Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1544/10.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/20/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:VALORAÇÃO DOS TERMOS DE DECLARAÇÕES
DISPENSA DE PROVA TESTEMUNHAL
DEFICIT INSTRUTÓRIO
Sumário:I-O ato de dispensa de prova testemunhal está na esfera decisória do Juiz do Tribunal a quo que, desde logo, pondera e decide em conformidade, logo não pode ser entendido como um ato que tem de ser realizado obrigatoriamente, donde uma nulidade processual.
II-No âmbito do processo judicial tributário compete ao Juiz avaliar, casuisticamente, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sempre tendo presente que a instrução tem por objeto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.
III-O facto de não ter sido interposto recurso do despacho interlocutório do despacho de dispensa de prova testemunhal não inviabiliza, per se, a apreciação do deficit instrutório, porquanto o Tribunal de recurso pode sindicar o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova em sede do recurso e anular oficiosamente a decisão.
IV-Se a Recorrente alega factualidade suscetível de traçar, definir e substanciar o exercício da gerência, e se a mesma é passível de produção de prova testemunhal tal obsta a que se conclua pela sua dispensa e desnecessidade e depois se assevere tal factualidade como não provada.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO


O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, na parte que julgou procedente a oposição intentada por T. M., no âmbito do processo de execução fiscal nº….775 e apensos, inicialmente instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 11, contra a sociedade “v. t. t., unipessoal, lda”, por dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), respeitantes ao último trimestre de 2006 e primeiro trimestre de 2007, e contra si revertida.

A Recorrente, apresentou alegações tendo concluído da seguinte forma:

“I. O presente recurso demonstrará o evidente desacerto a que chegou o tribunal a quo na sua decisão fruto essencialmente de um primeiro erro de apreciação jurídica no seio do qual se afirma que à luz do disposto no art. 24º, nº 1, alínea b), da LGT, a prova da gerência de facto só pode ser carreada até ao momento em que é proferido o despacho de reversão, constituindo ónus exclusivo do OEF, precipitando a partir daí uma decisão totalmente desgovernada impedindo, por um lado, em sede de contencioso que fosse produzida prova por parte da Fazenda Pública, nomeadamente, testemunhal relativamente a esta questão, violando, na ótica da Administração Fiscal não só os princípios estruturais do processo executivo, como seja o inquisitório e a busca da verdade material mas menosprezando sobretudo a natureza judicial do próprio processo executivo à luz daquela que é a melhor pronúncia do Colendo STA seguida de enviesada perceção dos factos, de incorreta apreciação prova produzida nos autos não se coibindo de desprezar regras básicas que contendem com a sua valoração, violando regras e princípios processuais básicos relativos à sua aquisição.

II. Aceitar que a responsabilidade subsidiária dependa da demonstração da gerência de facto, não significa que se possa partir dela para fazer impender exclusivamente sobre o OEF o ónus da demonstração da verificação dos pressupostos da reversão e até à prolação do despacho de reversão, impedindo-se a Fazenda Pública de o fazer nos autos, por exemplo.

III. A posição de que a prova de que o efetivo exercício da gerência só pode ser carreada até ao despacho de reversão pelo OEF viola o disposto no art 24º, nº 1, da LGT (interpretação jurídica); contraria princípios basilares do processo de execução fiscal, como seja o inquisitório e a busca da verdade material; contraria o entendimento da citada doutrina da Conselheira Isabel Marques da Silva, e a jurisprudência seguida pelo Colendo STA (cfr. acórdão do Pleno, proferido em 28/2/2007, no proc. nº 01132/06 , reafirmada, igualmente por unanimidade, nos acórdãos de 10/12/2008, rec. nº 861/08 e de 11/3/2009, rec. nº 709/08 , e no recente acórdão do Pleno, de 21/11/2012, no proc. nº 474/12 , em plenário da Secção de Contencioso Tributário)

IV. A verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária relaciona-se não com um específico ónus que o tribunal a quo entendeu fazer impender apenas sobre o OEF, mas imputável à Administração Fiscal na sua globalidade – e que, face aos princípios basilares do processo de execução fiscal e do processo judicial tributário, reclama posição mais dinâmica que permita à Fazenda Pública reunir elementos que, em sede de Oposição Judicial, logrem dar por verificado exercício efetivo da gerência.

V. Donde resulta que, por um lado, tanto quanto logramos alcançar não há em termos legais nenhum limite ao tipo de prova que pode ser produzido nos autos da instância executiva ou da Oposição Judicial deduzida que permita suportar a inferência que se pode extrair relativamente à gerência de facto. E a alusão à “Fazenda Pública” (e não à AT ou ao OEF) indica com alguma segurança que o momento da apresentação da prova da gerência de facto pode ser produzida já no âmbito da Oposição Judicial. A Fazenda Pública como e consabido não atua na instância executiva. É um órgão de representação da AT (para o que aqui interessa) no contencioso judicial.

VI. Não faz sentido expender orientação no sentido de permitir que os tribunais de 1ª instância, suportados na comprovada gerência de direito e com recurso às regras da experiência comum se convençam, por presunção judicial, que o revertido exerceu efetivamente a gerência, se depois, fruto de um comportamento eminentemente passivo se afirma que a gerência efetiva, para efeitos de responsabilidade subsidiária, tem de estar desde logo comprovada até à prolação do despacho de reversão.

VII. A verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária contende não com um específico ónus que o tribunal a quo entendeu fazer impender apenas sobre o OEF, mas imputável à Administração Fiscal na sua globalidade – e que, face aos princípios basilares do processo de execução fiscal e do processo judicial tributário, reclama posição mais dinâmica que permita à Fazenda Pública reunir elementos que, em sede de Oposição Judicial, logrem dar por verificado exercício efetivo da gerência.

VIII. Srs. Juízes Desembargadores, o entendimento sufragado pela Fazenda Pública tem pelo menos um mérito. Aceita a jurisprudência citada pelo tribunal a quo não entrando em rota de colisão com a orientação daquele Colendo Tribunal, como acontece com a douta decisão recorrida, quando admite que presunções judiciais possam ser feitas com base em prova carreada já no âmbito dos presentes autos de Oposição Judicial.

IX. Até que ponto trazer mais ou menos (ou não trazer sequer) prova material aos autos permite ao OEF (ou à Fazenda Pública…) antecipar aquela que porventura seria a decisão de um tribunal relativamente ao exercício da gerência? Naturalmente existirão erros por parte da AT mas… nada disto é tão líquido como o faz crer o tribunal a quo vendo na não apresentação de documentos um argumento que transcende ou supera a própria dificuldade da apreciação casuística da prova incautamente produzindo uma conclusão mal ponderada elevando-a a um expoente que a realidade das execuções e da reversão não raras desmente.

X. Dito isto, não sendo ilegal que a reversão opere com a comprovada gerência de direito ou que, no caso, até tenham sido reunidos elementos que a evidenciavam e à luz dos princípios do processo de execução fiscal e do processo judicial tributário, deve a esta Fazenda Pública ser dada a prerrogativa de carrear para os autos de Oposição elementos que provem ou indiciem o exercício da gerência, convencendo o doutros tribunais tributários ainda que por inferência que o mesmo foi executado pela Oponente, cumprindo-se aquele que é o seu desígnio de prosseguir o interesse público e a busca pela verdade material.

XI. Com efeito, a Fazenda Pública por peça processual remetida ao Tribunal Tributário de Lisboa (Ofício 044772 de 04-06-2012) contestou a presente Oposição Judicial, arrolando como testemunhas, S. M. F., Técnica Oficial de Contas; e N. M. S. A. e P. A. enquanto gerentes da sociedade devedora originária nomeados como tal na Conservatória de Registo Comercial, signatários dos Termos de declaração juntos ao processo de execução fiscal e onde se afirma que as, as instruções, as ordens, a governação e as questões relativas ao dia a dia da devedora originária eram dadas e reportadas, respetivamente à e pela ora Oponente.

XII. Por despacho de 04-10-2016 foi indeferida a realização da inquirição das testemunhas arroladas pela Fazenda Pública, suportada, como já afirmámos no facto do Tribunal a quo entender que a prova da gerência de facto tinha de ter sido coligida até à data em que foi proferido o despacho de reversão à luz de uma corrente jurisprudencial que já na altura tinha dificuldades em citar, eventualmente, de encontrar.

XIII. A não audição das testemunhas arroladas pode e tem efeitos face à fundamentação esgrimida na sentença recorrida. Recorde-se que o indeferimento da inquirição decorre de erro de apreciação jurídica relativamente ao objeto dos autos. Pelo que, seja como for, esta questão tem efeitos na sentença produzida e os efeitos do indeferimento da referida diligência terão de ser naturalmente apreciados em sede de reapreciação jurisdicional.

XIV. Não está em causa apenas uma irregularidade processual. O douto tribunal a quo foi mais longe e de uma forma que, em termos processuais, deixa muitas dúvidas relativamente à justiça com que apreciou esta questão porquanto indeferindo a referida diligência que inclusive (entendendo-se necessária) poderia trazer aos autos factos mais concretizados (mas que não deixaram de ser), ou melhor circunstanciados nas declarações prestadas por aqueles intervenientes na ação executiva – tendo impedido que a Fazenda Pública por via da mencionada diligência esclarecer melhor o que, de qualquer forma, está na base da motivação que levou o OEF a proceder à reversão.

XV. O mesmo tribunal que impede essa concretização indeferindo a produção de prova que a Fazenda Pública podia realizar, suporta-se, note-se, na ausência (para além dos elementos) da concretização de factos (que até estão concretizados, os termos de declarações relatam situações concretas ocorridas entre os intervenientes) para não dar por provado o exercício da gerência censurando a AT por não ter cumprido o ónus da prova.

XVI. E há, para além disso, violações manifestas à defesa da AT, constitucionalmente consagrada; aos artigos 3º (princípio do acesso ao direito) e 5º (princípio do dispositivo) do NCPC, (outrora art. 264º), aplicáveis ex vi do art. 2º alínea e), do CPPT e os arts. 114º e 115º do CPPT.

XVII. Ainda que assim não fosse, não podendo se menosprezar a natureza judicial da instância executiva e do princípio do inquisitório que nesta sede aparece de forma reforçada então, perante o teor do Termo das declarações prestadas pelas testemunhas arroladas pela Fazenda Pública tinha que se ter suscitado a eventual relevância que o seu contributo pudesse dar à busca pela verdade material e boa decisão da causa, obrigado que estava ao princípio da investigação (artº.99, nº.1, da LGT; artº.13, nº.1, do CPPT) e tomar a iniciativa de as inquirir. Vícios elevados aqui a erros de julgamento de correntes de má apreciação jurídica da questão.

XVIII. Nos capítulos anteriores já tínhamos levantado o véu sobre a visão hermética que presidiu à apreciação da prova, nomeadamente, o facto da AT não ter reunido elementos documentais que de alguma demonstrassem que a Oponente exerceu efetivamente a gerência da devedora originária e, bem assim, do que o Tribunal a quo entendeu ser algumas das insuficiências, seja da condição dos próprios signatários dos mencionados termos de declaração juntos ao processo executivo, seja do conteúdo desses mesmos factos por si relatados, sem, claro, abordar as evidências que contrariam a sua própria fundamentação.

XIX. O tribunal a quo simplesmente desprezou o teor integral das declarações produzidas pela TOC, as quais se mostram assentes em factos concretos. Não se cingem à generalidade. Reportam-se a situações vividas na sociedade, nas relações fosse com o pai J. S. ou com os Gerentes nomeados na Certidão Permanente. Admitimos que, em termos temporais o relato pudesse ser um pouco mais circunstanciado–insuficiência que indelevelmente poderia ter sido suprida através, cá está, da própria inquirição de testemunhas que o tribunal a quo ilegalmente entendeu indeferir.

XX. A testemunha que tem conhecimento direto dos factos e do dia a dia da sociedade devedora originária pois que trabalhava nas suas instalações.

XXI. O facto da TOC ter cessado funções em 27-04-2007, ou seja, a escassos pouco mais de 15 dias da data limite de pagamento, na opinião não menoriza o seu depoimento desde logo porque sendo a dívida do primeiro trimestre (até Março) a partir daí o imposto já se mostrava a pagamento.

XXII. Além do menosprezo dado ao teor concreto e integral das declarações prestadas por pessoa cuja razão de ciência decorre de factos que diretamente presenciou e relatou no contacto inclusivamente com a própria Oponente, verifica-se que sobre a dívida relativa ao IVA do 4º trimestre de 2006 o tribunal a quo não logrou sequer pronunciar-se. Aí, como é evidente, a fundamentação (motivação de facto) de que se socorre não colhe pois que a TOC nesse período ainda estava ao serviço.

XXIII. À Fazenda Pública não lhe repugna reconhecer, à partida, que os depoimentos prestados por revertidos se possa indiciar o receio sobre a verdade dos factos que alegam face ao interesse que têm na responsabilização da parte. Concordamos com isso do mesmo modo que os tribunais não afastam, à partida, os depoimentos prestados por testemunhas que têm relações familiares, de dependência económica ou laborais, de amizade, com as partes.

XXIV. Verifica-se, porém, que o teor das suas declarações se mostra compatível e é corroborado pelo o teor das declarações prestadas pela TOC da devedora originária, e sobre esta não recai qualquer dúvida sobre o conhecimento que tem dos factos, a sua razão de ciência, nem se lhe conhecem motivos que façam duvidar das suas intenções.

XXV. Não há, de facto, nenhum motivo concreto para duvidar das supostas motivações que o Tribunal a quo entende estarem na base dos seus depoimentos nem o tribunal se deve suportar na abstração desse receio. Por isso se exigia, mais uma vez, a conjugação da prova, no lugar da sua apreciação separada.

XXVI. Afirma-se ainda que N. A. já não exercia a função de gerente relativamente ao IVA do 1º trimestre de 2007. Muito bem, mas a TOC que, como sabemos, exercia funções nas instalações da devedora originária ainda prestou serviço até 27-04-2007 permitindo fazer a prova do exercício da gerência por parte da Oponente. Por outro lado, este fundamento não coloca em causa a legitimidade da reversão da Oponente relativamente ao IVA do 4º trimestre de 2006. Por último, a saída de cena deste gerente nomeado adensa as razões pelas quais o Gerente de Facto era efetivamente a Oponente T. M., tanto que a sociedade não deixou de laborar ao ponto de produzir dívida de IVA no trimestre seguinte.

XXVII. Ora, o tribunal exige à AT que fossem reunidos elementos documentais sabendo por via da factualidade relatada pelos declarantes e apreciado de forma conjugada, que os gerentes nomeados, em bom rigor, limitaram-se a assinar documentos por instrução e ordem da ora Oponente, receando, aliás, o posto de trabalho (cfr. Termo de Declarações da TOC S. F.) sendo, no fundo, ela quem efetivamente dirigia os destinos económicos da devedora originária.

XXVIII. Facto confirmado por aquela quando corroborou que era com a Oponente (e não com estes) que contactava relativamente às vicissitudes contabilísticas e fiscais da sociedade devedora originária, num caso curioso que em tudo se assemelha às situações em que a AT faz operar a reversão sobre aqueles que assinaram os documentos entendendo que aqueles documentos evidenciam de alguma forma a pratica de atos de gerência e depois perante a alegação destes de que assinaram a mando ou por instrução do real gerente de facto - são os próprios tribunais superiores quem, desprezando a prova documental entendem também aqui que a AT não logrou fazer prova do exercício da gerência por parte destes.

XXIX. A única diferença jaz na circunstância de, curiosamente, no caso em apreço, a AT ter revertido sobre alguém em que as testemunhas (não ouvidas indeferido que foi pelo tribunal a quo), signatárias dos termos de declarações terem identificado o verdadeiro gerente de facto, digamos assim, e o tribunal a quo perante semelhante fundamento entender que a Fazenda Pública não logrou carrear para os autos elementos documentais quando nas situações inversas são os próprios quem menospreza a prova documental recolhida sendo para sai suficiente a mera alegação de que foi a mando para não dar razão à AT.

XXX. Há, pois, e mais uma vez, algo de contraditório nisto tudo. A Fazenda Pública não alcança e espera naturalmente uma explicação do motivo porque é que semelhante fundamento usado pelos revertidos permite-lhes alcançar a procedência da Oposição Judicial que deduziram pois que o valor da prova documental carreada para o processo executivo cai perante a alegação ou um testemunho de alguém que vai a tribunal confirmar que os documentos foram assinados de cruz; que, v.g., o gerente de facto estava impossibilitado de assinar documentação, etc…, mas quando é a AT a lograr demonstrar que os Oponentes assinavam por ordem ou instrução do gerente de facto, ora Oponente, aí aparentemente e no entender do tribunal a quo a prova documental já é decisiva com a inerente contradição de que sendo a condução da devedora originária realizada por instrução verbal obviamente não existem documentos por si assinados!!!

XXXI. A AT não tem, porventura, não existem documentos assinados por quem tem o poder de conduzir a devedora originária. O que configura uma exigência impossível ou diabólica de satisfazer e que o próprio tribunal a quo mais uma vez não logrou percecionar.

XXXII. Pelo exposto, incorreu o tribunal a quo nos seguintes erros de julgamento:

- Em virtude de incorreta apreciação da prova produzida nos autos por não ter dado por provado o facto 2 dos “Factos não provados” na sentença recorrida perante o conteúdo das declarações produzidas pela TOC da sociedade devedora originária e dos gerentes nomeados na Certidão Permanente. Declarações de conteúdo concreto e minimamente circunstanciado, relatando situações concretas ocorridas entre os intervenientes e a própria Oponente, relatos que decorrem do conhecimento direto que experienciaram, e que, tivessem sido apreciados de forma conjugada, lograriam convencer o tribunal a quo que quem efetivamente tinha o domínio da gerência da devedora originária conduzindo dando instruções relativas ao dia a dia da sociedade era a ora Oponente ainda que a prova documental tivesse sido assinada pelos gerentes nomeados no registo comercial pois que o faziam receando o despedimento. E que por esse motivo forçosamente seria de injusta determinação censurar a AT de não ter reunido elementos documentais assinados pela Oponente enquanto gerente da devedora originária se o exercício dessa gerência foi realizado de forma verbal - em face da factualidade dada por provada.

- E, finalmente, incorreu o tribunal a quo, num duplo erro de julgamento, pois que impediu a AT de exercer a sua defesa e fazer prova dos factos mediante a audição das testemunhas por si arroladas, com base na desacertada interpretação jurídica de que face ao disposto no art. 24º, nº 1, do CPPT o ónus da verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária impendia unicamente sobre o OEF até à prolação do despacho de reversão.

XXXIII. Mostram-se assim violadas as seguintes disposições legais e princípios: art. 74º, nº 1, da LGT e 352º do CC, o princípio do inquisitório (art. 58º da LGT) e o princípio da investigação (cfr.artº.99, nº.1, da LGT; artº.13, nº.1, do CPPT), do dispositivo e do acesso ao direito, constitucionalmente consagrado (art. 3º e 5º do NCPC e 2º da CRP e bem assim aquela que é a orientação consolidada dos Tribunais Superiores citada nas presentes motivações.

XXXIV. Pelo que, ressalvando-se sempre o devido respeito, a douta sentença recorrida não poderá deixar de ser revogada e substituída por acórdão que, suprimindo o facto não provado 2 (dando-o por provado) e reconhecendo os vícios apontados julgue provado o exercício da gerência por parte da Oponente determinando a parcial procedência dos autos em virtude da prova realizada levada ao probatório -reconhecendo a Fazenda Pública que, no que respeita às coimas de 2008 e constituindo jurisprudência consolidada dos nossos tribunais superiores de que o ónus da prova relativa à culpa pela dissipação do património incumbe à AT, e que esta não a realizou devem os autos proceder nesta parte.

XXXV. Subsidiariamente, caso assim não se entenda, devem os autos baixar à primeira instância a fim de ser suprimido o défice instrutório que decorre do indeferimento da inquirição das testemunhas arroladas pela Fazenda Pública e que decorre de evidente erro de apreciação jurídica de que padece a decisão recorrida. V/Exas, porém, melhor ponderando, não deixarão de fazer a costumada justiça.”


***


A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

“a) Mostra-se mais do que provado que não houve por parte da AT qualquer prova da gerência de facto dos ora opoentes.

b) Pelo contrário, apenas tão só a AT limitou-se a ouvir as testemunhas, também elas interessadas nos factos para concluir de imediato.

c) É sobre a AT, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os factos integradores do efetivo exercício da gerência.

d) A AT teve oportunidade de na contestação apresentar e avançar com os elementos necessários para satisfazer o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, em especial o efetivo exercício da gerência da devedora originária, o que não o fez, limitando-se a repetir o que do processo de execução fiscal já constava.

e) Competindo à AT o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência tendo por isso o douto tribunal a quo bem quando assim fez.

f) É à AT, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício da gerência.

g) Para efeitos da gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de atos isolados, mas antes pela existência de uma atividade continuada, o que de facto não existe.

h) Ora, a chamada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade.

i) Se a AT produzir prova sobre a gerência e o revertido lograr provar factos que suscitem dúvida sobre o facto, este deve dar-se por não provado. Mas a regra não se aplica se a Fazenda não produzir qualquer prova.

j) A decisão recorrida que assim entendeu não merece, por isso, qualquer censura, tendo feito correcta interpretação e aplicação das normas legais referidas.

k) Quanto ao ponto de que deverá ser a sentença a quo revogada para repetição do probatório, não pode nunca conceder, por o despacho outrora proferido a indeferir a inquirição das testemunhas ter transitado, não sendo passível de recurso nesta fase.

l) Os autos seguiram os demais trâmites legais, tendo sido indeferida a produção de prova testemunhal, por despacho transitado, conforme referido na douta sentença a quo, e portanto, não sendo admissível o recurso do despacho nesta fase.

m) A AT deveria, caso assim o entendesse, ter interposto o devido recurso em tempo oportuno para tal, apos a notificação do despacho e indeferimento o que não o fez.

n) Mas ainda assim e sem conceder, andou bem o tribunal a quo quando indeferiu a inquirição das testemunhas.

o) Deverá ser concedida anulação do despacho de reversão por a oposição ser procedente.

Pelo exposto, o recurso deve improceder, julgando-se, portanto, a oposição procedente, fazendo V. Exas. a tão costumada justiça.”


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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

A) Contra V. T. T., Unipessoal, Lda., NIPC …529, foi instaurado, pelo serviço de finanças de Lisboa-11, o processo de execução fiscal n.º …775 e apensos, para cobrança coerciva de dívidas de IVA, referentes ao último trimestre de 2006 e primeiro trimestre de 2007 e cuja data limite de pagamento voluntário terminava em 15/02/2007 e 15/05/2007, bem como para cobrança de coimas tributárias, aplicadas no ano de 2008, perfazendo a quantia exequenda o montante total de € 380.045,01 (trezentos e oitenta mil e quarenta e cinco euros e um cêntimo) – certidões de dívidas e listagens a estas juntas, de fls. 72 a fls. 85 do PEF junto aos autos em suporte físico, bem como listagem a fls. 119 do PEF, cujo conteúdo se dá por reproduzido;

B) No dia 24/11/2004, foi registado o contrato de sociedade da firma V. – E. T. T., UNIPESSOAL, LDA, NIPC: …406, SEDE: Rua P. F. F., lote .. – Três, n.º.. – A, em Lisboa - certidão de registo comercial, junto de fls. 87 a fls. 89 do PEF junto aos autos em suporte físico;

C) Por deliberação de 08/11/2004 foram designados gerentes da empresa identificada na alínea B) N. A. e P. A. – citada certidão de registo comercial;

D) Em 05/01/2007, foi registada a renúncia de N A. à gerência da empresa identificada na alínea B) – citada certidão de registo comercial;

E) Em 09/02/2007, foi registada a seguinte alteração ao contrato de sociedade - citada certidão de registo comercial:

(…)

Insc. 3 – AP.4/20070209 10:50:27 – ALTERAÇÕES AO CONTRATO DE SOCIEDADE

FORMA DE OBRIGAR/ÓRGÃOS SOCIAIS

Forma de obrigar: com a assinatura de um gerente

(…)”

F) Em 04/05/2009, foi exarado, contra a ora Oponente e outros, projeto de reversão, pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Lisboa- 11, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e que, em parte, se transcreve - despacho junto a fls. 94 do PEF apenso aos autos em suporte físico:

“Em face das diligências que antecedem, nomeadamente da consulta à base de dados do cadastro de Activos Penhoráveis (CEAP) e ao Sistema Informático de Penhoras Automáticas (SIPA), verifica-se a inexistência de bens penhoráveis à executada V. E. T. T. UNIPESSOAL LDA. (NIPC: … 406) com a última sede conhecida em R. P. F. S. LT .. 3 – .. A. EM LISBOA.

Não havendo bens da devedora originária ora executada que respondam pelo pagamento da dívida, estão, pois, verificadas as condições previstas nos termos do n.º2 do art.º153.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), para o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários, de acordo com a legislação em vigor no momento do exercício do cargo e no momento de constituição da responsabilidade, revertendo assim contra estes a execução.

(…)

Assim, em face da informação que antecede e considerando os momentos da constituição da responsabilidade subsidiária, ao conjugar estes com a legislação então vigente verifica-se que é (são) (solidariamente) responsável(eis) pelo pagamento das dívidas discriminadas em anexo:

o T M. responde pelo pagamento de €380.070,23 relativo ao seu período de gerência.

o J. S. responde pelo pagamento de €380.070, 23 relativo aos seu período de gerência.

o J. V. responde pelo pagamento de €111.716,54 relativo ao seu período de gerência. (…)”

G) Em 04/05/2009, foi remetido à ora Oponente, pelo Serviço de Finanças de Lisboa-11, mediante correio registado o ofício “Notificação Audição-Prévia (Reversão)”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, com interesse para os autos, o seguinte - ofício junto a fls. 97 do PEF apenso aos autos em suporte físico e registo dos ctt com a referência RO 4985 8671 1 PT, de fls. 98 do PEF em suporte físico):

“(…)

OBJECTO E FUNÇÃO DA NOTIFICAÇÃO

Pela presente fica ciente de que, por despacho de 04/05/2009, determinei a preparação do processo para efeitos de reversão da(s) execução(ões) fiscal(ais) infra indicada(s) contra V. Ex.ª, na qualidade de Responsável Subsidiário.

Face ao disposto nos normativos do n.º 4 do Art. 23.º e Art. 60.º da Lei Geral Tributária, fica notificado(a) para, no prazo de 10 dias a contar da presente notificação, exercer o direito de audição prévia para efeitos de avaliação da prossecução ou não da reversão contra V. Ex.ª.

O direito de audição tem por objecto as dívidas exigidas no(s) processo(s) abaixo(s) discriminado(s) e deverá ser exercido no prazo acima indicado, e findo este ficará o respectivo direito precludido (…).

H) Em 25/05/2009, deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa-11, articulado escrito da ora oponente dirigida ao Chefe do Serviço de Finanças, relativa ao processo de execução fiscal …775 e apensos, em sede do qual esta exercia o seu direito de audição e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - requerimento de fls. 91 a fls. 106 e vinheta aposta do envelope constante de fls. 99 a fls. 105 do PEF apenso aos autos em suporte físico;

I) Em 30/10/2009, foi exarado despacho no processo de execução fiscal referido na alínea A) pelo Chefe de Finanças de Lisboa-11, ordenando a reversão da execução contra a ora Oponente, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, de onde consta, o seguinte - despacho, junto a fls. 121 do PEF apenso aos autos em suporte físico:

“De acordo com os elementos junto aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, verifica-se que:

- A executada originária V. – E. T. T., UNIPESSOAL, LDA. NIPC …406, não tem bens suscetíveis de penhora, na medida em que:

- Por consulta ao Cadastro Eletrónico de Ativos Penhoráveis, de fls. 43 a fls. 45 dos autos, verifica-se que não existem prédios, viaturas, outros valores e rendimentos em nome da executada originária;

- A fls, 24 dos autos, foi efetuada uma informação pela Equipa 21 da Divisão II, dos Serviços de Inspeção Tributária, que descreve a deslocação à sede da empresa V. – E. T. T., Unipessoal, Lda. Sita na R. P. F. F., Lte ...3-..ª, em 2007/01/09. Refere que as instalações se encontravam encerradas e segundo informações recolhidas numa empresa nas imediações a executada já não estaria a exercer actividade.

- De fls.8 a fls. 18, a ex – TOC da executada, a Sra. S. F., junta documentação que faz referência que as instalações tanto da executada V. Lda. Como da sua sócia V. S.A. estavam encerradas e que a contabilidade da executada se encontrava nas instalações da sócia V. S.A., tendo cessado a sua atividade de TOC em 2007/04/27 por falta de colaboração das executadas consubstanciada na não entrega atempada de documentação.

- A fls. 151, em declarações prestadas, a Sra. S. F., ex-TOC da executada declarou desconhecer a existência de bens da executada.

Assim, considera-se provada a inexistência de bens da devedora V., Lda, tendo as instalações da empresa sido encerradas nos primeiros meses do ano de 2007.

(…)

A contribuinte foi administradora da única sócia da devedora de 1999)06/08 a 19/03/2007, e alega nunca ter interferido na actuação da empresa devedora V. Lda; no entanto, a empresa foi constituída com a assinatura de T. M. (…), sendo que esta atuava em nome da única sócia V. SA e em representação desta, pelo que, ao contrário do alegado, a administração que exercia na V. SA era de facto e não somente de direito como declarou.

Segundo declarações do Sr. N. A., gerente nomeado da executada originária (…)uma das pessoas que lhe davam ordens e instruções era T. M.

Contactada a ex-Toc da executada (…), esta declarou (…) que tem detinha o poder sobre os desígnios da executada e quem definia a sua atuação eram os Srs. J. S. e T. M.. Refere que quem era responsável pelos pagamentos de IVA e demais impostos era a Sra T., que definia o que é que se pagava e a quem se pagava e era quem respondia a quase todas as questões a nível contabilístico que a ex-Toc pudesse ter.

Atento o exposto, nos termos do art. 160.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), fundamentada pela inexistência de bens da devedora originária, nos termos do art. 23 e 24 da LGT, REVERTO contra a responsável subsidiária T. M. (…) a dívida exigida nos presentes processos de execução fiscal, conforme discriminação em anexo, no valor de €380.045,01. (…)”

J) Em 30/10/2009, foi emitido pelo Serviço de Finanças de Lisboa -11 ofício “Citação (Reversão)”, referente ao processo de execução n.º …775 e apensos, dirigido à oponente T. M., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual se lê o seguinte, que em parte se transcreve - ofício junto a fls. 125 do PEF apenso aos autos em suporte físico:

(…)

OBJECTO E FUNÇÃO DO MANDADO DE CITAÇÃO

Pelo presente fica citado(a) de que é EXECUTADO(A) POR REVERSÃO, nos termos do artigo 160.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) a contar desta citação, PAGAR a quantia exequenda de 380.045,01 EUR de que era devedor(a) o(a) executado(a) infra indicado(a), ficando ciente de que nos termos do n.º 5 do artigo 23.º da Lei Geral Tributária (LGT), se o pagamento se verificar no prazo acima referido não lhe serão exigidos juros de mora nem custas. Tribunal Tributário de Lisboa

Mais, fica CITADO de que, no mesmo prazo, poderá requerer o PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES, nos termos do artigo 196.º do CPPT, e/ou a DAÇÃO EM PAGAMENTO, nos termos do artigo 201.º do mesmo código, ou então deduzir OPOSIÇÃO JUDICIAL com base nos fundamentos prescritos no artigo 204.º do CPPT.

(…)

FUNDAMENTOS DA REVERSÃO

Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23.º/n.º2 da LGT).

Conforme despacho de reversão do qual se junta cópia. (…)”;

K) S. F. cessou as suas funções como Técnica Oficial de Contas da devedora originária em 27/04/2007 - termo de declarações constante de fls. 114 do PEF apenso aos autos em suporte físico.


***


A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não ficaram provados os seguintes factos:

1. P. A. renunciou à gerência em 02/04/2007;

2. Nos períodos em que ocorreram os factos constitutivos dos créditos tributários de IVA dos anos de 2006 e 2007, e coimas tributárias respeitantes aos anos de 2008, ou nos períodos em que se verificou o seu prazo legal de pagamento, a ora oponente praticou actos de gestão, agindo em nome e representação da sociedade devedora originária, nomeadamente representando a sociedade junto de entidades públicas ou privadas, assinando declarações de impostos ou recepcionando correspondência fiscal, contratando com fornecedores ou pessoal.”


***


Mais resulta da decisão recorrida que a motivação da decisão da matéria de facto, assentou no seguinte:

“A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame crítico dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme é especificado nos vários pontos da matéria de facto provada.

O facto não provado constante do ponto 1 supra decorreu da circunstância de não constar da certidão de registo comercial, constante de fls. a fls. 87 a fls. 89 do PEF apenso aos autos em suporte físico, a alegada renúncia à gerência por parte de P. A.

Quanto ao facto não provado fixado no ponto 2 supra, resultou a convicção do Tribunal da não existência de qualquer suporte documental donde se possa retirar a ilação da gerência de facto por parte da oponente, nos períodos a que respeitam as dívidas tributárias em questão.

Isto é, não constam dos autos quaisquer documentos, nomeadamente contratos, declarações de impostos ou outros, relacionados com a actividade da executada originária, que se encontrem assinados pela ora Oponente, sendo certo que era à administração fiscal que competia reunir essa prova documental (prova essa que, de acordo com a jurisprudência pacífica existente nesta matéria, terá que ser contemporânea do despacho de reversão).

A Fazenda Pública fundamenta a sua decisão de reverter as dívidas em causa contra a ora oponente nas declarações prestadas pelos outros revertidos (que negam a sua responsabilidade subsidiária e imputam a respectiva responsabilidade aos ora Oponentes) e à ex TOC da devedora originária, S. F., que afirma, no termo de declarações constante de fls. 114 a 116 do PEF apenso aos autos em suporte físico, que quem exercia as funções de gerente/administrador da devedora originária eram J. S. e T. M.

No entanto, tais declarações, por si só, desacompanhadas de outros elementos, que as corroborem, revelam-se insuficientes para produzir uma prova cabal dos actos de gerência concretamente praticados pela Oponente e do período em que tais alegados actos foram efectivamente praticados (períodos esse que nem sequer constam do despacho de reversão).

Verifica-se que no período tributário do pagamento de dívida de IVA de 2007, bem como no período tributário em que ocorreram as infracções que motivaram as coimas (2008), a TOC da devedora originária já nem estava ao seu serviço, tendo cessado as suas funções em 27/04/2007, o que enfraquece o seu depoimento.

Também N. A., gerente nomeado da devedora originária, que no âmbito das declarações prestadas no âmbito do processo de execução fiscal (fls. 402 e 403 dos auto do sitaf), identificou a ora oponente como uma das pessoas que lhe dava ordens e instruções, já não exercia o cargo de gerente na devedora originária no referido período.

Assim e, pelos motivos, supra enunciados, não se inquiriram, de novo, as referidas testemunhas no Tribunal, constando o seu depoimento escrito do PEF, apenso aos autos.

Resta, assim, concluir que, não tendo a Fazenda Pública reunido e coligido elementos suficientes que permitam fazer a prova da gerência de facto, por parte da oponente, nos períodos em apreço, o referido facto foi dado como não provado.”


***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

L) A 17 de abril de 2009, foi emitido escrito denominado de “termo de declarações”, do qual resulta que N. A. prestou declarações com o teor que infra se descreve:



Imagens: originais nos autos



(cfr. docs com a referência 003757710 na plataforma SITAF, a fls. 396 a 416);

M) A 29 de outubro de 2009, foi emitido escrito denominado de “termo de declarações”, do qual resulta que S. F. prestou declarações com o teor que infra se descreve:

Imagens: originais nos autos

(cfr. docs com a referência 003757710 na plataforma SITAF, a fls. 396 a 416);

N) A 08 de março de 2010, foi emitido escrito denominado de “termo de declarações”, com o teor que infra se descreve:

“T. M., contribuinte …999, vem juntar documentos que põem em causa o crime de falsas declarações, cujo crime é público, a fls 160 e 161 do processo …775, juntando para o efeito prova bastante que a técnica oficial de contas a Srª D. S.F., TOC, reportava directamente ao gerentes da V. T. T., Sr. P. G. e N. A., conforme documentos n°s 1, 2 e 3 onde é referido expressamente pedidos de regularizações relativos a Modelos 10, com datas de 19/02/2007, que terão sido entregues pessoalmente, pensa a declarante, não se encontrava a trabalhar na V. SA, portanto não podendo as mesmas ter sido entregues e resolvidas pela mesma. A docs 3, 4, 5 e 6 vem juntar prova que a Srª D. S. M. recebia avença pelo trabalho que desempenhava na V. E. T. T., Unipessoal, Lda.

Mais declara que a Srª D. S. F. trabalhava em casa, conforme documento 7 e 8 que junta, em que a licença utilizada era B. C., C., Lda, empresa da mesma, sendo certo que esta nunca poderia ser utilizada nas instalações da V., SA.

Declara que todos os documentos juntos, entre outros, foram deixados pela Srª D. S. nas instalações da V., SA, na qual tinha um gabinete próprio e [autónomo.

Assim sendo, tendo em conta o crime de falsas declarações perante oficial, deverão os serviços participar para efeitos criminais.

Mais declara que junta prova deixada pelo Sr. N. A. e pelo Sr. P. A., nas instalações da V., SA que prova que eram os mesmos que sempre praticaram actos em nome da executada e sempre a representaram perante terceiros, conforme documento 9. Aliás, caso seja necessário, poderão sempre solicitar prova pericial das assinaturas inscritas.

Junta doc 10 original de um cheque, da sociedade executada, que se encontra anulado, onde consta expressamente a assinatura do Sr. N. A., com data de 31/10/2006.

Junta doc 11, no qual consta o currículo da empresa executada onde, conforme poderão ver a assinatura da declarante onde apenas e tão só consta da escritura da constituição da sociedade na qual nada consta da gerência da sócia V. [E. e B., SA na vida desta.

Junta doc 12 onde a fls 2, 3,5, 6, 19, 20, 23, 34, 38 e 39 onde constam actos de [gerência praticados pelos únicos gerentes da mesma.

Assim sendo, com todos os documentos ora juntos e informação prestada, aguarda que sejam desencadeados todos os meios processuais disponíveis, para que sejam despoletados os respectivos processos de reversão contra quem de facto e de [direito exerceu a gerência da sociedade executada, Sr. N. A. e pelo Sr. P. A..

Mais declara que todos os documentos juntos se encontravam nas instalações da V., SA, nos gabinetes respectivos, mais declara que se compromete a [proceder a entrega de mais documentos do mesmo teor em data oportuna, tendo em [conta que tem que verificar documento a documento.

Mais declara que veio agora mesmo a declarante do balcão do B. em [Telheiras, onde foi informada informalmente que a empresa executada tem conta aberta neste balcão e ainda no S. T..

Mais declara que acha estranha a posição da Administração Fiscal neste [processo, tendo em conta as posições contraditórias para factos idênticos, ou seja, no [despacho de fls a posição de ilibar o gerente N. A. terá como base uma inexigibilidade do pagamento por ocorrência do facto tributário ter acontecido posterior à sua saída da sociedade executada e no mesmo processo conforme “alegadamente” é referido no despacho de reversão de fls vem a Administração Fiscal tomar posição diferente no que concerne à declarante e que a mesma, por mera hipótese de raciocínio, desvinculou-se da sociedade V. SA em 19/03/2007 e ainda assim no despacho de reversão responde por pagamento do tributo que só era devido em Maio de 2007, não pode a declarante deixar de manifestar o seu desagrado pelo posição da Administração Fiscal. Ainda mais, refere desde já, que face ao princípio da culpa, não pode ser, os revertidos, sejam eles quem forem serem responsáveis pelas coimas que fazem parte do presente processo tendo em conta que à culpa não se pode aplicar o princípio da subsidiariedade. Pelo que, também nesta parte, a Administração Fiscal não procedeu como estava obrigada, ela própria não cumpriu o sistema normativo em vigor. Lisboa, 8 de Março de 2010

(cfr. doc. junto a fls. 133 e verso do PEF apenso);


***


III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, na parte atinente à decretada procedência da execução fiscal relativamente à Oponente T. m. e circunscrita as dívidas de IVA, do último trimestre de 2006 e primeiro trimestre de 2007, conformando-se com a sentenciada procedência e extinção das dívidas de coimas, transitando, por isso, em julgado quanto a esse segmento.

Mais importa relevar que, não tendo o Oponente coligado J. S., interposto recurso jurisdicional contra a sentenciada caducidade do direito de ação, e consequente absolvição da instância, a mesma consolidou-se na ordem jurídica.

Feito este introito, e delimitação da lide, há, desde logo, que ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Logo, atentas as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir se:

- O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, concretamente no atinente à factualidade não provada, na medida em que existe prova documental que permite, per se, dar como provado o facto contemplado em 2);

- Subsidiariamente, cumpre aferir se está precludida a possibilidade de análise e bondade da decretada dispensa de inquirição de testemunhas na medida em que não foi interposto recurso do despacho interlocutório;

- Ajuizando-se, em sentido negativo, importa aferir se o Tribunal a quo interpretou erroneamente a factualidade em contenda, e a própria extensão do ónus probatório, concluindo, com desacerto quanto à dispensa de inquirição de testemunhas, a qual era vital para a questão da ilegitimidade do responsável subsidiário, incorrendo, por conseguinte, em nulidade processual e deficit instrutório;

- Entendendo-se que o Tribunal a quo não incorreu no aduzido deficit instrutório, sendo, portanto, desnecessária a produção de prova testemunhal, se ocorre o apontado erro de julgamento no sentido de a Recorrida ter sido gerente de facto da sociedade devedora originária e, com base nesse julgamento, se deve ser revogada a sentença na medida em que, por virtude desse erro, conclui pela ilegitimidade daquela para contra si prosseguir a execução a que se opôs.

Vejamos, então.

Comecemos por aquilatar a questão atinente ao erro de julgamento de facto, concatenada com a supressão do facto não provado nº2, em ordem aos Termos de Declarações prestados, mormente, pela Técnica Oficial de Contas, e pelo gerente de direito juntos ao processo de execução fiscal apenso.

Com efeito, aduz a Recorrente que foi feita uma incorreta apreciação da prova produzida nos autos, concretamente dos aludidos termos de declarações os quais, per se, permitiam asseverar no sentido oposto e consignar essa realidade de facto como factualidade provada, na medida em que as aludidas declarações têm um conteúdo minimamente circunstanciado, relatando situações concretas ocorridas entre os intervenientes e a própria Oponente.

Vejamos, então.

Os Termos de Declarações convocados para efeitos de supressão da aludida factualidade não provada, e ora objeto de aditamento à matéria de facto, respeitam a termos de declarações prestados pela Técnica Oficial de Contas, S. F. e pelo gerente nomeado N. A..

No entanto, compulsado o teor dos mesmos e face, desde logo, à falta de circunscrição temporal da realidade de facto neles retratada e ao desacompanhamento de qualquer prova documental atinente ao efeito há, efetivamente, que considerar que os mesmos, por si só, são insuficientes para suprimir a aludida realidade de facto como não provada e considerar, ao invés, como factualidade provada.

Ademais, há que ter presente que a própria Oponente prestou termo de declarações com o teor descrito em N) da factualidade, ora, aditada, do qual se extrata a integral refutação do neles expendido, avançando, inclusivamente, com prova documental que diz juntar-embora não se encontre junta no PEF apenso- e que atestam, no seu juízo de entendimento, que os gerentes de facto da sociedade devedora originária eram N. A. e P. A..

Logo, por si só, tal documentação não permite suprimir o facto não provado nº2 e computá-lo como facto provado.

Questão diferente e também convocada pela Recorrente é se o Tribunal a quo poderia consignar tal realidade como factualidade não provada, quando julgou dispensável a prova testemunhal.

Mas, tal realidade já entronca no deficit instrutório e na própria ponderação e necessidade de produção de prova testemunhal, o que analisaremos, em sede própria.

Antes de aquilatarmos da bondade da dispensa de prova testemunhal, importa, previamente, dilucidar sobre a existência de uma irregularidade/nulidade processual, como sufragado pela Recorrente, porquanto encontramo-nos perante um ato suscetível de influenciar a decisão da causa.

Avançando, desde já, com resposta negativa.

Senão vejamos.

De harmonia com o consignado nos artigos 195.º e seguintes do CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.

De relevar, outrossim, que as mesmas se subdividem em nulidades principais e nulidades secundárias, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos.

Com efeito, as nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, estando, por seu turno, as nulidades secundárias/irregularidades incluídas na previsão geral do artigo 195.º CPC, cujo regime de arguição está sujeita ao contemplado no artigo 199.º CPC.

Atentando nos aludidos normativos, retira-se como, é bom de ver, que a dispensa de prova testemunhal não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, sendo certo que a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, subsume-se normativamente no artigo 195.º do CPC, pelo que configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no artigo 199.º CPC. (1)

No atinente ao alcance da expressão “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa”, visto que a lei não fornece uma definição para esse efeito, convoca-se o doutrinado por ALBERTO DOS REIS, o qual, a este propósito, tecia as seguintes considerações:“[o]s atos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, atos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram atos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela". (2)

Mais importa ter presente que “ [o]legislador em parte alguma esclarece quando é que se deve entender que a irregularidade cometida influiu no exame ou na decisão da causa, pelo que “só caso por caso a prudência e a ponderação dos juízes poderão resolver”– vide Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, 1982, pág. 109". (3)

Ora, tendo presente os considerandos supra, ter-se-á de concluir no sentido da improcedência da aludida arguição, e isto porque o ato de dispensa de prova testemunhal está na esfera decisória do Juiz do Tribunal a quo que, desde logo, pondera e decide em conformidade, donde, não pode ser entendido como um ato que tem de ser realizado obrigatoriamente.

Note-se que, no âmbito do processo judicial tributário compete ao Juiz avaliar, casuisticamente, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sempre tendo presente que a instrução tem por objeto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.

Assim, face a todo o exposto, improcede a arguida nulidade processual.

Aqui chegados, e para aquilatar da concreta necessidade de produção de prova testemunhal, há ainda, precedentemente, que aferir se, conforme aduzido pela Recorrida, se encontra precludida tal análise na medida em que não foi interposto recurso jurisdicional sobre o despacho interlocutório.

Mas, mais uma vez, não logra provimento tal alegação.

Com efeito, o facto de não ter sido interposto recurso do despacho interlocutório do despacho de dispensa de prova testemunhal não inviabiliza, per se, a apreciação do aduzido vício e concreto deficit instrutório.

Como doutrinado no Acórdão do STA, prolatado no âmbito do processo nº0289/11, de 16 de novembro de 2011: “[a]ntes do mais, poderíamos interrogarmo-nos se pode agora a Recorrente, que não interpôs recurso do despacho que dispensou a prova testemunhal, questionar em sede de recurso da sentença a falta da produção da prova testemunhal. Manifestamente, sim, não havendo sequer que averiguar aqui se aquele despacho é ou não necessário e se, a ser proferido, faz ou não caso julgado formal. (…) Por outro lado, o Tribunal de recurso sempre pode sindicar o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova em sede do recurso interposto da sentença. Aí, não só o impugnante ou a Fazenda Pública podem sustentar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o próprio tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa, anular a sentença oficiosamente (…)". (4)

Como já evidenciado anteriormente, a avaliação da prova testemunhal depende de uma apreciação casuística do Juiz, competindo, assim, ao mesmo aferir se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes em face das normas que regulamentam a admissibilidade desse meio de prova, e, em caso afirmativo, aquilatar da pertinência e acuidade da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, sendo que só é possível a sua dispensa caso a mesma seja manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária.

Aliás, tal é o que dimana do consignado no artigo 13.º, n.º 1, do CPPT segundo o qual “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.”

Aqui chegados, e uma vez que, nada obsta, como visto, à sindicância do deficit instrutório dimanante da dispensa da prova testemunhal, cumpre, então, aferir se a factualidade convocada pela Recorrente, em sede própria, era passível dessa prova, relevante para a decisão de mérito e não estava cabalmente comprovada mediante a prova documental, razão pela qual deveria ter sido ordenada a produção de prova testemunhal requerida pela Recorrente, acarretando o seu incumprimento deficit instrutório com a competente anulação da decisão recorrida.

Vejamos, então.

Sustenta a Recorrente que contestou a Oposição Judicial, arrolando como testemunhas, S. F., Técnica Oficial de Contas; e N. A. e P. A. enquanto gerentes de direito da sociedade devedora originária, os dois primeiros signatários dos Termos de Declarações juntos ao processo de execução fiscal e onde se afirma que as instruções, as ordens, a governação e as questões relativas ao dia a dia da sociedade devedora originária eram dadas e reportadas à Oponente.

Mais advogando, para o efeito, que não pode o Tribunal a quo exigir à AT a apresentação de elementos documentais, descurando a realidade vertida nos referidos termos do qual se atesta que os gerentes de direito se limitaram a assinar documentos por instrução e ordem da ora Oponente e por recearem o posto de trabalho, na medida em que era a Oponente quem dirigia os destinos económicos da sociedade devedora originária.

Dissente, por seu turno, a Recorrida que a prova testemunhal se afigura dispensável, na exata medida decretada pelo Tribunal a quo, na medida em que o ónus compete à AT e esta teve oportunidade de na contestação apresentar e avançar com os elementos necessários para satisfazer o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, em especial o efetivo exercício da gerência da devedora originária, o que não o fez, limitando-se a repetir o que do processo de execução fiscal já constava.

Vejamos, então, se nos encontramos perante o aduzido deficit instrutório.

Aqui chegados, revertendo tais considerações para o caso vertente, verifica-se que a ora Recorrente no final do articulado de contestação, arrolou três testemunhas, pretendendo com isso proceder à demonstração dos factos alegados, donde, reportados à gerência de facto da Recorrida.

Mais se constata que, foi prolatado despacho de dispensa de prova testemunhal por si requerida, o qual exprime o juízo feito sobre a necessidade e a adequação da prova requerida, no sentido de a mesma não ser necessária, por um lado, atenta a natureza das matérias controvertidas e à factualidade alegada, e por outro lado, porque os autos já contêm toda a documentação relevante para o efeito, convocando, outrossim, que a prova deverá ser consentânea do despacho de reversão.

Porém, não acompanhamos este juízo de entendimento, mediante confronto, por um lado, com a alegação da Recorrente e, por outro lado, face à fundamentação de direito constante na decisão recorrida.

Com efeito, ainda que se reconheça que a alegação da base factual em sede de contestação devesse ser mais clara e menos conclusiva, a verdade é que não podemos descurar que é feita uma expressa remissão para os Termos de Declarações, e para a factualidade neles vertida, por forma a demonstrar a gerência de facto. Logo, tal alegação remissiva, ainda que não represente a melhor técnica jurídica, permite que a prova testemunhal seja produzida mediante as asserções de facto neles constantes.

E por assim ser, atentando na realidade de facto expendida nos evidenciados Termos de Declarações retira-se, designadamente, o seguinte:

- O exercício das funções de gerente/administrador era realizado por J. M. e T. M.;

- O mentor das empresas era J. M., no entanto, a filha T. M. começou a ser mais ativa e interveniente na tomada de decisões, estando tal realidade de facto concatenada com a conclusão da licenciatura em direito;

- Os Senhores P. A. e N. A. foram convidados por J. M. para serem gerentes da sociedade, mas a aceitação deveu-se ao receio de perder o seu posto de trabalho, face ao vínculo laboral com a sociedade V., SA;

- Era T. M. quem definia o que é que se pagava e a quem;

- As assinaturas utilizadas para cheques e passwords para transferências bancárias (que eram mais frequentes) eram sempre dos Srs P. A. e N. A.;

- Apesar de T. M. seguir as indicações do seu pai, exercia autonomamente a gerência da empresa;

- T. M., evidenciou junto da Técnica Oficial de Contas que P. A. não mandava nada, advertindo-a no sentido de que era a própria quem dava ordens;

- N. A. declarou que recebia ordens de J. M. e T. M.;

- A admissão de pessoal e as compras e a decisão das mesmas estava a cargo de P. G..

Ora, atentando no supra expendido e contrariamente ao defendido pelo Tribunal a quo, tais alegações são de molde ao preenchimento dos pressupostos da reversão, pelo que dever-se-ia permitir que sobre os factos alegados pudessem recair os meios de prova, requeridos e destinados à comprovação do alegado.

Não assistindo, por conseguinte, razão à Recorrida quando advoga que a AT se limitou a repetir o que do processo de execução fiscal já constava, e que nada alegou e carreou aos autos em sede de contestação, porquanto, como visto, não traduz a realidade dos factos.

Com efeito, se a Recorrente alega tal factualidade e se a mesma é passível de produção de prova testemunhal então, não pode concluir-se pela dispensa e desnecessidade da produção da prova testemunhal requerida e depois asseverar-se tal factualidade como não provada.

Isto não significa, evidentemente, que tais depoimentos/declarações se revelem, em si mesmo, um elemento de prova inabalável e, por isso, necessariamente, certeiros e seguros. Até porque, como visto, existe um Termo de Declarações prestado pela Oponente, em sentido contrário, e que pode e deve ser valorado.

Mas a verdade é que, tendo sido prestadas tais declarações, tendo as mesmas sido alegadas e externadas enquanto fundamento de reversão no respetivo despacho de reversão, há que conceder à parte onerada com o ónus da prova a possibilidade de os esclarecer, substanciar no espaço e no tempo, e suprir quaisquer dúvidas.

Com efeito, não podemos perder de vista que as testemunhas que são arroladas são, precisamente, os visados declarantes, o que permite, sendo caso disso, esclarecer as diretrizes de atuação, de facto, da sociedade devedora originária.

Não podendo, sem mais, valorar-se a falta de junção de prova documental, mormente, inexistência de documentos com a assinatura da Recorrida, sem antes se aquilatar da premissa a montante, ou seja, quem, efetivamente, dava ordens e instruções e, por outro lado, asseverar da veracidade do alegado quanto à circunstância de, alegadamente, os gerentes de direito assinarem de cruz e sem qualquer animus atinente ao efeito, porquanto, em tese e como alegado pela Recorrente, poderá justificar a falta de suporte documental.

É certo que, como já se evidenciou, tais depoimentos poderão ser insuficientes ou mesmo assumir uma dúbia credibilidade, mas tal, sendo caso disso, deverá ser valorado enquanto tal pelo Juiz e ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, o que não pode é cercear-se a demonstração de tal prova quando a mesma, como visto, integra um dos fundamentos da reversão e contemporâneos do despacho que a legitima.

De relevar, in fine, que a própria Recorrente tem o direito à contra instância das testemunhas arroladas pela Oponente, sendo que dimana do teor do aludido articulado inicial que a mesma arrolou quatro testemunhas, as quais, natural e necessariamente, devem ser objeto de audição.

Sendo ainda de ressalvar, neste concreto particular, que sempre se imporá o esclarecimento do próprio teor das declarações prestadas pela Oponente, e aquilatar da prova documental que é feita expressa referência nas mesmas, a qual, como já evidenciado, não se encontra junta ao PEF apenso.

Conclui-se, assim, que não pode o Tribunal a quo prescindir da prova testemunhal e julgar não provada a gerência de facto da Oponente, ora, Recorrida.

E por assim ser, o supra aludido acarreta a existência de um deficit instrutório com a consequente anulação da decisão recorrida e a baixa dos autos para que seja produzida prova sobre os factos controvertidos alegados e que se reputam essenciais para a decisão a proferir.

Como tal, resulta prejudicada a apreciação dos demais fundamentos.


***




IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

CONCEDER PROVIMENTO ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância, para produção da prova testemunhal conforme acima se indica, e demais diligências instrutórias que se afigurem relevantes, e ulterior prolação de decisão.
Registe. Notifique.
Sem custas.


Lisboa, 20 de abril de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)
















1) Vide neste sentido, designadamente, Acórdão do STJ 02 de julho de 2015, processo nº 2641/13.7TTLSB.L1.S1, Ac. STJ 29 de janeiro de 2015, Proc. 531/11.7TVLSB.L1.S1 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de abril de 2018, processo nº 533/04.0TMBRGK6.1.
2) JOSÉ ALBERTO DOS REIS Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra Editora., pag. 486
3) Vide Aresto do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo nº 00545/08.4BEBRG, de 30 de novembro de 2011.
4) No mesmo sentido, vide, designadamente, Acórdãos do TCAS, proferidos nos processos nº 481/15, de 24.03.2022 e 923/10, de 23.04.2020.