Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:839/01.0BTLRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/07/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRC;
ENCARGOS NÃO DEVIDAMENTE DOCUMENTADOS;
DESPESAS NÃO DOCUMENTADAS;
TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA
Sumário:1. Só as despesas confidenciais ou não documentadas são passíveis de tributação autónoma, não se incluindo nas despesas não documentadas os encargos não devidamente documentados, reservando-se a qualificação de não documentadas para as despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental, sendo que estas, para além de sujeitas a tributação autónoma, não são consideradas custo fiscal;
2. Já os encargos não devidamente documentados, são aqueles que embora tenham suporte documental, este não se encontra devidamente emitido.
3. Estes encargos serão ou não considerados custo fiscal, consoante o sujeito passivo consiga, ou não, justificar a operação contabilizada, em termos de propiciar à Administração fiscal um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor ou prestador, uma vez que, como se sabe, à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “G,,,,,,,,,, Lda.” (actualmente designada R……., Unipessoal, Lda.) contra a liquidação adicional de IRC n.º ........., referente ao ano de 1997, no valor global de Esc.24.121.155$00 (120.315,81 Euros).

Recebido o recurso, a Recorrente juntou alegações, que termina com as seguintes e doutas conclusões:
«
A) A liquidação adicional de IRC impugnada teve origem nas correções efetuadas no âmbito de uma ação inspetiva interna, realizada à Recorrida/Impugnante, para o exercício de 1997, na qual verificaram os Serviços de Inspeção Tributária que esta contabilizara custos no valor de Esc. 28.128.000$00 (€140.301,87) relativos a serviços prestados pela Sociedade Espanhola G........., SA., tendo apenas como suporte documental verbetes de lançamento internos;
B) O Tribunal a quo na sua decisão, considerou que, nos autos ora recorridos, “ficaram esclarecidas a finalidade, a natureza e destinatário do encargo, que por isso, tem de ser considerado documentado.”
C) Não pode a Recorrente, Fazenda Pública, com o devido respeito, concordar com tal segmento decisório, porquanto de toda a prova carreada para o mesmo, não poderia o Tribunal retirar a conclusão que retirou face à manifesta contradição entre os documentos existentes na contabilidade da própria Recorrida/Impugnante e o depoimento da testemunha inquirida;
D) Conforme afirmação da testemunha, a Recorrida/Impugnante exercia a sua atividade pelo menos desde 1990, encontrando-se incorporada na R.........;
E) Fazendo a Recorrida/Impugnante parte de um grupo com as dimensões da R......... (ainda que nos reportemos ao ano de 1990), não se mostra de todo credível que, em, pelo menos, cinco anos, não tenha aquela constituído uma carteira de clientes razoável;
F) E, muito menos, que a demora da constituição de uma carteira de clientes possa justificar o facto de a Recorrida/Impugnante apenas ter procedido ao pagamento de serviços prestados no ano de 1997, apenas em dezembro de 1999 e janeiro de 2000;
G) Se o apuramento era efetuado mensalmente, porque razão os lançamentos em causa, identificados com os n.ºs 1100011 e 1100012, juntos com o relatório final de inspeção, que determinaram a emissão da liquidação controvertida, têm uma única data (30.11.1997), sendo que o lançamento n.º 1100011, respeita ao período de setembro a dezembro de 1997 e o lançamento com o n.º 1100012 ao mês de novembro do mesmo ano;
H) Por outro lado, porque razão a nota de lançamento relativa a novembro de 1997 (nota de lançamento n.º 1100012), tem um valor bastante superior ao quadrimestre de setembro a dezembro de 1997 (nota de lançamento n.º 1100011), quadrimestre esse em que está inserido, também, aquele outro mês;
I) O próprio contrato de prestação de serviços celebrado entre a Recorrida/Impugnante e a Sociedade Espanhola, estabelece que, independentemente da remuneração a pagar variável, o pagamento teria de ser efetuado trimestralmente, sendo que, “no fim do trimestre, será paga uma parte fixa, e anual, depois do fecho do exercício, para a participação nos resultados. (…)”, facto esse que o Tribunal a quo considerou como assente na al. Q) dos factos assentes;
J) Do confronto entre o contrato celebrado entre aquelas duas entidades, dos lançamentos internos que estiveram na origem da correção efetuada e da emissão da liquidação em causa, bem como do que foi dito pela testemunha inquirida, existe uma patente contradição;
K) Encontrando-se estipulado, pelo menos, um pagamento trimestral, não se mostra credível que o pagamento de serviços prestado ao longo do ano de 1997, possa ter deferido num período de tempo tão grande;
L) Ao contrário do que foi referido pela testemunha inquirida, o lançamento contabilístico em causa foi efetuado diretamente numa conta de custos e não numa conta de provisão, porquanto, atendendo aos já referidos lançamentos internos e que se encontram juntos com o relatório final de inspeção, verifica-se que os valores em causa foram contabilizados, a débito, diretamente na conta de custos – 62111, por contrapartida de uma conta de pagamentos deferidos – 27381;
M) O que é demonstrativo que não foram constituídas quaisquer provisões ao contrário do invocado;
N) No que respeita às faturas apresentadas pela Recorrida/Impugnante, também estas não fazem qualquer referência aos serviços prestados, nem à data em que os mesmos foram efetuados;
O) A al. h) do n.º 1 do art. 41º do CIRC, à data dos factos em vigor, estatuía que não era permitida a dedução, para efeitos de determinação do lucro tributável, além do mais, dos encargos não devidamente documentados;
P) Nos termos do referido preceito normativo, não são dedutíveis os encargos que não se apresentem devidamente documentados, nomeadamente, custos relativamente aos quais a contabilidade não esteja suportado por documento externo de suporte ou em que esse documento se revele insuficiente, sendo que a inexistência de documento externo conforme à lei, destinado a
comprovar uma operação para a qual ele deva existir, afeta necessariamente o valor probatório da contabilidade não podendo essa falta ser suprida por documento interno;
Q) Uma das regras base da organização contabilística é aquela que estabelece o apoio dos lançamentos nos correspondentes documentos justificativos, datados e suscetíveis de ser apresentados sempre que necessários de acordo com a al. a) do art. 98º do CIRC, à data dos factos em vigor;
R) Os documentos justificativos que apoiam os lançamentos contabilísticos efetuados, consistem, em verbetes internos emitidos pela própria Recorrida/Impugnante, sendo que as faturas relativas a tais custos, datadas de 31 de dezembro de 1999 e 1 de janeiro de 2000 e, além do mais, não fazem qualquer referência aos serviços efetivamente prestados, bem como a data em que foram os mesmos prestados, não permitindo, assim, validar os lançamentos contabilísticos efetuados;
S) Razão pela qual, foram tais custos não documentados sujeitos a tributação autónoma nos termos da al. h) do n.º 1 do art. 41º do CIRC, à data dos factos em vigor;
T) Face às patentes contradições existentes entre os elementos existentes na contabilidade da Recorrida/Impugnante, não poderia o Tribunal a quo decidir, como decidiu, baseando única e exclusivamente tal decisão atendendo à prova testemunhal;
U) Deste modo, entende a Recorrente, Fazenda Pública, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, fazendo uma errada valoração da fundamentação e da prova carreada pela AT e que se encontra vertida no relatório da Inspeção Tributária, bem como incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito, por errada interpretação do disposto nos art.° 74°, nº 1 da LGT, al. h) do n.º 1 do 41°, 23° e 98º, todos do CIRC, na redação à data dos factos em vigor;
V) Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal as correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção.
Termos em que, deve conceder-se provimento ao recurso, e em consequência, deve a decisão ora recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, quanto à matéria aqui discutida.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO
A COSTUMADA JUSTIÇA.».

Foram apresentadas contra-alegações, que culminam com as seguintes e doutas conclusões:
«
A) Na Sentença recorrida, o Douto Tribunal a quo julgou integralmente procedente a impugnação judicial apresentada pela Recorrida, considerando, tal como peticionado, que o acto tributário em crise é ilegal e anulável uma vez que as correcções na sua origem, efectuadas ao abrigo do artigo 41.º, n.º 1, alínea h), do CIRC, carecem de fundamento;

B) Não obstante a sólida fundamentação da pronúncia jurisdicional em causa, a Representante da Fazenda Pública interpõe recurso jurisdicional invocando a existência de um erro de julgamento;

C) Os custos suportados pela Recorrida relativamente aos serviços prestados pela G......... em 1997 encontram-se devidamente documentados nos verbetes de lançamentos internos (e bem assim reflectidos na relação a fls. 66 dos presentes autos), no contrato celebrado com a G......... a 1 de Outubro de 1995 e nas facturas emitidas subsequentemente por esta entidade a 31 de Dezembro de 1999 e 1 de Janeiro de 2000, não podendo como tal ser desconsiderados ao abrigo do artigo 41.º, n.º 1, alínea h), do CIRC;

D) A prova testemunhal produzida nos presentes autos confirmou a existência dos custos controvertidos e a respectiva relação com a actividade económica da Recorrida;

E) Contrariamente ao que afirma a Representante da Fazenda Pública nas suas alegações de recurso, a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos evidencia a «finalidade, a natureza e destinatário» dos custos controvertidos;

F) Os artigos 18.º a 22.º, 28.º e 29.º das alegações de recurso da Representante da Fazenda Pública, são uma tentativa de fundamentação a posteriori do acto tributário em crise nos presentes autos, proibida pelos artigos 268.º, n.º 3, da CRP e 77.º da LGT;

G) A prova testemunhal produzida perante o Douto Tribunal a quo, os verbetes de lançamentos internos, a relação dos custos controvertidos a fls. 66 dos presentes autos e as facturas emitidas pela G........., juntas aos presentes autos como documentos n.os 3 e 4, evidenciam a totalidade do valor dos custos suportados pela Recorrida no exercício de 1997 em relação aos serviços que lhe foram prestados pela G........., que os mesmos foram efectivamente suportados pela Recorrida e, bem assim, que esta lhes conferiu o correcto tratamento contabilístico e fiscal, à luz do artigo 18.º, n.º 1, do CIRC;

H) As afirmações atribuídas à testemunha inquirida nos presentes autos que se encontram plasmadas nos artigos 12.º e 17.º das alegações de recurso não correspondem ao teor do depoimento produzido, sendo, pois, falso que a referida testemunha tenha proferido tais afirmações.

I) A liquidação adicional de IRC em crise é ilegal e anulável ao abrigo do artigo 135.º do CPA, uma vez que, por um lado, não existe qualquer base legal para a desconsideração dos custos registados pela Recorrida relativamente aos serviços adquiridos à G......... no exercício de 1997 e, por outro lado, os custos controvertidos não se subsumem no conceito de despesas confidenciais ou não documentadas previsto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho.

J) Não existe, pois, ao contrário do sustentado pela Representante da Fazenda Pública, qualquer erro de julgamento na pronúncia jurisdicional do Douto Tribunal a quo, com o que o recurso interposto não pode deixar de ser julgado totalmente improcedente.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, não pode a pretensão da Representante da Fazenda Pública deixar de ser desatendida, negando-se provimento ao recurso, o que com as demais consequências legais se requer.»

O Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso, sendo de manter o julgado por não padecer dos vícios que lhe são apontados.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão controvertida que importa resolver reconduz-se, essencialmente, a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir pela dedutibilidade fiscal do custo contabilizado pela impugnante na rubrica “Subcontratos”, no valor de Esc.28.128.000$00 e alegadamente relativo a serviços contratualizados à empresa espanhola “G......... ........., S.A.”, não validando o entendimento da Administração tributária que o considerou uma despesa não documentada e, para além disso, o sujeitou a tributação autónoma.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância, deixou-se consignado em sede factual:
«
2.1. FACTOS PROVADOS:
A) A coberto da ordem de serviço n.º 3308 de 21-06-2000, os Serviços de Inspeção Tributário da 2.ª DF de Lisboa, procederam a inspeção interna à Impugnante e elaboraram o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) que constitui fls. 57 e segs., que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
B) A Impugnante está enquadrada no Regime Geral de IRC e em matéria de IVA no regime de isenção (conforme resulta de fls. 59).
C) A ação inspetiva interna teve início em 01/09/2000 e findou em 15/02/2000 e versou sobre o IRC do exercício de 1997 (conforme resulta de fls. 59 e 60).
D) Em matéria de correções técnicas, resulta do RIT:
«Na análise efetuada às cópias dos documentos, enviados, verificou-se que:
- o contribuinte considerou na rubrica “SUBCONTRATOS”, custos no montante de 28 128 000$, relativos a serviços de apoio técnico e informático prestados pela empresa G........., tendo apenas como suporte documental verbetes de Lançamento internos, conforme anexo 1.
- Em resposta ao pedido de esclarecimentos, conforme anexo 1, a empresa refere que mensalmente estes custos são visionados, regularizando mais tarde esta situação, aquando da receção das faturas.
Perante o exposto verifica-se que estes custos não se enquadram no Art° 41.º alínea h), do CIRC, pelo que não são aceites como custos do exercício, sendo consequentemente objeto de correção.
(Conforme resulta de fls. 62).
E) Procedeu a AT ao apuramento do lucro tributável:
(Conforme resulta de fls. 62).
F) A Impugnante exerceu o direito de audição prévia:
«(…) refere que os serviços prestados foram efetuados em 1997, e os custos se encontram devidamente comprovados, não podendo por isso deixar de ser aceites, e muito menos, serem considerados como despesas confidenciais ou não documentadas. Conforme se pode verificar no anexo 1, os documentos de suporte dos referidos custos, são documentos internos emitidos pelo próprio SP, as faturas apresentadas relativas a estes custos têm datas de 31 de dezembro de 1999 e janeiro de 2000, não fazendo qualquer referência ao Serviço Prestado, nem à data em que o mesmo foi efetuado. Assim estas faturas serão custos nos exercícios nelas referidos.
Perante o exposto, mantêm-se os valores apurados.»
(Conforme resulta de fls. 62).
G) Sobre o RIT recaiu o seguinte despacho:
«Concordo.
Tendo em atenção o exposto, a referida despesa deve ser tributada autonomamente, conforme Decreto-lei n.º 192/90.»
(Conforme resulta de fls. 57).
H) Em 12/07/2001 a AT emitiu a liquidação impugnada, de IRC referente ao exercício de 1999 (conforme resulta de fls. 12).
I) O prazo para pagamento voluntário terminou em 27/08/2001.
J) A petição inicial foi apresentada em 23/11/2001 (conforme carimbo aposto a fls. 2).
K) Com base na certidão de dívida n.° ......... foi instaurado em 09/11/2001, o processo de execução fiscal n.° ........., para cobrança coerciva da dívida, tendo a impugnante sido citada em 07/01/2002 (conforme resulta de fls. 83 e segs.).
L) A Impugnante prestou garantia bancária que determinou a suspensão do processo de execução fiscal (conforme resulta de fls. 126).
M) Entre a G......... e a G......... ......... foi celebrado um contrato com início em 1 de outubro de 1995, renovável tacitamente até 31 de dezembro do ano seguinte, e assim sucessivamente, exceto em caso de rescisão por uma das duas partes, com um pré-aviso de, pelo menos, dois meses antes do contrato expirar (conforme resulta de fls. 22 e segs. e depoimento da testemunha).
N) Resulta do ponto II. do considerando do contrato:
«Que a G......... ........., S.A. conhece o processo, possui os sistemas informáticos, a tecnologia e a capacidade profissional necessárias à .........ão integral, tanto no domínio dos seguros automóveis de frotas de empresas e de particulares, como no dos seguros de crédito de grupo (Morte, Incapacidade, Desemprego, Falência ou Insolvência dos mutuários).»
O) Nos termos da cláusula primeira do contrato referido:
«As atividades a efetuar pela G......... dividem-se em dois polos:
1 - Conselho, inclui o estudo e a análise do mercado português de seguros, o estudo dos produtos existentes, a preparação de produtos inovadores e a apresentação às companhias de seguros, bem como a manutenção das relações com estas em todas as fases (colocação, renovação, modificações, etc.).
Para apresentar as novas ofertas de seguros, estabeleceu-se um prazo de 3 meses, a partir de 1 de outubro de 1995.
O incumprimento deste prazo será uma condição de rutura do presente Protocolo, sem direito a indemnização por derrogação da cláusula de anulação, 7.ª cláusula.
Do mesmo modo, a G......... ......... encarregar-se-á da elaboração dos protocolos de .........ão que ligarão a G……….. às companhias de seguros e calculará os resultados que deverão ser a base das diversas negociações, quando das renovações.
2 - Serviço, compreende a .........ão da produção, dos sinistros, da contabilidade e das estatísticas.
Para a realização desta .........ão, a G......... fornece as suas aplicações informáticas, como está exposto no anexo 1 do presente protocolo.
Para levar a bom termo o conjunto destas atividades, G......... enviará à G......... ........., S.A. os necessários mandatos de representação.
Por outro lado, a G......... desenvolverá a sua atividade, por sua própria iniciativa comercial, em função das estratégias estabelecidas pela R......... ..........
A R......... ......... desenvolverá a venda de seguros, em complemento do financiamento, do leasing ou do aluguer, em todo o território português, através da rede de concessionários R......... em Portugal, a qual deverá ter formação e ser motivada pela R......... .......... Nesta atividade comercial, a G......... deverá manter uma carteira dos clientes, mesmo cujo contrato de financiamento, de leasing ou de aluguer já tenha terminado.
A G......... informará a G......... ......... de quais os seus projetos comerciais e a G......... ......... poderá participar na sua elaboração e desenvolvimento.
A G......... ......... realizará um trabalho de assistência para a G.........; esta deve ser, tanto para os segurados, como para as Companhias de Seguros, a sociedade que aparecerá como corretora das operações de seguros, em que intervirá
Esta assistência será prestada por uma pessoa destacada pela G......... ........., nas instalações da G........., assistida pelos diversos serviços técnicos de Produção, Sinistros e Contabilidade da primeira.»
P) Quanto aos custos de colaboração, resulta da clausula segunda:
«A colaboração descrita na cláusula primeira exige investimentos técnicos e humanos a cargo das duas sociedades comerciais, segundo os seguintes critérios:
A. G.........
- Pessoal administrativo: 15.000.000 escudos/ano
- Comunicações: Consoante consumo
- Equipamentos microinformáticos com ligação em rede: 10.000.000 escudos Investimento único. B/ A CARGO DA G......... .........
- Pessoal destacado da GS .........: 12.000.000 escudos/ano
- Material informático na GS e S….: 20.000.000 escudos Investimento único.
- Manutenção dos programas informáticos: 1.500.000 escudos/ano
- Formação: 10.000.000 escudos.
Investimento único.
- Assistência pessoal G.........: 6.000.000 escudos/ano
Os custos económicos serão variáveis em função do desenvolvimento desta colaboração; cada parte suporta as variações dos seus próprios conceitos de encargos e são os legítimos proprietários dos equipamentos por si próprios financiados.
Q) Em matéria de remuneração da G.......... Resulta da clausula quarta do contrato:
«Em função da independência descrita na cláusula anterior, a G......... figurará como único corretor das apólices de seguros subscritas ou que possam ser subscritas, no seguimento da presente colaboração, junto das companhias de seguros escolhidas.
Por consequência, a G......... receberá das companhias de seguros a totalidade das comissões geradas pela carteira de clientes.
As condições de remuneração da G......... ......... são, por isso, estabelecidas no presente contrato:
Seguros automóveis: Dividem-se em duas partes:
- Uma percentagem da remuneração obtida pela G........., fixada em 30% das comissões de seguros recebidas, liquidas do custo do juro resultante do avanço de tesouraria realizado pela R......... ......... ao segurador, e faturada no prémio de seguro, estando este reservado à R......... ......... (atualmente 6,5%, sem IVA, do prémio de seguro anual).
- Uma participação de 50% nos resultados da atividade de seguros automóveis da G........., objeto do presente contrato, após dedução dos impostos e das taxas suportados por esta sociedade e da dedução de uma rentabilidade mínima de 8% nas comissões recebidas pela G..........
A G......... compromete-se a implementar uma contabilidade distinta da atividade objeto da presente colaboração e a negociar o processo com a G......... ..........
O pagamento da remuneração à G......... será trimestral e, no fim do trimestre, será paga uma parte fixa, e anual, depois do fecho do exercício, para a participação nos resultados»
R) A Impugnante não tinha dimensão para rentabilizar a criação e manutenção do conjunto de serviços pela G......... à Impugnante (conforme resulta do depoimento da testemunha).
S) A dimensão internacional da G......... e o inerente peso de interlocução junto das companhias de seguros, a operar em Portugal e, muito especialmente, no estrangeiro ou fazendo parte de grupos seguradores multinacionais permitiu dinamizar a atividade da Impugnante (conforme resulta do depoimento da testemunha).
T) O contrato celebrado com a G......... não fixou o preço devido pela contratada prestação, mas tão só o critério para a sua determinação.
U) A determinação do preço a pagar reveste-se de alguma complexidade e só é possível largo tempo após a prestação dos serviços a que se reporta (conforme resulta do depoimento da testemunha).
V) Depende de terceiros (as seguradoras) ou do apuramento do resultado das apólices (conforme resulta do depoimento da testemunha).
W) A remuneração de um corretor de seguros depende da emissão dos prémios pelas seguradoras e da sua cobrança efetiva, o que, igualmente, se aplica a estornos e indemnizações (conforme resulta do depoimento da testemunha).
X) O apuramento e processamento de indemnizações por sinistros cobertos, bem como o acerto de prémios, através de estornos, normalmente se reveste de alguma morosidade na conclusão dos processos (conforme resulta do depoimento da testemunha).
Y) Só em 1999, as partes se encontravam em condições de determinar exatamente o preço da prestação desenvolvida em 1997 pela G......... em prol da impugnante, com a emissão e pagamento das correspondentes faturas, no final desse ano e no início de 2000 (conforme resulta do depoimento da testemunha).
Z) A Impugnante registou nas suas contas, relativas ao ano de 1997, o montante de Esc. 28.128.000$00, do custo estimado e que, posteriormente, se veio a confirmar, dos serviços que, nesse exercício, lhe foram contratualmente prestados pela G......... (conforme resulta do depoimento da testemunha).
*
2.2. FUNDAMENTAÇÃO DO JULGAMENTO.
A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
A testemunha inquirida é técnica de contabilidade é, desde 1990, funcionária da Impugnante. Entre 1990 e 2004 trabalhou no departamento da contabilidade era uma das pessoas responsáveis pela contabilização pela parte da G......... (G.........). Esclareceu que havia um programa que a G......... implementou em Portugal e a Depoente fazia a .........ão desse programa que geria todas as apólices de seguro automóvel. Em 31 de Dezembro de 1997 foi efetuada uma estimativa do montante a pagar. O registo contabilístico era feito com base num contrato a partir das listagens que tiravam no final do mês mediante uma percentagem das apólices pagas pelos clientes, deduzidas dos sinistros, da anulação de apólices, etc. Posteriormente a G......... emitia uma fatura dos serviços prestados à Impugnante.
*
2.3. FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão inexistem fatos invocados que devam considerar-se como não provados.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Tal como ressalta das conclusões da alegação da Recorrente, que delimitam o objecto do recurso, importa definir se estão em causa despesas não documentadas e sujeitas a tributação autónoma como entendeu a AT e considera a Recorrente ou, encargos indevidamente documentados, como considerado na sentença recorrida.

Antes de prosseguir, porém, importa salientar que, tanto quanto alcançamos, a Recorrente não impugna a matéria de facto e, sendo esse o seu propósito, manifestamente não o fez eficazmente, isto é, com observância do ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, imposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 640.º, do CPC, pelo que sempre o recurso teria de ser rejeitado neste segmento.

Como o que a Recorrente manifestamente se não conforma é que da factualidade assente se possa extrair a conclusão, que a sentença extraiu, de que ficaram esclarecidas a finalidade, a natureza e o destinatário do encargo que, por isso, tem de ser considerado documentado e aceite fiscalmente. Vejamos.

Ilustram os autos que em acção inspectiva interna constatou a AT que a impugnante, com referência ao exercício de 1997, contabilizara como custo o montante de Esc.28.128.000$00 pretensamente relativo a “serviços de apoio técnico e informático prestados pela G.........”, unicamente com base em documentos de origem interna, os designados “verbetes de lançamento internos” (cf. fundamentação das correcções efectuadas, a fls. 74v.).

Em seguimento, foram apresentadas pela impugnante facturas emitidas pela G......... alegadamente reportadas a esses custos, porém, com datas de 31/12/1999 e 01/01/2000 e, na óptica da AT, não referenciando o serviço concretamente prestado, nem a data em que o mesmo foi efectuado.

Daí que, a AT não só considerou a despesa como não documentada como sujeitou o seu montante a tributação autónoma.

Na sentença, perante a prova produzida, considerou-se que tinha ficado demonstrado que os serviços descritos naquelas facturas como referenciados ao Protocolo de Colaboração firmado entre as empresas emitente e beneficiária com data de 01/10/1995 eram efectivamente reportados a esse contrato (aliás, junto aos autos, a fls. 22) e a remuneração do mesmo, não estando determinada mas sendo determinável, só o viria a ser com relação ao ano de 1997 a partir de 1999, justificando a emissão das facturas após esse momento.

Na redacção vigente à data dos factos, dispunha o art.º 23.º CIRC:
«1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
a) Encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços…»

Por outro lado, dispunha o art.º 42.º do mesmo Código sob a epígrafe Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais” que:
«1 - Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:
(…)
g) Os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial».

E o art.º 81.º, sob a epígrafe “Taxas de tributação autónoma” dispunha:
«1 – As despesas confidenciais ou não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50 %, sem prejuízo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º.
(…)»

Como se assinala no Acórdão do STA, de 04/19/2017, tirado no proc. 01320/16, «A terminologia empregue no art.º 23.º e 81.º é suficientemente esclarecedora de que o legislador estabeleceu diferença entre encargos não devidamente documentados e despesas não documentadas, reservando esta qualificação para as despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental».

Em relação à diferença entre despesas confidenciais e despesas não documentadas, as primeiras serão aquelas relativamente às quais não é revelada a sua natureza, origem e finalidade, enquanto as segundas serão despesas relativamente às quais não existe prova documental, embora não haja ocultação da sua natureza, origem ou finalidade. Todas elas, no entanto, serão despesas não comprovadas documentalmente – vd., neste sentido, o Acórdão do STA (Pleno da Secção do CT), de 02/18/2009, tirado no proc.º 0600/08.

Só as despesas confidenciais ou não documentadas são passíveis de tributação autónoma, não se incluindo nas despesas não documentadas os encargos não devidamente documentados, reservando a lei a qualificação de não documentadas para as despesas que careçam em absoluto de comprovativo documental, sendo que estas, para além de sujeitas a tributação autónoma, não são consideradas custo fiscal. Já os encargos não devidamente documentados, são aqueles que embora tenham suporte documental, este não se encontra devidamente emitido. Estes encargos serão ou não considerados custo fiscal, consoante o sujeito passivo consiga, ou não, justificar a operação contabilizada, em termos de propiciar à Administração fiscal um eficaz controlo das relações económicas quer do lado do adquirente quer do fornecedor, uma vez que, como se sabe, à revelação de um custo para um agente, contrapõe-se um proveito para o outro.

Ora, mostram os autos e o probatório que o encargo foi contabilizado com base em verbetes de lançamento interno sendo conhecida a identidade do destinatário. Nessa medida, o encargo contabilizado não podia ser sujeito a tributação autónoma, pois como vimos não se trata de despesa confidencial, nem de despesa não documentada.

Ao sujeitar o encargo contabilizado pela impugnante e ora Recorrida a tributação autónoma, a AT incorreu manifestamente em erro nos pressupostos, nada havendo para censurar na sentença recorrida que não validou este adicional de IRC.

Mas isso assente, poderá ser afastada a dedutibilidade como custo fiscal do exercício de 1997 do encargo contabilizado?

Em sede de IRC, como se sabe, a jurisprudência maioritária dos tribunais superiores vai no sentido de que o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos artigos 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova, sendo que um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos, «…que demonstrem de forma inequívoca a justeza do lançamento efectuado», no dizer de M. FREITAS PEREIRA, in Parecer do Centro de Estudos Fiscais do Ministério das Finanças com o n.º 3/92, de 6 de Janeiro de 1992, publicado na Ciência e Técnica Fiscal n.º 365, págs. 346 e 347.

Pois bem, a impugnante e ora Recorrida, juntou aos autos um designado Protocolo de colaboração, firmado com a espanhola G......... em 01/10/1995, bem como duas facturas emitidas por essa entidade e referenciadas àquele contrato, mas com datas de 31/12/1999 e 01/01/2000, documentos alegadamente relativos ao encargo contabilizado em 1997 com base em verbetes de lançamento interno.

Entendeu-se na sentença que esses documentos externos, complementados pelo depoimento da testemunha O........., técnica de contabilidade então ao serviço da impugnante, constituíam prova adicional bastante de que os movimentos reflectidos nos verbetes de lançamento interno eram autênticos.

A Recorrente, todavia, insiste em questionar que as facturas emitidas pela G......... à impugnante em 31/12/1999 e 01/01/2000 correspondam aos encargos imputáveis a 1997 que os verbetes de lançamento interno reflectem.

Sucede, porém, que a decisão de facto, como se disse, não foi eficazmente impugnada e dos seus pontos M), T), Y) e Z) consta, respectivamente, que «Entre a G......... e a G......... ......... foi celebrado um contrato com início em 1 de outubro de 1995, renovável tacitamente até 31 de dezembro do ano seguinte, e assim sucessivamente, exceto em caso de rescisão por uma das duas partes, com um pré-aviso de, pelo menos, dois meses antes do contrato expirar»; «O contrato celebrado com a G......... não fixou o preço devido pela contratada prestação, mas tão só o critério para a sua determinação»; «Só em 1999, as partes se encontravam em condições de determinar exatamente o preço da prestação desenvolvida em 1997 pela G......... em prol da impugnante, com a emissão e pagamento das correspondentes faturas, no final desse ano e no início de 2000»; «A Impugnante registou nas suas contas, relativas ao ano de 1997, o montante de Esc. 28.128.000$00, do custo estimado e que, posteriormente, se veio a confirmar, dos serviços que, nesse exercício, lhe foram contratualmente prestados pela G.........».

Ou seja, a factualidade assente permite concluir que os encargos contabilizados pela impugnante e ora Recorrida em 1997 apoiados unicamente em documentos internos (nessa medida, indevidamente documentados), acabaram por ser autenticados com a apresentação das facturas emitidas pela G......... em 31/12/1999 e 01/01/2000 e do contrato firmado em 01/10/1995, que está na base da sua emissão.

Suprida a indevida documentação dos encargos contabilizados com a posterior apresentação de documentos de origem externa (facturas, contrato) que a prova testemunhal permitiu relacionar com aqueles encargos originariamente suportados em verbetes de lançamento interno, há que concluir pela relevância de tais valores enquanto custos fiscalmente dedutíveis para efeitos de IRC.

Dado que o acto de liquidação impugnado não só considerou que os encargos contabilizados não eram fiscalmente dedutíveis, mas para além disso ainda os tributou autonomamente, o mesmo está inquinado de ilegalidade por erro nos pressupostos, devendo ser anulado.
A sentença recorrida que assim também o entendeu, não enferma de qualquer erro de julgamento, impondo-se a sua confirmação.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Sem custas por isenção legal do Recorrente Fazenda Pública (processo anterior a 2004).

Lisboa, 07 de Maio de 2020.



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Vital Lopes





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Luísa Soares





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Mário Rebelo