Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2838/04.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:PRESCRIÇÃO
MÉTODOS INDIRETOS
Sumário:I. Não decorrendo da liquidação emitida pela AT imposto a pagar, falha o pressuposto de partida da prescrição – a existência de dívida tributária.
II. A simples constatação de existência de irregularidades na contabilidade não é suficiente para a demonstração do recurso a métodos indiretos (indiciários) de avaliação da matéria tributável.
III. A evidenciação dos pressupostos de recurso a métodos indiretos (indiciários) não se basta com a existência de meros elencos de irregularidades da contabilidade, sendo imprescindível que se espelhe de que forma essas irregularidades são impeditivas, no todo ou em parte, do recurso ao método direto de avaliação da matéria tributável.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 21.02.2018, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por B….. - ….., Lda (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), relativas ao exercício de 1993.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“ A.

As questões a apreciar e a decidir no presente recurso resumem-se ao seguinte:

• Determinar se se mostram preenchidos os requisitos para a Autoridade Tributária se ter socorrido dos métodos indiciários de determinação do lucro tributável;

• Determinar os efeitos decorrentes da decisão proferida em sede de comissão de avaliação e seu impacto na dedutabilidade dos prejuízos fiscais declarados pela Impugnante no exercício de 1993 e cujo montante declarado ascendeu a €793.831,59;


B.

Entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo, fez uma errónea apreciação dos factos relevantes, traduzindo-se a sentença recorrida numa errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço.

C.

Em conformidade com o disposto no n.º 1 da al.a) e d) do art. 51.º e do art. 52.º, ambos do CIRC, face à impossibilidade de quantificação exata dos elementos indispensáveis à determinação da matéria coletável, acrescida da margem negativa que não se justifica neste setor de actividade, das faturas só com menção das caixas, sem indicação do peso, e ainda do extravio dos livros de faturas de registo mecanográfico não utilizados, procederam os Serviços de Inspeção Tributária à determinação do lucro tributável por aplicação de métodos indiciários/indiretos.

D.

Apesar da Comissão de Revisão ter decidido pela anulação da correção em relação às vendas presumidas em falta, tal acordo em nada descredibilizou a Autoridade Tributária no que concerne à verificação dos pressupostos que a legitimaram ao recurso da utilização de métodos indiretos para determinação da matéria colectável.

E.

Vigorando no ordenamento jurídico o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, o recurso aos métodos indiretos assume carácter subsidiário e excecional, na medida em que, nos termos dos art.º 75º e 78º do CPT e actualmente, no art.º 75º da LGT, se presume não só a veracidade dos elementos constantes das declarações apresentadas nos prazos legais, como também a veracidade dos elementos e apuramentos constantes da contabilidade ou escrita do contribuinte, quando estas se encontram organizadas segundo a lei comercial e fiscal, a não ser que se verifiquem erros, inexactidões ou outros fundados indícios de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte.

F.

Decorre desta presunção de verdade a vinculação da Autoridade Tributária à realização da liquidação com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do direito de o Fisco proceder ao controlo “a posteriori” dos factos por ele declarados.

G.

Cabe à Autoridade Tributária o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, ou seja, incumbe-lhe a demonstração de que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso a esta forma de tributação (métodos indiretos) é o único meio de calcular o imposto devido.

H.

Perante as irregularidades detectadas em sede de inspeção, não se pode concluir senão que a contabilidade não tem o mérito de espelhar o resultado efetivo, concreto, da realidade económico-financeira da impugnante relativamente ao exercício de 1993, ou seja, pela contabilidade não é possível apurar os reais custos e os reais proveitos efectivamente obtidos.

I.

O que subjaz objectivamente aos cálculos efetuados no relatório da Inspecção Tributária na tributação por métodos indirectos é que a contabilidade da sociedade impugante não reflecte a exata situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.

J.

A tributação por métodos indirectos deveu-se a todo um conjunto de factos objectivos reveladores de anomalias ao nível da contabilidade da impugnante, que conduziram ao afastamento dos valores declarados.

K.

Em sede de reclamação graciosa a sociedade impugnante não apresentou mais elementos que por si só comprovassem a existência de erro sobre os pressupostos na utilização de métodos indiciários.

L.

Encontra-se devidamente justificada a aplicação de métodos indiretos com vista à determinação da matéria colectável sujeita a imposto, tudo de acordo com os pressupostos previstos no n.º1 do art. 51.º do CIRC, devidamente verificados e identificados aquando da ação de inspecção efetuada à contabilidade da sociedade impugnante relativamente ao exercício de 1993.

M.

Quanto à questão dos efeitos decorrentes da decisão proferida em sede de Comissão de Revisão, estando em causa a quantificação da matéria tributável, e tendo a mesma sido alterada quanto ao valor de 94.668.127$00 para ser fixada em ZERO, não se vislumbra onde é que essa decisão não está relacionada, somente e apenas, com a quantificação da matéria colectável, e não com a apreciação sobre os fundamentos da aplicação de métodos indiciários!!!!

N.

Pelo facto de se continuarem a verificar os pressupostos para determinação da matéria tributável por métodos indiretos é que a Comissão de Revisão procedeu à sua fixação em zero, desconsiderando os prejuízos declarados pela sociedade impugnante, tudo em obediência aos normativos legais aplicáveis à tributação efetuada por métodos indiretos, desconsideração aceite pelo próprio sujeito passivo quando concordou com a fixação da matéria colectável em ZERO em detrimento da fixação de prejuízos fiscais.

O.

“I - Nos casos em que o contribuinte reclamou ao abrigo do art. 84.º do CPT para a Comissão de Revisão do volume de negócios e do IVA fixado pela AT na sequência da fiscalização à sua escrita, a decisão dessa comissão constituía o acto final de fixação da matéria tributável, sendo que, se o valor da mesma foi obtido por acordo entre os vogais do contribuinte e da Fazenda Pública, esse valor servia de base à liquidação, como prescrevia o n.º 2 do art. 87.º do CPT.

II - Assim, deve ser revogada a sentença que, ignorando o disposto em I, julgou procedente a impugnação judicial com fundamento em falta de fundamentação do critério utilizado na quantificação da matéria tributável assacado à decisão da AT que fixou inicialmente o volume de negócios e o IVA em falta.

III - Também não pode proceder o vício de falta de fundamentação se entendido como assacado à decisão daquela comissão, pois o Contribuinte, que se nomeou como seu próprio vogal e apresentou uma proposta que foi aceite pelo vogal da Fazenda Pública, não pode desconhecer os motivos por que apurou o valor que propôs para o volume de negócios e que assentam nos valores em que computou as aquisições de matérias primas não registadas e a margem de lucro.

IV - A invocação do erro na quantificação da matéria tributável, quando foi o próprio contribuinte quem interveio como seu vogal na comissão de revisão e propôs os valores que, porque aceites pelo vogal da Fazenda Pública, serviram de base à fixação do volume de negócios e do IVA, constitui uma violação do princípio da boa fé, na sua vertente da confiança (cf. art. 6.º-A, do CPA), constituindo um venire contra factum proprio.

V - Ainda que não se aceite a posição expressa em IV, o critério utilizado na quantificação só poderá ser posto em causa por prova susceptível de demonstrar inequivocamente que assenta em factos que não correspondem à verdade ou adopta método errado.” – vide Acórdão do TCAN proferido em 10/01/2008, no proc. 00302/04;


P.

Encontra-se devidamente demonstrado no relatório de inspeção tributária, na ata da Comissão de Revisão e no procedimento de reclamação graciosa que os elementos da contabilidade da impugnante e por si declarados para efeitos fiscais, no que respeita ao exercício de 1993, padecem de irregularidades e omissões impossibilitantes do apuramento direto da matéria coletável a tributar.

Q.

A Autoridade Tributária provou a verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua atuação, isto é, provou os pressupostos da tributação por métodos indirectos, demonstrando que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pela impugnante, tendo explicitado os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicado os critérios utilizados na sua determinação.

R.

Neste contexto, entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, devendo a sentença ser revogada”.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso, suscitando ainda a prescrição.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se inutilidade superveniente da lide, por força da prescrição da dívida exequenda a que respeita a liquidação em crise?

b) Há erro de julgamento, em virtude de a administração tributária (AT) ter cabalmente demonstrado o recurso a métodos indiciários e de, da decisão resultante da comissão de revisão, decorrer a aceitação da desconsideração dos prejuízos?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1) – Em resultado de uma acção de inspecção realizada à contabilidade da ora impugnante, a AF, com referência ao exercício de 1993, procedeu à alteração da matéria colectável que, na sequência do apuramento de prejuízos para efeitos fiscais no montante de Esc:153.134.485$00 (€763.831,59), havia sido declarada pelo valor nulo, para o montante de Esc:94.668.127$00, valor fixado na sequência da respectiva determinação com recurso à utilização de métodos indirectos (vide folhas 46 a 51 do suporte físico);

2) – O montante determinado para fixação resultou da adição ao resultado declarado para efeitos fiscais (vide anexo dos métodos indiciários ao DC-22 e números 6.5.1 e 6.5.2 do relatório de inspecção a, respectivamente, folhas 51 e 59 a 60, do suporte físico):

- do montante de Esc:241.119.323$00 correspondentes a proveitos por vendas presumidas em falta, montante que foi determinado com base em indícios de falta de registo das vendas correspondentes às diferenças nas quantidades de mercadorias que foram apuradas entre as operações de compras e de vendas;

- e do montante de Esc:6.783.289$00 correspondente a custos não considerados na conta de “Custos das existências vendidas e consumidas”, montante este correspondente à diferença entre os valores contabilizados de 3 facturas (Esc:598.689.455$00) e o valor que devia ter sido contabilizado (Esc:591.906.166$00);

3) – O valor das vendas presumidas em falta foi determinado pela multiplicação do preço unitário que se encontrava tabelado (Esc:152$00 por quilo) pelo número de quilos correspondente às diferenças de peso entre as quantidades adquiridas e as que foram transmitidas (1.585.653,44);

4) - Foram assim aquelas duas verbas, uma determinada em consequência da correcção a um conjunto de custos que se encontravam registados na contabilidade da ora impugnante (Esc:6.783.289$00 a diminuir ao “Custo das existências vendidas”) e a outra determinada pela utilização de indícios (de que as quantidades em falta foram vendidas e que o preço foi o da tabela – 1.585.653,44Kg x Esc:152$00 / Kg = Esc241.119.323$00), que convergiram com o resultado declarado para efeitos fiscais (negativo de Esc:153.134.485$00) para a determinação do valor da matéria colectável a fixar (Esc:94.668.127$00);

5) – Da apreciação feita aos elementos contabilísticos com interesse para a fundamentação do recurso à utilização de métodos indiciários, o relatório de inspecção salienta:

- margem negativa, considerada não justificada no sector de actividade exercida e onde, segundo opinião recolhida na própria empresa, são praticadas margens que oscilam entre os 3 % e os 5 %;

- facturação, a partir do 2º semestre de 1993, só com menção do número de caixas como factor quantitativo, sem indicação do peso como acontecia no 1º semestre;

- extravio dos livros de facturas, de registo mecanográfico, não utilizados, quando através do controlo de compras e vendas foram encontradas diferenças que podem indiciar omissão de vendas;

- compras e vendas até Junho de 1993, registadas com menção do factor quantidade expresso em quilogramas, constatando-se entre elas diferenças significativas, e a partir de Julho de 1993, registadas com menção do factor quantidade expresso em caixas, não tendo sido encontradas diferenças;

- inexistência de stocks, perdas de peso ou deterioração de mercadorias uma vez que as vendas se processam à descarga dos navios directamente destes para os veículos dos adquirentes, que previamente já as haviam encomendado (Conforme relatório de inspecção que aqui se considera reproduzido para todos os legais efeitos);

6) A qualificação de ser negativa a margem de comercialização, encontra-se na grande maioria das vezes contrariada pelo que evidenciam os mapas que a inspecção tributária estabeleceu para comparação dos quantitativos adquiridos e vendidos – i.e., o mapa a folhas 71 e 72 do suporte físico que compara: (i) compras de 71.734 caixas, com 1.434.680Kg, por Esc:140.126.286$00, com vendas de 71.734 caixas, com 1.301.255Kg, por Esc:197.790.760$00, donde uma margem bruta positiva de 41,15%; (ii) compras de 17.933 caixas, com 358.660Kg, por Esc:36.821.004$00, com vendas de 17.952 caixas, com 332.128Kg, por Esc:50.483.456$00, donde uma margem bruta positiva de 36,96%, já considerando a equivalência em número de caixas adquiridas e vendidas; - i.e., o mapa a folhas 75 e 76 dos autos que compara: (iii) compras de 57.357 caixas, com 1.161.470Kg, por Esc:55.669.151$00, com vendas de 57.357 caixas, com 1.040.855,9Kg, por Esc:158.949.309$00, donde uma margem bruta positiva de 185,52%; (iv) compras de 91.283 caixas, com 1.851.929Kg, por Esc:87.482.062$00, com vendas de 91.283 caixas, com 1.654.7123,66Kg, por Esc:251.516.325$00, donde uma margem bruta positiva de 187,50%;

7) No mapa a folhas 77 do suporte físico detecta-se uma anotação feita que mostra uma situação de margem bruta negativa ao comparar: compras de 37.704 (15.552 + 23.152) caixas, sem indicação de peso, por Esc:111.785.168$00 (Esc:44.917.397$00 + Esc:66.867.771$00), com vendas de 38.704 caixas, sem indicação de peso, por Esc:109.092.000$00, donde uma margem bruta negativa de 2,41%;

8) Os eventos a que se refere o ponto 7) são reportados a Setembro, período relativamente ao qual o técnico inspector considerou irrelevantes as diferenças encontradas nos controlos a que procedeu;

9) No relatório de inspecção consta que foram detectados livros de facturas não utilizados, por entretanto o processamento das facturas ter deixado de assentar em livros para registo mecanográfico e passar a ser processadas por computador;

10) – A ora Impugnante veio deduzir reclamação para a Comissão Distrital de Revisão de Lisboa, invocando errónea fixação do lucro tributável relativamente ao exercício de 1993 e deduzindo os seguintes fundamentos (vide folhas 99 a 113 do suporte físico):

- o erro dos Serviços de Inspecção foi o de, para presumirem a omissão de vendas, se terem baseado no resultado da comparação de duas realidades que não são comparáveis, ou sejam os pesos das bananas que constam das facturas de compras com os pesos das bananas que constam das facturas de vendas;

- mas porque, o peso que consta das facturas de compras é o peso bruto e o que consta das facturas de vendas é o peso líquido, está errada a conclusão da Inspecção Tributária de que haviam sido comprados mais quilogramas do que aqueles que foram vendidos;

- que estas características inerentes ao negócio em apreço são comprováveis pelo que dispõe a legislação aplicável à importação de bananas, pelas referências feitas nos DU’s à massa bruta e massa líquida, e ainda pelo conteúdo das facturas de compra e de venda;

- que assim eram factores a ter em conta, os pesos bruto e líquido das caixas grandes (respectivamente, 20 Kg e 18,14 Kg) e das caixas pequenas (respectivamente, 14 Kg e 12,7 Kg), bem como o peso das paletes e cantoneiras que agregam múltiplas caixas e permitem o respectivo manuseamento de carga e descarga;

11 – Da reunião da Comissão Distrital de Revisão resultou (vide folhas 115 a 128 do suporte físico, que aqui se dão por reproduzidas):

- que fossem considerados como inexistentes os indícios de omissão de proveitos, propondo-se a redução, à matéria colectável que se encontrava fixada, do montante correspondente aos quantitativos que haviam sido determinados com base nas quantidades cuja venda havia sido presumida (Esc:241.019.323$00);

- que fosse mantida a validade da correcção respeitante ao “Custo das existências vendidas e consumidas” (Esc:6.783.289$00);

- por das operações precedentes resultar, inequivocamente, um valor negativo do balanceamento de proveitos e custos considerados, foi proposta a consideração de inexistência de matéria colectável, o que veio a ser confirmado pelo director distrital de finanças;

12) – A ora Impugnante havia deduzido, em 11/03/1999, reclamação nos termos dos artigos 111º do CIRC e 95º de 97º do CPT, sobre o qual recaiu um primeiro indeferimento liminar, por intempestividade (despacho de 07/07/2003 – vide folhas 14 a 18 do volume RHQ-6/04 do PAT anexo aos autos);

13) – Deste indeferimento veio a ora impugnante, em 25/07/2004, a deduzir recurso hierárquico, que mereceu despacho de deferimento no que respeita à apreciação da tempestividade e determinação para que fosse efectuada a apreciação do mérito da reclamação graciosa (vide folhas 19 a 22 do PAT – volume RHQ-6/04, anexo aos autos);

14) – Da apreciação do mérito da reclamação graciosa, que pugnava pelo reconhecimento do resultado fiscal declarado com as correcções de natureza meramente aritmética que haviam emergido da reunião da Comissão Distrital de Revisão, uma vez decaída a correcção por presunção de omissão de vendas (prejuízo apurado para efeitos fiscais de Esc:153.134.485$00, reportável para dedução aos lucros tributáveis dos exercícios seguintes, nos termos do artº 46º do CIRC), resultaram parecer e despacho de indeferimento, datados de, respectivamente, 27/10/2004 e 29/10/2004 (vide folhas 174 a 185 do PAT anexo aos autos, que aqui se dão por reproduzidas);

15) - A Impugnante deduziu a presente Impugnação em 23 de Novembro de 2004 (vide folhas 177 e 178 do suporte físico)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Com interesse para a decisão da causa, nada mais se provou”.

II.C. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se em aditar a seguinte matéria de facto provada:

16) Foi emitida pela administração tributária, a 05.11.1998, a liquidação de IRC n.º …..476, da qual decorreu um valor a reembolsar à Impugnante de 2.030.629$00 (10.128,00 Eur.) e um valor de prejuízo fiscal de 0,00 (cfr. fls. 131 dos autos – numeração em suporte de papel e fls. 139 e 140 do processo administrativo – reclamação graciosa).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da prescrição

O IMMP, no seu parecer, suscitou a prescrição dos factos geradores do IRC em causa.

Sendo certo que, em sede de impugnação judicial, o objeto é a legalidade do ato tributário, é entendimento pacífico da jurisprudência que a prescrição da obrigação tributária é de conhecimento oficioso, em sede de impugnação, em virtude de a ocorrência da mesma poder determinar a inutilidade superveniente da lide (1).

Como tal, cumpre apreciar.

In casu, como resulta provado, da liquidação emitida pela AT não resultou qualquer imposto a pagar pela Recorrida, tendo resultado mesmo imposto a receber.

Ora, a ocorrência da prescrição tem como pressuposto de partida a existência de dívida tributária que tenha origem em liquidação da qual tenha resultado imposto a pagar.

Não se verificando tal pressuposto, nada há a apreciar no que respeita à prescrição.

III.B. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo laborou em erro, na medida em que se mostram preenchidos os requisitos para a AT se ter socorrido dos métodos indiciários de determinação do lucro tributável.

Vejamos então.

Antes de mais cumpre salientar que, tendo todo o procedimento até à liquidação decorrido antes da entrada em vigor da Lei Geral Tributária (LGT), há que atentar no regime constante do Código de Procedimento Tributário (CPT) e, bem assim, no Código do IRC (CIRC).

O nosso ordenamento prevê que a avaliação da matéria tributável se possa realizar direta ou indiretamente (indiciariamente).

O recurso à avaliação indireta (indiciária) funciona como ultima ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação direta. Daí o caráter subsidiário da avaliação indireta (indiciária), à época previsto no art.º 51.º, n.º 2, do CIRC.

Com efeito, dispunha o art.º 107.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP – correspondente ao art.º 104.º, n.º 1, na redação da Lei Fundamental que resultou da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de setembro), que “… [o] imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar”, ou seja, prevê o princípio da capacidade contributiva, que determina que a tributação seja efetuada em função dos rendimentos efetivos. Daí a preferência pela avaliação direta, porquanto, em princípio, esta refletirá tais rendimentos efetivos.

A avaliação direta, por outro lado, tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros – cfr. o art.º 78.º do CPT. No entanto, como decorre do mesmo art.º 78.º, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “… erros, inexatidões ou outros indícios fundados de que ela não reflete a matéria tributável efetiva do contribuinte”.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.10.2009 (Processo: 0422/09), cuja doutrina, apesar de relativamente à LGT, é transponível:

“[S]ão excepcionais e obedecem a tipificação legal (em especial a contida no artigo 87.º da Lei Geral Tributária) os casos em que é lícito à Administração tributária fixar a matéria tributável dos contribuintes por “avaliação indirecta”, afastando-se dos valores declarados, porque inexistentes ou fundamentadamente desmerecedores de confiança, recorrendo a outros elementos (também objecto de previsão legal) que permitem a determinação do valor tributável”.

Para que seja legítimo o recurso à tributação por via dos métodos indiretos (indiciários), cabe à AT o ónus da prova de que se reúnem os pressupostos da sua aplicação.

Aliás, é a este respeito pertinente chamar à colação o disposto no art.º 81.º do CPT, que prevê um especial dever de fundamentação por parte da AT, no tocante à tributação por métodos indiciários, e do qual resulta que a AT deverá especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e, bem assim, indicar os critérios utilizados na sua determinação (2).

Assim, cabe à AT a demonstração de que os pressupostos que legitimam o recurso a avaliação da matéria tributável por métodos indiciários se verificam, consubstanciando-se tal ónus probatório na demonstração da existência de situações fáticas, designadamente irregularidades contabilísticas, que assumam alcance tal que impossibilitam o recurso a métodos diretos de avaliação (3).

Nos termos do art.º 51.º, n.º 1, do CIRC (redação vigente à época; cfr. art.º o art.º 75.º, n.º 2, do CPT):

“1 - A determinação do lucro tributável por métodos indiciários verificar-se-á sempre que ocorra qualquer dos seguintes factos:

a) Inexistência de contabilidade, falta ou atraso de escrituração dos seus livros e registos e, bem assim, irregularidades na sua organização ou execução;

b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;

c) Existência de diversas contabilidades com propósito de dissimular a realidade perante a administração fiscal;

d) Erros e inexatidões na contabilização das operações ou indícios fundados de que a contabilidade não reflete a exata situação patrimonial e o resultado efetivamente obtido”.

In casu, o Tribunal recorrido considerou não estarem demonstrados os pressupostos de recurso a métodos indiciários.

Vejamos.

Compulsada a fundamentação do DC 22, resulta que a AT identificou as seguintes circunstâncias, que, na sua perspetiva, se configuram como anómalas:

a) O suporte documental das vendas consubstancia-se em faturas processadas mecanograficamente, contabilizadas entre janeiro e março de 1993, sendo que a última das faturas tinha o n.º 61. A partir de março de 1993, as faturas começaram a ser processadas por computador, com a numeração a começar no 1. Não foram exibidos os livros de faturação mecanográfica não utilizada com a numeração a partir do n.º 61;

b) As faturas de compras, no 1.º semestre de 1993, tinham discriminadas as caixas e pesos e, no 2.º semestre, apenas as caixas. As vendas até junho eram feitas ao peso e a partir dali à caixa. Foram detetadas diferenças no 1.º semestre de 1993 entre os valores comprados e vendidos, de 1.585.653,44 kg, que não se justifica, por não haver deterioração;

c) Foi apurada uma margem negativa de (0,12%) atento o elevado montante contabilizado no CEVC, margem que não se justifica no setor.

Nesta sequência, concluiu a AT que a contabilidade da Recorrida apresentava erros e inexatidões que impossibilitavam a quantificação exata dos elementos indispensáveis à determinação da matéria coletável.

Desde já se adiante que se acompanha o entendimento do Tribunal a quo no sentido de não estar cabalmente demonstrada a necessidade de recurso a métodos indiciários.

Como já referimos supra, são significativas as exigências em termos de demonstração destes pressupostos por parte da AT, não se compadecendo nem com meros elencos de irregularidades nem com afirmações meramente conclusivas.

Significa isto que não basta detetar irregularidades na contabilidade do contribuinte para daí se passar automaticamente à aplicação de métodos indiciários. Cumpre demonstrar que essas irregularidades têm caraterísticas tais que impossibilitam a tributação por métodos diretos.

Ora, nada disso resulta demonstrado pela AT, que apenas afirma, de forma conclusiva, que o que detetou a impossibilita de recorrer a métodos diretos, sem que resulte minimamente sustentada e especificada tal conclusão.

Esta circunstância é, per se, suficiente para se concluir pela não demonstração por parte da AT da reunião dos pressupostos para recurso a métodos indiciários.

Por outro lado, e quanto ao apuramento de margem negativa, este, per se, não se enquadra nos fundamentos previstos no art.º 51.º do CIRC, sendo que, como referido pelo Tribunal a quo, nem está concretamente explanada a margem que é considerada (bruta ou líquida).

Da mesma forma, e quanto ao peso, não pode deixar de salientar a circunstância que veio a ser determinante em sede de comissão de revisão e que tem a ver com o facto de a AT não ter logrado aferir se o peso constante das faturas de compras e de vendas era líquido ou bruto.

Com efeito, não resulta minimamente demonstrado que se trata de igual realidade, o que foi determinante para a decisão em sede de comissão de revisão.

Finalmente, não obstante se reconhecer que o livro de faturas mecanográficas deveria ter sido exibido, a sua falta de exibição não permite, desprovida de quaisquer outros elementos, extrapolar no sentido de ter havido omissões de vendas.

Ou seja, não só não foi evidenciado de que forma o apurado impedia a tributação por métodos diretos, mas também se verifica que as situações apuradas contêm fragilidades que lhes retira relevância.

Como tal, logo por esta via assistiria razão à Recorrida.

Ainda assim, o Tribunal a quo apreciou as consequências advenientes da decisão decorrente da comissão de revisão, considerando que dali não resulta a aceitação da desconsideração dos prejuízos fiscais. Insurge-se a Recorrente contra o decidido, considerando que dali resultou tal aceitação. No entanto, sem razão.

Explicitemos.

Da decisão proferida em sede de procedimento de revisão resulta inequivocamente que a AT considerou não se dever manter a correção atinente às omissões de vendas, no valor de 241.019.323$00.

Relembremos que o ponto de que partiu a AT, ou seja, a declaração modelo 22 de IRC apresentada pela Recorrida, refletia uma situação de prejuízo fiscal declarada [prejuízo de 153.134.485$00 – cfr. facto 1)].

Ora, sendo desconsiderada tal correção efetuada em sede de inspeção tributária, tal implicaria, naturalmente, que fossem reconhecidos os prejuízos fiscais advenientes da operação aritmética de desconsideração dos 241.019.323$00 já mencionados.

Não foi isso que sucedeu, tendo a AT reconhecido a ser de desconsiderar a correção, mas não refletindo tal entendimento integralmente na liquidação emitida, na medida em que se limitou a não considerar a existência de lucro tributável, desconsiderando paralelamente o valor dos prejuízos.

Ou seja, limitou-se a alterar a matéria tributável de 94.668.127$00 para zero, tal como resultou da comissão de revisão, mas extrapolou que tal implicaria desconsideração dos prejuízos ab initio declarados pela Recorrida.

Ora, não só tal desconsideração dos prejuízos foi alguma vez aceite pelo perito da Recorrida (dado que os elementos constantes da ata da comissão de revisão são absolutamente omissos em matéria de prejuízos), mas também tal se revelaria incoerente face à decisão proferida.

Como tal, também por esta via sempre assistiria razão à Recorrida.

Logo, carece de razão a Recorrente.

Atenta a circunstância de ser uma única a questão em apreciação e a conduta processual das partes, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 07 de maio de 2020

(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Vital Lopes)

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(1) Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.03.2011 (Processo: 01004/10).

(2) Cfr., ilustrativamente, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 21.10.2004 (Processo: 00176/04).

(3) Neste sentido, v., exemplificativamente, os Acórdãos deste TCAS de 25.05.2017 (Processo: 06473/13), de 17.03.2016 (Processo: 06556/13) e de 13.03.2014 (Processo: 07216/13).