Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01912/07
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:05/21/2015
Relator:ANA PINHOL
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I- No âmbito dos poderes consignados nos artigo 13º do CPPT e 99º da LGT competia ao Juiz realizar as diligências para apuramento da situação concreta e só após isso conhecer da mencionada questão da caducidade do direito à liquidação.
II. Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I.RELATÓRIO

……………………………, LDA, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA, datada de 25 de Janeiro de 2007, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de IRC, relativa ao exercício de 2000 e respectivos juros compensatórios, no montante de € 62.115,21.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

A. O direito a liquidar o IRC de 2000 caducou em 31 de Dezembro de 2004 e as notificações dos actos tributários de liquidação impugnados foram efectuadas já no ano de 2005.
B. Ora, o que o artigo 45° da LGT visa acautelar é a notificação válida da liquidação no prazo máximo de quatro anos, sob pena da caducidade do direito de liquidação. E como a Administração Fiscal, por inércia, não procedeu à emissão das notas de liquidação em tempo útil de serem validamente notificadas à Recorrente, recorreu ao expediente da certidão para notificação mediante a marcação de hora certa para tentar obviar a caducidade do direito.
C. Acontece, porém, que até dia 31 de Dezembro de 2004, não foi a ora Recorrente notificada de qualquer acto tributário de liquidação, pela simples razão de que o mesmo não existia, tendo sido emitido após essa data, tendo ultrapassado o prazo de caducidade legalmente estabelecido.
D. Assim, os actos tributários de liquidação impugnados são ilegais por ter caducado o direito à sua liquidação, tendo-se, por essa via, operado a extinção da relação jurídica tributária, devendo a douta sentença ora em apreço ser revogada, decidindo-se pela total procedência da impugnação.
E. Entendeu igualmente o Tribunal a quo não reconhecer razão à Recorrente quanto à frustração do Direito de Audição Prévia, entendendo que o prazo concedido pela AF à Recorrente para se pronunciar quanto ao projecto de conclusões, teria sido fixado nos termos legais.
F. O exercício do direito de audição prévia não pode ser coarctado com a fixação unilateral pela Administração Fiscal de um prazo de 8 dias, relativamente ao resultado de um período inspectivo que durou cerca de 5 meses.
G. A fixação do prazo não só deveria responder ao mínimo legalmente previsto, como deveria atender à complexidade e dimensão da inspecção, sendo que o desrespeito material destes imperativos é equiparado à falta absoluta de oportunidade do exercício do direito de audição prévia.
H. Diz o douto Tribunal a quo que o prazo estaria fixado nos termos do n°. 6 do artigo 60° da LGT, fixando o prazo entre 8 e 15 dias para o exercício do direito de participação do sujeito passivo. Neste pressuposto, entende a sentença que o CPPT se aplica sem prejuízo do disposto na LGT e que este se aplica às relações jurídicas tributárias em primeiro lugar e o CPPT em segundo.
I. Ora, aplicando-se o princípio da especialidade das fontes do Direito, ternos que o Código de Procedimento e Processo Tributário, sendo lei especial em relação à Lei Geral Tributária, regula particularmente e com maior pormenor as relações entre sujeitos passivos e Administração Fiscal no âmbito do procedimento tributário.
J. Assim, entende a Recorrente que, no âmbito do procedimento tributário, o prazo mínimo a estabelecer pela Administração Fiscal será de 10 dias.
K. Estão assim os actos tributários de liquidação impugnados enfermos de invalidade por preterição de formalidade essencial: a fase correspondente ao exercício efectivo do direito de audição prévia, devendo a sentença recorrida ser revogada também quanto a tal vício.
L. Toda a actividade da recorrente centra-se e desenvolve-se com base na criação e prestação artística do seu sócio gerente Hermann ………………. Daí resulta que os proveitos e os encargos relevantes da recorrente assentam fundamentalmente na «fonte» criadora de tais proveitos, o que pressupõe uma delimitação necessariamente subjectiva dos custos essenciais à preservação dessa «fonte» de proveitos, os quais deverão ser aceites fiscalmente.
M. À luz deste facto insofismável deverá ser correctamente interpretado e aplicado o disposto no artigo 23° do CIRC.
N. Essa criação artística, fonte produtora de proveitos da recorrente, é remunerada pela via dos rendimentos como gerente e por via de direitos de autor, e as despesas incorridas por causa dessa criação artística são suportadas e/ ou reembolsadas por se tratarem de custos que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (cfr. artigo 23° do CIRC).
O. O douto Tribunal, ao perfilhar o entendimento da Administração Fiscal, erra na interpretação e aplicação do disposto no artigo 33°/1 al. e) conjugado com o artigo 23° ambos do CIRC, quando acresce ao lucro tributável o montante de 29.863,71 euros relativo à amortização do exercício de 2000 referente ao barco e simultaneamente não aceita quaisquer custos com esta embarcação relacionados
P. No que concerne à correcção mais relevante do exercício de 2000 - custos alegadamente não documentados - o Douto Tribunal a quo erra na indagação, interpretação e aplicação dos artigos 115° e 117°/2, ambos do CIRC.
Q. A recorrente respondeu e no geral satisfez a pretensão da administração fiscal, ressalvando os documentos destinados a documentar um montante global de 49.845,16 euros, justificando e provando que não tinha sido possível a junção aos autos dos documentos requisitados por os mesmos terem sido destruídos no decurso das inundações que ocorreram nos armazéns da Animaria, onde as pastas com os referidos documentos de suporte da contabilidade se encontravam arquivados.
R. Ao desconsiderar o caso de força maior alegado e provado pela recorrente e, mais grave, ao qualificar tais factos tributários (custos) como «custos ou despesas não documentadas» e sujeitar as mesmas a tributação autónoma (cfr. art. 41° e n°. 4 do DL 192/90 de 9/6), o douto Tribunal para além de errar na interpretação e aplicação do direito procede a uma duplicação da tributação.
S. Ou seja, não aceita os custos num montante de 49.845,116 euros com fundamento na alínea h) do n°. 1 do artigo 42° do CIRC, o que significa que haverá tributação em sede de IRC nesse montante.
T. Todavia, não se trata no caso vertente de custos não documentados. Houve documentos, mas estes foram destruídos por uma causa exterior, inevitável e imprevisível, logo nunca por nunca se poderia subsumir tal situação à mais gravosa das situações tributárias: a dos custos não documentados ou despesas confidenciais.
U. Com efeito, a douta sentença incorre em erro de julgamento de facto e de direito quer porque não fundamenta legalmente a conclusão de que as despesas em causa não se encontravam documentadas, face ao disposto no art. 41º, n.º 1, alínea h) do CIRC (tempus regit actum), quer ainda porque não podia ter julgado provado que as despesas em causa deviam ser tributa das autonomamente.
V. Em sede de IRC, para efeitos de determinação do lucro tributável, admite-se que, no caso de inexistência de documento de origem externa, a prova dos custos possa ser feita por outros meios de prova. A prévia existência dos documentos de suporte e a sua posterior destruição por motivos de força maior não poderá significar que o seu lançamento contabilístico seja fictício.
W. No exercício dos poderes inquisitórios pode o julgador realizar ou ordenar as diligências que se afigurem úteis para a descoberta da verdade quer relativamente aos factos alegados quer às questões que oficiosamente deva conhecer e que, por outro lado, o custo não documentado pode relevar fiscalmente se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto, então impõe-se que o Tribunal proceda a diligências no sentido de averiguar as alegadas circunstâncias factuais articuladas na PI.
X. A Administração Fiscal não se limitou a desconsiderar como um custo do exercício as referidas despesas, acrescendo-as ao lucro tributável declarado, tendo para além disso procedido à sua tributação autónoma à taxa então vigente de 32%, ao abrigo do Dec-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, como uma despesa confidencial ou não documentada.
Y. As despesas não documentadas mas não confidenciais, são susceptíveis de sobre elas ser produzida outro tipo de prova, designadamente a prova testemunhal para prova do bem fundado do seu lançamento na contabilidade (Cfr. neste sentido quanto a tal prova, o acórdão do TCAS de 25.3.2003, recurso n.º 7236/02).
Z. O facto de a ora recorrida não ter apresentado os correspondentes documentos externos dessas operações, que constituem os meios típicos de as demonstrar, por não ter sido possível, como invocou, também não permite desde logo concluir que tais despesas não existiram para os efeitos pretendidos.
AA. E, não obstante ter a recorrente arrolado testemunhas para prova também deste facto, o douto Tribunal a quo entendeu não serem necessárias diligências de prova, não pugnando, assim, pela descoberta da verdade material e decidindo, erradamente, pela improcedência da impugnação, também quanto às "despesas não documentadas".
BB. Devendo, para o efeito, ser a douta sentença revogada igualmente quanto à tributação de tais despesas.
CC. Os encargos com electricidade de alguns imóveis, relativos ao exercício de 2000, no montante de 1.897,04 euros devem ser tidos como custos da sociedade, porque relacionados com a fonte produtora dos proveitos.
DD. Pelos mesmos factos, o douto Tribunal a quo erra igualmente na qualificação dos custos quando não aceita despesas com condomínios de apartamentos que imobilizado, nos respectivamente pertencem à recorrente e fazem parte do respectivo montantes de 4.298,56 euros 1.190,01 euros,
EE. Mas, apesar disso o douto Tribunal dá razão à Administração Fiscal e vem exigir juros compensatórios nos termos do artigo 94" do CIRC e 91°/1 do CIRS. Este juros compensatórios não são devidos quer porque, como se demonstrou, não existe qualquer retardamento da liquidação do imposto devido por facto imputável à recorrente., quer finalmente porque o acto de liquidação supostamente retardado é ilegal e anulável.
FF. Nestes termos deveriam os actos tributários ter sido anulados, com fundamento nos seguintes vícios:
a) Caducidade do direito de liquidar o IRC e juros compensatórios, referentes ao ano de 2000;
b) Preterição de formalidades essenciais, designadamente a frustração do direito de audição prévia;
c) Errónea qualificação e quantificação dos factos tributários;
d) Vicio de violação de lei (erro na indagação e aplicação do direito).
GG. Não o tendo feito, e não tendo o douto Tribunal a quo ordenado as diligências necessárias ao correcto e devido esclarecimento dos factos, nem interpretado em conformidade as disposições legais aplicáveis, ocorreu em manifesto erro de julgamento de facto e de direito, devendo a sentença em apreço ser revogada, decidindo-se pela total procedência da impugnação e anulando-se, em consequência, os actos tributários impugnados.

Termos em que, e nos demais doutamente supridos
por V. Exas., deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a sentença sub judice, anulando-se os actos tributários impugnados, seguindo-se os ulteriores termos legais.»

Não foram apresentadas contra alegações.


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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de que seja negado provimento ao recurso.

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Colheram-se os vistos dos Juízes Desembargadores adjuntos.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

No caso trazido a exame, as questões a decidir consistem em saber:
(i) se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando julgou não verificada a caducidade do direito de acção, o que passa por indagar se pode considerar-se validamente efectuada a notificação da liquidação impugnada e em que data - [conclusões A a D] -;
(ii) se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando julgou não verificada preterição de formalidades essenciais consistentes na frustração do direito de audição prévia - [conclusões E a K] -;
(iii) se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando julgou legal a desconsideração , por parte da ATA, de certos e determinados custos fiscais do exercício de 2000 - [conclusões L a Z] -.


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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DE FACTO
Na sentença recorrida fixou-se o quadro factual e indicou-se a fundamentação respectiva que nos seguintes termos:
«1) As liquidações ora em causa tiveram a sua origem em resultado de uma acção inspectiva levada a efeito pelos Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, conforme se verifica pelo relatório de fls. 29 e seguintes dos autos.
2) Na sequência da mesma, a Administração Tributária ( AT ) considerou como amortização não aceite fiscalmente o valor de € 29.863,71, com fundamento que as reintegrações de barcos de recreio não são aceites como custo fiscal, nos termos do artigo 12° do Dec.-Reg. 2/90, de 12/0I.
3) A AT considerou como despesas não aceite como custo fiscal o montante de € 1.930,20, respeitante ao prémio de seguro de um barco, com fundamento na não indispensabilidade da mesma para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
4) Todavia, a impugnante veio alegar já haver acrescido este custo à matéria colectável, no devido campo da declaração modelo 22 correspondente ao exercício de 2000, cuja cópia anexou como documento n° 7.
5) A AT não considerou como custo fiscal encargos no valor de € 49.845,16 por entender que constituíam custos não documentados.
6) A AT considerou como encargos não aceites como custo fiscal valores no montante global de € 7.385,61, relativos a despesas relacionadas com o pagamento de contas de electricidade e despesas de condomínio, por entender que não se relacionavam com a actividade da empresa, não sendo, assim, indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
7) Face ao exposto, a AT efectuou várias correcções técnicas, as quais determinaram que, para o exercício de 2000, o lucro tributável fosse corrigido de € 532.347,62 para € 621.372,62.
8) A AT considerou a existência de tributação autónoma de encargos com viaturas ligeiras de passageiros, no montante de € 583,36, respeitante a despesas efectuadas com amortizações, conservação e reparação e seguros relativos àquelas viaturas.
9) A impugnante alega haver a tributação Autónoma já operado sobre os encargos com os seguros e as reparações relativos às referidas viaturas, anexando, a este propósito cópias de mapas de apuramento e de extractos de conta, para além da já referida cópia da declaração modelo 22 referida supra (ponto 4 ).
10) A AT considerou a existência de tributação Autónoma, à taxa de 32%, relativa aos custos não documentados acima descritos ( € 49.845,16 x 32% = € 15.950,45 ), montante ao qual há que retirar a quantia de € 102,31, já contabilizada, como tal, pela impugnante.
11) Nestes termos, o montante global apurado pela AT, em sede de tributação autónoma relativa ao exercício de 2000, é de € 16.431,50 ( € 583,36 + € 15.950,45 - € 102,31 =€ 16.431,50)
12) Hermann…………………. era sócio maioritário e gerente da impugnante.
13) A ora impugnante foi notificada da liquidação relativa ao IRC respeitante ao ano de 2000 ( fl. 26 dos autos ).
14) No âmbito do procedimento inspectivo que levou a cabo junto da impugnante, a AT notificou esta para, no prazo de oito dias, vir exercer o direito de audição prévia.
15) A impugnante procedeu ao pagamento da quantia de IRC em dívida em 19-01- 2005 ( fl. 24 dos autos ).
16) A impugnante deduziu a presente impugnação em 09-03-2005 ( fl. 4 dos presentes autos ).

Factos não provados:
Constituindo "matéria [...] relevante" para a solução da "questão de direito" - artigo 511°, n° 1 do Código de Processo Civil -, nenhum.»


Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto

Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se, a coberto do estatuído no artigo 662, nº.1, do CPC ex vi artigo 281º do CPPT ao probatório, a seguinte factualidade:

17) Consta dos autos (fls.25) certidão marcando hora certa, datada de 28 de Dezembro de 2004, cujo teor se transcreve: «Certifico que, tendo vindo hoje, pelas 11H15, à morada a seguir indicada, a fim de notificar o sujeito passivo …………………., Lda, com o NIF ………………, residente na R. …………….. – ….. 1250 Lisboa relativo ao(s) Documento(s) de Cobrança –resultante(s) da(s) liquidação (ões)de imposto(s) e /ou de juros compensatórios respeitante(s) ao ano de 2000, conforme listagem que a seguir se descrimina, não o consegui fazer em virtude de na referida sede/domicilio não se encontrar qualquer pessoa.

Imposto N.º Doc. de Cobrança
IRC ……………………..
Por esse motivo, deixo-lhe indicação de Hora Certa, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 240.º do Código de Processo Civil (CPC), ficando desse modo avisado que, no próximo dia 29 de Dezembro de 2004, pelas 11h30 horas, será contactado neste local, para levar a efeito a notificação que hoje me propunha a fazer, ficando ainda avisado que, se no dia indicado não se encontrar presente, a notificação será feita na pessoa que em melhores condições se encontrar nesta morada para a transmitir ao sujeito passivo e/ou ao (s) seu (s)representante (s)legal(is).
Caso não seja possível a colaboração de terceiros, a notificação será feita por afixação da Nota de Notificação na presença de duas testemunhas ( n.º 3 do art. 240º do CPC) valendo como Notificação Pessoal.»

18) Consta dos autos ( fls 26) certidão de hora certa, datada de 29 de
Dezembro de 2004, cujo teor se transcreve: « Ficou o sujeito passivo ………………, Lda, com o NIF ……………., residente na R……………, …………. 1250 Lisboa , notificado da(s) liquidação(ões) de imposto(s) e/ou de juros compensatórios, por afixação deste documento e de cópia de certidão de verificação de hoar certa, respeitante(s) ao não de 2000, conforme listagem que a seguir se discrimina:
Imposto N.º Doc. de Cobrança
IRC …………………

Os elementos objecto desta notificação, estão á sua disposição no
Serviço de Finanças de Lisboa 2ª
De todas as diligências e da cópia da notificação, lhe são enviadas cópias em carta registada, nos termos do art. 241º do Código Processo Civil

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B. De Direito
Em causa no presente recurso está a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios referente ao exercício de 2000.
A recorrente não se conforma com o decidido, continuando a sustentar a caducidade do direito à liquidação, preterição formalidades essenciais consistentes na frustração do direito de audição, errónea qualificação/quantificação dos factos tributários e erro na aplicação do artigo 23º do CIRC.

O Mmº Juiz «a quo» apreciou todas estas questões no sentido desfavorável à recorrente.

Quanto à ORDEM DE CONHECIMENTO DOS VÍCIOS - erros de julgamento – imputados à sentença, tendo em conta o artigo 124º do CPPT, começaremos por analisar a caducidade do direito à liquidação, seguido o vício procedimental e seguindo-se as demais ilegalidades/vícios diagnosticados ao acto de liquidação impugnado.

Vejamos, então

· Da caducidade do direito à liquidação.

A primeira questão a apreciar consiste, conforme delineado no ponto III, em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao nela se ter considerado por não verificada a caducidade do direito à liquidação de IRC do ano de 2000.

A argumentação facto-jurídica expendida pelo Mmº Juiz « a quo» para assim decidir foi a seguinte: « (…) a liquidação foi validamente notificada à impugnante em 29-12- 2004, que, não obstante se não ter valido do meio previsto no art. 37° do CPPT, tomou, de qualquer forma, conhecimento dos respectivos fundamentos, em nada ficando prejudicados os seus meios de defesa contra a mencionada liquidação, o que se conclui pela apresentação, no prazo normal para o efeito, da presente impugnação, acompanhada dos documentos que a ela estão anexos sob os números 1, 2 e 3.»

A recorrente insurge-se contra o assim fundamentado e decidido por, no fundamental, o entender que, até ao dia 31 de Dezembro de 2004, não foi notificada de qualquer acto tributário de liquidação, pela simples razão de que o mesmo não existia, tendo sido emitido após o prazo legal previsto no artigo 45º da LGT. Alega, ainda a recorrente que requereu que a ATA viesse aos autos provar o contrário, o que não fez, nem mereceu a devida aquiescência do Tribunal «a quo».

Vejamos, então.

Constitui uma garantia dos contribuintes a caducidade do poder de determinação do montante do imposto e de outras prestações tributárias, pelos serviços da ATA, quando o valor dessa determinação não for notificado ao contribuinte no prazo fixado na lei, nos impostos periódicos, a partir do termo daquele em que ocorreu o facto tributário.

Assim, a caducidade do direito de liquidação, como a caducidade em geral, serve-se de prazos pré – fixados, caracterizados pela peremptoriedade e, no ensinamento de Aníbal de Castro, A Caducidade na Doutrina, na Lei e na Jurisprudência, pág. 41, visa «limitar o lapso de tempo a partir do qual ou dentro do qual há de exercer-se o direito...», havendo sido invocada logo na petição inicial como fundamento da impugnação.

A questão da caducidade do direito à liquidação prende-se, assim, com a validade substancial do acto tributário, contendo com a sua validade e, por consequência, constitui fundamento da impugnação judicial. Como refere Joaquim Gonçalves «a obrigatoriedade da notificação da liquidação no prazo de caducidade não retira ao próprio acto da notificação a natureza do requisito de eficácia, embora para efeitos de caducidade tal notificação tenha, por força da lei, definido um regime especial, pois que releva, agora, também como pressuposto da caducidade do direito à liquidação por parte do Estado, esta, sim, uma ilegalidade concreta que afecta a validade do acto de liquidação e que, como tal, é susceptível de fundamentar a respectiva impugnação». (“A caducidade face ao direito tributário”, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, p. 237).

A LGT determina no seu artigo 45º, nº 1 que «o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro».

O que significa que, para evitar a caducidade do direito de liquidar não basta que a liquidação tenha sido simplesmente operada dentro do pertinente prazo; é necessária a ocorrência da indispensável notificação válida da liquidação ao contribuinte.

No caso vertente, por estarmos em presença de um imposto periódico (IRC) o prazo de caducidade contava-se, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (cfr. nº 4 do mesmo preceito legal). (entre muitos outros no mesmo sentido o acórdão do STA de 20.10.2010, proferido no processo n.º 0112/10, disponível no endereço www.dgsi.pt)

Assim, a caducidade do direito à liquidação de IRC do exercício de 2000 (que iniciou em 1 de Janeiro de 2001) só ocorreria, se a liquidação não fosse validamente efectuada à recorrente até 31.12.2004.

Aqui chegados, são duas as questões que reclamam apreciação. A primeira prende-se, naturalmente com as regras do ónus prova e a segunda com a validade da notificação da liquidação de IRC em crise nestes autos.

Comecemos, a abordagem pela ordem indicada.

Por força do disposto no artigo 74° da LGT, recai sobre a Administração Tributária e Aduaneira (ATA) o ónus da prova da notificação da liquidação. O que bem se compreende, na mediada em que é a ATA quem toma a iniciativa de dirigir a notificação ao contribuinte e por isso é ela quem tem o ónus de demonstrar que o fez de forma correcta, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais.

Enquadrada a questão relativa às regras do ónus da prova, centremo-nos, agora, na validade da notificação da liquidação.

A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30/9, prevê no seu artigo 268.º, n.º 3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra, 1993, pág.935).

Nos termos do n.º 1 do artigo 36.º do CPPT, os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.

No que diz respeito à notificação que tenha por destinatário as sociedades (como sucede no caso vertente), em face do preceituado no artigo 38.º, n.º 1, do CPPT, ela é efectuada, em regra, através de carta registada com aviso de recepção, sempre que tenha por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, como é o caso dos actos tributários de liquidação. Tal notificação deverá ser efectuada em nome da própria sociedade, mas tem de ser levada à prática em determinadas pessoas físicas, à semelhança do que sucede no processo civil (cfr. artigo 237.º, do CPC).

Refere o artigo 41º, nº 1, do CPPT que «As pessoas colectivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, (…)».

E, de acordo com o nº 2 deste preceito «Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade».

O normativo parcialmente transcrito, consagra assim, as pessoas em quem pode ser feita a notificação, tanto no caso da notificação postal como no caso da citação pessoal. Sendo este o objectivo da referida norma, serão aplicáveis, quanto às notificações por carta registada, as regras relativas à “perfeição das notificações” previstas no artigo 39.º, do mesmo diploma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6.ª edição, 2011, pág.400 e seg.).

O artigo 38º, n.º5 do CPPT permite que a entidade que dirige o procedimento ordene que se proceda a notificação pessoal quando o entender necessário.

Repare-se, aliás, que, apesar de no CPC se prever que a citação mediante contacto pessoal com o citando só deve ocorrer se se frustrar a via postal (cfr. nºs. 1 e 8 do artigo 239º do CPC), o CPPT não contém tal exigência, apenas prevendo, para as notificações, que a entidade competente que dirige o procedimento pode ordenar que se proceda à notificação pessoal, tal quando o entender necessário.

O que significa que a escolha da notificação pessoal pela entidade competente da administração tributária, para transmitir ao destinatário o conteúdo do acto tributário, constitui manifestação do exercício de um poder discricionário que deve ponderar a eficácia no cumprimento do objectivo visado. (Neste sentido vide: Acórdão do STA de 21.09.2011, proferido no processo n.º 0305/11disponivel no endereço www.dgsi.pt).

No caso sub judice, a ATA promoveu a notificação da liquidação sindicada por contacto pessoal (pontos 17 e 18 do probatório- alteração oficiosa), como lho permite, como já demos nota por força do artigo 38º, n.º5 do CPPT.

À notificação pessoal aplicam-se as regras sobre a citação pessoal, como resulta do n.º 6 do referido artigo 38.º do CPPT.

O artigo 240º, nº5 do CPC considera como citação pessoal a citação com hora certa, a qual só pode ter lugar quando se confirme a residência do citando no local, e o citando aí não seja encontrado.

E de acordo com o regime constante dos vários números deste artigo 240º, bem como do artigo 241º, ambos do CPC, deve, naquele caso (confirmada que seja a residência do citando no local e este aí não seja encontrado) ser procurada a pessoa que esteja em melhores condições de lhe transmitir a hora certa ou, caso tal seja impossível, é deixado aviso com indicação dessa hora.

Se, à data e hora indicada, de novo o citando não for encontrado, nem pessoa que possa transmitir-lhe a citação, esta faz-se mediante afixação de nota de citação.

E cumpridas estas formalidades, para que a citação/notificação fique perfeita, é enviada carta registada ao citando/notificando, dando conta do ocorrido, no prazo de dois dias úteis.

No caso, não é questionada a observância destes requisitos previstos na lei para a notificação operada (sendo que a inobservância de algum desses requisitos ou a existência de alguma irregularidade a eles atinente, a ter ocorrido, sempre teria que ser arguida e alegada pela recorrente).

Efectivamente, o que se retira da matéria vertida nos artigos 5º a 12º da petição inicial (fls. 4 a 20 dos autos), na qual a recorrente erigiu como causa de pedir a caducidade do direito à liquidação de IRC do exercício de 2000, é que aquela alega que somente foi notificada do dito acto tributário no ano de 2005.

Saliente-se que, no artigo 13º da mesma peça processual requereu «a notificação da Administração Fiscal para vir juntar aos autos prova da data do registo das cartas que contem os actos tributários de liquidação de IRC de 2000 e respectivos juros compensatórios» e fê-lo ao abrigo do disposto no artigo 529º do CPC.

No caso vertente, o Mmº Juiz do Tribunal «a quo» após a apresentação de contestação pela Fazenda Pública decidiu «que os autos contem os elementos necessários para a decisão sendo dispensadas outras diligências»( fls.84 dos autos).

O que significa, que em face da natureza da matéria invocada, considerou que não havia necessidade da requerida diligência probatória e produção da prova testemunhal, expressando, assim, a sua opção pelo imediato conhecimento do pedido.

Ora, na situação dos autos do confronto entre os concretos pedidos formulados pela recorrente (caducidade do direito à liquidação errónea quantificação dos factos tributários) na petição inicial, e respectivas causas de pedir, tal como foi por ela ali configuradas, tendo por conseguinte presente os (concretos) fundamentos, de facto e de direito, em que suportou o direito que se arroga, por um lado, com as razões aduzidas pela Fazenda Pública na sua contestação, em defesa da sua posição, que vai no sentido de considerar a recorrente validamente notificada em 29.12.2004, por outro, resulta que havia efectivamente matéria de facto controvertida que importava à decisão da causa, de modo que o Mmº Juiz «a quo» não estava em condições de proceder à apreciação total do mérito dos pedidos deduzidos como fez.

Com efeito, a recorrente havia sustentado na sua petição inicial que a notificação da liquidação somente ocorrera no ano de 2005 e requerera que a Fazenda Pública viesse aos autos juntar prova da data do registo das cartas que contem os actos tributários de liquidação sindicados.

Contudo, o Mmº Juiz «a quo» com base no documento junto aos autos a fls.26, deu como assente que: «A ora impugnante foi notificada da liquidação relativa ao IRC respeitante ao ano de 2000». O que fez sem que tenha submetido tal facto a instrução, como se impunha. Por outro lado, pese embora a factualidade dada como assente nos ter permitido ajuizar que a recorrente foi notificada da liquidação sindicada, o que também não é contestado pela mesma, impõe-se no entanto determinar em que momento pode considerar-se aquela notificada do acto impugnado e a data em que o mesmo foi emitido.

Desde logo, importa lembrar que é precisamente a data em que foi emitida a liquidação adicional e bem assim a sua notificação que constituem o núcleo da matéria a apreciar para efeito do juízo a emitir sobre a invocada caducidade do direito à liquidação.

Ora, o Mmº Juiz «a quo» só poderia dispensar a fase de instrução dos autos «se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários» (cfr.artigo 113.º do CPPT), o que não ocorre nos presentes autos, conforme ficou demonstrado.

Ademais, colocando a ATA em causa a indispensabilidade dos custos reflectidos nas correcções referenciados e tendo a recorrente arrolado testemunhas, também neste segmento « não pode considerar-se dispensável a prova testemunhal arrolada com vista a fazer a prova de factos alegados na petição e referentes à demonstração daquele requisito, mormente se acaba por concluir-se que o contribuinte não demonstrou (como era seu ónus) nem a efectividade nem a indispensabilidade daqueles gastos(Acórdão do STA (Pleno) de 22.01.2014, proferido no processo 01632/13disponível no endereço www.dgsi.pt)

Nesta perspectiva, cabe concluir encontrar-se o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença, inquinado por défice instrutório, porquanto existe a possibilidade séria de a produção da prova requerida em falta implicar o estabelecimento de outro, sobretudo, mais alargado cenário factual, capaz de, pela sua amplitude, esclarecer melhor todos os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão do mérito da causa.

Na verdade, no âmbito dos poderes consignados nos artigo 13º do CPPT e 99º da LGT competia ao Juiz realizar as diligências para apuramento da situação concreta e só após isso conhecer da mencionada questão da caducidade do direito à liquidação. Não o tendo feito, verifica-se insuficiência de instrução determinante de anulação da sentença tal como se prevê no artigo 712º do CPC (artigo 662º NCPC).

O que significa, que se impunha que o Mmº Juiz «a quo» notificasse a Fazenda Pública para, em prazo razoável, a fixar, juntasse os elementos documentais requeridos pela recorrente.

E, só face à inacção da Fazenda Pública é que o Mmº Juiz «a quo» poderia decidir, segundo as regras do ónus de prova nos termos fixados na lei, e que atrás enunciamos.

Nesta conformidade, merece provimento o presente recurso, mostrando-se prejudicada a apreciação das restantes questões, nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2 ex vi artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC.

IV.DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste do Tribunal Central Administrativo Sul, em concedendo provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa do processo para a apontada instrução, fixação da matéria de facto e prolação de nova sentença.


Sem custas.

Lisboa, 21 de Maio de 2015.

[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Cristina Flora]