Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07564/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/13/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA. ARTº.60, DA L.G.T.
PROCEDIMENTOS DE SEGUNDO GRAU. DISPENSA DO DIREITO DE AUDIÊNCIA (ARTº.60, Nº.3, DA L.G.T.).
PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE POSTERIOR À LIQUIDAÇÃO.
ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
CONCEITO DE RENDIMENTO TRIBUTÁRIO EM SEDE DE C.I.R.S. (CONCEPÇÃO DE RENDIMENTO-ACRÉSCIMO).
NOÇÃO DE MAIS-VALIA (CFR.ARTº.10, DO C.I.R.S.).
MAIS-VALIAS DERIVADAS DA ALIENAÇÃO ONEROSA DE PARTES SOCIAIS.
VALOR DE AQUISIÇÃO, A TÍTULO ONEROSO, DAS PARTES SOCIAIS.
TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA DAS MAIS-VALIAS.
Sumário:1. Consagra o artº.267, nº.5, da Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela lei constitucional nº.1/2001, o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou inicialmente este direito no artº.100, do C. P. Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91, de 15/11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no artº.60, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12 (cfr.artº.45, do C.P.P.T.).

2. O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita.

3. A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos consagrados no artº.60, nº.1, da Lei Geral Tributária, constitui um vício de procedimento susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr.artº.135, do C.P.Administrativo).

4. Nos procedimentos de segundo grau, de que são exemplo as reclamações e os recursos hierárquicos, sempre que não existam factos novos capazes de influenciar a decisão final e o contribuinte já tenha sido ouvido sobre a factualidade em discussão no procedimento anterior aos ditos reclamação ou recurso. Nestes casos, não haverá qualquer obstáculo à dispensa do direito de audiência, por ele ter sido já assegurado noutra fase do procedimento e não se verificarem alterações da situação factual. Trata-se de casos em que só em termos formais, relativamente a um procedimento parcelar, se pode falar em dispensa do direito de audiência, uma vez que ele foi assegurado e, não havendo alteração da situação de facto, deve considerar-se já exercido (cfr.artº.60, nº.3, da L.G.T, na redacção de natureza interpretativa introduzida pelo artº.13, nº.1, da Lei 16-A/2002, de 31/5).

5. A eventual ocorrência de vício de forma em momento posterior à efectivação da liquidação, consubstanciado na preterição do direito de audição no âmbito de procedimento gracioso de reclamação ou recurso hierárquico, não projecta efeitos anulatórios sobre aquele acto tributário de liquidação, antes podendo implicar a anulação da respectiva decisão de indeferimento da reclamação graciosa/recurso hierárquico. Face ao acto tributário de liquidação, tal vício de procedimento não surte quaisquer efeitos invalidantes, devendo antes visualizar-se como formalidade não essencial que em nada afectou os direitos de defesa do impugnante.

6. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.

7. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.

8. A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.).

9. Especificamente, no que se refere às mais-valias derivadas da alienação onerosa de partes sociais, estavam as mesmas consagradas, em 1999, no artº.10, nº.1, al.b), do C.I.R.S., mais estando a forma de cálculo do ganho sujeito a imposto prevista no nº.4, al.a), do mesmo preceito (cfr.artº.45, nº.1, al.b), do C.I.R.S.). Por último, a tributação do saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias apuradas na transmissão onerosa de partes sociais era feita, autonomamente, à taxa liberatória de 10%, tal como dispunha o artº.75, nº.1, do C.I.R.S., ressalvando-se o caso do titular do rendimento optar pelo respectivo englobamento (cfr.artº.75, nº.2, do C.I.R.S.).

10. Já de acordo com o artº.45, nº.1, al.b), do C.I.R.S., o valor de aquisição a título oneroso das partes sociais, tratando-se de quotas ou outros valores mobiliários não cotados em bolsa (como acontece no caso "sub judice"), deve ser, em primeira linha, o custo real documentalmente provado. Não havendo possibilidade de prova documental do mesmo valor de aquisição, deve atender-se ao valor nominal dos bens em causa. A este valor de aquisição deveria acrescer as despesas inerentes à alienação, quando existentes (cfr. artº.48, al.b), do C.I.R.S.).

11. Deve, ainda, fazer-se referência à possibilidade da D.G.I. proceder à determinação do valor da alienação dos bens mobiliários em causa, quando haja divergência fundada de valores entre o declarado e o real da transmissão, nos termos do então artº.50, do C.I.R.S. (cfr.actual artº.52, do C.I.R.S.).

12. Recorde-se que a sujeição a tributação autónoma de tais rendimentos implica que cada acto de transmissão de parte social se considere um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável na cédula de I.R.S. no fim do ano fiscal respectivo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
JOSÉ …………….. E MARIA ……………………, com os demais sinais dos autos, deduziram recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.125 a 151 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação intentada pelos recorrentes tendo por objecto uma liquidação oficiosa de I.R.S. e juros compensatórios, relativa ao ano de 1999 e no montante total de € 46.930,19.
X
Os recorrentes terminam as alegações (cfr.fls.172 a 184 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Os recorrentes por discordarem da liquidação do IRS do ano de 1999, a qual foi promovida oficiosamente pelo Fisco, impugnaram o seu valor, cuja impugnação Judicial foi considerada totalmente improcedente;
2-Com o presente recurso os recorrentes pretendem ver reanalisados os fundamentos ou os vícios ali invocados, com os quais não lograram convencer o Sr. Dr. Juiz "a quo";
3-Um desses fundamentos foi a omissão ou preterição de uma formalidade essencial ocorrida no procedimento tributário de recurso hierárquico, consubstanciado na sonegação do direito do exercício de audição prévia imediatamente antes da decisão proferida naquele R.H. e que afecta irremediavelmente a decisão que nele foi tomada e, consequentemente, a liquidação impugnada;
4-Um outro fundamento prende-se com o valor que fiscalmente deve ser atribuído a uma cessão de quotas e no caso de divergência entre o valor do contribuinte e o valor adoptado pelo Fisco, como deve ser a mesma resolvida;
5-Para os recorrentes o valor unitário da cessão de quotas por estes transmitidas devem corresponder aos valores nominais das cessões, ou seja, os valores a declarar fiscalmente, como sendo o valor de realização, são os montantes pelos quais as quotas foram alienadas;
6-Por, neste caso, ainda serem superiores aos valores que resultam dos valores apurados com base no último balanço, devidamente aprovado;
7-Daí que a teoria peregrina defendida pelo Fisco e que foi acolhida pela sentença recorrida não seja legal e adequada a tributação em causa, por tal valor não resultar expressamente da legislação fiscal que regula aquela matéria;
8-Sob pena de serem violados conjugadamente o Art.° 10; o Art.° 42; o Art.° 45; o Art.° 50, entre outros, todos do CIRS, na redacção à data do facto tributário;
9-Assim, nestes termos, e nos demais de direito que V.as Ex.as doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado procedente e provado e por via dele ser revogada a decisão recorrida, com as legais consequências.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.204 a 206 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.129 a 142 dos autos - numeração nossa):
1-A Administração Fiscal procedeu a inspecção aos impugnantes e elaborou o relatório de inspecção de fls. 51 e segs. do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido e donde resulta com interesse para a decisão:
"(...)
I- Identificação do Sujeito Passivo
Nome: José ……………………….
NIF: ………..
Sede: Av. …………….., n°52 - 2° Esq°. …….. L………..
Serviço Local de Finanças: Lisboa 8 - 3107
Actividade: Actividades Auxiliares de Seguros - CAE 067200
(...)
2. Neste relatório são mencionados os valores em escudos por ser essa a moeda em que se encontram expressos os documentos analisados.
Na parte relativa a correcções foram as mesmas expressas em escudos e euros.
(...)
II - Objectivos, Âmbito e Extensão da Acção Inspectiva
A - Credencial e Período Em Que Decorreu a Acção
A acção de inspecção interna ao sujeito passivo foi efectuada em cumprimento da Ordem de Serviço 28 252, com despacho de 11 de Julho de 2003, para o ano de 1999.
B - Motivo, Âmbito e Incidência Temporal
A ordem de serviço tem âmbito parcial (IRS) nos termos do artigo 14° n°1 alínea b) do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) e incide sobre o ano de l 999, nos termos do n° 3 do referido artigo 14°.
No decurso da acção inspectiva à empresa "B………., Sociedade ………, Lda. ", da qual era sócio, apurou-se que o sujeito passivo transmitiu a quota que possuía, não tendo procedido à entrega do anexo G - Mais- Valias, da declaração de rendimentos Modelo 3 do exercício de 1999.
III - Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável
1. Por escritura pública de 01 de Julho de 1999 do 2. ° Cartório Notarial de Lisboa (em anexo 1), os únicos sócios e detentores em partes iguais de 100% do capital social no valor de 585.000.000$00 da firma "B………. - Sociedade ………, Lda. ", Sr. José ……………. - NIF ………. e Sr. Francisco …………… - NIF ………, procederam, ambos e de igual modo, à divisão da quota de cada um, no valor nominal de 292.500.000$00, em duas novas quotas, no valor nominal de 102.375.000$00, que cederam pelo preço de 189.927.494$00 afirma "ES ……. - Sociedade ………., SA" - NIPC ………., e outra no valor nominal de 190.125.000$00, que cederam pelo preço simbólico de 1.000$00 à firma "I………… - Gestão …………………., SA" - NIPC ………………..
2. Estamos em presença de duas operações efectuadas na mesma escritura, em idênticas condições e em idêntico espaço temporal, isto é, uma operação de cisão da quota unitária de cada sócio em duas novas quotas de valor nominal distinto, e simultaneamente, uma operação da cessão das quotas cindidas a favor de duas novas entidades, que passam a deter a totalidade do capital social da firma "B………….. - Sociedade ……………, Lda. ", assim repartido:
• A firma "ES …….. - Sociedade ………………, SA", passou a deter duas quotas de 102.375.000$00 perfazendo o total de 204.750.000$00, que representam 35% do capital social da "B………… - Sociedade ……….., Lda. ".
• A firma "I………… - Gestão …………., SA", passou a deter duas quotas de 190.125.000$00 perfazendo o total de 380.250.000$00, que representam 65% do capital social da "B……….. - Sociedade ……….., Lda.".
3. Relativamente à segunda operação - cessão das quotas cindidas a favor de duas novas entidades, que passam a deter a totalidade do capital social da firma "B………. - Sociedade ………, Lda.", apuram-se os seguintes factos:
3.1. A alienação onerosa das quotas à firma "ES ……..L - Sociedade …………., SA", constitui rendimento de mais - valias mobiliárias (Categoria G do CIRS), na esfera patrimonial de cada um dos sócios cedentes, nos termos do artigo 10° n°1 alínea b) do CIRS.
3.2. A alienação onerosa das quotas à firma "I…….. - Gestão e ………….., SA", pressuporia a assunção de menos - valias mobiliárias no valor de 190.124.000$00, na esfera patrimonial de cada um dos sócios cedentes.
4. No entanto e para efeitos fiscais, a cedência das quotas no valor nominal de 190.125.000300 cada uma, à firma "I……….. - Gestão ……………, SA", pelo valor simbólico de 1.000$00 cada, pretende concretizar a realização de um negócio jurídico, com clara intenção de elidir a tributação em sede de IRS na esfera patrimonial de cada um dos sócios cedentes, anulando a mais-valia obtida na alienação onerosa das quotas à firma "ES ………. - Sociedade ……………, SA", pelas razões que a seguir se invocam:
4.1. As alienações referidas são efectuadas na mesma escritura, em idêntico espaço temporal e em idênticas condições e circunstâncias, não se percebendo porque razão quotas representativas da mesma realidade empresarial, são transmitidas onerosamente por valores diametralmente opostos.
4.2. À data da realização da escritura de aquisição das quotas, a firma "A………… - Agrupamento de …………………., SA" (empresa participada pela "I……….., SA"), e o Banco ………. (detentor do capital da "ES …….."), através dos representantes, intervinham na gestão corrente da "B………….", sendo a primeira, o seu maior fornecedor de mercadorias, e o segundo, o seu maior credor financeiro, por via dos empréstimos concedidos.
4.3. Através da escritura pública (em anexo 1), a principal beneficiária da aquisição das quotas, "I…………… - Gestão ………….., SA", passaria a deter maioria (65%) do capital social da "B………..", pagando por isso o valor simbólico de 2.000$00.
Não podendo a mesma realidade tributária (alienação de quotas) ter tratamento jurídico à medida dos interesses individuais dos intervenientes no negócio, a menos-valia de 190.124.000$00 apurada na cedência das quotas à firma "I……… - Gestão ………….., SA", (cujo valor de realização constante na escritura é 1.000$00), não será considerada para efeitos de tributação em sede de IRS, na esfera patrimonial dos sócios cedentes. O valor de realização considerado para efeitos fiscais, é nos termos do artigo 50, n.° 1 a n.° 3 do CIRS, o valor nominal das quotas em questão, isto é, o valor de balanço de 190.125.000$00.
Resulta pois que nesta operação se apura um resultado nulo para apuramento de mais valias (valor de aquisição = valor de realização).
6. Para efeitos de tributação em sede de IRS - Categoria G, e na esfera patrimonial do sujeito passivo em análise, a mais-valia obtida na cedência de quotas à firma "ES ……….. - Sociedade ……………., SA", é de 77.068.173$00, que resulta dos seguintes pressupostos:
6.1. Os rendimentos obtidos com a cedência de quotas, adquiridas anteriormente à entrada em vigor do CIRS, não são, nos termos do n. ° 1 do art. ° 5. ° do Decreto-Lei n. ° 442-A/88, de 30 de Novembro, tributados em IRS. As quotas adquiridas e transmitidas posteriormente àquela data estão sujeitas a tributação de acordo com o disposto na alínea b) do n.° 1 do art.° 10° do CIRS.
Deste modo os valores sujeitos a IRS resultam apenas dos aumentos de capital verificados entre 1 de Janeiro de 1989 e 1 de Julho de 1999. Os valores de aquisição e realização considerados para efeitos de tributação, definidos nos artigos 45° e 42° do CIRS respectivamente, foram calculados com base na proporção do valor das quotas detidas antes e após 1 de Janeiro de 1989.
6.2. O capital social da "B……….." adquirido antes de 01/01/1989 (i.e., antes da entrada em vigor do C.I.R.S.), era de 105.000.000$00, dividido em quotas iguais de 35.000.000$00, pelos sócios José …………., Francisco ………… e António …………….. Posteriormente a 1989, e por sucessivos aumentos do capital social da sociedade, este foi sendo alterado atingindo o valor de 585.000.000$00 à data de realização da escritura acima referenciada.
Do exposto nos pontos 6.1. e 6.2. e para efeitos de determinação da mais-valia sujeita a tributação, de acordo com o estipulado no artigo 41° do CIRS, procedeu-se ao seguinte apuramento de valores:

Valor da quota cindida a 01/01/1989 - 35%
12.250.000
(a)
Valor nominal das quotas em 01/07/1999
292.500.000
(b)
Valor da quota cindida a 01/07/1999 - 35%
102.375.000
(c)
Valor Aquisição da Quota Para Cálculo da Mais Valia
90.125.000
(d)
% V. Aquisição p/ Mais Valias no V. Aquisição Total
88,03%
(e)
Valor de Realização da Quota
189.927.494
(f)
Valor de Realização da Quota Para Cálculo da Mais Valia
167.193.173
(g)
Notas:
(a) Valor que resulta da cisão de quotas efectuada na escritura de 1 de Julho de 1999: 35.000.000$00*35%.
(b) Valor nominal da quota após sucessivos aumentos de capital.
(c) Valor que resulta da cisão de quotas efectuada na escritura de 1 de Julho de 1999: 292.500.000$00*35%.
(d) Valor nominal da quota correspondente aos aumentos de capital posteriores a 1 de Janeiro de 1989.
(e) Proporção do valor nominal da quota correspondente aos aumentos de capital posteriores a 1 de Janeiro de 1989, no valor nominal total da quota.
(f) Valor de realização da quota constante na escritura de 1 de Julho de 1999.
(g) Valor de realização da quota correspondente aos aumentos de capital posteriores a 1 de Janeiro de 1989.
Com base nestes valores procede-se agora ao apuramento da mais valia, nos termos do artigo 10, n°4, alínea a) do CIRS:
Cálculo da mais - valia a tributar:
MV/mv = VR - (VA + DAL)

Em que:
MV = mais valia
mv = menos valia
VR = valor de realização
VA = valor de aquisição
DAL = despesas com a alienação

Desta forma, o valor da mais-valia considerada para efeitos de tributação é:

Valores em Escudos Valores em Euros
Mais Valia
Valor Realização
Valor Aquisição
Despesas c/ Alienação
77.068.173,00
167.193.173,00 90.125.000,00
0,00
384.414,43 833.956,03
449.541,60
0,00

A tributação do saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias apuradas na transmissão onerosa de partes sociais, é feita autonomamente à taxa Liberatória de 10%, tal como dispõe o n.º1 do artigo 75 do CIRS. Note-se que o n.°2 deste mesmo artigo refere que esta taxa libera da obrigação do imposto, salvo quando o titular do rendimento optar pelo respectivo englobamento.
O imposto em falta para efeitos de IRS é de: € 38.441,44 (7.706.817$00)
(...)
VII - Infracções Verificadas
Conforme factos descritos no capítulo IIl deste relatório, o sujeito passivo não declarou mais valias no valor de 38.441,44 €, resultando imposto em falta de 38.441,44 €.
Estas infracções encontram-se previstas e são punidas nos termos dos artigos 32 n°3 e n°5 e 34 n°. 1 e n°. 5 do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (RGIFNA).
VIII - Direito de Audição – Fundamentação
O sujeito passivo foi notificado por estes serviços (documento com número de saída 11401 de 21 de Julho de 2003 em anexo 2), do projecto de relatório, para exercício do direito de audição nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária e Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária.
Não tendo sido exercido o direito de audição no prazo fixado de 15 dias, mantêm-se inalteradas as correcções propostas no Projecto de Relatório de Inspecção Tributária.
IIX - Propostas
Em face do exposto neste relatório propõe-se a correcção em IRS do valor de 38.441,44 € (imposto em falta), resultante do apuramento de mais valias no valor de 384.414,43 € (tributadas autonomamente à taxa de 10%).
Lisboa, 11 de Agosto de 2003
(...)"
2-Sobre o relatório a que se refere o número anterior recaiu o despacho de concordância de fls.50 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
3-Em 22/10/2003, a Administração Fiscal emitiu a liquidação oficiosa de IRS referente ao ano de 1999 (cfr.documento junto a fls.30 dos presentes autos);
4-O prazo de pagamento voluntário terminou em 10/12/2003 (cfr.documento junto a fls.30 dos presentes autos);
5-Em 5/03/2004, os ora impugnantes apresentaram reclamação graciosa contra a liquidação mencionada no nº.3 (cfr.documento junto a fls.2 a 23 do processo administrativo apenso);
6-Na reclamação graciosa a que se refere o número anterior foi prestada a informação de fls.117 a 126, do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida e donde resulta com interesse para a decisão:
"(...)
d) Do Mérito
6. Conforme relatório dos Serviços de Inspecção, efectivamente confirmam-se os factos enunciados pelo sujeito passivo verificando-se o seguinte:
7. Os dois sócios da empresa "B……….., Sociedade …………., Lda", Sr. José …………… (ora reclamante) e Sr. Francisco ………………, procederam à divisão da quota de cada um, no valor nominal de 292.500.000$00, em duas novas quotas. Uma no valor nominal de 102.375.000$00, cedida pelo preço de 189.927.494$00 à firma "ES ……..- Sociedade ……….., SA", e outra no valor nominal de 190.125.000$00, cedida pelo preço simbólico de 1.000$00 à firma "I………….- Gestão ……………….., SA".
8. Ou seja, ambas as alienações são efectuadas na mesma escritura, em idêntico espaço temporal e em idênticas condições e circunstâncias, não se percebendo porque razão quotas representativas da mesma realidade empresarial, são transmitidas onerosamente por valores diametralmente opostos.
9. Acresce ainda o facto de que, à data da realização da escritura de aquisição das quotas, afirma "A…………..- Agrupamento ……………….., SA", empresa participada pela "I……………..- Gestão e ………………….., SA", intervinha na gestão corrente da "B…………..".
10. Assim, resulta do exposto não nos faltarem razões para se considerar fundada a existência de divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, pelo que somos de concordar com os Serviços de Inspecção quanto à aplicação do disposto no actual n.º1 do art. ° 52 do CIRS.
11. Contudo, tendo aqueles Serviços aplicado o disposto na alínea b) do n.º 2 do art. ° 52 do CIRS, e consequentemente considerado como valor de realização para efeitos fiscais o valor nominal das quotas em questão, vem o sujeito passivo alegar estarmos perante um vício que conduz à ilegalidade do acto praticado uma vez que o artigo em causa não prevê a utilização do critério utilizado, ou seja, valor de realização igual ao valor nominal da quota.
12. Perante tal alegação, cumpre-nos esclarecer alguns factores.
13. Conforme disposto na alínea b) do n. ° 2 do art. ° 52 do CIRS, "não estando cotados em bolsa de valores, o valor da alienação é o que lhe corresponder, apurado com base no último balanço", o que, numa primeira análise, nos levaria a concordar com o sujeito passivo.
Ou seja, a ser aplicado o disposto no n.º1 do art. ° 52 do CIRS, o valor a ser considerado como valor de realização deveria ser o valor apurado com base no último balanço e não o valor nominal das quotas.
14. Acontece porém que, cfr. António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues em "Elementos de Contabilidade Geral", 12a edição, editora Rei dos Livros e Plano Oficial de Contabilidade, a conta 51- Capital, no caso das sociedades, respeita ao capital nominal subscrito.
É uma conta do Balanço que, no caso das sociedades, representa o valor das partes sociais ou das acções.
Credita-se pelo capital nominal subscrito e ainda pelos aumentos de capital que entretanto ocorram; debita-se pelas reduções de capital.
15. Do exposto conclui-se que o valor nominal a que os Serviços da Inspecção se referem ao longo do seu relatório, corresponde ao valor de balanço.
16. Como reforço deste entendimento verifica-se que, na penúltima frase do ponto 5 do relatório dos Serviços de Inspecção, a fls. 57 dos autos, consta o seguinte:
"O valor de realização considerado para efeitos fiscais é, nos termos do art. ° 50 n.º1 a n.° 3 do CIRS, o valor nominal das contas em questão, isto é, o valor de balanço de 190.125.000$00".
17. Deste modo fica comprovado que quando aqueles Serviços falam de valor nominal, estão a referir-se ao valor de balanço, e quanto a este último não há qualquer dúvida que se enquadra no disposto na alínea b) do art. ° 50 do CIRS (actual art. ° 52 do mesmo Diploma).
18. Parece-nos, no entanto, que todo o exposto é do conhecimento do sujeito passivo, ou não viria o mesmo alegar que o capital próprio da empresa era negativo em mais de um milhão de contos.
19. Não obstante o supra mencionado, e tomando em consideração a referida alegação, verifica-se que o reclamante nada junta aos autos que nos permita aferir da veracidade da mesma.
20. É de notar que cabe à reclamante o ónus da prova, art.° 74° da LGT, pelo que face aos elementos disponíveis, constata-se que os mesmos são insuficientes para verificar a veracidade dos valores em causa.
21. Acrescentamos no entanto que, da acção de inspecção à "B……….., Sociedade ………., Lda.", relativamente ao exercício de 1999, resultaram correcções que deram origem ao apuramento de lucro tributável.
Mais precisamente, verifica-se que, c/r. prints informáticos a fls. 97 e 98, a empresa havia declarado um prejuízo no valor de 8.694.235,13 € que, após correcções dos Serviços de Inspecção Tributária, passou a um lucro tributável no valor de 248.729,36 €.
22. Do exposto constata-se que a contabilidade daquela empresa não nos oferece qualquer segurança no que respeita à realidade que possa espelhar, e tendo em conta as correcções dos Serviços de Inspecção pode levar-nos a concluir que a alegação do sujeito passivo ao afirmar que o capital próprio da empresa era negativo em mais de um milhão de contos não será verdadeira.
III - CONCLUSÃO
Atendendo aos diversos factores apontados, nomeadamente a discrepância de valores pelos quais foram vendidas as duas quotas do sujeito passivo, foi correctamente aplicado o disposto no n.° 1 do art.° 52 do CIRS.
Do mesmo modo, tal como foi demonstrado, também foi correctamente considerado como valor da alienação de uma das quotas o valor nominal da mesma, que na realidade corresponde ao seu valor apurado com base no último balanço, alínea b) do n.° 2 do art.° 52 CIRS.
Assim, face ao exposto, e atendendo ainda ao facto de o contribuinte não fazer prova de que o valor considerado pelos Serviços de Inspecção como valor da alienação não corresponde à realidade, uma vez que alega que o capital próprio era negativo, somos de parecer que a presente reclamação deverá ser INDEFERIDA.
IV- INFORMAÇÃO SUCINTA
Realizada a instrução do processo, foi elaborado o projecto de decisão o qual foi comunicado à reclamante através do oficio n.° 11962 de 15/02/2006. Mediante esse oficio, a reclamante foi notificada para exercer, no prazo de 15 dias, o direito de audição previsto no art.° 60° da LGT.

Direito esse que exerceu através de petição que deu entrada no dia 02 de Março de 2006, fls. 109 a 116, onde manifestou a sua discordância face à proposta de indeferimento da reclamação, alegando:
1. Vício de ilegalidade por se pretender decidir com fundamentação expressa baseada no actual n.° 2 do art.° 52° do CIRS.
2. A não fundamentação, por parte da inspecção tributária, da conclusão expressa no segundo parágrafo do parecer, e que mereceu concordância do senhor chefe de divisão "...porquanto se acabou de concluir que a contabilidade da sociedade não demonstra de forma credível a sua situação patrimonial e tributária", pois qualquer correcção técnica e/ou tributação indirecta num determinado exercício não implica o não cumprimento das regras do art.° 52 do CIRS.
3. Que para efeitos fiscais não só no CIRS, mas também no art.° 77° CIMSISSD e art.° 15° do CIS, a expressão "Apurado com base no último balanço", não é sinónimo de "Valor nominal da quota".
4. Que o art.° 52° do CIRS é claro e insusceptível de outras interpretações, conforme se pode ver nos comentários a este artigo e que a seguir se transcreve, constantes no CIRS emitido pela DGCI e distribuído a todos os seus técnicos:
"Nestes termos, entendeu o legislador salvaguardar, a par dos interesses do erário público, as garantias dos contribuintes, circunscrevendo, em termos muito claros, quais os pressupostos a que deve obedecer a actuação da Administração Fiscal nas referidas situações ".
5. Quanto ao ónus da prova, art.° 74° da LGT, entende ter ficado mais que provado o vício de ilegalidade na interpretação dada ao art.° 52° do CIRS; interpretação da qual reclama.
6. Que a Administração Fiscal não se manifestou sobre o interesse económico da transacção.

Apreciação do direito de audição

Da leitura atenta do n.° 3 do art.° 52° do CIRS, constata-se que este não se encontra dissociado dos n °s anteriores (1 e 2) dado que refere
- "Na mesma situação referida nos números anteriores... " (divergência de valores de alienação de acções ou outros valores mobiliários) - vindo mesmo a considerar como valor de alienação das quotas sociais o valor apurado com base no último balanço, em semelhança ao das acções ou valores mobiliários quando não cotados em bolsa (alínea b) do n.° 2 do citado artigo), pelo que não se verifica qualquer ilegalidade.
No que concerne à conclusão de que a contabilidade da sociedade não demonstra de forma credível a sua situação patrimonial e tributária, levando o reclamante a solicitar a legislação que lhe esteve subjacente e em qual dos n.°s do art.° 52° se baseou para esta conclusão, referimos:
- O conhecimento por parte da Administração de toda a situação tributária do contribuinte, nomeadamente as acções inspectivas a que foi sujeito, bem como o resultado das mesmas.
- Que o art.° 52° faz parte de um conjunto de artigos que constituem o CIRS (conjunto de normas ou leis relativas a uma matéria específica), e aquele, isolado, não tem qualquer aplicação prática.
- A correcção efectuada pela inspecção Tributária originou alteração ao valor do balanço apresentado/declarado.
- Quotas, referentes à mesma realidade empresarial, alienadas por valores diametralmente opostos.

Não se entendendo assim a alegação do reclamante de que as regras do art. ° 52° não foram cumpridas. Parece-nos que pelo entendimento do reclamante nunca se justificaria o n.° 1 do mesmo art.° que diz: "quando a Direcção Geral dos Impostos considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, tem a faculdade de proceder à respectiva determinação".
No Código do IRS, emitido pela DGCI, que o reclamante afirma ter sido distribuído a todos os seus técnicos, afirmação que nos surpreende, pode ler-se em comentário ao citado artigo, no seu 1º parágrafo: "não obstante a letra da lei definir todos os conceitos relevante para a determinação das mais valias e das menos valias, não poderia a Administração Fiscal ficar privada de meios de reacção face a situações de simulação".
Em todo o direito de audição constata-se a insistência, por parte do reclamante, na diferença entre os conceitos "valor apurado com base no último balanço " e "valor de balanço", sem contudo os quantificar. Também não faz qualquer referência ao facto de duas quotas com valores nominais semelhantes (102.375.000$00 e 190.125.000$00) serem alienadas por valores tão divergentes.
A falta de alusão no projecto de decisão, sobre o que o reclamante considera ser de interesse económico da transacção, prende-se como facto de, da análise da mesma termos concluído que esta reforçava o já exposto naquele projecto de decisão, pois que:
Se em 31/12/1999, a B………… apresenta uma dívida para com a A…………… (conta 22.11) no valor de 2.684.107.969$00, também é certo que apresenta uma dívida 2.364.340.844$00 para com o BES (conta 23); montantes muito semelhantes - então porquê a diferença de valores na alienação das quotas.
Mais ainda, se a I…………. assumiu a dívida da B…………. perante a A………….., o que se depreende da leitura do articulado 90 da petição inicial, então o valor da alienação da quota seria o valor da dívida mais o valor constante da escritura (1.000$00).
Face ao exposto, consideramos ser de manter o indeferimento proposto, de acordo com os fundamentos descritos em 11.
V - PROPOSTA DE DECISÃO
Analisados os elementos a seguir assinalados:
(...)
Indeferida
A consideração superior (...)"
7-Sobre a informação a que se refere o número anterior recaíram o parecer e o despacho de concordância de fls.117 do processo administrativo apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
8-Os ora impugnantes, dizendo-se inconformados, recorreram hierarquicamente (cfr.documento junto a fls.2 a 19 do processo de recurso hierárquico em apenso);
9-No recurso hierárquico a que se refere o número anterior foi prestada a informação de fls.21 e seg. do processo de recurso hierárquico em apenso, que aqui se dá por integralmente;
10-Sobre a informação a que se refere o número anterior recaíram o parecer e o despacho de concordância de fls.21 do processo de recurso hierárquico apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
11-O despacho de indeferimento do recurso hierárquico foi notificado aos impugnantes, por carta registada com aviso de recepção, em 1/04/2008 (cfr.documentos juntos a fls.37 e 38 do processo de recurso hierárquico apenso);
12-A petição inicial que deu origem aos presentes autos foi enviada para o Tribunal Tributário de Lisboa, através de correio registado, em 30/06/2008 (cfr.data de registo constante do documento junto a fls.39 dos presentes autos);
13-Em apreciação da petição inicial foi elaborada a informação de fls.64 e seg., que aqui se dá por integralmente reproduzida e donde resulta com interesse para a decisão:
"(...)
Alegações
(...)
14. Relativamente à liquidação oficiosa, aqui posta em causa, e no que concerne a uma alegada preterição de formalidades legais, praticada pela Administração Fiscal, por via de ter sido dispensado o exercício do direito de audição, a mesma não se verifica, dado que conforme os ora Impugnantes reconhecem, este exercício fica dispensado nos termos do n.°3 do artigo 60, da Lei Geral Tributária, desde que o mesmo tenha sido exercido anteriormente, em qualquer das fases do procedimento, nomeadamente, as situações previstas, na alínea e) do n.° 1, ou seja, no caso de ter sido exercida no processo de reclamação graciosa.
15. No presente caso, e uma vez que não foram apresentados quaisquer factos novos, em sede de Recurso Hierárquico, mostravam-se cumpridos os requisitos, para a dispensa daquele procedimento, pelo que o seu exercício, foi e muito bem, dispensado, ainda e também de acordo com o preceituado nas als. a) e c) do n.°3 da circular n.° 13, de 08.07.1999, da DSJT.
16. Mas ainda que assim não fosse entendido, permitimo-nos citar e transcrever o Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 25/1/2000: (in 'Bases Jurídico Documentais ")
"A respeito do não exercício do direito de audição, a jurisprudência tem-se pronunciado no seguinte sentido: Ao preterir-se a formalidade essencial de audição do contribuinte, o acto tributário está ferido de invalidade, por vício de forma. Contudo, esta invalidade não é geradora de nulidade mas sim de mera anulabilidade, uma vez que a lei não comina a sanção, mais severa, de nulidade. Contudo, da preterição daquela formalidade não resultaram lesados os direitos do contribuinte, uma vez que a defesa contra o acto tributário se tornou efectiva através da presente impugnação. Ou seja uma vez que os direitos do contribuinte, com a omissão do direito de audição, não foram prejudicados, tal procedimento não assume carácter invalidante."
17. No que se refere então à questão inerente ao valor da quota, considerado para efeitos fiscais, a questão mostra-se já amplamente discutida nas sedes anteriores, para cuja leitura desde já remetemos.
18. Alegam então os ora Impugnantes, que o valor a considerar fiscalmente, para efeitos de alienação de uma das partes, em que a quota foi dividida, precisamente a maior, 190.125.000$00, deve ser o de 1.000$00 e nunca o seu valor nominal de 190.125.000300 aquele, alegadamente determinado em função do balanço.
19. Porém, também assume e aceita, o valor de venda da parte menor da quota, pelo montante de 189.927.494$00, quota esta, cujo valor nominal era de 102.375.000$00.
20. É precisamente esta dualidade de valores, esta aceitação dos mesmos, e esta incoerência entre o valor das duas quotas, que leva a que a Administração Fiscal, tenha que optar, por um valor real, o valor nominal da quota, e não por um valor fictício, ou eventualmente de favor, como seja o apresentado pelos ora Impugnantes, aliás, até porque se a Administração Fiscal, considerasse qualquer valor de balanço, para determinar o valor da quota em causa, este teria sem dúvida, que ser superior ao valor nominal da quota em questão, e ainda superior ao valor de alienação da outra parte da quota, dado que se trata de uma quota de valor nominal superior.
21. E isto, porque se estamos a tratar duma mesma realidade, não a podemos versatilizar e adaptar, ao sabor da vontade própria, e atribuir-lhe dois valores tão distintos, ou seja sobrevaloriza-la, acima do valor nominal, num caso, e desvalorizá-la, praticamente até à sua nulidade, noutro caso.
22. O que efectivamente se verifica, é que a subdivisão duma quota, em duas partes menores, ou duas quotas menores, conforme se pretenda, nunca pode originar, em termos quer lógicos, quer práticos, quer materiais, uma tal divergência de valores, e o facto, é que o valor de alienação da outra meia quota, dado que não se trata do seu valor nominal, também terá sido apurado, tendo como base o balanço de exercício.
23. Ora, se no caso duma das quotas, o balanço potência uma mais valia considerável, como pode no outro caso, reduzir o valor da quota, até à sua quase nulidade, havendo ainda a considerar um valor de passivo, praticamente igual para as duas quotas, respectivamente nos montantes de 2.364.340.844$00, para uma, e 2,684.107.969$00, para outra, conforme se pode verificar, da informação já prestada no Recurso Hierárquico, em apenso, p.p. a fls. 35 do mesmo.
24. Assim sendo, parecem-nos descríveis os argumentos invocados, pelos ora Impugnantes, na medida em que um mesmo Balanço, duma mesma entidade, não pode em circunstância alguma originar, num caso uma mais valia, e noutro caso uma menos valia, praticamente reduzida à nulidade da quota.
25. E faça-se aqui notar, porque relevante, que a Administração Fiscal apenas se serviu dum valor declarado pelo ora Impugnante, no caso o valor nominal da respectiva quota, este declarado na respectiva escritura de cessão de quotas, pelo que desde já se salienta, que não estamos perante qualquer valor que possa ser ilidível, dado que a Administração Fiscal, entendeu pela desnecessidade de avaliação da quota, direito este que lhe assistia, nos termos preceituados no n.° 1 do artigo 52° do CIRS.
26. É que se efectivamente, a mesma Administração Fiscal, tivesse optado por tal avaliação da respectiva quota, indubitavelmente chegaria a valores substancialmente superiores, tendo necessariamente em linha de conta, o valor de alienação da outra quota, consubstanciado no mesmo balanço.
27. Ou seja, para calcular o valor de mercado da respectiva quota, cujo valor nominal é de 190.125.000$00 com base no valor de balanço, atribuído à quota da valor nominal de 102.375.000300, bastaria aplicar uma denominada regra de três simples, da forma abaixo discriminada, sendo o valor encontrado para a incógnita "X", aquele, que seria o valor de alienação, em face do balanço, da quota de valor nominal de 190.125.000$00
102.375.000$00 ------- 189.927.494$00
190.125.000$00 ------- X
28. Sendo que o valor encontrado para a incógnita "X", correspondente ao valor de mercado da quota nominal de 190.125.000$00, será de 352.722.489$00.
29. Conforme se comprova, o ora Impugnante, só tem prejuízo em invocar o valor de balanço para determinação do valor da respectiva quota, porque este se mostra substancialmente superior, àquele que foi o optado pela Administração Fiscal, o valor nominal da mesma, e isto como já se disse, em face da mesma realidade tributária, a alienação das quotas, não poder ser tratada a gosto, mas sim a preceito, e ter de revestir a mesma seriedade e eficácia para os dois lados da respectiva alienação.
30. Caso contrário o adquirente da quota de menor valor nominal, estaria sem dúvida a ser, ou prejudicado ou digamos até, grosso modo, "enganado", na medida em que estaria a pagar um montante, verdadeiramente insuflado, pela respectiva quota.
31. Ou então teríamos ainda que considerar, operações subjacentes a este negócio, acordadas entre as partes intervenientes, e cuja clarificação e respectiva prova nos autos, caberá ao ora Impugnante, nos termos do preceituado no artigo 74° da Lei Geral Tributária, que postula, o ónus da prova, já que é quem invoca a si, o Direito.
32. O que efectivamente não se pode conceber, é que o Impugnante queira transpor, para efeitos fiscais de tributação, um valor simbólico, primeiramente acordado em dois mil escudos, conforme se verifica do respectivo relatório, constante a fls. 74 a 83 do Recurso Hierárquico, em apenso, e posteriormente concretizado na respectiva escritura de cessão de quotas, em 1.000$00, até por este incidente, se pode verificar o total descrédito da operação, e dos valores, a ela subjacentes.
33. Donde resulta, inequívoca, a mais que razão da Administração Fiscal, em suportar-se num valor credível para determinação do valor da quota, este obtido, para efeitos da respectiva liquidação e apuramento da mais valia, valor como também já se disse, calculado por defeito, face ao valor real da quota, em presença do balanço, no montante de 352.722.489$00.
34. E não venha o ora Impugnante alegar, que o que está em causa, é a diferente capacidade negocial, dos intervenientes, porque, aquilo que efectivamente releva, é o valor real da quota (no caso quotas), para efeitos de alienação, e nunca a capacidade negocial dos operadores envolvidos, até porque como se disse, se uma quota, têm valor para um operador, tê-lo-á na exacta proporção e medida, para o outro operador.
35. Entender e aceitar esta operação doutra forma, era estar a violar directamente o princípio da igualdade dos cidadãos perante a Lei, e a abrir precedentes, para operações congéneres futuras, violando gravemente os direitos dos cidadãos estritamente observadores da legalidade.
36. Ainda no que concerne ao pagamento de Juros indemnizatórios não se verifica que haja lugar ao pagamento dos mesmos, dado não se verificarem reunidos os pressupostos necessários e previstos no artigo 43.° da Lei Geral Tributária, e que são a saber:
"O erro imputável aos serviços do qual resulte a arrecadação de dívida tributária, em montante superior ao devido ".
37. Até e porque, o ora Impugnante, nem sequer procedeu ao preenchimento do anexo G, das mais valias, ao qual estava obrigado, independentemente dos valores a inscrever, nos termos do estipulado no artigo 10.°n.° 1 al. b) do CIRS, verificando-se logo aqui, uma omissão de declaração, de modo a camuflar o respectivo acto de alienação, sendo a Administração Fiscal, quem se substituiu nessa obrigação, emitindo a liquidação oficiosa, conforme se pode verificar dos prints em anexo, p.p. a fls. 42 a 53 dos autos.
Conclusão: Verificamos então:
- Que o processo se afigura intempestivo.
- Que não se verificou uma errada quantificação dos rendimentos.
- Que o apuramento do valor da quota, em face do valor nominal da mesma, se mostra correcta.
- Que não são devidos Juros Indemnizatórios,
Em face do exposto, somos de parecer em que o pedido não merece deferimento, devendo manter-se o Acto Tributário aqui Impugnado e remeter-se os autos ao Representante da Fazenda Pública.
Porém e superiormente melhor se decidirá.
Direcção de Finanças de Lisboa, aos treze dias do mês de Novembro do ano de 2008.
(...)"
14-Sobre a informação a que se refere o número anterior recaíram o parecer e o despacho de concordância de fls.77, que aqui se dão por integralmente reproduzidos;
15-Dá-se por reproduzido o anexo 3 da reclamação graciosa, que constitui fls.31 a 33 do processo administrativo apenso;
16-Os impugnantes para suspensão da execução fiscal contra si instaurada apresentaram no 8º. Serviço de Finanças de Lisboa a respectiva garantia bancária nº. ………………em que é garante o Banco ………….. (BNC), actual Banco……….(cfr.documentos juntos a fls.37 e 38 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou…”.
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Todos os factos têm por base probatória, o exame dos documentos referidos em cada ponto, o processo administrativo, o acordo das partes e as informações oficiais...”.
X
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apensos, este Tribunal julga provada a seguinte matéria de facto que se reputa, igualmente, relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
17-No âmbito do procedimento de recurso hierárquico identificado nos nºs.9 e 10 do probatório, a A. Fiscal dispensou o direito de audição dos recorrentes nos termos das als. a) e c), do nº.3, da circular nº.13, de 8/07/1999, da DSJT, visto que os fundamentos do recurso terem sido os mesmos da reclamação graciosa, os quais já foram submetidos a audiência dos interessados (cfr.informação exarada a fls.27 a 36 do procedimento de recurso hierárquico apenso).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida considerou, em síntese, julgar totalmente improcedente a presente impugnação e, consequentemente, manter o acto tributário objecto do processo (cfr.nº.3 do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P. Tributário).
Os apelantes discordam do decidido aduzindo, em primeiro lugar e conforme supra se alude, que pretendem ver reanalisados os fundamentos ou os vícios invocados no articulado inicial, com os quais não lograram convencer o Sr. Dr. Juiz "a quo". Que um desses fundamentos foi a omissão ou preterição de uma formalidade essencial ocorrida no procedimento tributário de recurso hierárquico, consubstanciado na sonegação do direito de exercício de audição prévia imediatamente antes da decisão proferida naquele procedimento e que afecta, irremediavelmente, a decisão que nele foi tomada e, consequentemente, a liquidação impugnada (cfr.conclusões 2 e 3 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Consagra o artº.267, nº.5, da Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela lei constitucional nº.1/2001, o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou inicialmente este direito no artº.100, do C. P. Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91, de 15/11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no artº.60, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12 (cfr.artº.45, do C.P.P.T.).
O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 25/1/2000, rec.21244, Ac.Dout., nº.466, pág.1275 e seg.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 2/7/2003, rec.684/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/9/2013, proc.1510/06; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg.).
A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos consagrados no artº.60, nº.1, da Lei Geral Tributária, constitui um vício de procedimento susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr.artº.135, do C.P.Administrativo; Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.515).
A D.G.C.I., pela Circular nº.13/99, de 8/7/1999, manifestou o intuito de conciliar este direito de audição prévia do contribuinte com os princípios da prossecução do interesse público, da proporcionalidade e da celeridade, enunciados no art.55, da L.G.T. (cfr.circular publicada na C.T.F. 296, pág.443).
Além do mais, na referida circular faz-se menção aos casos em que a Administração Tributária pratique um acto com base em factos já submetidos, noutra fase do procedimento, a audiência dos contribuintes, por a participação do contribuinte só dever verificar-se mais de uma vez quando haja factos novos no âmbito de um procedimento gracioso que tenha diversas fases ou tratos sequenciais (cfr.artº.103, nº.2, al.a), do C.P. Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91). É o caso dos procedimentos de segundo grau, de que são exemplo as reclamações e os recursos hierárquicos, sempre que não existam factos novos capazes de influenciar a decisão final e o contribuinte já tenha sido ouvido sobre a factualidade em discussão no procedimento anterior aos ditos reclamação ou recurso. Nestes casos, não haverá qualquer obstáculo à dispensa do direito de audiência, por ele ter sido já assegurado noutra fase do procedimento e não se verificarem alterações da situação factual. Trata-se de casos em que só em termos formais, relativamente a um procedimento parcelar, se pode falar em dispensa do direito de audiência, uma vez que ele foi assegurado e, não havendo alteração da situação de facto, deve considerar-se já exercido (cfr.artº.60, nº.3, da L.G.T, na redacção de natureza interpretativa introduzida pelo artº.13, nº.1, da Lei 16-A/2002, de 31/5; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/9/2013, proc.1510/06; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.424 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.508 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, é manifesto que os recorrentes exerceram, por escrito, o direito de audição prévia nos termos do artº.60, da L.G.T., no âmbito do procedimento de reclamação graciosa (cfr.nº.6 da matéria de facto provada). Igualmente se retira do probatório que a decisão do recurso hierárquico deduzido pelos apelantes se baseou nos mesmos factos sobre que foi exercido o direito de audição no procedimento anterior (cfr.nº.15 da factualidade provada), assim sendo legítima a decisão de dispensa do direito de audição no mesmo procedimento de segundo grau, nos termos dos artºs.103, nº.2, al.a), do C.P.Administrativo, e 60, nº.3, da L.G.T, na redacção de natureza interpretativa introduzida pelo artº.13, nº.1, da Lei 16-A/2002, de 31/5.
Por outro lado, analogamente se dirá que estamos perante formalidade preterida no âmbito de processo administrativo gracioso posterior à estruturação da liquidação que é objecto destes autos e que os impugnantes/recorrentes visam anular. Ora, sendo formalidade posterior à liquidação não pode ter a mesma qualquer repercussão sobre esta (cfr.Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, Almedina, 2010, pág.389 e seg.). Por outras palavras, o vício de procedimento em causa (falta de audição prévia), a existir, apenas poderia conduzir à anulação da respectiva decisão de indeferimento do recurso hierárquico deduzida pelos apelantes, por tal efeito se quedando, mas nunca podendo ter como consequência a anulação da liquidação impugnada. Face a esta, tal vício de procedimento não surte quaisquer efeitos invalidantes, devendo antes visualizar-se como formalidade não essencial que em nada afectou os direitos de defesa dos impugnantes (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/6/2004, rec.1877/03; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/10/2008, rec.542/08; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/6/2009, rec.345/09; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 14/10/2003, proc.2861/99; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/5/2012, proc.5533/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 23/4/2013, proc.6472/13).
Face ao exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente este esteio do recurso.
Mais aduzem os recorrentes que o valor unitário da cessão de quotas por estes transmitidas deve corresponder aos valores nominais das cessões, ou seja, os valores a declarar fiscalmente, como sendo o valor de realização, são os montantes pelos quais as quotas foram alienadas, dado que, neste caso, ainda são superiores aos valores que resultam das importâncias apuradas com base no último balanço, devidamente aprovado. Daí que a teoria defendida pelo Fisco e que foi acolhida pela sentença recorrida não seja legal e adequada à tributação em causa, por tal valor não resultar expressamente da legislação fiscal que regula esta matéria. Que foram violados conjugadamente os artºs.10, 42, 45 e 50, entre outros, todos do C.I.R.S., na redacção à data do facto tributário (cfr.conclusões 4 a 8 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, segundo entendemos, novo erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13).
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.39 e seg.).
Releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção,2/10/2012,proc.5320/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/5/2014, proc.7529/14).
A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.4771/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.443 e seg.).
Especificamente, no que se refere às mais-valias derivadas da alienação onerosa de partes sociais, estavam as mesmas consagradas, em 1999, no artº.10, nº.1, al.b), do C.I.R.S., mais estando a forma de cálculo do ganho sujeito a imposto prevista no nº.4, al.a), do mesmo preceito (cfr.artº.45, nº.1, al.b), do C.I.R.S.). Por último, a tributação do saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias apuradas na transmissão onerosa de partes sociais era feita, autonomamente, à taxa liberatória de 10%, tal como dispunha o artº.75, nº.1, do C.I.R.S., ressalvando-se o caso do titular do rendimento optar pelo respectivo englobamento (cfr.artº.75, nº.2, do C.I.R.S.; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.392 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.146 e seg.; André Salgado Matos, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares anotado, Instituto Superior de Gestão, 1999, pág.166 e seg.).
Já de acordo com o artº.45, nº.1, al.b), do C.I.R.S., o valor de aquisição a título oneroso das partes sociais, tratando-se de quotas ou outros valores mobiliários não cotados em bolsa (como acontece no caso "sub judice"), deve ser, em primeira linha, o custo real documentalmente provado. Não havendo possibilidade de prova documental do mesmo valor de aquisição, deve atender-se ao valor nominal dos bens em causa. A este valor de aquisição deveria acrescer as despesas inerentes à alienação, quando existentes (cfr. artº.48, al.b), do C.I.R.S.; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.468; André Salgado Matos, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares anotado, Instituto Superior de Gestão, 1999, pág.312).
Por último, deve fazer-se referência à possibilidade da D.G.I. proceder à determinação do valor da alienação dos bens mobiliários em causa, quando haja divergência fundada de valores entre o declarado e o real da transmissão, nos termos do então artº.50, do C.I.R.S. (cfr.actual artº.52, do C.I.R.S.).
Recorde-se que a sujeição a tributação autónoma de tais rendimentos implica que cada acto de transmissão de parte social se considere um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável na cédula de I.R.S. no fim do ano fiscal respectivo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/2/2013, rec.1375/12; ac.T.C.A.Sul -2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13).
Revertendo ao caso dos autos, do exame do probatório (cfr.nºs.1, 6 e 13 da factualidade provada), se deve concluir que a A. Fiscal operou o cálculo da mais-valia originada pela venda de quota detida pelo recorrente José ………….. na sociedade "B………….., Sociedade ………., Lda.", através da escritura pública realizada em 1/7/1999, no 2º. Cartório Notarial de Lisboa, ao abrigo do artº.50, do C.I.R.S., atenta a divergência de valores existentes na mesma escritura pública, isto porque:
1-A alienação onerosa das quotas à firma "ES ……….. - Sociedade …………., SA.", pelo valor de 189.927.494$00, constitui um rendimento de mais - valias mobiliárias (Categoria G do I.R.S.), na esfera patrimonial de cada um dos sócios cedentes, nos termos do artº.10, nº.1, al.b), do C.I.R.S.;
2-Já a alienação onerosa, no mesmo acto, das quotas à firma "I……….. - Gestão e …………….., SA.", pelo preço simbólico de 1.000$00, pressuporia a assunção de menos - valias mobiliárias no valor de 190.124.000$00, na esfera patrimonial de cada um dos sócios cedentes.
Mais se deve realçar que os recorrentes nunca invocaram qualquer fundamento economicamente razoável que justifique tamanha disparidade de valores.
Com base nesta constatação, e não podendo a mesma realidade tributária (alienação de quotas) ter tratamento jurídico à medida dos interesses individuais dos intervenientes no negócio, a menos - valia de 190.124.000$00 apurada na cedência das quotas à firma "I………….. - Gestão e ……………………., SA.", (cujo valor de realização constante na escritura é 1.000$00), não foi considerada para efeitos de tributação em sede de I.R.S., na esfera patrimonial dos sócios cedentes. O valor de realização considerado para efeitos fiscais, calculado nos termos do artº.50, do C.I.R.S., foi o valor nominal das quotas em questão, isto é, o valor de balanço de 190.125.000$00 (e recorde-se que, contrariamente ao defendido pelos recorrentes, se a A. Fiscal tivesse em consideração o valor de mercado das mesmas quotas teria encontrado o montante de 352.722.489$00), sendo que a Administração Fiscal concluiu pela desnecessidade de avaliação da quota em questão, direito este que lhe assistia, nos termos preceituado no artº.50, nº.1, do C.I.R.S.
Com base nestes pressupostos, conforme resulta do nº.1 do probatório, o cálculo da mais-valia a tributar [(MV/mv = VR - (VA + DAL)], originou o imposto em falta no montante de € 38.441,44 (7.706.817$00), à taxa liberatória de 10%, tal como dispunha o artº.75, nº.1, do C.I.R.S., valor este que fundamentou a liquidação oficiosa objecto dos presentes autos.
Pelo que, não pode este Tribunal concordar com os recorrentes quando defendem que os valores a declarar fiscalmente, como sendo o valor de realização, são os montantes pelos quais as quotas foram alienadas.
Por último, não vislumbra o Tribunal que tenham sido violados, conjugadamente, os artºs.10, 42, 45 e 50, todos do C.I.R.S., tanto pelo acto tributário objecto do presente processo, como pela decisão recorrida.
Rematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condenam-se os recorrentes em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 13 de Novembro de 2014

(Joaquim Condesso - Relator)
(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)

(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)