Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07141/13
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/26/2014
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUASA
Descritores:FACTURAS FALSAS/ OMISSÃO DE PRONÚNCIA/ INFORMAÇÕES OFICIAIS/ FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO/ ÓNUS DA PROVA/ DÚVIDA FUNDADA
Sumário:I. A nulidade por omissão de pronúncia [também prevista no actual artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC, a que correspondia o anterior artigo 668º, nº1, alínea d) do mesmo diploma], só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Tal significa, no que concerne aos deveres de cognição do Tribunal, que ao juiz se impõe a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, naturalmente, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
II. Informações oficiais e relatório de inspecção tributária são realidades distintas e que não se confundem. Um relatório de inspecção não é uma informação oficial, pois estas, pela sua própria natureza, não se destinam a “fundamentar o acto tributário, pelo que as suas deficiências não podem repercutir-se sobre a validade deste”. Assim, a questão da alegada violação do artigo 115º, nº 2 do CPPT, quando reportada ao relatório de inspecção, nem sequer se coloca, uma vez que, independentemente de o mesmo estar, ou não, fundamentado em critérios objectivos, a verdade é que tal relatório não é uma informação oficial, nos termos previstos no referido preceito legal.
III. A exigência legal e constitucional de fundamentação visa, desde logo, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua contestação. A fundamentação dos actos deverá consistir, no mínimo, numa exposição concisa dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, dando a conhecer ao interessado, o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão para decidir no sentido em que decidiu e não noutro qualquer.
IV. Quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.
V. A Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.
VI. Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.
VII. Dispõe o artigo 100º, nº1 do CPPT que sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado. Tal mais não é que a aplicação ao processo judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário, constante do artigo 74º, nº1 da LGT (idêntica à regra prevista no nº1 do artigo 342º do CC), nos termos da qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração e dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
VIII. Aplicando aquela regra respeitante ao ónus da prova, no processo judicial, dever-se-á concluir “que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele nº1, justificarem a anulação do acto”.
IX. Compete, pois, ao contribuinte o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artigo 19.º do CIVA, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

... , inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IVA (e correspondentes juros compensatórios) do ano de 2004, no montante de 16.804,36€, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

«1. As facturas na factura nº138, de 10 de Abril de 2004, emitida pelo fornecedor ... , Lda., traduz a efectiva compra de mercadorias por parte do ora recorrente.

2. A questão essencial em análise no caso sub judice, prendia-se e prende-se com a correcta ou incorrecta classificação das facturas tidas como falsas pela Administração Tributária, no relatório de inspecção tributária.

3. Tal só podia ser alcançado mediante uma análise aos elementos fáctico-jurídicos enunciados pela Administração Tributária para justificar a consideração de tal factura como falsa.

4.Para tanto, era necessário ter em atenção a realidade do sector corticeiro.

5. Pelo que havia que atender à prova testemunhal produzida nesse sentido, bem como aos demais elementos dos autos que permitiam constatar que a AT, concluiu por presunção, como resultado de inúmeras outras presunções.

6. Ao não atender à prova testemunhal levada a efeito, decide de forma incorrecta e infundada, bem como ao aderir às conclusões do relatório de inspecção tributário que conclui por presunção, a Meritíssima Juiz "a quo", violou o disposto no art.115°, nº2 do CPPT, uma vez que aquele como se demonstrou, não se encontra fundamentado segundo critérios objectivos, incorrendo assim em erro de julgamento da matéria de facto.

7. Tanto mais que ignorou as razões evocadas pelo ora recorrente, tanto em sede de Petição Inicial como de Alegações Escritas, como se pode constatar pelos articulados juntos aos autos, incorrendo assim em vício de falta de pronúncia sobre questões que devia apreciar, sendo por isso a sentença que se recorre nula nos termos do art.125º, nº1 do C.P.P.T., na medida em que tais argumentos foram exaustivamente invocados pelo ora recorrente, nunca tendo merecido qualquer resposta.

8. Aliás, os factos decorrentes da prova testemunhal, bem como os demais factos invocados pelo ora recorrente, tinham necessariamente que constar da matéria de facto provada, porquanto, aqueles eram suficientes para demonstrar a falta de fundamentação das liquidações impugnadas e,

9. Consequentemente, ao assim não entender a Meritíssima juiz "a quo" pôs em crise o preceituado nos arts. 268º nº3 da Constituição da República Portuguesa, artº 125º do Código do Procedimento Administrativo e art.77º da Lei Geral Tributária, segundo os quais as liquidações adicionais impugnadas nos autos careciam de estar fundamentadas de facto e de direito.

10. E no caso concreto entende-se que tais liquidações carecem de fundamentação, porquanto as mesmas não são claras, coerentes ou sequer lógicos os argumentos da Administração Tributária, incorrendo assim no vício de falta de fundamentação a que alude o art.125, nº2 do CPA, falta essa que invalida a decisão por nulidade em virtude de preterição de formalidade essencial, como alude o art.133º, nº1 do CPA.

11. Ao considerar válida a actuação do caso dos autos, cuja invalidade deveria ter sido decretada na sentença, incorreu esta em erro de julgamento por violação das disposições já referidas.

12. Mais, salvo melhor opinião, fez a sentença uma errada aplicação das regras do ónus da prova a que alude o art.342º do C. Civil, porquanto era à AT a quem cabia em primeiro lugar, demonstrar que a factura dizia respeito a uma operação simulada, como decorre do art.19º do CIVA e da presunção da veracidade das declarações dos contribuintes (cfr. Art.75º da LGT), devendo também assim serem anuladas as liquidações impugnadas.

13. Tendo em conta os valores em causa, não pode o julgador satisfazer-se com juízos de mera probabilidade, pelo que se tinha dúvidas, ainda assim deveria a Meritíssima Juiz anular os actos impugnados uma vez que, por aplicação do art. 100º, nº1 do CPPT, na ausência de tal certeza, a incerteza sobre o facto, resultará na anulação dos actos impugnados, o qual exprime um dos princípios basilares do processo tributário, "in dubio contra fisco".

14. Por último, não tendo sido dado como provado que a factura nº138, de 10 de Abril de 2004, emitida pelo fornecedor ... , Lda. é falsa, nunca poderia a sentença manter as liquidações impugnadas.

Termos em que e nos demais de direito e com o mui douto suprimento de V. Exas deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência anulada a decisão recorrida, de acordo com os fundamentos constantes das precedentes alegações e conclusões. Assim fazendo V. Exas a costumada JUSTIÇA».


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir já que a tal nada obsta.

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As questões que constituem objecto do presente recurso, são as seguintes:
a) Se a sentença é nula por omissão de pronúncia – artigo 125º, nº 1 do CPPT;
b) Se a sentença recorrida errou no julgamento da matéria de facto, concretamente por não ter consignado na matéria de facto provada os factos alegados pelo impugnante e demonstrados através da prova testemunhal produzida;
c) Se a sentença recorrida violou o artigo 115º, nº2 do CPPT, por ter aderido às conclusões do relatório de inspecção que não se mostra fundamentado em critérios objectivos;
d) Se a sentença errou no julgamento de direito, violando os artigos 268º, nº3 da CRP, 125º do CPA e 77º da LGT, ao não ter considerado verificado o vício consistente na falta de fundamentação das liquidações impugnadas;
e) Se a sentença recorrida errou na aplicação in casu das regras do ónus da prova, concretamente do disposto no artigo 342º do C. Civil, porquanto era à AT que cabia demonstrar que a factura dizia respeito a uma operação simulada;
f) Se a sentença errou na aplicação do direito, concretamente por não ter feito actuar o artigo 100º, nº1 do CPPT, segundo o qual sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

A) O Impugnante dedica-se às actividades de compra e venda de cortiça por grosso e aluguer de máquinas e equipamentos (cfr. artigo 1º da p.i.);

B) Em 2004.07.20, o Impugnante submeteu via internet a declaração periódica de IVA, do período de 2004/06t, constante de fls.13 a 14 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual se declara como base tributável € 79 750,00, total de imposto a favor do sujeito passivo € 30 824, 15 e total de imposto a favor do Estado € 15 152, 50;

C) Em 2005.07.22, o Impugnante entregou a declaração de substituição n°103997273473, relativa a IVA do período de 2004/06t, na qual declara como base tributável € 79 750,00, total de imposto a favor do sujeito passivo € 424,15 e total de imposto a favor do Estado € 15 152,50 e satisfez de imediato o montante de € 14 728,35, resultante da diferença entre as declarações (cf. fls. 15 a 16 dos autos);

D) A escrita do impugnante dos exercícios de 2001, 2002, 2003 e 2004, foi inspeccionada;

E) Do relatório de inspecção tributária, elaborado em 2005.08.29, constante de fls. 2 a 34 do processo administrativo (PA), que aqui se dá por integralmente reproduzido, transcreve-se:

i.(…);

ii. 2.3.4 - Análise Contabilística/Fiscal

1. A presente acção de inspecção visou principalmente o controlo das facturas de aquisição de mercadorias por parte do sujeito passivo em questão, nos anos em análise, atendendo ao teor da informação remetida pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro;

2. Deste modo, foram validados a totalidade dos documentos registados na conta POC 31 - Compra de Mercadorias, de modo a identificar os documentos emitidos por indivíduos e/ou empresas com irregularidades ao nível do Imposto Sobre o Valor Acrescentado e do Imposto Sobre o Rendimento, em termos declarativos e/ou de pagamento;

3. Conforme adiante se esclarece e considerando o conteúdo da informação fornecida pelos Serviços de Inspecção Tributária da direcção de Finanças de Aveiro, as facturas emitidas em nome dos fornecedores a seguir identificados não são verdadeiras e não titulam quaisquer transacções comerciais existentes entre eles, embora o sujeito passivo continue a afirmar que foram aqueles senhores que lhe venderam a cortiça ou pelo menos que se identificaram como tal;

iii. 2.3.4.1 - Validação das compras

iv. 2.3.4.1.1 - Identificação dos fornecedores com irregularidades fiscais;

1.(...);

2. Exercício de 2004

a. Fornecedor: ... , Lda.;

b. No decurso deste ano, apenas foi efectuada uma única aquisição de mercadorias;

v. (...);

vi. 2.3.4.1.2.3 - ... , Lda., NIPC ...

1. Trata-se de um pseudo contribuinte, que se identifica pelo NIPC ... , número inexistente (...), com o domicílio fiscal "impresso nas facturas" na Rua ... , n°12, freguesia de ... da ... , concelho de Santa Maria da Feira;

vii. 2.3.4.1.2.4 - Conclusões da acção de Inspecção levada a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro, relativamente aos fornecedores ... e ... , Lda.

1.(...);

2. A sociedade ... , Lda., é inexistente, inventada, talvez, por o nome individual do Sr. ... estar já muito deteriorado comercialmente junto dos seus clientes de facturas, estando a fornecer, agora, facturas em nome desta;

3. Não existência de quaisquer instalações comerciais ou industriais;

4. Que todas as facturas timbradas (...) em nome da sociedade denominada ... (...) detectadas em circulação no sector corticeiro, são falsas / fictícias, devido ao facto de o mesmo não ter exercido qualquer actividade de natureza comercial ou industrial.

5.Situação confirmada pelo próprio, tendo até declarado que a sua actividade se tem resumido à venda de facturas a troco de cinco a dez contos;

6.Que outros sujeitos passivos que tinham na sua contabilidade facturas destas já procederam voluntariamente às correcções devidas

viii. (...);

ix. Capítulo III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável

x. 3.2 - Imposto Sobre o Valor Acrescentado

xii .3.2.1 - Dedução de imposto com base em operações simuladas

xiii. (...);

xiv. 3.2.1.4 - Exercício de 2004

xv. 3.2.1.4.1 - Também, neste exercício, deduziu indevidamente o IVA, mencionado em documento que corporiza operação simulada e cujo fornecedor nem se encontra registado para efeitos de IVA e IRC, no montante de € 30 400,00;

xvi. O documento que suporta a presente correcção é o seguinte:

1. N° 138;

2. Data: 2004.04.10;

3. Fornecedor: ... , Lda.;

4.Montante: € 160 000,00;

5.IVA deduzido: € 30 400,00;

6.Total: € 190 400,00;

xvii. O valor de IVA não entregue nos cofres do Estado (…) é o seguinte:

1. 2° Trimestre -€ 30 400,00;

xviii. (...);

xix. Capítulo VI - Regularizações efectuadas pelo sujeito passivo no decurso da acção inspectiva

1. O sujeito passivo enviou declaração de substituição do período de 2004/06t, com a regularização do IVA indevidamente deduzido;

F) Em 2005.08.31, o Chefe de Divisão, por delegação do Director de Finanças, exarou despacho constante de fls. 2 a 3 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual se transcreve:

i. Concordo com as conclusões e propostas de tributação constantes do presente relatório face aos factos tributários verificados e seu enquadramento legal;

ii. (…).

iii. De acordo com o artigo 82° do CIVA e para efeitos do artigo 87° do mesmo código, proceda-se à recolha, no sistema informático Central, dos elementos indispensáveis à liquidação do imposto sobre o valor acrescentado deduzido indevidamente, nos períodos de imposto que se referem, relativos aos anos de 2001 a 2004, levando em conta no que a 2004 respeita a regularização mediante a apresentação de declaração Mod. C de substituição e o pagamento parcial do imposto indevidamente deduzido;

iv. (...);

G) Em 2005.08.09, foi emitida a liquidação adicional n°05227086, de IVA do período de 0406t, com valor a pagar de € 15 671,65 e data limite de pagamento de 2005.09.30 (cf. fis. 22 dos autos); desta transcreve-se:

i. (...);

ii. Fundamentação
1. Liquidação adicional efectuada nos termos do artigo 82° do Código do IVA em resultado do processamento da declaração correctiva e relativa a um período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração periódica;

2. (...);

3.Valor da declaração correctiva: a débito: €14 728,35;

4. Valor da declaração substituída: a crédito: € 15 671,65;

5. Resultado da comparação das duas declarações: € 30 400,00;

6. Meio de pagamento enviado com a declaração: 14 728,35;

(...)

7. Liquidação adicional (...):€ 15 671,65;

H) Em 2005.08.09, foi emitida a liquidação adicional n° 05227085, de IVA - juros compensatórios, do período de 0406t, com valor a pagar de € 548,78 e data limite de pagamento de 2005.09.30 (cf. fis. 23 dos autos);

I) Em 2005.08.09, foi emitida a liquidação adicional n°05227087, de IVA - juros compensatórios, do período de 0406t, com valor a pagar de € 583,93 e data limite de pagamento de 2005.09.30 (cf. fis. 24 dos autos);

J) Em 2005.12.23, no Serviço de Finanças de Odemira, deu entrada reclamação graciosa, constante de fls. 18 a 21 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida;

K) Em 2006.09.21, no Serviço de Finanças de Odemira, deu entrada a presente impugnação;

L) O Impugnante costumava transportar a cortiça que comprava numa camioneta e num tractor do próprio».

Factos não provados:

Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam o circunstancialismo que, em face do alegado nos autos, se mostra provado nos autos com relevância, necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.

Motivação:

A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informação constantes do processo e das testemunhas ouvidas, que tiveram conhecimento directo dos factos sobre que depuseram, convincentes.

1ª Testemunha: Manuel Ramos Pereira, comerciante: em 2004 era normal exigir os pagamentos em dinheiro, pois desconfiavam dos cheques, tinham receio de ficar sem a cortiça e sem o dinheiro; quando tinham o dinheiro do lado de cá não tinham receio; os fabricantes que os contactavam tinham uma pasta em que tinham os documentos e o dinheiro; e só depois os levavam ao monte; Fernando Baião chegou a vender-lhe cortiça e, nesses negócios chegou pedir-lhe para não gastar o dinheiro do IVA pois podiam ter de o entregar depois; o dinheiro da cortiça era entregue em dinheiro e o relativo ao IVA era em cheque; não conhece o Sr. Silva, mas já ouviu falar dele; o Sr. Baião comprava cortiça aos produtores e por vezes a colegas, como foi o caso com ele; costumavam depois vender a cortiça a fabricantes do Norte; esclareceu que a cortiça comprada era depois transportada em tractores; o Sr. Baião tinha uma camioneta e um tractor para efectuar o transporte da cortiça.

2ªTestemunha: Manuel Maria Ferreira, agricultor e silvicultor: é produtor de cortiça; por vezes vende a um e a cortiça é levantada por outro; o transporte é a cargo de quem compra; quando vende não costuma exigir a identificação de quem compra; gosta de vender a dinheiro pois não confia muito nos cheques; não costuma assinar qualquer contrato; os contratos são verbais; sabe que o Sr. Fernando Baião transportava a cortiça que comprava em viaturas próprias, embora nunca lhe tenha vendido cortiça; as pilhas de cortiça por vezes são vendidas a olho, outras a peso; como é um pequeno produtor costuma vender sempre a totalidade da produção.”


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2.2. De direito

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Tal como deixámos previamente enunciado, a primeira questão que aqui nos ocupa prende-se com a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia – artigo 125º, nº 1 do CPPT.

Com efeito, sustenta o Recorrente (cfr. conclusão 7) que a sentença recorrida é nula porquanto ignorou as razões por si evocadas nos articulados juntos aos autos, nos quais foram exaustivamente esgrimidos argumentos que não mereceram qualquer resposta na decisão proferida. A referida conclusão 7ª revela um enunciado de carácter indubitavelmente vago, insuficientemente concretizado, que não permite perceber claramente que questão (ou questões suscitadas) deixou o Tribunal a quo de apreciar e cujo conhecimento não ficou prejudicado pela solução dada a outras.

A leitura das alegações de recurso, na parte correspondente, permite alguma clarificação. Na verdade, aí, após algumas considerações sobre a inspecção levada a cabo, a referência ao circunstancialismo fáctico a que a AT atribuiu relevância ou a factos desconsiderados e que deviam, na óptica do Recorrente, ter sido ponderados pela AT, afirma-se que:

“…para poder proceder às liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios impugnadas, nos presentes autos, a AT tinha o ónus de provar a verificação dos pressupostos a que alude o art. 82º, nº1 do CIVA, e não o fez, resultando tais liquidações da falta de aceitação por parte da Administração Tributária, dos factos tributários declarados pelo ora impugnante nas suas declarações periódicas de IVA, relativamente ao seu direito à dedução do IVA, havia que justificar de facto e de direito as razões em concreto que justificavam o afastamento do direito à dedução do IVA, o que não fez.

Nem tampouco a sentença recorrida se pronuncia sobre tais factos, incorrendo no vício de falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, sendo por isso a sentença de que se recorre nula nos termos do art. 125º, nº1 do CPPT, na medida em que tais argumentos foram exaustivamente invocados pelo recorrente, nunca tendo merecido qualquer resposta”.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer sobre a alegada omissão de pronúncia.

Nos termos do disposto no artigo 125º, nº1 do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Como é sabido, a nulidade por omissão de pronúncia [também prevista no actual artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC, a que correspondia o anterior artigo 668º, nº1, alínea d) do mesmo diploma], só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Tal significa, no que concerne aos deveres de cognição do Tribunal, que ao juiz se impõe a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, naturalmente, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Assume, assim, especial importância o conceito de questões, o qual, nas palavras de J. Lopes de Sousa (in CPPT, anotado e comentado, 6º edição, II Volume, Áreas Editora, págs. 363 e 364) “abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e à controvérsia que as partes sobre elas suscitem”. O conhecimento de todas as questões não equivale à exigência imposta ao Tribunal de conhecer de todos os argumentos e razões invocadas pela parte, pois que, como ensinava Alberto dos Reis, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CPC, anotado, I Vol. págs. 284, 285 e V Vol. pág. 139).

No caso em apreciação, temos, tal como resulta daquilo que deixámos dito, que a alegada omissão de pronúncia radica no apontado não conhecimento das razões pelas quais o impugnante entende que cabia a AT, in casu, o ónus da prova de que o sujeito passivo não tinha direito à dedução do IVA que este havia mencionado nas suas declarações periódicas. Dito de outra forma, cabia à AT, para rectificar a declaração do contribuinte, fundamentar a sua consideração de que nela figura imposto inferior ou dedução superior à devida, nos termos do artigo 82º, nº1 do CIVA (actual 87º, nº1).

Ora, no caso, e como é patente – do confronto da tese do Recorrente com o entendimento seguido pelo Tribunal a quo – a alegada questão, apontada como votada ao desconhecimento pela sentença, não passa, isso sim, de um diferente enquadramento do circunstancialismo em análise e, consequentemente, da apreciação feita na sentença recorrida.

É que, como a decisão posta em crise revela à evidência (e a isso havemos de voltar mais adiante detalhadamente), nela se assumiu claramente que quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas (cfr. artigo 19º, nº3 do CIVA, quanto à dedução do IVA correspondente), aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade (com isso obstando à dedução do imposto) e que, feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.

Por conseguinte, afigura-se-nos claro que a questão da justificação do afastamento do direito à dedução do IVA, não foi ignorada pelo Tribunal. Porventura, não terá sido apreciada nos termos em que o Recorrente pretendia.

Contudo, eventuais divergências de enquadramento, pelas razões já antes expostas, não permitem que se fale em omissão de pronúncia e nulidade da sentença daí resultante.

Por conseguinte, atento o disposto no artigo 125º do CPPT e, bem assim, as demais disposições legais do CPC a que fizemos referência, há que concluir não ocorrer a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia que vimos de analisar, sendo certo que da alegação e conclusões de recurso não resulta a identificação de uma questão que verdadeiramente tivesse deixado de ser apreciada.

Improcede, pois, pelas razões expostas, a invocação da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.


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Passemos à segunda questão a apreciar: se a sentença recorrida errou no julgamento da matéria de facto, concretamente por não ter consignado na matéria de facto provada os factos alegados pelo impugnante e demonstrados através da prova testemunhal produzida.

No que respeita à impugnação da decisão da matéria de facto e ao ónus que impende, nessa impugnação, sobre o Recorrente, dispunha o artigo 685º - B do CPC (a que actualmente corresponde, no novo CPC, o artigo 640º), nos seguintes termos:

“1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.

3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe ao recorrido, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, podendo, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.

4 - Quando a gravação da audiência for efectuada através de meio que não permita a identificação precisa e separada dos depoimentos, as partes devem proceder às transcrições previstas nos números anteriores.

5 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 684.º-A.” (sublinhado nosso).

A leitura do preceito transcrito e a análise simultânea das conclusões e da alegação de recurso permite-nos afirmar, sem margem para dúvidas, que o Recorrente não observou minimamente o ónus de impugnação da matéria de facto que sobre si impendia, pois que não identificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem tão-

-pouco, quanto à prova testemunhal, gravada (cfr. acta de fls. 195 a 198), a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda a impugnação.

Assim sendo, e sem necessidade de mais amplas considerações, há que concluir, com base no preceito legal transcrito, pela rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto.

Improcede, portanto, esta segunda questão que nos vinha colocada.


*

Avancemos na análise do recurso.

Cumpre-nos, então, apreciar aquela que autonomizámos como terceira questão, a saber: se a sentença recorrida violou o artigo 115º, nº2 do CPPT, por ter aderido às conclusões do relatório de inspecção que não se mostra fundamentado em critérios objectivos.

Neste ponto, a discordância do Recorrente, sintetizada na conclusão 6, apresenta-se ainda relacionada com a impugnação da matéria de facto, concretamente com o circunstancialismo fáctico que, no entendimento do Recorrente, resultou da produção da prova testemunhal, prova esta que não terá sido atendida.

Ora, sobre a impugnação da matéria de facto e sobre a prova testemunhal produzida, já nos debruçámos nos parágrafos precedentes, em moldes que não se afigura que careçam de maiores detalhes. Ainda assim, sempre se dirá que, como resulta à evidência da matéria de facto e respectiva motivação, tal como consta da sentença recorrida (nessa parte já aqui transcrita), não podem sobrar dúvidas que a afirmação segundo a qual “ao não atender (leia-

-se, o Tribunal a quo) à prova testemunhal levada a efeito” não se mostra ajustada à realidade observada nos autos, pois que tal meio de prova foi considerado (veja-se a motivação do julgamento de facto) e, portanto, não desatendido, o que não se confunde com o sentido da apreciação e sua valoração. Porém, aqui entramos na questão da impugnação da matéria de facto e no correspondente erro de julgamento, ponto sobre o qual já nos detivemos.

Isto dito, centremo-nos na crítica apontada à sentença, concretamente à alegada violação do artigo 115º, nº 2 do CPPT, nos termos do qual “As informações oficiais só têm força probatória quando devidamente fundamentadas, de acordo com critérios objectivos”.

Importa dizer que esta norma insere-se num artigo com a epígrafe Meios de prova, incluído na secção V – Da instrução – do Capítulo II – Do processo de Impugnação – do Título III – Do processo judicial Tributário – do CPPT. Estamos, pois, como refere Jorge Lopes de Sousa, perante um meio de prova existente no direito tributário, sendo que tais “informações oficiais são as prestadas pela inspecção tributária sobre a matéria de facto pertinente e as prestadas pelos serviços da administração tributária sobre os elementos oficiais que digam respeito à colecta impugnada e restante matéria do pedido [ arts. 76º, nº1 da LGT e art. 111º, nº1 e 2, alíneas a) e b) deste código]” – cfr. CPPT, anotado e comentado, obra já citada, Vol. II, pág. 258.

Daquilo que se trata é, pois, das informações integradas no processo administrativo que, no âmbito da impugnação judicial, é enviado ao Representante da Fazenda Pública e que se destina a ser remetido ao tribunal, independentemente de ser, ou não, apresentada contestação – cfr. artigos 110º e 111º do CPPT.

Quer isto dizer que informações oficiais e relatório de inspecção tributária são realidades distintas e que não se confundem. Um relatório de inspecção não é uma informação oficial, pois estas, pela sua própria natureza, que assinalámos, não se destinam a “fundamentar o acto tributário, pelo que as suas deficiências não podem repercutir-se sobre a validade deste”vide, Jorge Lopes de Sousa, obra citada, Vol. II pág. 258; neste sentido, o acórdão do STA, de 08/03/01, proferido no processo nº 25830, em cujo sumário se pode ler que “I - Não se verifica vício de falta de fundamentação do acto tributário de liquidação impugnado por as informações oficiais juntas ao processo impugnatório não explicitarem as razões que conduziram à sua prática. II - Tais informações não são o modo adequado para exprimir os fundamentos do acto tributário, integrando, antes, a instrução do processo, de modo a possibilitar o julgamento”.

Por conseguinte, a questão da alegada violação do artigo 115º, nº 2 do CPPT, quando reportada ao relatório de inspecção, nem sequer se coloca, uma vez que, independentemente de o mesmo estar, ou não, fundamentado em critérios objectivos, a verdade é que tal relatório não é uma informação oficial, nos termos previstos no referido preceito legal.

Coisa diversa é saber se o relatório inspectivo, enquanto base fundamentadora da correcção/ liquidação impugnada, está ou não devidamente fundamentado. Mas essa é a questão que trataremos seguidamente.

Assim, e sem necessidade de nos alongarmos mais, improcede a conclusão que vimos de analisar.


*

Passemos, então, à questão que autonomizámos com a alínea d), ou seja, saber se a sentença errou no julgamento de direito, violando os artigos 268º, nº3 da CRP, 125º do CPA e 77º da LGT, ao não ter considerado verificado o vício consistente na falta de fundamentação da liquidação de IVA impugnada.

A este propósito, defende o Recorrente que “…in casu, entende-se não haver qualquer fundamentação, na medida em que os argumentos invocados pela Administração Tributária, para a desconsideração da factura da contabilidade do impugnante, através de correcções aritméticas são deficientes, sem coerência ou lógica, e insuficientes na medida em que como a própria refere, em sede de relatório, “não houve sequer necessidade de se presumir a veracidade ou não dos referidos documentos uma vez que já estava provado a sua falsidade, quer pelos serviços de inspecção tributária de Aveiro, quer pelos próprios emitentes dos documentos”, isto é, a AF, não se preocupou com a descoberta da verdade material, limitou-se a considerar a informação dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro, como se de um facto assente se tratasse, o que não corresponde à verdade, não se preocupando em analisar a prova constante dos autos”.

Relativamente ao vício consistente na falta de fundamentação, afigura-se-nos que, quer em sede de recurso jurisdicional, quer na própria p.i, se foi estabelecendo alguma confusão entre o dever de fundamentar o acto e a efectiva verificação dos seus pressupostos (de facto e de direito), realidades que não se confundem e que traduzem exigências distintas; de um lado requisitos de validade formal do acto, de outro, os pressupostos que contendem com a conformidade substancial do mesmo.

Vejamos, com detalhe, a questão que agora nos ocupa, importando para tanto saber se o acto impugnado obedece às exigências legais de fundamentação dos actos administrativos (onde os actos tributários se incluem), concretamente se foram violados os artigos 268º, nº3 da CRP, 125º do CPA e 77º da LGT.

Analisando este fundamento de impugnação, o Tribunal a quo alinhou o seguinte discurso argumentativo, concluindo pela não verificação do vício de falta de fundamentação:
“Comecemos por analisar a fundamentação do acto impugnado.
A impugnação apresentada tem por base os diversos elementos do processo, nomeadamente no Relatório da Inspecção Tributária, que a decisão do Chefe de Divisão por delegação do Director de Finanças acolhe. Esse relatório e a decisão referida, revelam-se, portanto, os elementos estruturantes da liquidação em crise.
Doutrinária e jurisprudencialmente é certo exigir-se à motivação dos actos tributários um texto suficientemente revelador do percurso cognoscitivo empreendido pelo agente para a sua prática. E não preenche a exigência constitucional e legal qualquer recurso estilístico que não esclareça ou oculte a motivação de facto e de direito presidente à decisão: o contribuinte terá, em suma, de ficar a saber por linguagem clara as razões que o atingem e lhe impõem um desembolso fiscal.
Equivalem, entretanto, à falta de fundamentação os fundamentos adoptados que por insuficiência, obscuridade ou incongruência não esclareçam concretamente os motivos de facto e de direito das decisões.
E em sede de fundamentação dos actos tributários, a lei impõe quer a chamada fundamentação substancial (existência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo - VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, Coimbra, p. 231), cuja inexistência fere o acto em causa de vício de ilegalidade relativo ao conteúdo, quer a fundamentação formal do acto administrativo, cuja inexistência ou insuficiência fere o acto em causa de vício de ilegalidade relativo à forma.
(…)
O relatório especifica claramente quais as transacções que foram objecto de correcção e encontra-se devidamente fundamentado: o ponto de vista relevante para avaliar a suficiência da fundamentação deve ser a do destinatário médio, colocado na situação concreta, devendo dar-se por cumprido o dever legal se a motivação contextualmente externada permite àquele entender as razões de facto e de direito que determinaram o autor do acto a agir e/ou a escolher a medida adequada”.

O assim decidido não nos merece censura. Vejamos, detalhadamente, as razões de assim entendermos.

O artigo 268º, nº3 da CRP estabelece que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Dispõe o artigo 77º, nº 1, da LGT que a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. Por seu turno, o nº 2 do mesmo preceito estabelece que a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

Nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 125º do CPA, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto; equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.

Temos, pois, que a fundamentação dos actos deverá consistir, no mínimo, numa exposição concisa dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, dando a conhecer ao interessado, o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão para decidir no sentido em que decidiu e não noutro qualquer.

Nesta perspectiva, um acto está fundamentado sempre que o contribuinte, como destinatário normal, fique devidamente esclarecido acerca das razões que o determinaram, estando, consequentemente, habilitado a impugná-lo convenientemente, não tendo, todavia, a fundamentação de ser exaustiva mas acessível e explícita.

Ora, a liquidação impugnada baseia-se nos factos apurados no decurso da acção inspectiva levada a cabo pela AT, os quais se mostram perfeitamente expressos no relatório que resultou da aludida inspecção, onde consta o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelo seu autor, bem como os elementos probatórios que lhe subjazem, com vista à desconsideração da factura nº 138 (por ser tida como respeitante a operação simulada), emitida pelo fornecedor ... , Lda (aliás, o Recorrente parece desconsiderar a existência e relevância que assumiu, no caso, a fiscalização cruzada, concretamente a utilização de elementos recolhidos no âmbito de diligências inspectivas realizadas ao emitente da factura em causa – ... /... , Lda, bem como inspecções a destinatários de facturas provenientes daquele emitente).

Da mesma forma, ali constam o valor de IVA indevidamente deduzido, os elementos/ documentos que permitiram chegar à conclusão de que a factura em causa devia ser desconsiderada (cfr. anexos juntos ao relatório), bem como as normas que permitiram a actuação da AT, pelo que não se pode afirmar que o acto tributário que dali decorreu não se encontra fundamentado.

E se dúvidas subsistissem, bastava a leitura da petição inicial para as dissipar. Na verdade, o conteúdo da petição inicial de impugnação da liquidação contestada demonstra que o impugnante apreendeu, com clareza, os fundamentos apresentados pela AT, subjacentes à alteração efectuada.

Portanto, e em suma, não tem razão o Recorrente quando invoca o analisado erro de julgamento, sendo de concluir que a liquidação de IVA impugnada se mostra devidamente fundamentada, não restando qualquer dúvida que o Recorrente, destinatário da mesma, bem a compreendeu e, por isso, a sindicou demonstrando perfeito conhecimento do seu conteúdo.

Improcede, pois, o alegado erro de julgamento de direito de que padeceria a sentença sob recurso que decidiu pela fundamentação formal dos actos de liquidação impugnados.

Coisa diversa da falta de fundamentação tal como foi analisada, ou seja, a fundamentação formal do acto de liquidação sindicado, é a de saber se, no plano material/ substantivo, tal liquidação se mostra fundamentada - no que concerne já à base substancial legitimadora da actuação assumida pela AT. Porém, tal questão, em concreto a discordância quanto à validade da actuação da Administração, será objecto de análise no âmbito da questão que seguidamente abordaremos.


*

E aqui chegados, importa saber se, como defende o Recorrente, a sentença recorrida errou na aplicação, in casu, das regras do ónus da prova, concretamente do disposto no artigo 342º do C. Civil, porquanto era à AT que cabia demonstrar (e não o fez) que a factura dizia respeito a uma operação simulada. Como o Recorrente também conclui, não tendo sido dado como provado que a factura nº138, de 10 de Abril de 2004, emitida pelo fornecedor ... , Lda. é falsa, nunca poderia a sentença manter as liquidações impugnadas.

Vejamos, então.

Para a AT, o IVA constante da factura nº 138, de 10 de Abril, emitida por ... , Lda., foi indevidamente deduzido pelo Impugnante, ora Recorrente, nos termos do n.º 3 do artigo 19º do Código do IVA, o que deu origem às liquidações impugnadas (IVA e respectivos juros compensatórios). Daquilo que se tratou foi, pois, de correcções técnicas efectuadas na sequência de acção inspectiva levada a cabo (que incluiu o IVA do ano de 2004), no termo da qual pôde a AT concluir que a aludida factura, contabilizada pelo Recorrente, não correspondia a uma real e efectiva operação económica.

Relembre-se, a este propósito, que nos termos do citado artigo 19º, nº3 do CIVA, não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.

Vejamos a questão do ónus da prova e qual o tratamento que o mesmo mereceu na sentença recorrida.

Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Assim sendo, importa analisar se a AT fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que à identificada factura contabilizada pelo Impugnante, ora Recorrente, não subjaz a operação que, alegadamente, teria implicado a respectiva emissão (de acordo com o teor da mesma, a compra de 4.000 arrobas de mato Cortiça – cfr. fls. 17 dos autos).

Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).

Ou seja, a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de a(s) operação(ões) referida(s) na(s) factura(s) ser(em) simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.

Como se refere no acórdão do TCAN, de 23 de Novembro de 2012 (proc. nº 1523/05.0 BEVIS-Aveiro), “no que concerne à prova que compete à Administração - na repartição do ónus da prova de que demos nota supra -, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (expressão de Castro Mendes citado por Saldanha Sanches), pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”.

Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.

A este propósito, lê-se na sentença recorrida, além do mais, que:
No exercício desse poder-dever, constatou a Administração diversos factos [aliás, bem discriminados e suficientes no relatório elaborado pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) de Aveiro, a nosso ver, para a conclusão que deles se retirou, para o qual remete o relatório dos SIT de Beja] e, com base neles, concluiu que parte dos custos declarados pelo impugnante não haviam ocorrido efectivamente, antes a respectiva facturação traduzia operações comerciais meramente fictícias.
(…)
Com efeito, atendendo aos dados de facto apurados em sede de fiscalização, incumbia à Impugnante demonstrar que, não obstante, as aludidas transacções haviam realmente sido realizadas. Na verdade, de acordo com tais factos, é lícita a conclusão (face às regras da experiência) de que as operações comerciais em causa foram fictícias pelo que se impunha à Impugnante a demonstração de que as mesmas tinham tido existência real.

(…)
E, a Administração Fiscal convence com a propriedade dos argumentos apresentados para as correcções que determinaram a matéria tributável apurada: ficou demonstrado que a Administração Fiscal investigou a montante e a jusante as transacções contabilizadas para averiguação da verdade”.

Quer isto dizer que, no tocante à aplicação das regras do ónus da prova neste caso concreto, foi na linha de raciocínio por nós defendido que a sentença recorrida se orientou, nada havendo, pois, a censurar quanto a este aspecto.

Ora, para o Recorrente a AT nem sequer reuniu indicadores suficientes de que a operação em causa, titulada pela factura nº 138, não existiu – lê-se nas conclusões da alegação de recurso que “a AT concluiu por presunção, como resultado de inúmeras outras presunções”.

Vejamos, não perdendo de vista o enquadramento jurídico gizado relativamente ao ónus da prova e considerando os factos apurados em sede inspectiva, com vista a dar resposta à questão de saber se resulta dos factos considerados que a AT fez prova da verificação de indícios que lhe permitiam concluir que a factura relativamente à qual o IVA nelas incluído foi desconsiderado não teve subjacente qualquer operação económica realizada entre a sociedade “... , Lda” e o contribuinte ... . E, em caso afirmativo, importa saber se o Recorrente logrou demonstrar em Tribunal que, não obstante os indícios colhidos, é real, isto é, existiu efectivamente, tal operação económica entre aqueles concretos sujeitos.

Ora, deixámos já supra exposta a posição do Recorrente relativamente à fundamentação da actuação da AT, pelo que importa, assim, apreciar se, tal como entendeu a sentença recorrida, a Administração reuniu, como lhe competia, indicadores suficientes e demonstrativos de que à factura contabilizada pelo Recorrente (cujo IVA dela constante foi considerado indevidamente deduzido) não subjaz a operação/aquisição que nela se menciona.

Para assim concluir, a AT apoiou-se em diversos elementos constantes do relatório de inspecção (cujo teor foi dado por reproduzido), destacando-se o anexo contendo a informação dos SIT de Aveiro acerca do emitente/fornecedor Carlos Augusto da Silva/ ... Lda.

Assim:

- A sociedade ... Lda é um pseudo- contribuinte que se identifica pelo NIPC ... , número inexistente, com domicílio fiscal impresso nas facturas na Rua ... , nº12, freguesia de ... da ... , concelho de Santa Maria da Feira;

- Carlos Augusto Silva, encontra-se acusado da emissão de facturas falsas; trata-se de um não declarante para efeitos de IVA e IRS;

- A actividade exercida por Carlos augusto Silva, desde há mais de seis anos, é a de vendedor de “papel falso” (facturas, recibos e guias de remessa);

- A sociedade ... Lda é inexistente, inventada, talvez por o nome individual do Sr. ... já estar muito deteriorado comercialmente junto dos seus clientes de facturas, estando a fornecer, agora, facturas em nome desta;

- Não existência de quaisquer instalações comerciais ou industriais;

- Todas as facturas timbradas em nome de ... e em nome da sociedade denominada ... já detectadas e em circulação no sector corticeiro, são falsas/ fictícias, devido ao facto de o mesmo não ter exercido qualquer actividade de natureza comercial ou industrial. Situação confirmada pelo próprio, tendo, até, declarado que a sua actividade se tem resumido à venda de facturas a troco de cinco ou dez contos;

- Outros sujeitos passivos que tinham na sua contabilidade facturas destas já procederam voluntariamente às correcções devidas;

- Com a finalidade de controlar o circuito dos bens, por parte do sujeito passivo, aquando da sua aquisição e/ou da sua venda, foi o mesmo notificado para apresentar as guias de transporte e livros de notas de compra. Decorrido o prazo concedido, declarou que já não possuía os documentos em questão, pelo que não os podia apresentar;

Ora, estes “factos-índice”, não desprezados pelo Tribunal a quo, numa análise concatenada e ponderados à luz da experiência, são suficientes para permitir à AT desconsiderar o IVA que tem a apontada factura como suporte documental, com o fundamento de que a operação referida nessa factura é simulada. Com efeito, os elementos recolhidos em sede inspectiva vão, inequivocamente, num sentido claro: o de que o fornecedor em causa, ou o emitente das facturas ... Lda (de Carlos Augusto da Silva) não exercia qualquer actividade comercial/ industrial relacionada com cortiça. Como o próprio declarou (cfr. declaração de fls. 41 do PAT, junta ao anexo 1 do relatório) desde 1999, estando desempregado, “com dívidas para pagar e filhos para criar, comecei a passar e vender facturas (…) recebendo em troca quantias de dinheiro que variavam entre 5 e dez contos por cada uma”.

Ora, tais indícios - e relembre-se que estamos a falar de facturação na ordem dos € 200.000,00, no ano de 2004 – traduzem uma probabilidade elevada de a factura em causa não titular uma operação real, ou seja, de que o apontado fornecedor não vendeu ao Recorrente a cortiça mencionada na factura nº 138 por este contabilizada e em que a ... Lda figura como emitente.

Assim sendo, como se entende que é, há que dizer, acompanhando a sentença recorrida, que a AT demonstrou os pressupostos da sua actuação, cumprindo, nos termos já expostos, o ónus da prova que, neste ponto, lhe competia.

Por conseguinte, isto é, tendo a Administração cumprido o ónus que sobre si impendia, competia ao Recorrente ter apresentado prova capaz de destruir esses indícios, nomeadamente que a mercadoria descrita na factura lhe foi entregue, ou seja, que a factura tem subjacente uma operação económica real.

Ónus que, definitivamente, não cumpriu já que não logrou, face ao julgamento de facto efectuado (e que não foi eficazmente posto em causa pela recorrente - cfr. artigo 685.º-B do CPC), afastar os indícios ponderosos e convincentes da simulação da factura aqui em causa.

E não tendo feito tal prova, não se mostra infirmada a conclusão tirada pela Administração Fiscal baseada naqueles indícios supra de que tal factura se reporta a operação fictícia, na linha do entendimento sufragado na sentença recorrida – aí se pode ler que “Para o efeito a impugnante nada trouxe, nada carreou com êxito para os autos, com vaga prova testemunhal, nem sobretudo exibiu quaisquer documentos de suporte: guias de transporte, cheque que atestasse o pagamento” e, ainda, que “ … o Impugnante não contrariou com êxito que a transacção era verdadeira, comprovando ter realizado o acto de comércio titulado pela factura nº 138, nomeadamente juntando as guias que acompanharam o transporte da cortiça, nem o destino da mesma”.

Repete-se, cabia ao impugnante, ter alegado e provado factos certos e concludentes que infirmassem os concretos indícios recolhidos pela Administração ou que tivesse vindo fazer a prova da existência daquelas operações, o que não se verificou, sendo certo que para aferir se as facturas têm, ou não, aderência à realidade, isto é, se se trata de meros papéis ou se correspondem à realidade aí descrita, é bastante à AT a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido - indícios sérios e objectivos, que traduzam uma probabilidade elevada de que tais facturas não titulam operações reais.

Por conseguinte, e sem necessidade de mais nos alongarmos, improcede, igualmente, esta questão que viemos de analisar.


*

Resta-nos, no que respeita ao presente recurso jurisdicional, apreciar se a sentença recorrida errou ao não retirar as legais consequências – anulação dos actos tributários impugnados – da ocorrência de uma fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário – artigo 100º do CPPT.

Para o Recorrente, o Tribunal a quo satisfez-se com juízos de mera probabilidade, o que deve determinar que, em conformidade com o artigo 100º, nº1 do CPPT, se considere a verificação da fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.

Também aqui, o Recorrente não tem razão.

Dispõe o referido artigo 100º, nº1 do CPPT que sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.

No caso em análise, já vimos, era ao sujeito passivo, o ora Recorrente, que cabia o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artigo 19º do CIVA, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100º do CPPT não tem aplicação; na verdade, o ónus consagrado no artigo 100º, n° 1, do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT: in dubio contra Fisco) apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é ao contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos factos tributários em que se funda a dedução do imposto.

Com efeito, a regra contida naquele nº 1 do artigo 100º do CPPT mais não é que a aplicação ao processo judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário, constante do artigo 74º, nº1 da LGT (idêntica à regra prevista no nº1 do artigo 342º do CC), nos termos da qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração e dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Portanto, aplicando aquela regra respeitante ao ónus da prova, no processo judicial, dever-se-á concluir “que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele nº1, justificarem a anulação do acto” - Vide, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, Vol. II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 133.

Neste mesmo sentido – de que compete ao contribuinte o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artigo 19.º do CIVA, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação - podem ver-se diversos arestos dos Tribunais Superiores. Assim, entre outros, o acórdão TCA Norte 24/01/08 (processo 01834/04 Viseu); os acórdãos da 2.ª secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 17/04/02 (processo n.º 26.635) e do Pleno, de 7/5/03 (processo 1026/02).

Improcede, pois, pelas razões expostas, esta última questão colocada no recurso.

Termos em que se conclui que a sentença recorrida deve ser mantida, improcedendo na totalidade as conclusões da alegação de recurso

3.- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 26/06/14


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Benjamim Barbosa)

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(Anabela Russo)