunal de 1ª instância, nem pode este Tribunal de recurso recorrer a essa cláusula, mesmo que tivesse ficado comprovado (e também, desde já se diga, não foi o caso) o abuso do direito. (2)

Delimitado negativamente o quadro factual e jurídico, vejamos, agora, então, se assiste razão à Recorrente nos demais argumentos invocados, recordando-se mais uma vez que a correcção subjacente às liquidações impugnadas se consubstanciou no não reconhecimento por parte da Administração Tributária dos gastos financeiros suportados pela Recorrida, os quais, em seu entender, não se enquadram no art.º 23.º, n.º 1, do CIRC, já que, “com as fusões, deixaram de existir as participações sociais para cuja aquisição foram efectuados os financiamentos. E, nessa medida, os gastos subjacentes não podem ser enquadrados no âmbito do art.º 23.º, do CIRC.”.

O Tribunal a quo não acolheu a tese fundamentadora das liquidações da Administração Tributária e julgou que não existia fundamento para afastar os “gastos” em questão da previsão da al. c) do artigo 23.º do CIRC.

Para assim concluir a Meritíssima Juíza aduziu um longo discurso fundamentador, de facto e de direito, que aqui, pelo seu reconhecido mérito, importa reproduzir:

“In casu, do ponto de vista fático há que, desde logo, considerar todo o conjunto de aquisições e fusões que ocorreram desde 2001 e relevantes para a apreciação da situação controvertida.

Assim, a factualidade provada pode, do ponto de vista gráfico e em termos de aquisições e fusões, sintetizar-se da seguinte forma:

“Texto integral com imagem”

Temos, pois, que houve dois momentos em que ocorreram aquisições societárias relevantes, em 2001 e 2006.

A aquisição ocorrida em 2001, efetuada pela sociedade M... Ópticas Unipessoal, Lda (doravante M...), foi com recurso a financiamento de terceiros, como decorre da factualidade assente [cfr. factos 8) a 12)]. Num momento ulterior, já depois da fusão ocorrida em 2002 e na sequência da qual a sociedade M..., passou a designar-se M... Unipessoal, Lda., esta amortizou todos os empréstimos, através de financiamento efetuado pela sociedade P... Iberia, BV (doravante P... BV). Portanto, esta última passou a ser credora da sociedade M... Unipessoal, Lda, relativamente ao valor atinente à aquisição de 2001.

Quanto às aquisições ocorridas em 2006, desta vez pela impugnante, as mesmas foram-no igualmente com recurso a financiamento efetuado pela P... BV [cfr. factos 26) a 30)].

Por referência aos exercícios em apreciação, e como não é controvertido, o valor dos empréstimos tem a sua génese nos financiamentos mencionados, para as aquisições em 2001 e 2006, com a reestruturação ulterior, mencionada em 43) do probatório (cfr. ainda a este respeito o ponto 4.1.3., da parte III do RIT).

Como resulta da posição constante do RIT, a questão que é colocada pela AT é a da admissibilidade da dedução, por parte da impugnante, do gasto atinente aos juros decorrentes dos empréstimos inicialmente contraídos pela M..., e pela P... Portugal Unipessoal, Lda (doravante P... Portugal), concluindo a AT pela sua não dedutibilidade em virtude de:

--O detentor da atividade foi sempre a P... BV, podendo tê-lo feito diretamente e assim suportando os custos de investimento;

--As operações realizadas em 2002 e 2008 em nada alteraram a substância do grupo, não se alcançando em que medida as referidas operações possam ter contribuído para aumentar os rendimentos gerados pela atividade exercida pela impugnante;

--Esta sequência de operações, em substância, tem por finalidade criar a necessidade de financiamento e contabilizar como gasto os respetivos juros;

-- Os gastos em análise apenas serviram para a redução do resultado fiscal, não se alcançando qualquer efeito positivo em termos financeiros ou operacionais;

-- No período que antecede as fusões, os gastos suportados com os financiamentos contrabalançavam com os potenciais rendimentos, o que já não sucede em virtude de se terem verificado as fusões;

--Os fundos em apreço tiveram por finalidade, destino e uso a aquisição de participações sociais das sociedades fundidas que figuraram no balanço das adquirentes até ao momento da fusão;

-- Com as fusões, as participações sociais anularam-se, mantendo-se os encargos;

--A afetação dos empréstimos não se prende com a atividade exercida nem com os ativos detidos pela sociedade devedora, mas com a aquisição do negócio pela única sócia;

--A empresa que contabiliza os encargos não é a mesma que detém o negócio e que pode obter rendimentos tributáveis;

--Os gastos incorridos com os empréstimos em apreciação não são aplicados na exploração da impugnante, na sua atividade empresarial, nem servem à manutenção da fonte produtora de rendimentos e só aproveitam à sua sócia única.

(…)

Nos termos do art.º 23.º, do CIRC (redação vigente à data):
“1 - Consideram -se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

(…) c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado…”.

Entre gasto contabilístico e gasto fiscal não existe uma absoluta coincidência.

Quanto aos gastos que sejam fiscalmente relevantes, para que os mesmos sejam considerados, é necessário que se demonstre a sua efetiva existência e a sua indispensabilidade.

No tocante ao requisito da efetiva existência, para aferir da mesma é preciso que tais gastos estejam suficientemente documentados/comprovados. Tal resulta, desde logo, do corpo do n.º 1 do art.º 23.º, do CIRC, que utiliza o advérbio “comprovadamente” (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.03.2005 – Processo: 00340/03).

Por outro lado, o art.º 23.º, do CIRC, remete para o conceito de indispensabilidade do gasto. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada gasto poder-se-á aferir da respetiva indispensabilidade, para “… a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”.

“A formulação de um juízo sobre a indispensabilidade de determinados custos para a realização dos proveitos envolve apreciação de matéria de facto, pois para o formular é necessário utilizar regras da vida e da experiência comum” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.06.2008 – Processo: 0276/08).

A noção de indispensabilidade pode ser construída, desde logo, pela negativa, nos seguintes termos:

-- Não pode associar-se ao êxito de gestão, dado que são os riscos da própria atividade empresarial, que não podem retirar o caráter de indispensabilidade a um determinado gasto, não abrangendo, pois, o juízo de razoabilidade (consagrado no pretérito art.º 26.º, do Código da Contribuição Industrial);

--No mesmo seguimento, a indispensabilidade de um gasto não se confunde com a sua oportunidade ou conveniência: “O poder da Administração é rigorosamente vinculado, não existindo margem de livre apreciação por parte da mesma, visto que não há aqui que formular juízos de oportunidade mas de tipo cognoscitivo. Pelo que tal indispensabilidade é rigorosamente controlada pelo Tribunal, não estando em causa qualquer especial saber técnico, juízo de imediação ou valoração pessoal daqui emergente ou quaisquer outros elementos imponderáveis” – Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.09.1998 (Processo: 021515).

A indispensabilidade associa-se ao facto de um gasto ser necessário, de se apresentar como habitual à obtenção de proveitos ou ganhos ou à manutenção da unidade produtiva.

Na senda do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 01.06.2011 (Processo: 04589/11):

“… a relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial”.

Como referido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 02.02.2010 (Processo: 03669/09):

“É no conceito de indispensabilidade ínsito no art. 23º, do CIRC que radica a questão essencial da consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta a distinção fundamental entre o custo efectivamente incorrido no interesse colectivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo”.

Não sendo indispensável um gasto, não integra a previsão normativa do n.º 1 do art.º 23.º, do CIRC, podendo, pois, ser por esta via desconsiderado.

Concretamente quanto aos gastos financeiros, designadamente juros, os mesmos são subsumíveis na al. c) do n.º 1 do mencionado art.º 23.º.

In casu, como já mencionado, a AT desconsiderou os gastos em causa, por não os considerar indispensáveis, nos termos consignados no art.º 23.º, do CIRC.

Para apreciar tal entendimento cumpre, tal como referido pela impugnante, fazer uma análise da sua origem.

Assim, como resulta provado, os gastos em causa tiveram a sua origem em financiamentos incorridos em 2001 e 2006, para a aquisição de sociedades. Relativamente a estes financiamentos e custos aos mesmos associados, a sua indispensabilidade não é posta em causa pela AT (“os gastos suportados com os financiamentos contrabalançavam com os potenciais rendimentos”, refere-se no RIT), não obstante no RIT se tecerem algumas considerações em termos de opção de gestão que, de um lado, não põem em causa tal indispensabilidade e que, por outro lado, sempre implicariam uma ingerência não admissível nas opções de gestão.

A questão que a AT coloca é se esta indispensabilidade dos custos financeiro s se mantém a partir do momento em que ocorrem as fusões.

Desde já se refira que não têm pertinência as observações feitas no RIT em termos de opções de gestão relacionadas com as fusões. Com efeito, a AT refere que não alcança em que medida as fusões contribuíram para o aumento dos rendimentos, afirmação meramente opinativa em termos de opção de gestão, nunca pondo em causa as operações nem as tratando como operações artificiosas. Aliás, não é despiciendo, tal como referido pela impugnante, o facto de, relativamente a ambas as operações, ter sido considerado que se reuniam os pressupostos inerentes ao benefício fiscal concedido em casos, designadamente, de fusão, pelos despachos mencionados em 17) e 39), do probatório, dado que o regime em causa prevê designadamente como pressuposto o reforço da competitividade das empresas ou da respetiva estrutura produtiva.

Assim, as considerações sobre a oportunidade das operações de fusão não têm qualquer relevância para este efeito, uma vez que não compete à AT ingerir-se em matéria de gestão dos sujeitos passivos.

Por outro lado, a AT funda-se em conclusões que extrai de forma não sustentada, designadamente que esta sequência de operações tem por finalidade criar a necessidade de financiamento e contabilizar como gasto os respetivos juros. Ora, esta ilação que a AT retirou prende-se, sobretudo, com o facto de existir uma sociedade que, além de sócia da impugnante, foi quem concedeu os financiamentos em causa. Esta circunstância, de per si, não permite extrair a conclusão extraída.

Pela análise de todo o percurso societário, verifica-se que houve uma sequência de aquisições, ao longo de alguns anos, onde, efetivamente, surge a sociedade holandesa P... BV, como sócia e como financiadora de aquisições, tendo sido todas as aquisições feitas a sociedades com atividade conexa com a da adquirente.

Os financiamentos efetuados não foram postos em causa, as operações efetuadas existiram e não foram postas em causa, e a conclusão de que o fim destas operações foi o de criar necessidade de financiamento não se encontra factualmente sustentado (repete-se: nunca foi posta em causa a efetividade das operações nem nunca foi sequer cogitado o recurso à cláusula antiabuso prevista no art.º 38.º, da LGT, e respetivo procedimento). Aliás, como já referido, a própria AT admite que antes das fusões os gastos eram contrabalançados com rendimentos.

Portanto, indo à génese dos financiamentos, a sua indispensabilidade não é posta em causa.

A questão, então, centra-se em saber, se, por força das fusões, tais gastos não podem ser considerados indispensáveis.

Vejamos.

Em ambos os casos estamos perante fusões por incorporação.

A fusão encontra-se prevista no art.º97.º e seguintes, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), referindo-se no n.º1 daquele art.º 97 que “[d]uas ou mais sociedades, ainda que de tipo diverso, podem fundir-se mediante a sua reunião numa só”, prevendo-se no n.º 4 da mesma disposição legal que “[a] fusão pode realizar-se (…) [m]ediante a transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra e a atribuição aos sócios daquelas de partes, ações ou quotas desta” (v. ainda o disposto no art.º 116.º, do CSC).

Por outro lado, há que ter em conta o regime jurídico-fiscal das fusões, cisões e entradas de ativos.

Com efeito, foi aprovada a diretiva 90/434/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às fusões, cisões e entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados-Membros diferentes da União Europeia, cujo objetivo de base foi o de assegurar a neutralidade fiscal neste tipo de operações. Daí que esteja definido no considerando 1 desta diretiva que as fusões, as cisões, as entradas de ativos e as permutas de ações entre sociedades de EM diferentes podem ser necessárias para criar, na Comunidade, condições análogas às de um mercado interno e assegurar deste modo a realização e o bom funcionamento do mercado comum.

Consequentemente, entendeu-se que seria de pôr fim a restrições que pudesse haver a tais operações e que designadamente conduzissem a desvantagens ou distorções do ponto de vista fiscal.

Tendo em conta estas perspetivas, entendeu-se que seria indispensável estabelecer, para essas operações, regras fiscais neutras relativamente à concorrência. Ou seja, no fundo quis-se privilegiar a constituição de grupos de empresas com grande dimensão, designadamente para poder reforçar a competitividade da UE na senda internacional.

Esta diretiva veio a ser transposta para o nosso ordenamento pelo DL n.º 123/92, de 2 de julho, e pelo DL n.º 6/93, de 9 de janeiro.

Nesse seguimento, é de atentar no regime então constante dos art.ºs 73.º e seguintes, do CIRC.

Assim, resulta do então n.º 1 do art.º 74.º que, para efeitos de determinação do lucro tributável das sociedades fundidas, não é considerado qualquer resultado derivado da transferência dos elementos patrimoniais em consequência da fusão, cisão ou entrada de ativos, nem são consideradas como proveitos ou ganhos, nos termos do n.º 2 do art.º 39º, as provisões constituídas e aceites para efeitos fiscais que respeitem aos créditos, existências e obrigações e encargos objeto de transferência, com exceção das que respeitem a estabelecimentos estáveis situados fora do território português quando estes são transferidos para entidades não residentes, nas situações ali densificadas.

Por seu turno, o n.º 4, al. a), da mesma disposição legal, prevê que “[n]a determinação do lucro tributável da sociedade beneficiária deve ter-se em conta o seguinte:
a) O apuramento dos resultados respeitantes aos elementos patrimoniais transferidos é feito como se não tivesse havido fusão, cisão ou entrada de ativos”, precisamente refletindo o princípio da neutralidade a que já se fez referência supra.

Já o n.º 6 prevê que “[q]uando a sociedade beneficiária detém uma participação no capital das sociedades fundidas ou cindidas, não concorre para a formação do lucro tributável a mais-valia ou a menos-valia eventualmente resultante da anulação das partes de capital detidas naquelas sociedades em consequência da fusão ou cisão”.

É ainda de chamar à colação o n.º 10 do art.º 73.º, do CIRC, que prevê que este regime especial não se aplica, total ou parcialmente, quando se conclua que as operações abrangidas pelo mesmo tiveram como principal ou um dos principais objetivos a evasão fiscal.

Ora, do ponto de vista do direito societário, a fusão por incorporação implica para a incorporante a transferência do património das incorporadas.

No caso dos autos, sendo certo que os financiamentos foram concedidos para a aquisição de sociedades que num momento ulterior vieram a ser fundidas por incorporação na adquirente, tal circunstância não implica que o financiamento desapareça e desapareçam os encargos ao mesmo associados.

Se à data em que ocorreram as aquisições que estiveram na origem dos financiamentos em causa os gastos inerentes a estes se revelavam imprescindíveis o facto de ter ocorrido ulteriormente uma fusão, como sucedeu nos termos dos autos, não pode transformar um encargo indispensável, mas que, por natureza, se reporta por vários anos, num gasto não indispensável.

Aliás, como refere a impugnante, um entendimento como o defendido no RIT acaba por pôr em causa a neutralidade fiscal inerente ao regime das fusões previsto no CIRC e colidir com a tomada de decisões que tenham repercussão económica em vários exercícios.

Ou seja, o que é relevante é a indispensabilidade do custo à data do financiamento, que não é posta em causa (cfr. a este respeito a decisão arbitral proferida no processo 101/2013-T, de 02.12.2013). Sendo indispensável, os seus gastos são abrangidos pela al. c) do art.º 23.º, do CIRC, não se podendo retirar da circunstância de ter havido em momento ulterior uma fusão que esse caráter simplesmente desapareça.

Como referido por Saldanha Sanches (Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 216), “[d]o ponto de vista da aceitação da perda como custo fiscalmente atendível, fica (…) assumido que o requisito da indispensabilidade dos custos para a formação dos proveitos deve ser aferido por critérios de racionalidade económica face aos objetivos estatutários e atendendo, por isso, à razoabilidade e à fundamentação das decisões de gestão no momento e nas circunstâncias em que são tomadas” (sublinhado nosso).

Refere também Rui Morais (Apontamentosao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 88):
“Os factos que aqui relevarão são os que rodearam/presidiram à tomada de decisão da qual resultou determinado custo [gasto] para a empresa” (sublinhado nosso).

Aliás, tal como mencionado pela impugnante, atualmente esta situação encontra-se de forma clara prevista no art.º 75.º-A, n.º 2, do CIRC, pelo que tal circunstância vale ainda como reforço interpretativo.

Como tal, assiste razão à impugnante, motivo pelo qual procede a sua pretensão.».

Diga-se, sem que hesitação alguma nos surja, que o assim decidido não merece qualquer censura e que os argumentos trazidos em recurso jurisdicional são, no essencial, os mesmos que se mostram já vertidos na contestação oportunamente junta aos autos.

Assim, e não obstante a sentença dar directamente resposta a todos eles, julgamos ser ainda de adiantar, atento os argumentos invocados em recurso relativamente aos elementos patrimoniais que originaram os encargos financeiros - e à alegação de que, tendo deixado de pertencer após a fusão à sociedade que resultou da fusão e tendo passado a pertencer à sua accionista, é na esfera desta última que passaram a ser susceptíveis de gerar proveitos económicos, sendo por isso irrelevante que antes da fusão estivessem efectivamente preenchidos os requisitos da sua indispensabilidade - que constitui jurisprudência uniforme do nosso Supremo Tribunal Administrativo, que “A fusão por incorporação, ainda que implique que só sobreviva, com personalidade jurídica própria, a sociedade na qual as demais se incorporam, não tem como consequência, no campo das realidades económicas e empresariais, o desaparecimento das empresas fundidas. Alguma doutrina comercialista – vd. PINTO FURTADO, PINTO COELHO e PUPO CORREIA nos lugares citados na sentença recorrida – aponta que a sociedade fundida, perdendo a sua personalidade jurídica, todavia persiste, modificada, formando um todo com outras, em condições diversas das que ocorriam antes da fusão. Mas não deixa de continuar a existir a mesma realidade económica, um mesmo conjunto (agora integrado noutro mais alargado) de meios afectos a uma actividade produtiva, que os sócios, aliás, quiseram potenciar com a fusão.

Ou seja, com a fusão por incorporação ocorre uma transformação da sociedade, mas não uma extinção, não decorrendo da integração o seu desaparecimento, mas a sua alteração, ainda que implique a perda de personalidade jurídica.”

E embora se não negue que, mesmo no estrito campo económico, são distintas as realidades num cenário ante e pós fusão, não se pode aceitar a argumentação de que essa alteração conduza a uma “extinção dos activos” ou que estes, porque integrados numa nova realidade jurídica, deixem de gerar proveitos, sendo, de resto, expectável que esses proveitos (traduzidos em lucros ou em menores custos), num quadro, como o que aqui temos por assente, de fusão não fraudulenta, sejam incrementados ou potencialmente venham a crescer comparativamente ao que ocorria antes da fusão se concretizar.

Como a Recorrida adianta, não obstante do ponto de vista estritamente jurídico ter ocorrido uma “mera” aquisição de “participações sociais”, do ponto de vista económico essa aquisição traduziu-se na transmissão do negócio de exploração de estabelecimentos de óptica que é precisamente “ o activo” das sociedades adquiridas.

No que respeita à incompatibilidade do relevo fiscal num cenário pós fusão com o regime consagrado no artigo 23.º do CIRC, com o princípio da especialização dos exercícios e do balanceamento entre os gastos e rendimentos sujeitos a tributação, previsto no artigo 18.º do mesmo diploma legal, sublinha-se que, como ficou claro na sentença recorrida, essa incompatibilidade não existe e o acolhimento da tese advogada pela Recorrente, contrariamente ao por si defendido, colocaria em causa o regime de neutralidade fiscal da operação de fusão que, como é sabido, constitui princípio do Direito da União Europeia.

Como se deixou nota em recentes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, transcrevendo jurisprudência firme da 1ª instância de que a sentença recorrida constitui exemplo, a questão é que a “Fazenda Pública está a aferir da admissibilidade fiscal dos custos tendo por referência a conexão que estes devem ter, no momento em que são suportados, com os proveitos realizados ou a manutenção da fonte produtora dos rendimentos.

Contudo, caso fizesse com referência ao momento em que ocorre a sua génese (leia-se quando nasce a obrigação que a eles dá lugar) o resultado seria o oposto.

Com efeito, a aferição da conexão dos gastos com os proveitos deve ser feita com referência ao seu facto gerador, em especial tratando-se de gastos que dependem da verificação de condições temporais.

Destarte, para aferir da admissibilidade da consideração da relevância fiscal do pagamento de juros é mister analisar a operação subjacente que a eles deu origem, ou seja, esta vai depender, não do momento em que estes se vencem ou são pagos, mas da eventual conexão com os proveitos existente no momento em que a obrigação destes nasce - a contracção do mútuo oneroso que a eles dá lugar.

Afigura-se pacífico que uma empresa que obtenha um financiamento para desenvolver um novo ramo de actividade, díspar do até aí seguido, se o vier a abandonar posteriormente por concluir que não é rentável, continua a ter o direito de considerar fiscalmente os juros relativos a esse financiamento, mesmo após esse abandono.

No entanto, se formos aferir a conexão entre os juros pagos e a actividade da empresa, no momento em que estes se venceram ou foram pagos, estes não mostram, no preciso momento em que são suportados, qualquer conexão com os proveitos gerados pela sociedade na medida em que não respeitam ao ramo de actividade da empresa naquele instante temporal, na medida em que o outro foi anteriormente abandonado.

Assim, seguindo o raciocínio expendido pela Fazenda Pública, tal determinaria a inadmissibilidade da sua consideração, o que não se concebe.

Donde assoma a conclusão que essa conexão entre a fonte geradora dos gastos e a potencial formação de proveitos tributáveis em sede de IRC/manutenção da fonte produtora, deve ser aferida tendo como referência o momento em que são contraídos os empréstimos e não no momento de vencimento dos juros.

ln casu, essa conexão existe e não é questionada pela Autoridade Tributária. Emergindo, assim, a evidência que os gastos devem ser considerados.

Acresce que é incontroverso nos autos que a "B…………, S.A." antes da incorporação podia deduzir os encargos/gastos dos financiamentos obtidos, porquanto a aquisição do capital social da Impugnante era susceptível de gerar proveitos na sua esfera tributável, quer sob a forma de dividendos quer sob a forma de eventuais mais de uma eventual alienação da sua participação.

Com a operação de fusão esse direito à consideração fiscal dos gastos não se extingue, por efeito da fusão, pelo contrário, ope legis, mantém-se e surge, desta feita, na esfera jurídica da Impugnante.

Há ainda uma terceira ordem de razões que determinam a consideração de tais gastos na definição da matéria tributável: a neutralidade do regime da fusão.

A este propósito J. L. SALDANHA SANCHES [in "Fiscalidade", nº 34], em artigo dedicado à fusão inversa, afirmava:

″A questão jurídica em análise no presente artigo é muito simples e é facilmente identificável: saber se há alguma norma ou princípio, de Direito nacional comunitário ou internacional que leve a excluir do regime de neutralidade fiscal previsto no artigo 67º do Código do IRC uma operação através da qual uma sociedade é incorporada e dissolvida numa sua subsidiária que detém a 100% (operação vulgarmente conhecida por fusão inversa). Pode adiantar-se a resposta à questão: a fusão por incorporação de uma sociedade participante na sociedade participada é abrangida pelo regime da neutralidade fiscal, uma vez que se trata da operação descrita no artigo 67º, nº 1, al. a), do Código do IRC, ou seja, da «transferência global do património de uma (...) sociedade (sociedade fundida)» - sociedade A - "para outra sociedade já existente (sociedade beneficiária)" - sociedade B - «e a atribuição aos sócios daquela» - sociedade S - «de partes representativas do capital social da beneficiária» - partes da sociedade B. Ora, não havendo no nosso ordenamento jurídico, ou no ordenamento comunitário, qualquer norma que excepcione o efeito de neutralidade da fusão, este efeito não pode ser negado na operação descrita, sob pena de ilegalidade da liquidação que daí resultar.

(...)

Argumenta a Fazenda Pública que o que está aqui em causa é a mera desconsideração dos custos nos termos do art.º 23º do CIRC e não a neutralidade da fusão.

Até certo ponto tem razão, contudo, se os gastos que anteriormente eram considerados para efeitos da determinação da matéria colectável de cada uma das sociedades incorporadas deixam de o ser na esfera jurídica da sociedade incorporante, em resultado da operação de fusão, então é manifesto que a fusão é tudo menos neutral.

Mesmo que possa ter havido "neutralidade fiscal" no que concerne aos "movimentos patrimoniais″, o certo é que ao deixar de se permitir a consideração fiscal de gastos anteriormente admissíveis, chega-se a um resultado que se afigura contrário ao espírito da Directiva, isto é, de impedir que questões fiscais distorçam o mercado no sentido de favorecer, restringir (ou mesmo impedir) operações de reorganização empresarial, com as inerentes consequências ao nível da concorrência no mercado único.

Pode, assim, em jeito de súmula do expendido, afirmar-se que:

i) o momento temporal para aferir da admissibilidade dos custos para efeitos tributários deve ser determinado pelo instante em que estes são gerados e não pelo momento em que são suportados no sentido de que se vencem ou são pagos;

ii) tendo a sociedade incorporada o direito a relevar fiscalmente os gastos na sua matéria tributável, em sede de IRC, esse direito persiste, pela fusão, ope legis, na esfera jurídica da incorporante;

iii) Entendimento diverso redundaria na violação Direito Europeu, mormente do princípio da neutralidade fiscal das fusões.».

Em suma, por tudo quanto ficou exposto, entende este Tribunal Central Administrativo Sul que é de confirmar integralmente o julgamento do Tribunal Tributário de Lisboa que, partindo do pressuposto de que o momento determinante para efectuar o juízo de relevância fiscal do gasto (de indispensabilidade) é o da contracção dos “empréstimos, e não o momento em que são suportados os inerentes encargos, julgou fiscalmente relevantes os mesmos encargos (valor dos juros) assumidos pela Recorrida com os financiamentos para aquisição das sociedades M... de Gestão e M... Unipessoal (entretanto extintas por fusão) por ser incontroverso que a Administração Tributária, num juízo reportado a esse momento, reconhece a sua indispensabilidade.

4.4. Da dispensa do remanescente da taxa de justiça

Vieram ainda ambas as partes pedir a este Tribunal que seja dispensada do remanescente da taxa de justiça (conclusão W das alegações de recurso e conclusão UUUU das contra-alegações de recuso).

Desde já se adianta que este Tribunal Central Administrativo Sul entende que os pedidos formulados devem ser julgados procedentes.

Efectivamente, nos termos do disposto no artigo 6.º nº 7 do Regulamento das Custas Judiciais, o Tribunal, atendendo, designadamente à complexidade da causa e ao comportamento processual da parte, pode, a pedido das partes ou oficiosamente, dispensar o pagamento do remanescente nas causas de valor superior € 275.000,00.

A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, de que constitui exemplo recentíssimo o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo já citado(3) e que se debruçou sobre processo com objecto semelhante, tem entendido que a dispensa de pagamento em questão tem natureza excepcional e, consequentemente, está dependente, face aos contornos legais que a conforma, de uma “concreta e casuística avaliação a efectuar pelo juiz e sujeita a uma real ponderação sobre o peso da complexidade da causa e da conduta processual das partes”, concluindo que não há razão para não conceder a dispensa se a causa revelar “uma complexidade inferior à comum e a conduta processual das partes não merecer censura, devendo, para o efeito, considerar-se de menor complexidade a decisão proferida por remissão para a motivação jurídica de anterior sentença/acórdão.”.

No caso concreto, pese embora essa situação não ser inteiramente aplicável – já que houve apreciação de questões suscitadas não apreciadas em qualquer outro aresto – o certo é que o estudo e trabalho desenvolvido teve já na sua base inúmera jurisprudência sobre grande parte das questões que ficaram decididas.

Por outro lado, como bem se vê do processado, embora a sua extensão e a elevada argumentação jurídica das peças nele integradas, não há a registar qualquer comportamento menos correcto de qualquer uma das partes, limitado, como se disse, a um exercício absolutamente normal dos direitos de intervenção processual legalmente previstos (e queridos pelo legislador), isento, outrossim, de quaisquer incidentes anómalos ou de duvidosa intencionalidade.

Acresce que, como já deixámos mencionado em outros arestos por nós relatados o Tribunal Constitucional vem chamando recorrentemente a atenção para a relevância que neste domínio assume o princípio da proporcionalidade e o manto protector que por ele se estende aos princípios da justiça e do acesso ao direito e aos tribunais, aduzindo o seguinte raciocínio: a “ideia central de que a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivo” e de que, não obstante não estar “nela implicada a exigência de uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, dispondo o legislador de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas” não afasta a ideia, também ela nuclear, de que é, em todo o caso, “necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe».

Ora, no caso concreto é essa desproporcionalidade que detectamos. ou seja, para nós, o “custo atribuído ao serviço prestado” - € 21.012,00- não se mostra justificado do ponto de vista material, o que vale para dizer que, no caso concreto, se justifica que o Tribunal proceda à sua adequação, a qual, no caso, se deve traduzir na dispensa total do valor que seria devido, nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP.

V- Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, confirmando integralmente a douta sentença recorrida, em negar provimento ao recurso jurisdicional.

Custas a cargo da Recorrente, ficando ambas as partes dispensadas do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.

Registe e notifique.

*****

Lisboa, 5 de Junho de 2019

[Anabela Russo]

[Vital Lopes]

[Joaquim Condesso]

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(1) A questão em apreço nos autos foi objecto de diversas decisões de Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, afigurando-se-nos que embora persista uma corrente minoritária, pelo menos tanto quanto se extrai dos votos de vencido exarados nas decisões arbitrais que logramos consultar, existe uma jurisprudência dominante coincidente, de resto, com a posição assumida na sentença sob recurso nestes autos.
(2) Cfr. Acórdão do Tribunal Arbitral (CAAD) proferido no processo n.º 14/2011-T, de 4 de Janeiro de 2013, integralmente disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?listPage=2&id=193
(3) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Janeiro de 2019, proferido no processo n.º 2176/15. 3BEPRTintegralmente disponível em www.dgsi.pt