Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:400/07.5BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:07/04/2019
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL.
SUA INIDONEIDADE PARA PEDIR A EMISSÃO DO ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO
Sumário:I)-O Autor deveria ter intentado o processo urgente de intimação judicial para a prática de ato legalmente devido, no prazo de 20 dias, nos termos do art.º 112º do RJEU, o qual já se mostrava ultrapassado quando propôs a presente acção - art.º 105.º do CPTA, aplicável por força do n.º 7 do referido preceito do RJEU.

II) - Resultando do probatório que o ora Recorrente não impugnou a referida decisão de impor condições à emissão do alvará de construção e nem deu cumprimento às condições impostas pela Entidade Demandada para a emissão do mesmo, in concretu, não demoliu as construções clandestinas, conforme lhe foi ordenado, tal decisão firmou-se definitivamente na ordem jurídica.

III) -Logo, verificou-se a suspensão do decurso do prazo para a emissão do alvará de licença de construção requerido, com o despacho de 2007-08-10, não impugnado pelo Autor.

IV) -Por tal prisma, não se antolha a verificação de qualquer ilegalidade ou omissão ilícita da Entidade Demandada, a qual só podia decidir e ter actuado como actuou até porque o Autor não demonstrou que tivesse procedido ao pagamento das devidas taxas, conforme justificado e de acordo com a fundamentação da sentença sob censura.

V) -Consequentemente, nunca poderia proceder na presente acção o pedido de emissão do alvará de construção.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no 2º Juízo da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por ORLANDO .........., visando a revogação da sentença de 25-10-2016, que julgou totalmente improcedente a acção ADMINISTRATIVA ESPECIAL proposta contra o MUNICÍPIO DE GRÂNDOLA, na qual peticionou a declaração de que a Entidade Demandada omitiu a prática de ato a que estava obrigada e, bem assim, a sua intimação a emitir o alvará de licença de construção requerido, fixação de sanção pecuniária compulsória e ainda a condenação no pagamento de indemnização ao A. pelos danos que se vierem a liquidar em sede de execução de sentença.

Nas suas alegações, formulou o Recorrente as seguintes conclusões:

“ 1ª O aresto em recurso enferma da nulidade prevista na alínea c) do nª 1 do artº 615° do CPC por haver uma absoluta contradição entre os factos dados por provados e a decisão alcançada, uma vez que é de todo Inconciliável que se dê por provado que o procedimento de pagamento das taxas foi suspenso e depois se conclua e decida que é legal a recusa da emissão do alvará por as taxas (cujo procedimento fora suspenso) não terem sido pagas.
Acresce que

2° O aresto em recurso enferma Igualmente da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artº 615° do CPC, seja por ter decidido uma questão que não fora Invocada por qualquer das partes e de que não poderia conhecer - a questão da falta de fundamentação do acto que ordenara a suspensão do procedimento de emissão do alvará -, seja por ter deixado de conhecer questões efectivamente colocadas pelas partes - a ilegalidade do acto que ordenara a suspensão por não haver norma legal a autorizar a suspensão do procedimento especial de emissão de alvará e por o artº 31° do CPA não ser aplicável ao caso sub judice.

3º O aresto em recurso incorreu em manifesto erro de julgamento na decisão da matéria de facto, uma vez que deu por provados inúmeros factos que não foram alegados pelas partes (v. alíneas B), F), G), H), J), K), L), S), T), Z) da factologia dada por provada), que não assumiam a qualidade de factos instrumentais e que nem sequer foram submetidos a prova, numa clara violação do princípio do dispositivo, do princípio do contraditório e do princípio da igualdade de armas entre as partes, podendo-se dizer que, apesar de os factos não terem sido alegados, basta ao Estado colocar uma foto ou qualquer outra informação no processo instrutor para que o Tribunal dê logo por provado que aquela foto ou que aquela informação é verdadeira, sem sequer submeter esses pretensos e nunca alegados factos a prova e ao contraditório do administrado.

4° Contra o exposto não procede o argumento de que os factos não alegados pelas parles constavam do processo instrutor, uma vez que não se pode ignorar que o princípio do inquisitório não permite ao Tribunal socorrer-se de factos não alegados e ir "pesquisar novos factos" no processo instrutor, para além de que este processo é elaborado por uma das parles em litígio e, portanto, não só não faz prova plena dos factos como seguramente o que dele consta e não foi alegado nos articulados tem de ser sujeito a prova e ao contraditório da outra parte, sob pena de a igualdade de armas consagrada na lei processual não passar de "letra morta" e de uma parte ter mais direitos e mais credibilidade em juízo do que a outra, ao ponto de lhe bastar Juntar um conjunto de documentos particulares para que o que neles se afirma passar a ser "pura verdade" e nem sequer merecer ser submetido a prova.

Para além disso,

5° O aresto em recurso incorreu em flagrante erro de julgamento ao considerar legítima a recusa de emissão do alvará, uma vez que tal recusa viola frontalmente o princípio da legalidade, consagrado no ar!º 3° do CPA, e o disposto no nº 5 do artº 76º do DL nº 555/ 99, representando ainda a Imposição de uma restrição por via administrativa a um direito, liberdade e garantia - o direito de propriedade privada -, ao arrepio do disposto no artº 18º da Constituição - que determina justamente que as restrições têm de estar expressamente previstas na lei.
Na verdade,

6° É pacífico nos presentes autos que a Câmara Municipal de Grândola licenciou em 31 de Maio de 2006 a reconstrução e ampliação de uma moradia existente no terreno do A,, que este requereu a emissão do alvará de construção e que o Município não o emitiu com fundamento no facto de ter decretado a suspensão do procedimento para a emissão do alvará de licença de construção, Incluindo o pagamento das respectivas taxas.

7° Consequentemente, a única questão jurídica relevante nos presentes autos prende-se com saber se por lei é permitido ao Município suspender o procedimento de emissão do alvará de licença de construção, designadamente com fundamento numa outra decisão tomada no âmbito de um outro procedimento administrativo que nada tem a ver com o licenciamento da construção que motivara o pedido de emissão do respectivo alvará.

Ora,

8ª De acordo com a tramitação prevista na lei especial que rege o procedimento de emissão do alvará de licenciamento da construção, a Administração tem 30 dias para emitir o alvará e só pode recusar a sua emissão nas situações taxativamente enunciadas na lei (v. nºs 1, 4 e 5 do artº 76º do DL nº 555/99), pelo que não constando entre tais fundamentos a suspensão do próprio procedimento conducente à emissão do alvará - mas apenas a suspensão, revogação ou anulação do próprio acto de licenciamento - é por demais notório que a entidade demandada aditou por via administrativa um novo fundamento de recusa de emissão de alvará, em clara violação do princípio da legalidade, do disposto no nª 5 do criº 76º do DL nº 555/99, e do criº 18° da Constituição, que apenas permite restrições a direitos fundamentais previstas expressamente na lei.

Por outro lado,

9º A suspensão do procedimento conducente à emissão do alvará de licença de construção com fundamento no ar!° 31° do CPA é completamente ilegal, seja por em causa estar um procedimento especial de curta duração e com garantias acrescidas para o administrado, ao qual, portanto, não é aplicável a figura da suspensão prevista na lei geral (v., neste sentido o n. 7 do artº 2° do CPA à data em vigor), mas também por no caso sub judicie não estarem sequer preenchidos os pressupostos de que o referido artigo do CPA faz depender a possibilidade de ser decretada a suspensão de um procedimento administrativo, não havendo qualquer relação de prejudicialidade entre o procedimento de emissão do alvará de uma construção já licenciada e o procedimento de demolição de dois pré-fabricados.

I0º Para além disso, mesmo que por hipótese houvesse qualquer relação de prejudicialidade, sempre a suspensão do procedimento conducente à emissão do alvará até à decisão da Impugnação judicial da ordem de demolição dos pré- fabricados representaria uma clara violação do disposto no artº 106° do DL nº 555/ 99 e do efeito suspensivo Inerente à Impugnação judicial de tal ordem de demolição, uma vez que estando ex vi legis suspensos os efeitos do decidido no procedimento de demolição não poderia a entidade demandada socorrer-se de um ceio cujos efeitos estavam suspensos para suspender outro procedimento administrativo, justamente por Isso constituir uma forma encapotada de atribuir eficácia a decisões que eram Ineficazes por força de lei.

11º Consequentemente, não prevendo as normas especiais que regem o procedimento especial de emissão do alvará a possibilidade de não se emitir - ao fim de 30 dias - o alvará com fundamento na suspensão do próprio procedimento conducente à emissão desse mesmo alvará e não sendo aplicável ao mesmo - até por os respectivos pressupostos não estarem preenchidos - a figura geral da suspensão do procedimento administrativo prevista no artº 31º do CPA, é por demais evidente o erro de julgamento em que Incorreu o aresto em recurso ao considerar legal a não emissão do alvará por parte da entidade demandada, até por ser entendimento da doutrina especializada que "tendo o acto de licenciamento ou de autorização sido validamente produzido, estando apenas a produção de efeitos dependente da emissão de alvará, não há como recusar a sua emissão" (v. M8 JOSÉ CASTANHEIRA NEVES, FERNANDA PAULO OLIVEIRA, DULCE LOPES, in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, Almedina, 2006, pág. 376).

12ª O erro de julgamento em que Incorreu o aresto em recurso ao considerar legítima a recusa de emissão do alvará ainda mais notório se torna se se tiver presente que, em virtude de se ter decretado a suspensão do procedimento destinado à emissão daquele alvará, não poderia a questão do não pagamento das taxas ser impeditiva da intimação da entidade demandada a emitir o alvará, justamente por as taxas não terem sido pagas precisamente em virtude da ilegal suspensão do procedimento decretada pela entidade demandada - suspensão essa que implicava a suspensão da própria liquidação e pagamento das taxas, como reconheceu o Tribunal a quo -, razão pela qual a não Intimação à emissão do alvará com o argumento de as taxas não terem sido pagas representa uma afronta das mais elementares regras de justiça e constitui uma compensação para quem violou a lei e por culpa de quem as taxas não foram pagas.
13ª Por Isso mesmo, uma vez demonstrada a Ilegalidade do acto de suspensão do procedimento destinado à emissão do alvará de licenciamento, o Tribunal a quo teria de ter Intimado o Município de Grãndola a retomar o procedimento administrativo e a emitir o alvará, sendo certo que se depois dessa Intimação as taxas não fossem pagas estaria a Câmara Municipal em condições de, então sim, legitimamente não emitir o alvará.

Nestes termos,
Deve ser concedido provimento ao recurso,
revogando-se a sentença recorrida, com as legais
consequências.
Assim será cumprido o Direito
e feita JUSTIÇA! ”


Não houve contra-alegações por parte do MUNICÍPIO DE GRÂNDOLA.

A Mª Juíza a quo admitiu o recurso e pronunciou-se sobre as nulidades arguidas, de acordo com o disposto no artigo 641°, n°1, do Código de Processo Civil (artigo 140° do CPTA), mantendo o decidido.

O DMMP junto deste tribunal notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº1 do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Os autos vêm à conferência dispensados os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) O A. é proprietário do prédio rústico denominado “C..........”, com a área de 15.600m2, inscrito na matriz cadastral sob parte do artigo … da secção … da freguesia de Melides, concelho de Grândola, sito em Estrada .........., freguesia de Melides, concelho de Grândola: cfr. PA;

B) O prédio em causa situa-se na faixa litoral do PROTALI e no respetivo PDM na Faixa Litoral, em "Áreas não urbanizáveis", parte em "Espaços florestais de produção" e p arte em "Espaços agrícolas de sequeiro", encontra-se ainda abrangido pela RAN — Reserva Agrícola Nacional e pela REN — Reserva Ecológica Nacional em áreas de máxima infiltração: cfr. PA (fls. 102 a 106); fls. 1 e 2; e carta 1(2/4) e planta de condicionantes — 2 (2/4)] do PDM de Grândola;

C) Em 2004-12-03, o A. solicitou à Entidade Demandada o licenciamento para obras de Reconstrução e Ampliação de uma construção existente com a área de 40,50m2, apresentando para o efeito também alguns projetos de especialidades: cfr. fls. 1 a 89 do PA;

D) Em 2005-01-14, o A. solicitou a junção ao processo camarário de fotos da edificação existente: cfr. fls. 95 do PA;

E) Em 2005-04-13, a Entidade Demandada deferiu condicionalmente o pedido de licenciamento acima referido à apresentação do projeto em falta (referente ao Recetáculo Postal) e ao cumprimento no parecer da Divisão de Águas e Saneamento, deferindo ainda os projetos de especialidades, com dispensa do projeto de gás: cfr. fls. 101; 107 a 112 do PA;

F) No terreno acima melhor identificado existe ainda uma caravana residencial (em metal, com rodas, assente e fixada ao solo por via de espigões metálicos, com várias podas e janelas) e respetivamente com a área aproximada de (8,00m x 7,00m =) 56 m2
"texto integral no original; imagem"

: cfr. fls. 53 a 56; fls. 108 a 113 dos autos e cfr. PA v.g. fls. 1 a 4,10,11, 34, 35 e 36 do PA;

G) E um abrigo de jardim (em madeira, ligado ao solo por meio de uma "sapata de betão" onde está fixada, exibindo uma poda com duas folhas e várias janelas), com a área aproximada de (5m x 3,5m =) 17,50 m2
"texto integral no original; imagem"

: cfr. fls. 53 a 56; fls. 108 a 113 dos autos e cfr. PA v.g. fls. 1 a 4,10,11, 34, 35 e 36 do PA;

H) Em 2005-10-28, foi elaborada participação pelos serviços da CÂMARA MUNICIPAL DE GRÂNDOLA - CMG, de onde consta, além do mais, que no prédio acima melhor identificado existe: “… construção de uma fossa e colocação de uma casa pré-fabricada com 8mx7m aproximadamente e ainda um terraço de betão onde colocou outra casa pré-fabricada com aproximadamente 5mx3,5m2…”: cfr. fls. 3 a 5 do PA;

I) Em 2006-01-25, o A. requereu a junção do projeto referente ao Recetáculo Postal: cfr. fls. 115 a 126 do PA;

J) Em 2006-01-27, o A. requereu a demolição da edificação existente no terreno a fim de proceder à requerida reconstrução/ampliação: cfr. fls. 115 a 127 do PA;

K) Em 2006-03-06, os serviços da Demandada informam que: “…não foram iniciadas obras na
construção que o requerente pretende demolir…: fls. 128 a 133 do PA;


L) Em 2006-05-15, foi deferido o projeto referente ao Recetáculo Postal: cfr. fls. 134 do PA;

M) Em 2006-05-16, Entidade Demandada, tendo em conta a participação de 2005-10-28 e as construções erigidas no prédio sem prévia licença considerou não dever ser autorizado e/ou licenciada a demolição da construção existente (cfr. art. 24º n.º1 al. a) do RJEU), pelo que foi proposto indeferimento da requerida demolição e ordenada a imediata demolição das construções pré-fabricadas (a caravana residencial e o abrigo de jardim) e dever ser licenciado o muro de alvenaria construído, após o procedimento de audiência prévia também determinado: cfr. fls. 135 a 136;

N) Em 2006-05-31, foi deferida a pretensão de aprovação dos projetos complementares aprovados, “… contudo, informa-se o requerente que o Alvará de Licença de Construção, só será emitido após: 1. Apresentação da reformulação do projeto de arquitetura, no que se refere à dimensão livre entre aas bancadas da cozinha e à Instalação sanitária, tal como havia sido notificado no Oficio n.º ..........APR 13´05. 2. Dar cumprimento ao exposto no parecer técnico da Divisão de Águas e Saneamento – DAS. (Oficio n.º ..........APR 13´05). 3. A Câmara Municipal de Grândola verificar no local a demolição das duas construções do tipo pré-fabricadas…”.: cfr. fls. 137 e 139 do PA;

O) Em 2006-06-25, foi o A. notificado pelo ofício n.º .........., com o assunto: Audiência prévia de demolição de construções pré-fabricadas, subscrito pelo Vereador do Pelouro, do qual ressalta o seguinte:
"texto integral no original; imagem"


: cfr. doc. n.º 2 junto com a Petição Inicial - PI e fls. 21 a 23 do PA;

P) Em 2006-06-28, foi o A. notificado pelo ofício n.º .........., com o assunto: Audiência Prévia – Pedido de Licença para Demolição, subscrito pelo Vereador do Pelouro de planeamento e gestão urbanística da CMG, que se transcreve: “…
"texto integral no original; imagem"

: cfr. fls. 146 a 147 do PA;

Q) Em 2006-07-01, o A. requereu a junção o licenciamento da construção do portão de acesso e do muro de vedação parcial numa extensão de 28m, a uma distância de 5m do
caminho municipal conforme configuração de foto que anexa: cfr. fls. 165 a 166 do PA;

R) Em 2006-07-10, o A. requereu a junção da substituição dos desenhos do projeto de arquitetura e do projeto de esgotos em conformidade com as alterações determinadas: cfr. fls. 161 a 164 do PA;

S) Em 2006-07-25, o A., através do seu I. Mandatário Forense, defendeu que a caravana residencial e o abrigo de jardim não se tratam de construções pré-fabricadas e não se encontram sujeitas a licenciamento municipal, pelo que, não devem ser objeto de ordem de demolição, termos em que pede à Demandada o deferimento do pedido de demolição da construção existente com vista à sua reconstrução: cfr. fls. 168 a 183 do PA;

T) Em 2007-02-12, os serviços jurídicos da Demandada emitiram Parecer, de onde ressalta: “…

: cfr. fls. 186 a 187 do PA e cfr. Doc. n.º 3 junto com a PI;

U) Em 2007-03-28, o Vereador do Pelouro de Gestão Urbanística, no uso da competência subdelegada pelo Presidente da CMG - PCMG, através do despacho n.º 15/2005, de 14 de novembro, e de acordo com o parecer acima melhor identificado, ordenou a que no prazo de 30 dias, o A. proceda à: “… demolição de duas construções pré-fabricadas, por não ser susceptível a sua legalização por violação do art.º 14º e 16.º, n.º 4, alínea b) do PDM e art.º 9.º do PROTALI”: cfr. fls. 186 a 187 do PA e cfr. Doc. n.º 3 junto com a PI;

V) Requerimento para a prática de ato devido:
Em 2007-05-29, o A. requereu à Entidade Demanda a emissão do alvará de licença de construção, instruindo o requerimento com documentos identificados na respetiva Portaria: cfr. fls. 214 a 236 do PA e cfr. Doc. n.º 4 junto com a PI;

W) Em 2007-08-10, o Vereador do Pelouro de Gestão Urbanística, no uso da competência subdelegada pelo Presidente da CMG - PCMG, através do despacho n.º 15/2005, de 14 de novembro, ordenou a suspensão do procedimento para a emissão de alvará de construção, porquanto:


: cfr. fls. 240 a 243 do PA e cfr. Doc. n.º 5 junto com a PI;

X) Em 2007-08-17, foi o A. notificado do despacho que antecede: cfr. fls. 240 a 243 do PA e cfr. Doc. n.º 5 junto com a PI;

Y) Em 2007-11-05, o A.: “…

, processo que foi distribuído, e assim correu os seus trâmites, na 4ª Espécie - Ação Administrativa Especial pretensão conexa atos administrativos: cfr. fls. 1 dos autos;

Z) Em 2007-11-09, a Demandada ordenou a notificação do A. de que relativamente ao requerido licenciamento do muro de vedação parcial, faltam elementos que identifica e deferiu a substituição das peças desenhadas de arquitetura e do projeto de esgotos apresentadas pela A.: cfr. fls. 245 (vide fls. 165 e 166) e fls. 246 (vide fls.161 a 164) do PA.

*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA (correspondentes aos artigos 660º nº 2, 664º, 684º nºs 3 e 4 e 690º do CPC antigo).

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença a qual julgou improcedente a acção:
(i) padece de nulidade por contradição entre os factos dado como provados e a decisão alcançada; por ter decidido uma questão não invocada por qualquer das partes e de que não poderia conhecer, seja por ter deixado de conhecer questões efectivamente colocadas pelas partes e (ii) se incorreu em erro de julgamento sobre as matérias de facto e de direito.
Vejamos.

(i) Da nulidade da sentença

Quanto à oposição entre os fundamentos e a decisão (art.º 615.º, n.º1, al. c), do CPC), afirma o recorrente que há uma absoluta contradição entre os factos dados por provados e a decisão alcançada, uma vez que é de todo inconciliável que se dê por provado que o procedimento de pagamento das taxas foi suspenso e depois se conclua e decida que é legal a recusa da emissão do alvará por as taxas (cujo procedimento fora suspenso) não terem sido pagas.
A decisão expendeu em sede de fundamentação jurídica o que seguidamente se transcreve, no que respeita à não emissão do Alvará:

«DA NÃO EMISSÃO DO ALVARÁ DE LICENÇA DE CONSTRUÇÃO:
Importa, desde logo, chamar à colação o disposto no art. 74º n.º 2 do RJUE, porquanto: “A emissão do alvará é condição de eficácia da licença ou autorização, e depende do pagamento das taxas devidas pelo requerente…” . - negrito e sublinhado introduzido pela signatária.

E o disposto no art. 76º n.º 4 do RJUE: “ O alvará é emitido no prazo de 30 dias a contar da apresentação do requerimento previsto nos números anteriores, ou da receção dos elementos a que se refere o n.º 4 do artigo 11.º, desde que se mostrem pagas as taxas devidas. ” - negrito e sublinhado introduzido pela signatária.

E ainda o disposto no art. 76º nº 5 do RJUE: “ O requerimento de emissão de alvará só pode ser indeferido com fundamento na caducidade, suspensão, revogação, anulação ou declaração de nulidade da licença ou autorização ou na falta de pagamento das taxas referidas no número anterior.” - negrito e sublinhado introduzido pela signatária.

Aqui chegados e diversamente do que sustenta o A., nomeadamente no art. 25º da sua PI, a lei é bem clara ao determinar que o requerido alvará é emitido no prazo de 30 dias, desde que se mostrem pagas as taxas devidas: cfr. art. 74º n.º 2, art. 76º n.º 4 e n.º 5 e art. 113º n.º 3 e n.º 4 e art. 117º n.º 5 todos do RJUE e cfr. alínea A) a Z) supra.

Ora, caso sub judice, tais taxas não se mostram liquidadas, nem pagas, nem depositadas, pelo que a conduta da Entidade Demandada, ao não emitir o requerido alvará, no prazo de 30 dias, é conforme como as normas legais e regulamentares aplicáveis e portanto legal: cfr. art. 74º n.º 2, art. 76º n.º 4 e n.º 5, art. 111º n.º 1; art. 113º n.º 3 e n.º 4 e art. 117º n.º 5 todos do RJUE e cfr. alínea A) a Z) supra.

Mais, acresce que, tendo o ato sindicado, suspendido também a liquidação das taxas devidas, sempre poderia o A, ter usado a possibilidade de proceder ao depósito do respetivo montante em instituição de crédito à ordem da câmara municipal, ou, provar que se encontrava garantido o seu pagamento mediante caução: cfr. art. 113º n.º 3 e n.º 4 e art. 117º n.º 5 todos do RJUE; cfr. alínea A) a Z) supra, sobretudo alínea W) supra.

O que não logrou fazer: cfr. alínea A) a Z) supra.

Resulta ainda da factualidade assente que o A. solicitou o licenciamento da reconstrução/ampliação de uma edificação de existente com cerca de 40m2 para 50m2, num terreno onde só era possível, face às suas características, localização e às normas legais e regulamentares aplicáveis, nomeadamente as contidas no art. 14º do PDM e no art. 9º do PROTALI, construir apenas uma edificação destinada a residência e que o referido licenciamento de reconstrução/ampliação foi deferido condicionadamente: cfr. alínea A) a Z) supra.

Resulta igualmente dos autos que os serviços de fiscalização da Entidade Demandada apuraram a existência de construções pré-fabricadas (caravana residencial e abrigo de jardim) no mesmo terreno onde se situa a edificação a reconstruir, o que determinou a ordem de demolição das mesmas, uma vez que tratando-se de edificações sujeitas a licenciamento municipal, não o tinham, não sendo ainda susceptíveis de legalização: cfr. alínea A) a Z) supra.

Com efeito, em face do quadro legal e regulamentar aplicável, naquele prédio rústico, com a área de 15.600m2 e com as várias condicionantes decorrentes da sua localização (v.g. sito na faixa litoral; REN e RAN), só podia existir uma edificação destinada a residência e, pelo menos desde 2005-10-28, existiam já 3 edificações: cfr. art. 14º do PDM e no art. 9º do PROTALI e cfr alínea A) a Z) supra.

Deste modo, quando o A. requereu o licenciamento da demolição da construção existente para assim proceder à reconstrução/edificação condicionadamente licenciada (em 2006-01-27), a Entidade Demandada advogou pelo indeferimento de tal pretensão de demolição (em 2006-06-28) e, após realização de audiência dos interessados, manteve implicitamente o indeferimento do pedido de demolição do existente e correta, legal e expressamente, ordenou a demolição/desmonte da caravana residencial e do abrigo de jardim (em 2007-03-28): cfr alínea A) a Z) supra; cfr. art. 2º al a) e al. c), art. 4º n.º1 e n.º2 al. c); art. 6º n.º 3 e n.º 4; art. 20º; art. 23º e art. 24º; art. 34º a art. 36º todos do RJUE e art. 13º do PDM de Grândola.


Termos em que julgo legal a não emissão do requerido alvará de licença de construção.»

- Quanto ao acto de suspensão da sentença dimana a seguinte fundamentação jurídica:

«DO ATO DE SUSPENSÃO:
Sustenta ainda o A. que o ato que ordenou a suspensão do procedimento de emissão do alvará de licença de construção requerido consubstancia um ato de recusa ilegal: cfr. art. art. 22º a art. 25º da PI.

Sublinha, por seu turno, a Entidade Demandada que tal ato suspensivo encontra suporte legal no disposto no art. 31º do Código de Procedimento Administrativo – CPA.

Da factualidade assente ressalta que, inconformado o A. requereu a emissão do alvará de licença de construção (em 2007-05-29) e a Entidade Demandada, considerando que a emissão de tal título ficara condicionada, além do mais, à demolição ou desmonte e/ou remoção do local da caravana residencial e do abrigo de jardim, e que tal decisão havia já sido impugnada judicialmente pelo A. (processo que corre termos neste Tribunal sob o n.º 185/07BEBJA), ordenou a suspensão (em 2007-08-10) do procedimento de emissão do alvará da licença de construção até que ocorra a demolição das edificações pré-fabricadas ou o ocorra trânsito em julgado de decisão que coloque fim ao diferendo: cfr alínea A) a Z) supra.

O ato suspensivo mostra-se claro, coerente e completo, enunciando, explicitamente, as razões que conduziram a Demandada à prática do ato, de modo a permitir a um destinatário normal perceber porque se decidiu em determinado sentido e não noutro: cfr alínea A) a Z) supra.

Como resulta dos autos, das informações dos serviços e do ato constam diretamente, e por remissão, as razões por que se decidiu em certo sentido, permitindo assim conhecer-se o inter- cognoscitivo adotado e a defesa posterior dos direitos e interesses legítimos do destinatário, ora A., que demonstrou bem ter compreendido o sentido e o alcance do ato sindicado, pois que, do mesmo se defendeu em sede graciosa e em sede judicial (quer no citado processo n.º 185/07BEBJA, quer nos presentes autos): cfr. art. 122º, art. 124º n.º 1 al. a), art. 125°, art. 126º e art. 151º n.º1 todos do CPA; neste sentido vide CPA anotado por MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES E J. PACHECO AMORIM, 2º edição, Almedina e Ac. do STA de 28-01-1998, proferido no Processo n.º 021331, disponível em www.DGSI.pt. e cfr alínea A) a Z) supra.

Deste modo o ato que ordenou a suspensão do procedimento de emissão do alvará da licença de construção até que ocorra a demolição das edificações pré-fabricadas e/ou o ocorra trânsito em julgado de decisão que coloque fim ao diferendo encontra esteio legal no invocado art. 31º n.º 1 do CPA, sendo, por isso, legal: cfr alínea A) a Z) supra.

Termos em que julgo legal o ato de suspensão do procedimento.

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Do que se decidiu até este momento verifica-se pois a inexistência das assacadas ilegalidades, mostrando-se assim válida quer a conduta adotada pela Entidade Demandada na não emissão do requerido alvará de licença de construção, quer o ato que ordenou a suspensão do procedimento de emissão do mencionado título, ficando, concludentemente, prejudicado todo o demais suscitado, nomeadamente, o conhecimento dos pedidos condenatórios e do pedido indemnizatório.»

Tendo em conta a fundamentação nos apontados segmentos, vejamos então se a sentença padece dos vícios que lhe são assacados.

A sentença é uma decisão dos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas fiscais (artº 4º do ETAF).

Ela conhece do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto, pelo que a sentença pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito:- por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artº 615º do CPC ex vi do artº 1º do CPTA.

Quanto à nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão em atenção ao caso concreto, de acordo com a qual é causa de nulidade da sentença e a «oposição dos fundamentos com a decisão», sendo que este vício afecta a estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão:- os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam logicamente, isso sim, a resultado oposto. Ou seja:- existe aqui um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão que se analisa em que a fundamentação aponta num determinado sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direcção diferente (v. Prof. J.A.Reis, CPC Anotado, vol. V, pág. 141 e A.Varela, J.M.Bezerra e Sampaio e Nora,CPC Anotado, pág. 686).

Ora, objectivam os autos que tendo a sentença emitido pronúncia no sentido da improcedência pelas razões supra expostas no bloco fundamentador supra transcrito acabou por decidiu julgar improcedente a acção, em sentido congruente com o resultante daquela apreciação.

Ou seja, dos fundamentos aduzidos na sentença sob censura podia e devia logicamente extrair-se o resultado que nele foi expresso, pelo que os fundamentos da decisão que foram fixados não impunham outra decisão sendo a tomada conforme um silogismo lógico.

Daí, pois, que o acórdão não enferma do vício decisório que lhe vem assacado.

Quanto à nulidade da decisão recorrida por excesso e omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º1, al. d), do CPC, sustenta a recorrente a sua verificação por o aresto em recurso ter decidido uma questão que não fora Invocada por qualquer das partes e de que não poderia conhecer - a questão da falta de fundamentação do acto que ordenara a suspensão do procedimento de emissão do alvará -, seja por ter deixado de conhecer questões efectivamente colocadas pelas partes - a ilegalidade do acto que ordenara a suspensão por não haver norma legal a autorizar a suspensão do procedimento especial de emissão de alvará e por o artº 31° do CPA não ser aplicável ao caso sub judice.

Ora, basta ler a decisão recorrida para constatar que foi proferida com explicitação dos fundamentos de facto e de direito, com indicação das normas legais aplicáveis e que foram tratadas as duas questões jurídicas suscitadas pelo recorrente em sede de contestação, as quais foram individualizadas e abordadas autonomamente.

Tudo isto foi respeitado na decisão recorrida em que se ponderaram todos os elementos de prova pelo que a sentença não está afectada na sua validade jurídica por omissão de pronúncia/excesso de e pronúncia não se verificando as arguidas nulidades.

Na verdade, como o saber se determinados factos deviam ou não ter sido objecto de apreciação na sentença, por serem relevantes, ou não, para o enquadramento jurídico das questões a apreciar e decidir, é matéria que se coloca já no âmbito da validade substancial da sentença, que não no da sua validade formal, ou seja, o facto de na sentença não ter sido considerada certa factualidade, ou outra que não relevava para a decisão, nos termos referidos pelo Recorrente poderá constituir erro de julgamento, mas já não nulidade da sentença por omissão de pronúncia ou excesso de pronúncia.

Prescreve o art. 615°/1, d) do CPC, que é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Um vício que tem a ver com os limites da actividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no art. 608º/2 do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras», quer, com referência à instância recursiva, pelas conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objecto do recurso, conforme resulta dos artigos 635º/4 e 639º/1 e 2, do mesmo diploma legal.

Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão; ao invés, se conhece de questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia.

Vício relativamente ao qual importa definir o exacto alcance do termo «questões» por constituir, in se, o punctum saliens da nulidade.

Como é comummente reconhecido, vale a este propósito, ainda hoje, o ensinamento de ALBERTO DOS REIS, na distinção a que procedia:
«[….] uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.»
«São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.»

O mesmo é dizer, o tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, pelo que os argumentos, motivos ou razões jurídicas não o vinculam, ou dizer ainda, o juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente.

Diz, a este mesmo propósito, LEBRE DE FREITAS: «Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido.
Por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida.
Por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-2) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.»

Numa que parece ser ainda maior exigência, referia ANSELMO DE CASTRO:
«A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da anulabilidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.»

Todavia, aquele autor logo ressalva que «Seria erro, porém, inferir-se que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável. Neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

Omissão de pronúncia que não se verifica no caso em apreço, pois, contrariamente ao que o Recorrente afirma nas suas alegações e em face do que se disse antecedentemente, o facto de o Tribunal concordar com os argumentos apresentados por uma parte não quer dizer que tenha deixado de apreciar os argumentos tecidos pela outra parte. Reiterando, o juiz tem obrigação de fundamentar a sua convicção, porém, não está obrigado a justificar por que não acolheu as alegações da outra parte.

Ora, tendo a sentença recorrida emitido pronúncia sobre as questões suscitadas pelas partes, e encontrando-se convenientemente fundamentado de facto e de Direito, e assim sendo, não é configurável a omissão de pronúncia que lhe vem assacada.

Do que se conclui que apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito ou, convenhamos, de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância, é que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes, ou não deve conhecer na hipótese inversa, sob pena de a sentença incorrer em nulidade por falta de pronúncia ou excesso de pronúncia.

Obviamente sempre salvaguardadas as situações onde seja admissível o conhecimento oficioso do tribunal.

Por último importa não confundir a nulidade por falta ou excesso de conhecimento com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz não decide acertadamente, por decidir «contra legem» ou contra os factos apurados [vd A. dos Reis, In “Código de Processo Civil”, Anotado, Volume V, pg. 130].

Ora, no caso em apreciação, o tribunal recorrido não conheceu de questão de que não devesse conhecer. Precisamente ao conhecer das questões que enunciou, a saber (i) DA NÃO EMISSÃO DO ALVARÁ DE LICENÇA DE CONSTRUÇÃO – chamamento à colação o disposto no art. 74º n.º 2 do RJUE, porquanto: “A emissão do alvará é condição de eficácia da licença ou autorização, e depende do pagamento das taxas devidas pelo requerente…” e (ii) DO ATO DE SUSPENSÃO- … ato de recusa ilegal, vindo a concluir que é legal o ato de suspensão do procedimento e, que em virtude “do que se decidiu até este momento verifica-se pois a inexistência das assacadas ilegalidades, mostrando-se assim válida quer a conduta adotada pela Entidade Demandada na não emissão do requerido alvará de licença de construção, quer o ato que ordenou a suspensão do procedimento de emissão do mencionado título, ficando, concludentemente, prejudicado todo o demais suscitado, nomeadamente, o conhecimento dos pedidos condenatórios e do pedido indemnizatório», questões suscitadas pelo Recorrente nos sobreditos termos e de que cabia conhecer.

Em substância e no ponto em análise, afirma a recorrente que houve questões que não foram invocadas e foram conhecidas pela sentença violando o disposto na alínea d) do n.°1 do art.° 668.° do CPC (hoje, 615º do NCPC) o que gera a sua nulidade.

A nulidade da sentença geralmente designada por excesso ou indevida pronúncia, segundo o disposto no artº 158º, nº 1, al. d)-2ª parte rigorosamente existe quando o juiz toma conhecimento de questão de que não se podia conhecer e está em correlação com a proibição estabelecida na 2ª parte do artigo 608º do mesmo Código que prescreve não poder o juiz ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, de modo que não se verifica essa nulidade quando, para apreciar uma dessas questões, o tribunal se socorre de factos irrelevantes para a decisão, podendo então haver erro de julgamento mas nunca pronúncia indevida.

Quer isto dizer que só a parte dispositiva da sentença e não a sua fundamentação pode padecer do vício de excesso de pronúncia previsto na 2ª parte da alínea d) do artº 615º do NCPC.

Improcede, pois e in totum a arguição de nulidades, sendo igualmente certo (também pelo que se dirá infra a respeito do errado julgamento sobre a matéria de facto assacado à sentença) que não ocorre a violação dos princípios do dispositivo, do contraditório e da igualdade de armas que decorreria ou estaria inerente, segundo perscrutamos da tese do recorrente, do cometimento das analisadas nulidades.
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Do erro de julgamento da matéria de facto e na aplicação do direito

Na tese do recorrente o julgador incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto pois o teor das als. B), F), G), H), J), k), L), S), T) e Z), não podia ser dado como provado por não ter sido invocado, não foi sobre a mesma exercido o contraditório, ou produzida a devida prova.

O certo é que, como bem denota a EPGA no seu douto Parecer, a matéria de facto assente, segundo a sentença, resulta dos elementos juntos aos autos, do respetivo PA, da prova por admissão e das regras de experiência comum.

Acresce que, considerando a fundamentação utilizada para dar como assente a matéria de facto a que se refere o Recorrente, a mesma resulta, da aplicação das normas legais do PDM de Grândola, e as regras dos art.ºs 74º n.º 2 e 76º n.ºs 4 e 5, do RJUE, e foi invocada pelo Réu, na parte aplicável, e corroborada pela documentação junta aos autos, nomeadamente a constante do Processo Administrativo.

Por outro lado, o Autor foi notificado da contestação e exerceu o contraditório respondendo, podendo ter junto os meios de prova documental que entendesse para impugnar os factos invocados pela Entidade Demandada.

Destarte, não havia forçosamente que ter lugar a apreciação de outros meios de prova, como seja, nomeadamente a inquirição de testemunhas.

Daí a conclusão geral e definitiva de que não se verificam as nulidades invocadas, mostrando-se correctamente apreciada a matéria de facto assente que não granjeia qualquer censura.

De todo o modo, tendo em vista as soluções jurídicas plausíveis para a decisão das questões controvertidas nos autos segundo o binómio causa de pedir-pedido, a factualidade provada com relevo para a decisão do presente recurso e que está inscrita no probatório, como bem demarca a EPGA, é a seguinte:

- O prédio a que alude o Autor, é um prédio rústico que se situa na faixa litoral do PROTALI e no respetivo PDM na Faixa Litoral, em "Áreas não urbanizáveis", parte em "Espaços florestais de produção" e parte em "Espaços agrícolas de sequeiro", encontra-se ainda abrangido pela RAN — Reserva Agrícola Nacional e pela REN — Reserva Ecológica Nacional em áreas de máxima infiltração - ais. A) e B) do probatório.

- Em 2004-12-03, o A. solicitou à Entidade Demandada o licenciamento para obras de Reconstrução e Ampliação de uma construção existente com a área de 40,50m2, apresentando para o efeito também alguns projetos de especialidades - al. C) do probatório.

- No terreno existe ainda uma caravana residencial (em metal, com rodas, assente e fixada ao solo por via de espigões metálicos, com várias podas e janelas) e respetivamente com a área aproximada de (8,00m x 7,00m =) 56 m2 (cfr. foto e al. F) do probatório).

- E um abrigo de jardim (em madeira, ligado ao solo por meio de uma "sapata de betão" onde está fixada, exibindo uma poda com duas folhas e várias janelas), com a área aproximada de (5m x 3,5m =) 17,50 m2 (cfr. foto e al. G) do probatório).

- Em 2006-01-27, o A. requereu a demolição da edificação existente no terreno a fim de proceder à requerida reconstrução/ampliação - al. J) do probatório.

- Em 2006-05-16, Entidade Demandada, tendo em conta a participação de 2005-10-28 e as construções erigidas no prédio sem prévia licença considerou não dever ser autorizado e/ou licenciada a demolição da construção existente, pelo que foi proposto indeferimento da requerida demolição e ordenada a imediata demolição das construções pré-fabricadas (a caravana residencial e o abrigo de jardim) e dever ser licenciado o muro de alvenaria construído, após o procedimento de audiência prévia também determinado (cfr. art.s 24º n.º1 al. a) do RJEU) e al. M) do probatório.

- Em 2006-05-31, foi deferida a pretensão de aprovação dos projetos complementares aprovados, "... contudo, informa-se o requerente que o Alvará de Licença de Construção, só será emitido após: 1. Apresentação da reformulação do projeto de arquitetura, no que se refere à dimensão livre entre as bancadas da cozinha e à Instalação sanitária, tal como havia sido notificado no Oficio n.º ..........APR 13'05. 2. Dar cumprimento ao exposto no parecer técnico da Divisão de Águas e Saneamento - DAS. (Oficio n.º ..........APR 13'05). 3. A Câmara Municipal de Grândola verificar no local a demolição das duas construções do tipo pré-fabricadas...".

- Em 2006-06-25, o Autor notificado pelo ofício n.9 .........., com o assunto: Audiência prévia de demolição de construções pré-fabricadas, subscrito pelo Vereador do Pelouro, nos termos e conforme al. O) que aqui se reproduz.

- Em 2006-06-28, foi o A. notificado pelo ofício n.9 .........., com o assunto: Audiência Prévia - Pedido de Licença para Demolição, subscrito pelo Vereador do Pelouro de planeamento e gestão urbanística da CMG, nos termos e conforme al. P) que aqui se dá por reproduzida.

- Em 2006-07-10, o A. requereu a junção da substituição dos desenhos do projeto de arquitetura e do projeto de esgotos em conformidade com as alterações determinada- al. R) do probatório - cf. al. N).

- Na sequência de pedido de manutenção das construções a demolir, por entender que não eram pré- fabricadas, o Município manteve a decisão de demolição e indeferiu o pedido com fundamento nos art.9s 14.5 e 16.2, n.e 4, do PDM, e 9.9 do PROTALI - ais. S) e T) do probatório.

- Em 2007-03-28 foi novamente ordenada a demolição das construções em causa, no prazo de 30 dias - al. U) do probatório.
- Apesar de o Autor ter requerido novamente a emissão do alvará de construção novamente, em 2007-08-10, o Vereador do Pelouro de Gestão Urbanística, no uso da competência subdelegada pelo Presidente da CMG - PCMG, através do despacho n.º 15/2005, de 14 de novembro, ordenou a suspensão do procedimento para a emissão de alvará de construção, em virtude de não ter cumprido as condições que o Município impunha ou ter impugnado tais atos, decisão de que o ora Recorrente foi notificado em 2007-08-17 - ais. V), W) e X) do probatório.

- Em 2007-11-05, o ora Recorrente intentou a presente ação na forma de ação administrativa especial de intimação para a prática de ato-al. Y) do probatório.
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Atenta a factualidade apurada e as conclusões recursórias, vejamos agora se a sentença padece do erro de julgamento sobre a matéria de direito que também lhe vem exprobrada pelo recorrente.

Em substância e ancorando-se em jurisprudência que cita abundantemente, considerou-se na sentença recorrida que os interesses públicos urbanísticos prevalecem sobre as expectativas individuais, e que no âmbito do direito urbanístico são nulos os actos de deferimento e as licenças ou deliberações autárquicas que colidem com normas de interesses e ordem públicas, bem como o princípio de que o direito de propriedade e consequente "jus aedificandi".

Relativamente à ordem de demolição, condicionante da emissão do alvará, é uma das medidas de tutela da legalidade urbanística - vide epígrafe da subsecção m, em que se inserem os art°s 102° a 109° do RJUE - que é imposta a quem infringiu a lei, designadamente construindo, sem licença ou autorização administrativa, de toda ou parte de uma obra que não pode ser legalizada, nomeadamente pela classificação e natureza do terreno onde foi implantada e independentemente dos direitos de terceiros sobre este.

Assim a obra, tal como está, não é legalizável. Ou, dito de outro modo: a obra só será legalizável desde que se proceda à demolição das construções pré-fabricadas (caravana residencial e abrigo de jardim) no mesmo terreno onde se situa a edificação a reconstruir, uma vez que tratando-se de edificações sujeitas a licenciamento municipal, não o tinham, não sendo susceptíveis de legalização.

Dúvidas não podem subsistir de que a pretendida legalização não dá cumprimento à decisão administrativa proferida apresentando-se a demolição da área construída como a única forma possível de cumprir, com o disposto no Despacho exarado pelo Sr. Vereador do Pelouro de Planeamento e Gestão Urbanística, em 31.05.2006, proferido no uso da competência Subdelegada pelo Sr. Presidente da Câmara através do Despacho nº. 15/2005 de 14/11 de que foi DEFERIDA a pretensão nos exactos termos do parecer técnico, que a seguir se transcreve:

"Tendo o projecto de arquitectura merecido parecer favorável, (Aprovado por Despacho de 2005/04/08), com a junção dos projectos complementares, a justeza dos cálculos apresentados, são da responsabilidade dos respectivos técnicos.
Face ao exposto, não se vê inconveniente na aprovação dos projectos complementares apresentados.
Contudo, informa-se o requerente que o Alvará de Licença de Construção, só será emitido após:
1. Apresentação da reformulação do projecto de arquitectura, no que se refere à dimensão livre entre as bancadas da cozinha e à Instalação Sanitária, tal como já havia sido notificado no Oficio n. º .......... APR 13'05.
2. Dar cumprimento ao exposto no parecer técnico da Divisão de Águas e Saneamento -DAS, (Oficio n. º .......... APR 13'05).
3. A Câmara Municipal de Grândola verificar no local a demolição das duas construções do tipo pré­ fabricadas." (sublinhado nosso)

Entrando nas questões de fundo atenta a tela factual traçada pela sentença da 1ª instância:

A licença configura um acto administrativo autorizativo, cujo título – sua verdadeira condição de eficácia – é o alvará.

A licença, dada a grande procedimentalização que supõe [que se reflecte, desde logo, na exigência de um acto formal (expresso) de licenciamento, que venha acompanhado do respectivo título] – o alvará.

Quanto à emissão da Licença – O pedido de licenciamento é indeferido quando:
- violar plano municipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária, servidão administrativa, restrição de utilidade pública ou quaisquer outras normas legais e regulamentares aplicáveis;

- existir declaração de utilidade pública para efeitos de expropriação que abranja o prédio objeto do pedido de licenciamento, salvo se tal declaração tiver por fim a realização da própria operação urbanística;

- tiver sido objeto de parecer negativo ou recusa de aprovação ou autorização de qualquer entidade consultada nos termos do RJUE cuja decisão seja vinculativa para os órgãos municipais (n.º 1 do artigo 24.º do RJUE).

Com exceção do pedido de licenciamento de obras de demolição (das edificações que não se encontrem previstas em licença de obras de reconstrução), o indeferimento do pedido de licenciamento pode ainda ter lugar com fundamento em:

- a operação urbanística afetar negativamente o património arqueológico, histórico, cultural ou paisagístico, natural ou edificado;

- a operação urbanística constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infraestruturas ou serviços gerais existentes ou implicar, para o município, a construção ou manutenção de equipamentos, a realização de trabalhos ou a prestação de serviços por este não previstos, designadamente quanto a arruamentos e redes de abastecimento de água, de energia elétrica ou de saneamento (n.º 2 do artigo 24.º do RJUE).

Quando o pedido de licenciamento tiver por objeto a realização das obras referidas nas alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 4.º, do referido diploma, pode ainda ser indeferido:

- quando a obra seja suscetível de manifestamente afetar o acesso e a utilização de imóveis classificados de interesse nacional ou interesse público, a estética das povoações, a sua adequada inserção no ambiente urbano ou a beleza das paisagens, designadamente em resultado da desconformidade com as cérceas dominantes, a volumetria das edificações e outras prescrições expressamente previstas em regulamento;

- O pedido de licenciamento das obras referidas na alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º deve ser indeferido na ausência de arruamentos ou de infraestruturas de abastecimento de água e saneamento ou se a obra projetada constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infraestruturas existentes.

A deliberação final de deferimento do pedido de licenciamento consubstancia a licença para a realização da operação urbanística (artigo 26.º do RJUE), a qual é titulada por alvará, cuja emissão é condição de eficácia da licença (n.º 1 do artigo 74.º do RJUE).

Face ao disposto no artigo 67.º do RJUE a validade das licenças depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática.

Do meio processual escolhido

No que concerne à Intimação judicial para a prática de ato legalmente devido, sublinhe-se, se o tribunal considerar que não se encontram reunidas as condições necessárias à tomada de decisão (pela entidade competente) sobre o pedido de licenciamento de determinada operação urbanística ou se da análise dos elementos instrutórios resultar que o pedido é manifestamente contrário às normas legais ou regulamentares aplicáveis, o tribunal deve indeferir o requerimento de intimação da entidade requerida a praticar o ato, por haver fundamento de rejeição.

Conforme prolatado no Ac. do TCAS, de 8 de Novembro de 2007 (processo n.º 2677/07). “I – O art. 112º do RJEU regula a tramitação de um processo especial de condenação à prática de acto devido, com natureza urgente, destinado a obter a condenação da autoridade administrativa na prática do acto administrativo ilegalmente omitido; II - A tal processo previsto em lei especial, tendo natureza e tramitação diferente da acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido regulada nos artigos 66º a 71º do CPTA, não é, portanto, aplicável o regime desta acção, nomeadamente o disposto no art. 71º; III - Apenas no processo previsto no art. 66º e seguintes do CPTA se poderá obter uma decisão de fundo do tribunal sobre a legalidade do acto praticado pela autoridade requerida, visando o processo previsto no art. 112º do RJUE obrigar a uma decisão de fundo da Administração, desbloqueando a situação de impasse criada pelo seu silêncio.

As normas aplicáveis à apreciação de um pedido de licenciamento de uma operação urbanística, designadamente as normas dos planos municipais de ordenamento do território e dos planos especiais de ordenamento do território, são aquelas que estão em vigor a data da prática do acto.

Esta norma reafirma, para os actos administrativos praticados no âmbito dos procedimentos de controlo prévio das operações urbanísticas, o princípio segundo o qual a validade dos actos administrativos depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática (tempus regit actum).

No caso, a urgência que justifica a previsão do meio processual regulado no artigo 112.º do RJUE está na prática do acto e não na prática do acto com um determinado conteúdo.

Ora, na intimação judicial para a prática de acto legalmente devido o tribunal não conhece da pretensão (material) urbanística do interessado nem pode condenar a entidade competente à prática do acto administrativo ilegalmente omitido (não determina o conteúdo do acto a praticar nem explicita as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido);

Verifica apenas se se encontram reunidas as condições necessárias para que a autoridade competente tome uma decisão sobre o objeto da pretensão urbanística (se não há fundamento de rejeição) e se se encontrarem reunidas essas condições defere o requerimento, intimando a autoridade competente para proceder à pratica do acto (para decidir sobre o mérito da pretensão urbanística do interessado).

No que concerne ao erro de julgamento por considerar legítima a recusa de emissão de alvará, representando tal uma restrição por via administrativa a um direito, liberdade e garantia, ao arrepio do art. 18º da Constituição, consubstanciando UMA RESTRIÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL PROPRIEDADE, cabe dizer que o jus aedificandi não se apresenta à luz da CRP como parte integrante de direito fundamental de propriedade privada, devendo antes configurar-se como concessão jurídico-pública resultante dos planos urbanísticos ou do que a lei disser.

No que respeita ao ALVARÁ, o interessado deve requerer no prazo de um ano a emissão do alvará, a contar da data da notificação do acto de licenciamento que apenas pode ser indeferido com fundamento com fundamento na caducidade, suspensão, revogação, anulação ou declaração de nulidade da licença, ou na falta de pagamento das taxas devidas.

Sendo a única fundamentação que não se prende com o desaparecimento jurídico do acto, a que diz respeito à falta de pagamento das taxas devidas.

Ora, in casu, a emissão do alvará não foi indeferida, foi apenas suspensa, atendendo a que circunstâncias supervenientes ao requerimento da licença, omitidas por parte do requerente, e por outro lado por força dos constrangimentos legais daí resultantes, poderiam derivar num licenciamento inválido, e conforme resulta do despacho acima transcrito é condicionante o facto de existirem obras edificadas não licenciadas e cuja demolição é exigida, atendendo às condicionantes impostas pelo art. 9º, nº 11, al. b) do PROTALI e artigo 16º do PDM.

Afigura-se ainda dizer que, quanto à via contenciosa, poder-nos-íamos, numa primeira abordagem, ver "divididos" entre uma impugnação de actos (através da hoje unitária acção administrativa Comunicações prévias, licenças urbanísticas, autorizações de utilização e contencioso administrativo comum), prevista no CPTA, e a intimação judicial para a prática de ato legalmente devido, especificamente regulada no artigo 112.º do RJUE.

Havendo acto seguir-se-ia a primeira via, não tendo sido emitida a licença (ou qualquer acto que devesse ter sido praticado no âmbito do procedimento de licenciamento) no prazo legalmente devido, recorrer-se-ia ao processo regulado no artigo 112.º [artigo 111.º, alínea a)].

Ora a INTIMAÇÃO DO ART 112º DO RJUE, apesar de ser uma acção principal e não meramente cautelar e ter como efeito a condenação da Administração, apresenta-se com características diferenciadas da condenação à prática de acto devido, também ela fundada no princípio da tutela jurisdicional efetiva, prevista nos artigos 66.° e segs. do CPTA, porque:

a) Trata-se de um meio processual principal urgente (artigo 112.°,n." 7), pelo qual o juiz condena a Administração a decidir, devendo, para tal, fixar um prazo que não pode exceder 30 dias, enquanto a "condenação" é um meio processual também principal, mas não urgente;

b) É um meio limitado a situações de omissão ou silêncio, enquanto a condenação se alarga a hipóteses de indeferimento expresso do acto, de recusa da apreciação do requerimento, e de, após a revisão mais recente do CPTA, prática de acto administrativo de conteúdo positivo que não satisfaça integralmente a pretensão do interessado (artigo 67.°, n." 1, do CPTA);

c) Enquanto que a intimação judicial pode ser iniciada imediatamente nos Tribunais Administrativos, a condenação à prática de acto devido depende, em regra, de uma fase pré-contenciosa que consiste na apresentação de requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir (artigo 67.°, n.º 1);

d) Este meio processual pode ser aplicado não só quando esteja em causa a prática de um acto administrativo [muito embora sejam estas as situações a que se refere a alínea a) do artigo 111.°], mas, de igual forma, a prática de outros actos que devessem ter sido praticados no âmbito do procedimento de licenciamento, nomeadamente para a promoção de consultas, como resulta do artigo l3.º do diploma em comentário, ou mesmo para a aprovação do projeto de arquitetura.

Apontávamos, ainda, como diferença entre estes dois meios processuais a circunstância de a intimação dever ser dirigida contra a autoridade competente para a prática do acto devido - a câmara municipal- enquanto na "condenação" teria legitimidade passiva o município, como pessoa coletiva de direito público na qual aquela se integra (artigo 10.°, n.º 2, do CPTA).

Do exposto resulta que a lntimação regulada neste preceito apresenta, por conseguinte, um regime especial e é aplicável apenas aos casos de omissão ou inércia administrativa, como vimos.

Voltemos à intimação judicial para a prática de acto legalmente devido, prevista no artigo 112.º do RJUE, e à sua relação com a condenação à prática de acto devido genericamente regulada no CPTA (artigo 66.º e ss.).

A introdução daquela intimação, antes mesmo desta condenação (que apenas surgiu com a ampla reforma do contencioso administrativo, por via da Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro), pretendeu evitar a desmultiplicação de deferimentos tácitos em matéria urbanística, quando estivesse em causa a apreciação de requerimentos que envolvessem uma acentuada margem de discricionariedade administrativa, o que poderia resultar em manifesto prejuízo para o interesse público urbanístico.

Assim, quando corresponda ao caso uma operação de licenciamento (aplicável nos termos do artigo 4.°, n.º 2), não se forma um qualquer acto tácito de deferimento [artigo 111.°, alínea a)], mas permite-se, tão-só, o recurso ao juiz administrativo, para que este proceda à intimação da autoridade competente para decidir. O silêncio funciona aqui como um mero dado de facto, que permite fundar o interesse em agir em juízo para obter uma providência condenatória.

Esta intimação, apesar de ser uma acção principal e não meramente cautelar e ter como efeito a condenação da Administração, apresenta-se com características diferenciadas da condenação à prática de acto devido, também ela fundada no princípio da tutela jurisdicional efectiva, porque:

a) Trata-se de um meio processual principal urgente (artigo 112.°, n.° 7), pelo qual o juiz condena a Administração a decidir, devendo, para tal, fixar um prazo que não pode exceder 30 dias, enquanto que a “condenação” é um meio processual também principal, mas não urgente;

b) É um meio limitado a situações de omissão ou silêncio, enquanto a “condenação” se alarga a hipóteses de indeferimento expresso do ato, de recusa da apreciação do requerimento, e de, após a revisão mais recente do CPTA, prática de acto administrativo de conteúdo positivo que não satisfaça integralmente a pretensão do interessado (artigo 67.°, n.º 1, do CPTA);

c) Enquanto que a intimação judicial pode ser iniciada imediatamente nos Tribunais Administrativos, a condenação à prática de acto devido depende, em regra, de uma fase pré-contenciosa que consiste na apresentação de requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir (artigo 67.º, n.º 1).

d) Este meio processual pode ser aplicado não só quando esteja em causa a prática de um acto administrativo [muito embora sejam estas as situações a que se refere a alínea a) do artigo 111.°], mas, de igual forma, a prática de outros actos que devessem ter sido praticados no âmbito do procedimento de licenciamento, nomeadamente para a promoção de consultas, como resulta do artigo 13.° deste diploma, ou mesmo para a aprovação do projeto de arquitetura.

A intimação regulada neste preceito apresenta, por conseguinte, um regime especial e é aplicável apenas aos casos de omissão ou inércia administrativa, como vimos.

Tratando-se de indeferimento expresso, de recusa expressa da prática do acto devido ou de reacção contra um acto positivo, o interessado terá de socorrer-se da acção de condenação à prática de ato devido, regulada no artigo 67.º, n.º 1, alíneas b) a c), do CPTA.

Mais se diga que, é consabido que o recurso jurisdicional deve incidir, apenas e tão-somente, sobre os vícios e erros que eventualmente afectem a decisão judicial recorrida e não já sobre os que inquinam a decisão administrativa contenciosamente impugnada, nomeadamente sobre a decisão de suspensão do alvará da licença de construção.

Com efeito, conforme se expendeu no Acórdão do STA, de 15/03/2007, proferido no recurso n.º 0209/05, disponível in www.dgsi.pt, “…o objecto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida e não o acto administrativo sobre que esta se pronunciou, o que obriga o Recorrente a demonstrar nas alegações e conclusões de recurso o desacerto daquela sentença, indicando as razões que o levam a concluir pela sua anulação e alteração”, o que com a argumentação expendida não logrou fazer.

No mesmo sentido, veja-se o Acórdão deste TCAN, de 12/02/2009, proferido no proc. n.º 00141/07.3BENF e o Acórdão do TCAS, de 18/05/2010, proferido no proc. n.º 03593/09.

Considerando o que foi decidido pelo Tribunal a quo nenhuns motivos se nos deparam para não acompanhar o entendimento vertido no aresto recorrido, sendo a argumentação nele vertida clara do ponto de vista expositivo e rigorosa do ponto de vista jurídico.

Acresce dizer ainda que, conforme acórdão do STA, Proc. 01065/08.2BEALM, de 21-03-2019, quanto à alegada “eventual” restrição de direitos análogos a direitos, liberdades e garantias, in casu, os direitos de propriedade e à habitação, impõe-se apenas sublinhar que, de acordo com a jurisprudência reiterada do STA, o direito de propriedade só tem natureza análoga aos direitos fundamentais, nos termos previstos no artº 62º, nº 1 da CRP, enquanto categoria abstracta, entendido como direito à propriedade; ou seja, como susceptibilidade ou capacidade de aquisição de coisas e bens e à sua livre fruição e disponibilidade (núcleo essencial), e não como direito subjectivo de propriedade, isto é, como poder directo, imediato e exclusivo sobre concretos e determinados bens.

Ou seja, a sujeição do direito de construção a normas de licenciamento não afronta, naturalmente, o direito de propriedade; ao invés, visa, num plano de legalidade, discipliná-lo com vista à obtenção da tutela de outros interesses públicos igualmente relevantes, como o urbanismo, o ordenamento do território, a defesa do ambiente.

Em suma:

-O Autor deveria ter intentado o processo urgente de intimação judicial para a prática de acto legalmente devido, no prazo de 20 dias, nos termos do art.º 112º do RJEU, o qual já se mostrava ultrapassado quando propôs a presente acção - art.º 105.º do CPTA, aplicável por força do n.º 7 do referido preceito do RJEU.

-Resultando do probatório que o ora Recorrente não impugnou a referida decisão de impor condições à emissão do alvará de construção e nem deu cumprimento às condições impostas pela Entidade Demandada para a emissão do mesmo, in concretu, não demoliu as construções clandestinas, conforme lhe foi ordenado, tal decisão firmou-se definitivamente na ordem jurídica.

-Logo, verificou-se a suspensão do decurso do prazo para a emissão do alvará de licença de construção requerido, com o despacho de 2007-08-10, não impugnado pelo Autor.

-Por tal prisma, não se antolha a verificação de qualquer ilegalidade ou omissão ilícita da Entidade Demandada, a qual só podia decidir e ter actuado como actuou até porque o Autor não demonstrou que tivesse procedido ao pagamento das devidas taxas, conforme justificado e de acordo com a fundamentação da sentença sob censura.

-Consequentemente, nunca poderia proceder na presente acção o pedido de emissão do alvará de construção e deve ser negado provimento ao presente recurso.


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3.- DECISÃO:

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.

Custas a cargo do recorrente.
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Lisboa,04 -07-2019
(José Gomes Correia)
(António Vasconcelos)
(Pedro Marchão)