Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:79/18.9BCLSB
Secção:CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:12/06/2018
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:DIRIGENTE DESPORTIVO
NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
SANCIONAMENTO DAS OFENSAS PRATICADAS NAQUELA QUALIDADE
Sumário:I) Quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, não usar de razões ou fundamentos jurídicos ou factuais invocados pelas mesmas partes, não está a omitir o conhecimento de questões de que devia conhecer com susceptibilidade do cometimento de nulidade; independentemente da maior ou menor validade daquela argumentação, o certo é que não se está em presença de omissão de pronúncia se não se acha em causa o conhecimento de questão de que o tribunal devesse conhecer, mas apenas em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão, no caso, a atinente à imputação das condutas descritas aos arguidos.

II) O juiz só deve pôr de parte, como irrelevantes, aqueles factos que não interessam à decisão da causa em face de qualquer das soluções plausíveis que a questão de direito comporte, sendo que a regra de que no objecto próprio da actividade instrutória e julgamento da matéria de facto se deverem compreender somente factos úteis à solução da causa se apresenta como regra própria que tem a função já assinalada, de evitar que a instrução e o julgamento venham a ser sobrecarregados inutilmente com a prova e apreciação de factos sem interesse para a solução da casa e confiná-la aos seus termos essenciais: é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, o que significa que a produção de prova só pode ter por objecto factos positivos, materiais e concretos; tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória; que o julgamento se circunscreve legalmente a apurar quais factos estão provados, o que imediatamente restringe a intervenção do tribunal ao apuramento de factos materiais; que o tribunal há-de ser perguntado sobre factos simples, e não sobre factos complexos, sobre factos puramente materiais, e não sobre factos jurídicos, sobre meras ocorrências concretas, e não sobre juízos de valor, induções ou conclusões a extrair dessas ocorrências e que o facto complexo há-de deduzir-se de factos simples.

III) Mais importante que o título ou o nome do cargo que a pessoa desempenha no âmbito desportivo, é analisar o conteúdo funcional da actividade que efectivamente desenvolve de forma pública e notória.

IV) Para se chegar a essa conclusão não é preciso haver um contrato de trabalho que o diga porque, o artigo 4º, nº 1, al. c) do RD da LPFP é propositadamente abrangente e refere que são dirigentes "os titulares dos respectivos órgãos sociais e os respectivos directores e quaisquer outros funcionários ou colaboradores que, independentemente do respectivo vínculo contratual, desempenhem funções de direcção, chefia ou coordenação na respectiva estrutura orgânica, bem como os respectivos mandatários".

V) Não é o modelo organizativo do clube de futebol que está em causa ou que por qualquer outra forma possa retirar do elenco funcional do citado normativo os seus assalariados seja qual for o vínculo contratual que tenham celebrado com aquele, mas antes a função ou cargo que efectivamente exerçam/desempenhem ao serviço da instituição.

VI) Assim, pouco importa os vínculos profissionais que ligam os colaboradores ao clube, ou a forma como a SAD se organiza: materialmente o Demandante é Dirigente da SAD em causa.

VII) Alcançando-se dos autos que o recorrente teve intervenção pessoal nos termos fixados no probatório, em razão da ligação funcional e profissional à SAD em apreço e porque os actos em discussão foram praticados no domínio da estrutura desta, as responsabilidades deles decorrentes ao nível desportivo geradas vinculam o representante e a representada não só for força das normas regulamentares indicadas no acórdão do TAD, mas também segundo as regras gerais no que tange à vinculação dos representados pelos actos dos seus representantes.

VIII) Tendo os arguidos actuado de forma a violar o dever de abstenção, provada que ficou a acção, fica referenciada a sua perigosidade, sendo necessário e suficiente que, atendendo a considerações ou parâmetros de normalidade, rectius, de homem médio, a acção fosse potencialmente adequada a lesar o sentimento de honra pois esta leitura da norma em nada colide com a Constituição da República Portuguesa; o artº 29º da C.R.P. normatiza o princípio nullum crimen sine lege aplicável ao todo o direito sancionatório.

IX) A essa luz, os processos executivos das infracções imputadas aos arguidos podem ser vários, tais como a imputação de um facto ofensivo, a formulação de um juízo de valor e a reprodução de uma imputação ou de um juízo, constituindo a formulação de um juízo de valor toda a afirmação que encerra uma apreciação pessoal negativa sobre o carácter da pessoa acerca da qual se subscreve tal juízo.

X) Para que se verifique, nas infracções em referência, o elemento subjectivo, não é necessário que o agente, com o seu comportamento, queira ofender a honra e consideração alheias, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado, ou sequer que haja previsto o perigo (previsão da efectiva possibilidade ou probabilidade da lesão do bem jurídico da honra), bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio de acção previstas nas normas incriminatórias respectivas.

XI) Assim, para se verificar o dolo basta que o agente adira aos factos perigosos e já não também ao perigo, incumbindo ao julgador, provada que fique a conduta ou a acção por parte do agente, referenciadas às normas sancionatórias, averiguar, tão só, se as mesmas são, ou não, genericamente perigosas, socorrendo-se, para tanto, de critérios de experiência, bem como se o agente agiu com consciência dessa perigosidade, face a quais critérios, como atrás vimos, as infracções se consumaram.

XII) Sendo clara a opção do legislador em sede do regime legal da arbitragem, ao criar a figura jurídica da "arbitragem necessária", em oposição à denominada "arbitragem voluntária", opção essa que acabou por criar situações como as referidas nos Autos em que as partes são obrigadas a recorrer à arbitragem, quando, na sua essência, a arbitragem deveria, obrigatoriamente, reflectir algo de natureza voluntária, tem de entender-se que o acórdão recorrido, no atinente à condenação em custas, não violou qualquer norma ou princípio legal ou constitucional.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

1.- Relatório

FRANCISCO ............................................. e FUTEBOL ......................................, SAD, (devidamente identificados nos autos) interpuseram recurso do acórdão de 27-07-2018 do TAD, que julgou improcedente o pedido de anulação das sanções aplicadas no processo disciplinar n.º ..-../17, mantendo a condenação do recorrente Francisco ................ por duas infracções disciplinares (p. e p. pelos arts.19.º-1 e 2 e 141.º RD) e mantendo a condenação da recorrente Futebol ................................... SAD por duas infracções disciplinares (p. e p. pelos arts. 112.º-1, 2 e 3 do RD).

Apresentaram as imperativas alegações que ostentam as seguintes conclusões:
-I-

“i. O presente recurso tem por objecto o acórdão de 27-07-2018 do TAD, que julgou improcedente o pedido de anulação das sanções aplicadas no processo disciplinar n.º ..-../17, mantendo a condenação do recorrente Francisco ................ por duas infracções disciplinares (p. e p. pelos arts. 19.º-1 e 2 e 141.º RD) e mantendo a condenação da recorrente Futebol ................................... SAD por duas infracções disciplinares (p. e p. pelos arts. 112.º-1, 2 e 3 do RD)
ii. As condutas pelas quais os recorrentes são condenados reportam-se a afirmações vertidas na comunicação social que consubstanciam duras críticas à arbitragem e ao ................., as quais se mostram perfeitamente enquadráveis e aceitáveis face ao direito à liberdade de expressão, constitucionalmente consagrado.
-II-
iii. Em sede de arbitragem necessária os demandantes demonstraram, através de robustas provas documentais, o circunstancialismo em que se baseou a formação desta sua convicção (no confronto dos factos com as exigências regulamentares no que diz respeito à qualificação e classificação dos árbitros, como ainda nas notícias divulgadas na comunicação social que seguiam no mesmo sentido de opinião), daí evidenciando-se que se tratou da revelação de uma convicção fundada.
iv. Todavia, o acórdão recorrido não contém qualquer referência, mínima que seja, à vasta factualidade que fundou e sustentou a convicção que veio a ser expressa pelos Demandantes, não tomando posição sobre a factualidade alegada pelos Demandantes em sua defesa e assim submetida à sua apreciação.
v. Trata-se de factualidade de elevada relevância para apreciação dos factos em apreço e que se impunha que fosse levada à matéria provada destes autos, para que daí pudesse o Tribunal a quo fazer a devida valoração e apreciação da imputação.
vi. Tudo o que não fez, omitindo tal factualidade e eximindo-se, por consequência, de apreciar questão relevante para a boa decisão da causa que foi a si submetida a julgamento pelos Demandantes, aqui recorrentes.
vii. Aplicando-se aqui, subsidiariamente, o disposto nos arts. 95.º-1 do CPTA e 615.º-1, d) do CPC, impõe-se reconhecer que o acórdão recorrido - ao deixar de levar aos factos provados ou não provados factualidade essencial alegada pelos Demandantes em sua defesa -padece de nulidade por omissão de pronúncia.
- III-

viii. A condenação dos ora recorrentes assenta nas afirmações vertidas em notícias divulgadas na comunicação social, as quais consubstanciam duras críticas ao Conselho de Arbitragem e ao .................................., Futebol SAD.
ix. Os recorrentes sempre sustentaram - e nesta sede reiteram - que, independentemente do desagrado que as suas palavras possam causar, a sua actuação enquadra-se e não extrapola o âmbito do direito à liberdade de expressão.
x. Isto porque, o recorrente Francisco ................ dez uso das palavras para denunciar a anormalidade do processo de ascensão à categoria de árbitro internacional de vários árbitros (João ............., Tiago ............. e Fábio .............), imputando essa anormalidade ao controlo que, do seu ponto de vista, o ................. detém sobre o sector da arbitragem.
xi. O recorrente demonstrou como construiu o sua opinião, alertando para as exigências regulamentares exigidas pela FIFA no processo de ascensão à categoria de árbitro internacional, as quais não eram cumpridas pelos visados nas suas afirmações, como ainda uma outra incoerência que animou o seu espírito crítico: a circunstância de se dizer que alguns árbitros que na época desportiva 2015/2016 ficaram nos lugares mais elevados da tabela classificativa dos árbitros (Categoria Cl) se encontrarem agora, na época desportiva em curso (2016/17), nos últimos lugares da tabela homóloga.
xii. Ainda para a formação das convicções dos recorrentes concorreram as inúmeras notícias que foram sendo divulgadas na comunicação social, das mais diversas autorias, as quais apontavam os erros da arbitragem em jogos do Futebol ...................... e as coincidências que se iam revelando na época desportiva (a notícia avançada pelo Jornal ".............", na edição de dia 05-01-2017 intitulada "Espanhóis falam na expulsão «mais ridícula e injusta» de sempre": "disponível em http://www. ..........pt/clubes/ver.aspx?t=5&id=649188 (cf. fls 164-165 dos autos); como ainda as declarações de J................., ex-árbitro e, disponíveis em http://www. .........pt/futebol!noticias/interior/j.................­comenta-arbitragens-ja-somos-anedota-a-nivel-mundial-5587581.html; cf. fls. 166-167 dos autos), nas declarações de F................., no dia 05-01-2017 no Jornal "O Jogo"; http//www. ..........pt/futebolnoticias/interior/f.................-expulsar-o-d.................-foi-inadmissivel-e-claramente­propositado 5587923. html.,cf. fls 168 dos autos).
xiii. A formação da convicção dos recorrentes sustentou-se ainda em notícias publicadas nos jornais desportivos e que são prova documental nos autos ( (cf. doc. 1 junto com o pedido de arbitragem).
xiv. Todas estas realidades evidenciadas pelos recorrentes formaram no espírito dos mesmos uma convicção de que por trás delas se movem forças de influência contrárias a uma sã e proba organização e funcionamento das competições futebolísticas onde actua o Futebol .......................
xv. Sendo esta uma convicção fundada, assente na constatação de erros grosseiros de arbitragem em prejuízo do F............ e na anormalidade dos processos de selecção dos árbitros internacionais e de classificação dos árbitros, o uso de expressões tão carregadas como aquelas que, em discurso oral, o recorrente Francisco ................ empregou, tem de ser reputada como admissível no quadro do legítimo exercício do seu direito fundamental à liberdade de expressão (art. 37.º- 1 da CRP).
xvi. As críticas constantes da newsletter ...................., e pelas quais vem condenada a recorrente Futebol ................................... SAD, seguiram a mesma convicção, pelo que se impunha fossem encaradas em termos similares àqueles que se adiantaram supra em relação ao recorrente Francisco .................
xvii Tratou-se de uma crítica forte, é certo, mas uma crítica sob a forma de opinião provida de factos que a sustentaram, o que é suficiente para afastar a sua ilicitude disciplinar, designadamente, no quadro do art. 112.º, n.º 1, do RD.
xviii. O texto a que se referem os autos, publicado na .................... de 6 de Janeiro, denuncia um comportamento parcial do Director de Comunicação da Federação Portuguesa de Futebol, L..............., consubstanciado na passagem para a comunicação social de um vídeo destinado a denegrir o comportamento do jogador do F............ D.................., alvo da expulsão já mencionada, o que mais não é que uma actuação parcial que, naturalmente, legitima ainda uma denúncia sobre aqueles que se entenderam ser os interesses que a motivaram, ligados ao ..................
xix. Ao ser assim, a decisão do Tribunal a quo sobre esta factualidade revela-se como violadora de um direito fundamental: o direito à liberdade de expressão.
xx. Em causa nos autos está a manifestação de pura opinião sobre o desempenho dos árbitros e dos agentes desportivos, consubstanciada, portanto, numa crítica objectiva às suas condutas, e por isso totalmente coberta pelo direito fundamental à liberdade de expressão (art. 37.º-1 da CRP), do qual resultará, desde logo, a atipicidade disciplinar da conduta - cf. MANUEL DA COSTA ANDRADE, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal. Uma Perspectiva Jurídico Criminal, Coimbra Editora, 1996, pág. 236 e ss.
xxi. Mais, como vem sublinhando o TEDH, o único limite, fundado na protecção da honra, que há-de reconhecer-se à manifestação de juízos de valor desprimorosos da personalidade do visado pela crítica é o da crítica caluniosa sob a forma de um "ataque pessoal gratuito".
xxii. O nosso Supremo Tribunal de Justiça pronuncia-se no sentido de que "tratando-se de juízos de valor exclui-se a prova da sua exactidão (acórdão do Tribunal constitucional de 24 de Março de 2004, n.0 201/04), impossível de realizar e atentatória da liberdade de expressão, importando somente que não se encontrem totalmente desprovidos de base factual, caso em que podem revelar-se excessivos (acórdão proferido no caso Rizos, acima mencionado)" (Ac. do STJ de 13-01- 2005, Proc. 04B3924, www.d si.pt).
xxiii. Aplicando a fórmula do nosso STJ não sendo esses juízos totalmente desprovidos de base factual não serão ilícitos, apesar de típicos.
xxiv. Tinha, pois, os recorrentes base factual mais do que suficiente para criticar nos termos duros em que o fizeram, não podendo nessa medida ser assacada qualquer responsabilidade disciplinar pelas suas condutas.
xxv. Face ao exposto, dado que os recorrentes se limitaram a fazer legítimo uso do direito fundamental à liberdade de expressão de que são titulares, não há violação ilegítima de deveres, vendo-se assim prejudicada a decisão de condenação dos recorrentes pela prática das infracções disciplinares p. e p. pelos arts. 141.º e 112.º do RD.
xxvi. Nas infracções por que vem condenado o recorrente Francisco ................ e nas infracções por que vem condenada Futebol ................................... SAD, estão em causa duas condutas temporalmente distintas, mas que assumem um mesmo desvalor unitário, sendo animadas pela mesma única e resolução.
xxvii. Importará aqui recordar que o Tribunal Arbitral do Desporto no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 10/2017, decidiu no seguinte sentido: "Ora, existe unidade de resolução criminosa, quando, segundo o senso comum sobre a normalidade dos fenómenos psicológicos, se puder concluir que os vários atos são o resultado de um só processo de deliberação, sem serem determinados por nova motivação".
xxviii. Nessa medida, havia o Tribunal a quo de reconhecer a relação de concurso aparente que intercede tanto entre as duas infrações por que vem condenada a Demandante Futebol ................................... SAD, como entre as duas infracções por que vem condenado aqui Demandante Francisco ................, decidindo em conformidade, vendo-se aqui prejudicada a decisão recorrida.
- V-
xxix. Pela improcedência do pedido de arbitragem necessária apresentado foram os recorrentes condenados em custas que se fixaram no valor de €4.980,00, acrescido de IVA à taxa legal de 23%, o que perfaz um valor total de € 6.125,40.
xxx. Acontece que, como é fácil de ver, tal valor, para além de claramente excessivo, é totalmente desproporcional, pondo em causa, de forma séria e evidente, o princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 2.º e 20.º da CRP).
xxxi. Considerando o critério da nossa jurisprudência constitucional, não são compatíveis com o direito fundamental de acesso à justiça (artigos 20.º e 268.º-4 da Constituição) soluções normativas de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito, como é o caso do TAD.
xxxii. Uma vez que as normas conjugadamente aplicadas pelo Tribunal a quo para fixar o valor das custas finais (art. 2.º n.ºs 1 e 5, conjugado com a tabela constante do Anexo I (2.ª linha), da Portaria n.º 301/2015, articulado ainda com o previsto nos artigos 76.º/1/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD) são inconstitucionais, por violação do princípio da proporcionalidade (art. 2.º da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP), devem essas normas ser desaplicadas (art. 204.º da CRP).
Termos em que se requer a V. Exas. seja o presente recurso julgado procedente, reconhecendo e declarando a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia nos termos e para os efeitos dos arts. 61.º da LTAD, 95.º-1 CPTA e 615.º-1, d) do CPC.
Sem prescindir, requer-se seja a decisão recorrida que confirmou a condenação pelas infracções p. e p. pelos arts.112.º e 141º do RD, absolvendo os recorrentes por falta de verificação dos pressupostos típicos das infracções pelas quais foram condenada da recorrente, nos termos alegados em III supra, com os devidos e legais efeitos.
Novamente sem prescindir, requer-se seja reconhecida a relação de concurso aparente que intercede tanto entre as duas infrações por que vem condenada a Demandante Futebol ................................... SAD, como entre as duas infracções por que vem condenado aqui Demandante Francisco ................, com os devidos e legais efeitos.
Sem prescindir, e subsidiariamente, requer-se a V. Exas. se dignem julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do disposto art. 2.º, n.05 1 e 5 (e respectiva tabela constante do Anexo 1, 2.ª linha, da Portaria n.º 301/2015, com o previsto nos artigos 76.º/1/2/3 e 77.º/4/5/6 da Lei do TAD, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP) e da proporcionalidade (art. 2.º da CRP), com as legais consequências.”

Notificada da admissão do recurso, a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL veio contra-alegar, aí concluindo o seguinte:


“1. O recurso da Futebol ................................... SAD e de Francisco .............................................(doravante designados também como "Recorrentes", "F…" ou "Francisco ...............") tem por objeto o Acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto proferido em 27 de julho de 2018 que confirmou a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que os sancionou pela prática de infrações relativas a ofensas à honra e reputação de agente de arbitragem, por aplicação dos artigos 112.º e 141.º. do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (doravante designado por "RD da LPFP").
2. Não existe qualquer omissão de pronúncia, pois toda a factualidade relevante foi assente nos documentos juntos ao processo disciplinar e na audiência que decorreu nas instalações do TAD e que, naturalmente, foi tida em conta pelo Colégio Arbitral.
3. Toda a "factualidade" alegada pelos Recorrentes não são mais do que outras opiniões relativas ao mesmo assunto, veiculadas por outros meios e por outras pessoas - pessoas essas que não são agentes desportivos e não se encontram, portanto, sob aplicação do RD da LPFP nem sob jurisdição do CD da FPF.
4. Ademais, tal "factualidade" não está, na verdade, ligada à prática ou não dos ilícitos aqui em causa.
5. O que os Recorrentes pretendem é que factos instrumentais fossem considerados factos principais o que naturalmente não pode colher.
6. Não é por não terem sido elencados na matéria de facto dada como provada que o Colégio Arbitral não considerou todas as alegações feitas nas respetivas peças processuais.
7. As notícias servem - em teoria - para complementar ou concretizar o alegado pelos Recorrentes, nomeadamente para enquadrar as suas declarações. Não são, em si mesmo, essenciais para se concluir pela punição ou não punição dos Recorrentes pelo teor das afirmações que proferiram.
8. É obviamente desconexa com o objeto dos autos (e perfeitamente inócua, nessa medida) a matéria que os Recorrentes parecem pretender que fosse aditada ao elenco de facto provados ou não provados, pelo que nenhuma omissão de pronúncia existe.
9. O juízo de valor desonroso ou ofensivo da honra é um raciocínio, uma valoração cuja revelação atinge a honra da pessoa objeto do juízo, sendo certo que tal juízo não é ofensivo quando resulta do exercício da liberdade de expressão.
10. O juízo de valor é ilegítimo, ainda que no âmbito do exercício da liberdade de expressão, quando se dirige ao visado em si mesmo.
11. Naturalmente que os agentes desportivos podem exprimir opiniões e formular críticas. As sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir publica e abertamente o que pensam e sentem, estando, porém, adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do Regulamento Disciplinar da LPFP.
12. Quando uma pessoa ou entidade aceita aderir a determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, deontológicas, disciplinares, sancionatórias, etc.. Os Recorrentes têm de ter noção - e se não têm, sibi imputet - de que estão sujeitos a regras de respeito pela competição desportiva e pelos outros agentes, incluindo árbitros e a arbitragem.
13. Assim, em concreto, dizer que o árbitro errou, que a arbitragem em Portugal podia melhorar, que existem erros incompreensíveis, que o funcionamento da arbitragem não é o que o autor do texto reputa de correto (ainda que se utilizem palavras mais contundentes), é uma coisa.
14. Dizer que a arbitragem ou um árbitro em específico erra em favorecimento de um clube em concreto, inculcando na comunidade em geral a ideia de um agir parcial por parte de entidades em que a imparcialidade, a isenção e o rigor são absolutamente vitais e intrínsecos à própria função, é outra bem diferente. E para se passar uma mensagem deste género não é necessário o uso de quaisquer expressões grosseiras, nem o uso de quaisquer vernáculos (que no caso não foram usados), o que não prejudica o facto de tais declarações serem ofensivas da honra e reputação do árbitro ou da arbitragem em geral. Isso deixa bem claro o Colégio Arbitral a fls. 26 do Acórdão.
15. O Demandante Francisco ................ sabia - uma vez que, enquanto jornalista de profissão, é uma pessoa que conhece bem o impacto das palavras e do seu uso em determinado contexto - ser o conteúdo dos textos em causa adequado a prejudicar a honra e reputação devida à arbitragem em geral, na medida em que indicia uma atuação a que não presidem critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, colocando assim intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.
16. Como é evidente, não podem os textos serem considerados uma crítica objetiva, mas sim a imputação de um juízo pejorativo à atuação do árbitro e da arbitragem em Portugal, uma vez que deixam perpassar a ideia de que uma eventual falta de acerto nas decisões são atos intencionais em favorecimento de um determinado clube.
17. A alegação dos Recorrentes apresentada nos autos manifesta a continuidade destas conjeturas, uma vez que são trazidos aqui textos de outros comentadores, afirmações quanto à parcialidade dos árbitros, sempre em alegado detrimento dos mesmos e em favorecimento de outros ... Ora nada disto releva a ilicitude das declarações proferidas, quanto muito adensa-a uma vez que perpetua a ideia de uma falta de isenção e imparcialidade da arbitragem.
18. Neste sentido, dúvidas não restam que os Recorrentes tiveram a intenção que lograram concretizar de deixar mácula nos visados pelas respetivas declarações, a saber os árbitros em questão e o Conselho de Arbitragem, no sentido de este ter intencional e deliberadamente atuado de forma parcial e na prossecução de interesses particulares.
19. Além disso, tais afirmações são potencialmente gravosas para o interesse público e privado da preservação das competições profissionais de futebol.
20. Esta decisão vem, aliás, em linha do que já foi decidido por este mesmo TCA Sul, no âmbito do processo 155/17.SBCLSB.
21. No que concerne à alegada dupla punição, também andou bem o Colégio Arbitral.
22. Nos termos do disposto no artigo 30.º do Código Penal o "número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente".
23. Dado que as declarações da autoria do Recorrente Francisco ............. e difundidas pela Recorrente Futebol ................................... - SAD foram proferidas em momentos temporalmente distintos, deverá considerar-se que cometem tantos ilícitos quantas as vezes em que ofendem, concretamente, a honra dos visados, pelo que devem também improceder as alegações dos Recorrentes quanto a esta matéria.
24. Por outro lado, o n.º 3 do mesmo artigo 30.º diz que o disposto no número 2, relativo ao crime continuado, não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, pelo que em qualquer caso, dada a aplicação subsidiária do Código Penal aos processos disciplinares,não existe possibilidade de sancionar os Recorrentes por infração continuada .
25. O TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF.
26. Assim, não existindo nenhum vício que possa ser imputado ao acórdão do Conselho de Disciplina que levasse à aplicação da sanção da anulabilidade por parte deste Tribunal Arbitral, andou bem o Colégio de Árbitros ao decidir manter a condenação dos Recorrentes.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao Recurso Jurisdicional e, consequentemente, ser mantido o Acórdão Arbitral recorrido, ASSIM SE FAZENDO O QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA.”

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º, ambos do CPTA, silenciou.

Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.

*

2.- DA FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Dos Factos

O Tribunal a quo deu como provada a factualidade nos seguintes termos, ipsis verbis:
A. Quanto ao Demandante Francisco .............:
1. No dia 04 de janeiro de 2017, o Demandante Francisco ............., no programa do .................. "....................................", mais tarde igualmente noticiado no jornal diário "O .......", na sua edição do dia 05 de Janeiro de 2017, pág. 10,sob o título "O ..................................." referiu: «Foi criado um monstro que controla tudo isto»;
«João ............. também é internacional e chegou a internacional depois de apitar dois jogos. O problema aqui é o método. Mas há mais casos: Tiago ............. apitou dois jogos para ser internacional. Não é sério. O Fábio ............. apitou cinco. É vergonhoso. Este monstro foi criado para controlar a arbitragem, controlando o curso das competições.
Quem fez isto foi o ............., não tenham dúvidas».
2. No dia 05 de Janeiro de 2017, o mesmo Francisco ............., em comentário feito ao programa "Fórum TSF", da operação de rádio TSF, afirmou o seguinte, de acordo com o jornal diário ............., na sua edição do dia 06 de Janeiro de 2017: «Jamais podemos dizer que os árbitros erram de propósito. O que dizemos é que tem havido um número anormal de erros em prejuízo do F............ e isso é consequência de um caldo de cultura que foi criado nos últimos anos, que tem várias facetas, e uma delas relacionada com a arbitragem. E isto não tenhamos dúvidas que tem um pano de fundo por trás, uma eminência parda que se chama .............».
3. Estas declarações efectuadas por Francisco ............. foram amplamente difundidas pela generalidade da comunicação social, nomeadamente, pelos diversos jornais desportivos.
4. O Demandante Francisco ............. exercia, à data dos factos, as funções de Dirigente de Futebol ..................................., SAD agiu nessa qualidade de Dirigente de Futebol ..................................., SAD, integrando o estatuto jurídico-desportivo de agente desportivo.
B.
Quanto à Demandante do Futebol ..................................., SAD
1. O site oficial da Demandante F.................., SAD «disponibiliza a todos os que o pretendam receber todas as manhãs», um «pequeno jornal electrónico» denominado «....................», acessível mediante subscrição gratuita no aludido site e diariamente remetida, por correio electrónico, aos subscritores.
2. O "....................", disponibilizou aos respectivos subscritores no dia 04 de janeiro de 2017 as seguintes afirmações a propósito da arbitragem do Árbitro Luís .............., no jogo "M...................... - F............ SAD", da …ª jornada, da Fase …, da Taça CTI 2016/2017, realizado a 3 de Janeiro de 2017: «Luís .............. interferiu claramente com a verdade desportiva. Luís .............. retirou o F............ de uma competição, como já tinha feito João .............. Luís .............. interferiu até na próxima jornada, por expulsar um jogador que teve a infelicidade de não ver que o árbitro caminhava na sua direcção. E não, isto não é um azar a seguir ao outro, porque Luís .............. conseguiu mostrar um amarelo aos jogadores do F............ a cada 2,29 faltas cometidas.»
3. Continuando: "... não há vergonha no futebol português e quem menos vergonha tem é que é responsável por este estado de coisas, com o Conselho de Arbitragem à cabeça, com nomeações sempre a piorar. E sabem porquê? Porque o até ontem desconhecido Luís .............. é a partir deste mesmo mês de Janeiro árbitro internacional, indicado pelo Conselho de Arbitragem. Pelas boas arbitragens não é certamente. Pelos bons desempenhos em jogos de grau de dificuldade elevado não é, porque não os fez, pelo menos em quantidade aceitável. Então porque será? É tempo de gritar basta de desmascarar todo este polvo que criou um monstro em que árbitros sem experiência, sem provas dadas, são transformados em internacionais proveta. (...) E ficamos à espera de esclarecimentos públicos das autoridades da arbitragem sobre esta pouca vergonha. (...)"
4. O "....................", disponibilizou aos respectivos subscritores no dia 6 de janeiro de 2017 as seguintes afirmações: «A expulsão de D........ em ............................ podia ter ficado como um infeliz acontecimento e uma decisão precipitada de um árbitro inexperiente, mas infelizmente é muito mais do que isso e é reveladora do monstro que controla o futebol português. (...)»
5. Mais constando. "(...) o F............ exige explicações e medidas da parte da Federação Portuguesa de Futebol. Este é mais um exemplo do monstro que controla o futebol português. A quem interessa que a federação torne o partido do até esta semana desconhecido árbitro Luís ..............? Ao ............., claro, que estende os tentáculos por todo o lado e quando de um lado está o F............ a verdade e os princípios não interessam para nada e há que montar uma encenação que prejudique o nosso Clube. Assim se compreendem bem os recentes elogios de Luís .................. a Fernando ............. na tradicional entrevista de ano novo ao jornal ".............", mas mais não são do que beijos de Judas. (...)".
6. O referido jornal electrónico .................... é uma publicação disponibilizada gratuitamente através do site oficial do Futebol ..................................., SAD na internet, que é explorado pela referida SAD ou pelo Futebol ...................... (clube), directamente ou por interposta pessoa, tendo veiculado as mencionadas declarações a um vasto leque de destinatários.
7. A Demandante F.................., SAD, responsável pela publicação, no site por si explorado, "....................", não só não impediu as sobreditas publicações como não manifestou, em momento posterior, qualquer discordância com o seu conteúdo.
C. Intenção e circunstâncias relevantes
1. Os Demandantes Francisco ............. e F.................., SAD, sabiam que as suas condutas, perpetradas em momentos temporalmente distintos, eram proibidas e punidas pelo ordenamento jus-disciplinar tendo, não obstante, optado por concretizá-las.
2. A Demandante F.................., SAD tem antecedentes disciplinares na época desportiva em causa, 2016/17,com condenação pela prática da infracção disciplinar prevista e punida pelo artigo 112º do RDLPFP numa das três épocas desportivas anteriores àquela em que se verificaram os factos, enquanto o Demandante Francisco ............. não apresenta qualquer antecedente disciplinar.
VII. Factos não provados com interesse para a decisão
Nada mais foi provado ou não provado da matéria relevante para a boa decisão nos presentes autos.
VIII. Fundamentação de facto
No julgamento dos recursos e impugnações previstas na respectiva lei, o TAD goza de jurisdição plena, em matéria de facto e de direito (artigo 3.º da Lei do TAD).
Afirma a Demandada que é ela "pela mão do órgão Conselho de Disciplina, (que) está em melhores condições de ajuizar acerca da ilicitude ou não dos factos, e consequentemente da necessidade ou não de punir determinada conduta, em face do interesse público que prossegue (...) e que "Nenhuma entidade para além da FPF tem atribuições para prosseguir os interesses públicos subjacentes à aplicação de sanções disciplinares na modalidade que lhe cabe promover e regulamentar, ou seja, o Futebol. Nenhuma entidade tem mais interesse que a FPF em que tais sanções sejam aplicadas da forma mais correcta possível (...)".
Como se afirma no Acórdão 56/2017 TAD, posição que na integra sufragamos, "defende a Demandada que os poderes de cognição deste TAD se limitam à possibilidade de alteração da sanção aplicada pelo CDFPF em caso de ocorrer uma ilegalidade manifesta e grosseira, consubstanciado, portanto, estes os «limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso limite à actuação do Conselho de Disciplina da FPF»".
Não temos tal entendimento porquanto, como se afirma nesse mesmo acórdão, "...(a tese da Demandada) faz crer que o TAD se limitou a (< retirar as competências jurisdicionais atribuídas à jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais», omitindo, por completo, que o TAD veio, igualmente, substituir a competência dos Conselhos de Justiça das Federações Desportivas em diversos casos" (...) "Nesse sentido, limitar a actuação do TAD nos termos propostos pela Demandada, seria o mesmo que impedir os então Conselhos de Justiça de analisar da bondade e correcção das decisões tomadas, em primeira instância, pelos então Conselhos de Disciplina. Tal limitação seria inaceitável, como inaceitável e ilegal (nomeadamente tendo em consideração o disposto no artigo 3.º da LTAD) é a tentativa da Demandada em retirar ao TAD a jurisdição plena que o legislador lhe conferiu."
No mesmo sentido o acórdão 55/2017 TAD que de forma desenvolvida e fundamentada se refere a esta matéria e para o qual remetemos (Disponível em https://www.tribunalarbitraldesporto.pt/files/decisoes/ TAD 55 -2017.pdf) e ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de Fevereiro de 2018, no âmbito do processo n.º1120/17, disponível em http://www.dgsi. pt.
Entendemos, pois, concluindo, que este Tribunal arbitral tem competência para aquilatar, revendo ou mantendo, a matéria de facto, e decidir as consequências jurídicas que entender se revelem as mais adequadas ao caso concreto.
Como é sabido, cabe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas. É assim tanto no âmbito das leis de processo civil (artigoº 5º nº1 do CPC) como no âmbito da arbitragem (artigos 54º nº 3 alínea c) e 55º nº 2 alínea b) da Lei do TAD) .
Os concretos pontos de facto que constituem a causa de pedir e submetidos a julgamento foram os constantes dos articulados apresentados pelas partes.
Foram analisados e valorados os factos constantes nos autos e os documentos que os instruem, em súmula a prova constante dos autos, incluindo as declarações do Demandante Francisco ............. e da testemunha Manuel ............., em depoimentos que se afiguraram ao colégio arbitral como credíveis e autênticos.
É convicção do Colégio arbitral que o discurso do Demandante Francisco ............. é baseado em conjunturas e conjecturas que alimentam teorias da conspiração por si criadas quanto a casos da arbitragem, escalpelizando diversos casos e decisões de jogo ajuizadas pelos árbitros que no seu entender ocorreram para beneficiar outra SAD, concretamente a ..................................., Futebol SAD, em detrimento da Futebol ......................, Futebol SAD.
De igual modo nas suas declarações se retira que, subjaz às actuações dos árbitros uma conjuntura em que os agentes de arbitragem, o órgão que a tutela e a FPF actuaram sem a imparcialidade que as deve caracterizar, com o intuito de beneficiar a ..................................., Futebol SAD.
Por outro lado, das declarações que prestou e das da testemunha Manuel ..................................................., director geral da F… ..........SA, "superior hierárquico" do Francisco ………., como afirmou (Gravação das declarações da testemunha constantes nos autos aos 1h 03minutos) ficou claro que a "política de comunicação institucional do Futebol ......................" (Idem aos h 17 minutos) é definida em "brainstorming", em reunião, em que estão presentes o "Presidente (do F............), o Luís ..............., dois administradores (do F............),o Adelino ............... e o Fernando ............., eu próprio e o Francisco .............." (Idem aos 1h18 minutos). Mais tendo afirmado que "É à volta do presidente que todos se pronunciam, mas no final é ele que tem a última palavra. (...) Os temas (a abordar) são decididos pelo conjunto, a forma é de cada um." (Idem aos 1h 24 a 1h 28 minutos).
E ainda que "o F............ clube tem a maioria do capital social da SAD e a F............ Media é detida a 98% pela F… SAD" (Idem aos 1h30 minutos). "O presidente do Futebol ...................... em mim manda... (eu) claro que mando (no Francisco .............) (...) e indirectamente (o presidente do F…) em qualquer um (de nós)". (Idem aos 1h33 a 1h 35 minutos).
Ficando esclarecida a relação institucional existente.
Assim:
a) Quanto aos factos descritos em A.1,2 e 3, a prova resulta dos documentos constantes no processo disciplinar FPF n!! ............./17,junto aos autos, bem como das declarações do Demandante.
b) O facto descrito em A. 4, a prova resulta das declarações do Demandado e da Testemunha referida, bem como dos documentos constantes no processo disciplinar FPF nº............./17, junto aos autos.
c) Os factos enunciados em B. 2,3, 4 e 5, a prova resulta dos documentos constantes no processo disciplinar já referido e junto aos autos, coadjuvada pelo depoimento do Demandante.
d) O facto descrito em B. 1e 6,resulta provado dos documentos juntos aos autos e da consulta via "link", efectuada em 9 de Março de 2018 e igualmente citada no processo como tendo sido efectuada em abril de 2017, disponível em http:/www.f..............pt/pt/noticias/Pages/.............-Diario-arranca-amanha .aspx
e) Já o enunciado em B. 7 e C. 1resulta da análise conjugada de toda a prova e da convicção do colégio arbitral devidamente fundamentada segundo as regras da experiência, incluindo na sua avaliação as declarações do Demandante, ouça-se quanto a este as suas declarações a minutos 41 a 43 da gravação, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
Na verdade, pessoas com a experiência de vida e formação cultural do Demandante Francisco ............., jornalista de profissão, necessariamente conhecem o carácter social e jus-disciplinarmente censurável das condutas descritas, bem como a Demandante Futebol ......................, Futebol SAD.
f) Os cadastros disciplinares de ambos os Demandantes encontram-se nos autos, sendo consequentemente valorados.
Fixada está, pois, a matéria de facto.
*

2.2. Motivação de Direito

Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objectivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas) - v.g. artigos 635º e 639 do NCPC, «ex vi» do artigo 1º e 140º do CPTA.
Atentas as conclusões de recurso, que delimitam o seu objecto, a questão decidenda passa, por determinar se a sentença (i) padece de nulidade de acordo com o disposto no artigo 615.º, n.º1, al. c) do CPC, aplicável via artigo 1.º do CPTA, por (i) OMISSÃO DE PRONÚNCIA - conclusões I-i. a vii. –; (ii) erro de julgamento sobre a valoração e apreciação da imputação das condutas que foram sancionadas e (iii) erro na condenação em custas –demais conclusões.
Assim:

(i) - Da omissão de pronúncia

Nesta vertente, os recorrentes constroem a tese de que o Acórdão do TAD de 27-07-2018, que julgou improcedente o pedido de anulação das sanções aplicadas no processo disciplinar n.º ...-.../17, mantendo a condenação do recorrente Francisco ................ por duas infracções disciplinares (p. e p. pelos arts. 19.º-1 e 2 e 141.º RD) e mantendo a condenação da recorrente Futebol ................................... SAD por duas infracções disciplinares (p. e p. pelos arts. 112.º-1, 2 e 3 do RD), padece de nulidade decisória.
E isso porque, consideram que as condutas pelas quais os recorrentes são condenados reportam-se a afirmações vertidas na comunicação social que consubstanciam duras críticas à arbitragem e ao ................., as quais se mostram perfeitamente enquadráveis e aceitáveis face ao direito à liberdade de expressão, constitucionalmente consagrado, sendo que em sede de arbitragem necessária os demandantes demonstraram, através de robustas provas documentais, o circunstancialismo em que se baseou a formação desta sua convicção (no confronto dos factos com as exigências regulamentares no que diz respeito à qualificação e classificação dos árbitros, como ainda nas notícias divulgadas na comunicação social que seguiam no mesmo sentido de opinião), daí evidenciando-se que se tratou da revelação de uma convicção fundada.
Apesar disso, dizem, o acórdão recorrido não contém qualquer referência, mínima que seja, à vasta factualidade que fundou e sustentou a convicção que veio a ser expressa pelos Demandantes, não tomando posição sobre a factualidade alegada pelos Demandantes em sua defesa e assim submetida à sua apreciação, quando é certo que se trata de factualidade de elevada relevância para apreciação dos factos em apreço e que se impunha que fosse levada à matéria provada destes autos, para que daí pudesse o Tribunal a quo fazer a devida valoração e apreciação da imputação.
Ao omitir tal factualidade e eximindo-se, por consequência, de apreciar questão relevante para a boa decisão da causa que foi a si submetida a julgamento pelos Demandantes, aqui recorrentes, à luz do disposto nos arts. 95.º-1 do CPTA e 615.º-1, d) do CPC, o acórdão recorrido - ao deixar de levar aos factos provados ou não provados factualidade essencial alegada pelos Demandantes em sua defesa -padece de nulidade por omissão de pronúncia.
A recorrida Federação Portuguesa de Futebol contrapõe à arguição de nulidade que a mesma inexiste dado que toda a factualidade relevante foi assente nos documentos juntos ao processo disciplinar e na audiência que decorreu nas instalações do TAD e que foi tida em conta pelo Colégio Arbitral, não passando toda a "factualidade" alegada pelos Recorrentes de outras opiniões relativas ao mesmo assunto, veiculadas por outros meios e por outras pessoas - pessoas essas que não são agentes desportivos e não se encontram sob aplicação do RD da LPFP nem sob jurisdição do CD da FPF.
Mais aduz a recorrida que tal "factualidade" não está ligada à prática ou não dos ilícitos aqui em causa, mais não pretendendo os Recorrentes que factos instrumentais fossem considerados factos principais, o que não pode colher, tanto mais que não é por não terem sido elencados na matéria de facto dada como provada que o Colégio Arbitral não considerou todas as alegações feitas nas respectivas peças processuais.
A recorrida ainda acrescenta que as notícias servem - em teoria - para complementar ou concretizar o alegado pelos Recorrentes, nomeadamente para enquadrar as suas declarações. Não são, em si mesmo, essenciais para se concluir pela punição ou não punição dos Recorrentes pelo teor das afirmações que proferiram.
Conclui, pelas razões expostas, que é desconexa com o objecto dos autos (e perfeitamente inócua, nessa medida) a matéria que os Recorrentes parecem pretender que fosse aditada ao elenco de factos provados ou não provados, pelo que nenhuma omissão de pronúncia existe.
Quid juris?
Invoca a Recorrente ainda a nulidade do Acórdão, ao abrigo do artº. 615°, n° 1, al. d) do C.P.C., alegando que o Acórdão não conheceu dos factos que elenca e que deviam ser dados como assentes com base me meios probatórios existentes nos autos, pelo que o mesmo é nulo.
Ora, um dos princípios estruturantes do direito processual civil é o princípio do dispositivo, segundo o qual às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções, com a delimitação dos poderes de cognição do tribunal estabelecidos no artº 5º do CPC.
E a que também se refere o art. 600º, n.º 2, do mesmo CPC, que diz que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Conforme este princípio, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo-se ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas, não podendo, por regra, ocupar-se de outras questões.
A sentença ficará afectada de nulidade, quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC).
Mas importa precisar o que deve entender-se por «questões» cujo conhecimento ou não conhecimento integra nulidade por falta de pronúncia.
Como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras «questões» de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista no art. 615º/1/d) do CPC.
Há, assim, que distinguir as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido ou que o tribunal tenha aduzido sem invocação das partes [Ver Abílio Neto In “Código do Processo Civil”, Anotado, 14.ª ed., pág. 702 e Acórdão da Relação de Lisboa, de 2.07.1969, publicado JR, 15.].
Num caso como no outro não está em causa omissão ou excesso de pronúncia.
No que concerne à falta de pronúncia dizia Alberto dos Reis, que «são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» [In Código de Processo Civil, Anotado, Volume V, pg. 143].
Dentro deste raciocínio do ilustre mestre se poderá acrescentar que quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, não usar de razões ou fundamentos jurídicos ou factuais invocados pelas mesmas partes não está a omitir o conhecimento de questões de que devia conhecer com susceptibilidade do cometimento de nulidade.
Do que se conclui que apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito ou, convenhamos, de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância, é que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes, sob pena de a sentença incorrer em nulidade por falta de pronúncia.
Obviamente sempre salvaguardadas as situações onde seja admissível o conhecimento oficioso do tribunal.
Também importa não confundir a nulidade por falta de conhecimento com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz não decide acertadamente, por decidir «contra legem» ou contra os factos apurados [vide A. dos Reis, In “Código de Processo Civil”, Anotado, Volume V, pg. 130].
Ora, no caso em apreciação, tudo aponta para que o tribunal recorrido não deixou de conhecer de qualquer questão de que devesse conhecer.
Na motivação da decisão recorrida justifica-se porque não se atendeu à factualidade/meios de prova que os recorrentes alegam que foram postergados ou ignorados, quando, por terem sido alegados, se impunha que sobre os mesmos houvesse pronúncia do Tribunal.
Independentemente da maior ou menor validade desta argumentação, o certo é que não se está em presença de omissão de pronúncia porque não se acha em causa o conhecimento de questão de que o tribunal devesse conhecer, mas apenas em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão, no caso a atinente à imputação das condutas descritas aos arguidos.
Não se verifica, pois, a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.
*
(ii) Do erro de julgamento

a)- Sobre a matéria de facto

Do que vem dito, impõe-se-nos aquilatar até que ponto e respeitando a tese dos recorrentes, foi incorrectamente julgada a matéria de facto, por não ter o tribunal seleccionado, nem julgou sequer, os factos elencados pelos recorrentes e que estes consideram ser factos essenciais manifestamente imprescindíveis para a boa decisão da causa.
Ora, a nosso ver e em consonância com a recorrida, os concretos meios de prova constantes do processo (documentos juntos ao processo disciplinar e na audiência) não impunham decisão diversa de recorrida, sendo que, em matéria de recurso, o respectivo objecto é dado pelas conclusões (artºs. 637º nº 2 e 639º nºs. 1 e 2 CPC) e o erro de julgamento em matéria de facto tem um leque de causas muito vasto, sendo que nem todas implicam a observância do ónus estabelecido no artº 640º nºs. 1 e 2 CPC).
O objecto do presente recurso, em virtude do que fundamentou e decidiu quanto á nulidade assacada ao acórdão, tal como apresentado nas conclusões, será então reconduzível a erro de julgamento/ impugnação da decisão sobre a matéria de facto levada ao probatório em sede do Acórdão, o que apenas releva se o alegado incorrecto julgamento feito pelo Tribunal a quo se traduzir em insubsistência probatória de natureza substantiva, isto é, se a decisão do caso concreto declarada na decisão recorrida não tiver suporte probatório juridicamente válido à luz do quadro normativo que disciplina a admissibilidade bem como a força e valor jurídico das várias espécies de meios de prova.
De todo o modo, a incorrecção do julgado há-de revelar-se pelos próprios termos da decisão proferida, pela incapacidade jurídica de uma dada fonte probatória formar e sustentar de modo juridicamente válido a convicção expressa pelo julgador no específico sentido consignado, o que vale por dizer que é necessário concluir que o probatório e respectivos meios de prova não constituem suporte jurídico da decisão do caso concreto declarada no Acórdão e/ou que outros há que impunham a ampliação do probatório – tal como pretendem os recorrentes.
Ora, no ponto, concorda-se plenamente com a recorrida quando afirma que na circunstância toda a matéria de facto que os recorrentes pretendem que seja ditada ao probatório, contrariamente ao que eles sustentam, não se trata de factos essenciais e imprescindíveis para a boa decisão da causa, isso sem embargo de os mesmos poderem ser considerados plenamente provados pelos documentos que os suportam.
Como já se decidiu supra, a questão da insuficiência de matéria de facto por inconsideração do Tribunal relativamente aos factos alegados nos articulados pelas partes, poderá constituir violação primária de direito probatório – e não nulidade de decisão – por erro na selecção dos factos que integram o objecto do probatório.
Nesse sentido, vide Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, LEX/1997, pág. 438.
Dispõe o artº 574º nº 2 CPC – texto idêntico ao anterior 490º nº 2 – que se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto.
O que significa que, em via de atenuação do excesso de rigor formal da impugnação especificada, facto por facto, que vigorou até às alterações introduzidas pelo DL 329-A/95, a lei adjectiva alterou o regime no sentido de que “(…)a impugnação não tem hoje de ser feita facto por facto, individualizadamente, podendo ser genérica (..)” (cfr. Lebre de Freitas, CPC – Anotado, Vol.2º, 2ª ed. Coimbra Editora/2008, pág. 326).
Acresce que, como ensina o mesmo ilustre doutrinador Lebre de Freitas, in CPC – Anotado, Vol. 2º, 2ª ed. págs.326/327 e 315/316 os factos instrumentais não carecem de ser directamente impugnados pelo réu, pois que “(...) a este basta impugnar o facto principal que deles se deduz, visto que este é que integra a causa de pedir, ficando assim indirectamente impugnados os factos instrumentais que a ele permitem chegar(...)” sendo que “(...) Não constitui verdadeiramente excepção o caso em que os factos alegados pelo autor estão em oposição com o conjunto da defesa. Estamos, então, antes, perante uma impugnação indirecta (..) A impugnação dos factos constitutivos alegados pelo autor pode ser directa ou indirecta. É directa quando o réu nega frontalmente os factos. É indirecta (ou motivada, como também lhe chama a doutrina alemã) quando o réu, confessando ou admitindo parte dos factos alegados como causa de pedir, pelo autor, afirma, por sua vez, factos cuja existência é incompatível com a realidade de outros também alegados pelo autor no âmbito da mesma causa de pedir…”.
E por esse prisma que cabe analisar a alegada insuficiência de probatório e é aqui que estamos em completa sintonia com a recorrida no sentido de que o TAD não relevou aqueles factos instrumentais em razão da sua irrelevância e impertinência para a decisão da causa, ou seja, por se tratar de matéria conclusiva – juízos de valor –e factos irrelevantes para a causa.
Em termos adjectivos, só os factos controvertidos (não confessados nem admitidos por acordo), pertinentes à causa (que digam respeito à relação jurídica substancial) e indispensáveis para a solução do pleito (factos relevantes, não supérfluos), assumem a natureza de quesitos para efeitos de sobre eles produzir prova.
Requisitos cuja observância a lei determina no artº 596º nº 1 CPC, ao referir o elenco genérico e aberto dos temas da prova identificativos do objecto do litígio na fase da condensação, na exacta medida em que o objecto do litígio não é a questão de direito, mas a questão de facto que cabe ao Tribunal dirimir segundo uma das diversas soluções plausíveis da questão de direito.
Na senda do Prof. Manuel de Andrade o juiz só deve pôr de parte, como irrelevantes, aqueles factos que não interessam à decisão da causa em face de qualquer das soluções plausíveis que a questão de direito comporte (Noções elementares de processo civil, pág. 90).
Na esteira do Prof. Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, Vol III, Almedina/1982, págs.265/266 a regra de que no objecto próprio da actividade instrutória e julgamento da matéria de facto se “(..) deverem compreender somente factos úteis à solução da causa se apresenta como regra própria que tem a função já assinalada, de evitar que a instrução e o julgamento venham a ser sobrecarregados inutilmente com a prova e apreciação de factos sem interesse para a solução da casa e confiná-la aos seus termos essenciais, donde o nome de condensação por que esta fase do processo é também designada. [os antigos especificação e questionário ou despacho de fixação de matéria de facto e base instrutória do CPC anterior ao vigente].
Por factos úteis ou relevantes têm-se todos aqueles que interessam às “várias soluções plausíveis da questão de direito (antigo 511º/1 CPC) com o que se visa a hipótese de possibilidade de soluções jurídicas várias para que sejam necessários elementos de facto diferentes, e que, a não serem compreendidos todos, exigiriam quesitos adicionais e produção de novas provas (...)”.
Assim, em direito adjectivo, o que releva para efeitos de quesitação são os factos, sendo que, (...) é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior (...), o que significa que a produção de prova “(...) só pode ter por objecto factos positivos, materiais e concretos; tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória (...); que (...) o julgamento circunscreve-[se] legalmente a apurar quais factos estão provados, o que imediatamente restringe a intervenção do tribunal ao apuramento de factos materiais (..); que (...) O tribunal há-de ser perguntado sobre factos simples, e não sobre factos complexos, sobre factos puramente materiais, e não sobre factos jurídicos, sobre meras ocorrências concretas, e não sobre juízos de valor, induções ou conclusões a extrair dessas ocorrências. (..) e que (..) o facto complexo há-de deduzir-se de factos simples (..)” - cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil - anotado, Vol III, págs. 2016 e 212 a 215.
E sobre os limites de admissibilidade de quesitação de juízos de valor e juízos de causalidade conclusiva, evoca-se e transcreve-se, dada a sua relevância para o caso que nos ocupa, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03.02.2014 tirado no procº nº 2138/10.7BPRD.P1, no seguinte passo: “(...) é matéria conclusiva toda aquela que não consiste na percepção de uma ocorrência da vida real, trate-se de um facto externo ou interno [referimo-nos a factos psíquicos], mas antes constitui um juízo acerca de certa realidade factual.
No que tange à matéria conclusiva, devem em nosso entender, distinguir-se os juízos de facto periciais [como exemplos destes juízos periciais de facto podem referir-se a incapacidade para o trabalho, o perigo de ruína – artº 1226º nº 1 CC – e a graduação do quantum doloris e do dano estético], dos juízos de facto comuns passíveis de serem emitidos por qualquer pessoa com base nos seus conhecimentos [incluir-se-ão nestes os factos hipotéticos ou conjecturais, que não carecem de conhecimentos especiais para serem emitidos, como sucede relativamente à vontade hipotética ou conjectural das partes (artsº. 292º, parte final, 293º, parte final e 220º parte final, todos do CC].
Esta distinção justifica-se, em nosso entender, porque pode ser objecto de prova pericial a apreciação de factos, quando para tanto sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (artigo 388º do Código Civil).
Assim, é a própria lei substantiva a determinar que a prova pericial pode consistir na emissão de juízos de valor sobre certos factos.
Desta configuração substantiva da prova pericial há que, salvo melhor opinião, retirar as necessárias consequências do ponto de vista processual, nomeadamente, no que tange a delimitação do objecto da prova que, em consonância, no que respeita a prova pericial, não se poderá restringir aos “factos relevantes para o exame e decisão da causa” ou “aos temas de prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova” (artigos 513º do Código de Processo Civil, na redacção que vigorava aquando da prolação da decisão sob censura e 410º do mesmo diploma legal, na versão aprovada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho e que presentemente vigora), devendo também abarcar a apreciação de factos por peritos, dada a vocação instrumental do direito adjectivo. A não se proceder assim, não se perceberia qual a utilidade probatória da emissão de juízos de valor pelos peritos” (..)
O conteúdo do artigo … da base instrutória envolve a formulação de um juízo de causalidade. Ora, o juízo sobre a causalidade de certa conduta activa ou omissiva é, por natureza, conclusivo, já que não incide sobre factos concretos passíveis de serem percepcionados, constituindo antes uma decorrência de certos factos concretos e da ligação que por via do raciocínio é possível estabelecer entre eles.
Por isso, esse juízo é apenas eventualmente passível de prova pericial ou com base em presunção natural, tendo em conta as regras da experiência comum. Acresce que o concreto figurino da causalidade é variável, consoante o concreto domínio em que se aplica, o que envolve, nesta vertente, verdadeiras questões de direito [Das Obrigações em Geral, 6ª ed., Almedina 1989, Vol. I, João de Matos Antunes Varela, págs. 855 a 871]. (..)
Assim, tudo sopesado, vertendo-se no artigo da base instrutória matéria conclusiva para cuja resposta não são necessários conhecimentos especiais determinantes da necessidade de produção de prova pericial, deve a resposta que foi dada com base numa simples valoração do julgador, por apelo às regras da experiência comum, extirpar-se da matéria dada como provada (...)”.
Dimana, pois, de Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03.02.2014 que vem de ser citado e transcrito, a seguinte doutrina condensada no respectivo sumário:
“1.-É matéria conclusiva toda aquela que não consiste na percepção de uma ocorrência da vida real, trate-se de um facto externo ou interno, mas antes constitui um juízo acerca de certa realidade factual.
2.-Dentro da matéria conclusiva devem distinguir-se os juízos de facto periciais, dos juízos de facto comuns passíveis de serem emitidos por qualquer pessoa com base nos seus conhecimentos.
3.-O juízo sobre a causalidade de certa conduta activa ou omissiva é por natureza conclusivo, já que não incide sobre factos concretos passíveis de serem percepcionados, constituindo antes uma decorrência de certos factos concretos e da ligação que por via do raciocínio é possível estabelecer entre eles.
4.-Por isso, o juízo sobre a causalidade de certa conduta é apenas eventualmente passível de prova pericial ou com base em presunção natural, tendo em conta as regras da experiência comum.”
Posto isto e volvendo ao caso concreto na questão trazida a recurso, afirma os recorrentes que sempre sustentaram - e nesta sede reiteram - que, independentemente do desagrado que as suas palavras possam causar, a sua actuação enquadra-se e não extrapola o âmbito do direito à liberdade de expressão, sendo esta uma convicção fundada, assente na constatação de erros grosseiros de arbitragem em prejuízo do F............ e na anormalidade dos processos de selecção dos árbitros internacionais e de classificação dos árbitros, o uso de expressões tão carregadas como aquelas que, em discurso oral, o recorrente Francisco ................ empregou, tem de ser reputada como admissível no quadro do legítimo exercício do seu direito fundamental à liberdade de expressão (art. 37.º- 1 da CRP).
Ainda referem que as críticas constantes da newsletter ...................., e pelas quais vem condenada a recorrente Futebol ................................... SAD, seguiram a mesma convicção, pelo que se impunha fossem encaradas em termos similares àqueles que se adiantaram supra em relação ao recorrente Francisco .................
Concluem então que se tratou de uma crítica forte, é certo, mas uma crítica sob a forma de opinião provida de factos que a sustentaram, o que é suficiente para afastar a sua ilicitude disciplinar, designadamente, no quadro do art. 112.º, n.º 1, do RD.
E é para provar que assim foi que pretendem que o Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto por não ter considerado aqueles outros elementos probatórios e que, considerados agora, impõem e justificam a ampliação do probatório e que se julgue a causa com o enquadramento atrás exposto e que determina a procedência do seu recurso.
Mas nesta questão alinhamos pelo diapasão da recorrida e do próprio Acórdão recorrido, já que, na verdade, toda a factualidade relevante foi assente nos documentos juntos ao processo disciplinar e na audiência que decorreu nas instalações do TAD e que foi tida em conta pelo Colégio Arbitral, não passando toda a "factualidade" alegada pelos Recorrentes de outras opiniões relativas ao mesmo assunto, veiculadas por outros meios e por outras pessoas - pessoas essas que não são agentes desportivos e não se encontram sob aplicação do RD da LPFP nem sob jurisdição do CD da FPF.
E também se acolhe o ponto de vista da recorrida de que tal "factualidade" não está ligada à prática ou não dos ilícitos aqui em causa, mais não pretendendo os Recorrentes que factos instrumentais fossem considerados factos principais, o que não pode colher, tanto mais que não é por não terem sido elencados na matéria de facto dada como provada que o Colégio Arbitral não considerou todas as alegações feitas nas respectivas peças processuais.
Também se subscreve, tendo presentes todas as considerações técnico-jurídicas de índole doutrinal e jurisprudencial atrás abundantemente expostas, a asserção da recorrida de que ”… as notícias servem - em teoria - para complementar ou concretizar o alegado pelos Recorrentes, nomeadamente para enquadrar as suas declarações. Não são, em si mesmo, essenciais para se concluir pela punição ou não punição dos Recorrentes pelo teor das afirmações que proferiram.” (…) sendo “…desconexa com o objecto dos autos (e perfeitamente inócua, nessa medida) a matéria que os Recorrentes parecem pretender que fosse aditada ao elenco de factos provados ou não provados…”.
Assim, adversamente ao que advogam os recorrentes, os elementos probatórios cuja junção foi requerida e pretendem que sejam considerados para efeitos de alteração do probatório, não constituem elementos de prova do contrário, crítica ou indiciária, indirecta, legal ou tarifada, legal plena ou pleníssima e/ou instrumental, ou de contraprova em relação a factos alegados tidos em conta no Acórdão recorrido, de nenhuma relevância e utilidade para uma conscienciosa decisão.
É que o princípio da livre apreciação entrecruza-se necessariamente com o da imediação e o da aquisição processual por força do qual os materiais (afirmações e provas) aduzidos por uma das partes ficam adquiridos para o processo, sendo atendíveis mesmo que sejam desfavoráveis à parte contrária.
E o ónus da prova da factualidade alegada pelas partes tem a natureza de ónus objectivo, por decorrência do princípio da oficialidade tal como acima se demonstrou: no direito adjectivo civil, regido pelos princípios da aquisição processual e do inquisitório do tribunal em matéria de provas, o que interessa em ordem à solução jurídica do litígio é o que resulte provado, seja por via das partes seja por via do tribunal.
Nesta medida, o ónus da prova da factualidade alegada pelas partes tem a natureza de ónus objectivo, por decorrência do princípio da oficialidade, e não de ónus subjectivo tal como em sede de alegação, embora hoje este ónus subjectivo de alegação se apresente mitigado pelo conhecimento oficioso de factos instrumentais e complementares (cfr. artº 5º do CPC).
A consequência do ónus de prova objectivo é que vem a “...suportar as desvantagens da incerteza do facto de que não tenha logrado prova, por via das partes ou do tribunal, a parte a quem interesse a aplicação da norma de que ele for pressuposto...” - cfr. Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina/1982.
Há que operar com o princípio da livre apreciação das provas, segundo o qual as provas são apreciadas livremente, sem nenhuma hierarquização, de acordo com a convicção que geram realmente no espírito do julgador.
Essa é a prova livre, que se contrapõe à prova legal ou tarifada e a prova necessária e cujo alcance prático é o de que a lei não deve fixar as conclusões que o juiz tirará dos diversos meios de prova pois a relevância probatória destes será aquela que tiverem naturalmente no espírito do julgador.
Por força de tal princípio, o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como, porventura, da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência da vida e do conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas. O que decide é a verdade material e não a verdade formal (cfr. M. Andrade, Noções Elementares Proc. Civil, 2ª. Ed., 356; A . Varela, Man. Proc. Civil, 2ª ed., 471 e Castro Mendes, Dir. Proc. Civil, 1980, III-206).
De acordo com o ensinamento de Cavaleiro Ferreira, Curso Proc. Penal, 1956, II-316, o princípio da imediação pode ser considerado sob duas perspectivas. Em primeiro lugar, consiste no dever de apreciar ou obter os meios de prova mais próximos ou directos; e, em segundo lugar, na recepção da prova pelo órgão legalmente competente.
Na verdade e no ensinamento do Prof. Castro Mendes in Do Conceito de Prova em Processo Civil, 166, este princípio diz-nos que o material necessário à decisão e aduzido por uma das partes – sejam alegações, sejam motivos de prova – pode ser tomado em conta mesmo a favor da parte contrária àquela que o aduziu. Reputa-se adquirido para o processo, pertencendo à comunidade dos sujeitos processuais e isso também por homenagem ao princípio da cooperação de harmonia com o qual todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade.
Como já se disse, o princípio da livre apreciação entrecruza-se necessariamente com o da imediação e o da aquisição processual por força do qual os materiais (afirmações e provas) aduzidos por uma das partes ficam adquiridos para o processo, sendo atendíveis mesmo que sejam desfavoráveis à parte contrária.
Seguindo essa perspectiva, dúvidas não sobram de que a imediação postula que o julgador se assegure da verdade ou falsidade de uma alegação diminuindo o mais possível o número de transmissões de conhecimentos que se fazem com o fim de o juiz se convencer dela e justifica-se pelo óbvio motivo de que cada uma daquelas transmissões pode representar, muito naturalmente, uma fonte possível de falseamento do facto transmitido. É por isso que a imediação traz implicado que, as provas pessoais, resultantes da actuação das pessoas – testemunhas, peritos, as próprias partes, por via de depoimento e confissão, por oposição às provas reais exaradas em coisas, mormente os documentos- devem ser produzidas oralmente perante o juiz, vale dizer, que pela necessária adopção do princípio da oralidade se torna exigível que a produção da prova decorra em sessão de actos praticados oralmente, ou seja, em audiência contraditória, quando o possam ser.
O princípio da imediação do qual é inseparável o da livre apreciação, cumpre-se na perfeição se o juiz que procede à produção da prova nos sobreditos termos for o mesmo a decidir sobre o valor probatório dos elementos adquiridos nos autos, não fosse a imediação o contacto directo do tribunal com os elementos do processo por forma a assegurar ao julgador, de modo mais perfeito, o juízo sobre a veracidade ou falsidade duma alegação (cfr. Anselmo de Castro, Dir. Proc. Civ. Decl., 1ª ed., 3º-175).
Nesse desideratum, o facto de haver prova documental, designadamente autêntica, tal não implica que o juiz decisor fique amarrado inexoravelmente ao conteúdo desses documentos, sendo-lhe permitida a livre apreciação da prova com o sentido e alcance de tal regime retro explicitado.
Ao entender assim, o uso de tal princípio pelo Tribunal recorrido não se mostra minimamente violado, tanto mais que, reitera-se, a prova constituída pelos documentos juntos pelos recorrentes e com base nos quais têm o fito de ver alterada a factualidade fixada no Acórdão recorrido, não se conexionam com as condutas em causa nos termos neles explicitados, tem natureza claramente crítica ou indiciária na medida em que, constituindo prova indirecta porque entre o julgador e os factos constantes do probatório se metem de permeio alguma coisa e pessoas, a percepção do juiz deve recair não imediatamente sobre o facto a provar, mas sobre outros factos e, além da percepção, o juiz tem de utilizar outros instrumentos, que são o raciocínio, as regras da experiência, como ensina o Prof. J. A. Reis, ob. Cit., 3º-242.
Assim, o facto ou objecto posto ao alcance da percepção do juiz, sem representar o outro, permite induzir, argumentar, tirar ilações – segundo as máximas da experiência- no sentido da realidade desse outro facto, constituindo um genuíno índice dele, suscitando a respectiva ideia actuando sobre o raciocínio e não sobre os sentidos e sobre a imaginação (M. Andrade, ob. Cit., 210).
E ainda que assim não fosse considerada a prova dos factos que se pretende fazer com os documentos em causa, sempre a mesma nem sequer deveria ser classificada ao menos como contraprova dos factos constantes do probatório, já que, pelas razões referidas, não surge como o oposto da prova duma afirmação ou alegação de facto, isto é, como a demonstração, a partir de outras fontes de prova, de que a afirmação não deve ser dada como provada pois, ainda que se considere que tais documentos não podem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), nem sequer criam no seu espírito uma dúvida séria sobre a existência dos factos.
Donde que nenhum reparo nos merece a conclusão vertida no Acórdão recorrido de que a prova documental junta pelos Demandantes nos autos e a produzida em sede de audiência no tribunal Arbitral do Desporto, audição do Demandante Francisco ............. e da testemunha neles identificada, não colocam em causa os factos provados pelo Conselho de Disciplina no âmbito do processo disciplinar, pois tais elementos probatórios corroboram os factos levados ao probatório sendo, como vimos, os que relevam como base de uma decisão conscienciosa como a tomada.
Termos em que improcedem as conclusões recursórias atinentes ao erro de julgamento sobre a matéria de facto no enfoque retro fixado.

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b)- (Do erro) sobre a matéria de direito quanto à valoração e imputação das condutas das arguidas/recorrentes

De harmonia com o enquadramento gizado na decisão recorrida, temos que o Demandante Francisco ............. advoga a sua não sujeição ao poder disciplinar da FPF com o fundamento maior de não ser um agente desportivo nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 4º nem um dirigente desportivo nos termos da alínea c) do mesmo número e artigo, vincando, ademais, que não é titular de órgão social ou director do clube, não desempenha funções na respectiva estrutura orgânica, de direcção, chefia ou coordenação, que para mais haveriam de ser relacionadas com "o decurso das competições organizadas pela Liga".
De todo o modo, adita o recorrente, as suas declarações são o exercício legítimo do direito de crítica, proferidas no âmbito do direito à liberdade de expressão daquele, não podendo ser julgadas como lesivas da honra e reputação dos criticados.
E é esse também o esteio da defesa da recorrente F............ SAD ao afirmar que agiu no lidimo exercício do seu direito de crítica e dentro dos seus limites.
Adversamente, considera a ora recorrida os arguidos e ora recorrentes estão falhos de razão, tendo a sua punição determinada com suporte nos factos por si praticados e supra fixados e que foram objecto de correcta subsunção às normas aplicáveis.
Vejamos.
No que se refere ao recorrente e à sua tese de que não pode ser qualificado como "dirigente" e/ou "agente desportivo" em virtude de que os factos provados em sede de instrução do processo disciplinar revelam que não exerce funções no âmbito das competições organizadas pela Liga, como o probatório já ficou estabilizado nos termos supra firmados, o que se impõe agora é aquilatar se o tribunal a quo, no uso dos poderes que lhe estão conferidos e conformados pelos princípios a que também se fez alusão, valorou adequadamente os factos devendo a sua fundamentação jurídica ficar incólume ou ser susceptível de revogação.
Ora, o tribunal a quo julgou improcedente o pleito, arrimado aos seguintes alicerces jurídicos:
“A alegada ilegitimidade do Demandante Francisco ............., segundo a Demandada improcede totalmente desde logo porque o próprio se apresenta como Director de Informação e Comunicação do Futebol ......................; aliás, assim se apresenta, permite que assim se lhe dirijam e que assim o identifiquem.
Porém seguramente mais importante que o título ou o nome do cargo que desempenha, é analisar o conteúdo funcional da actividade que ele efectivamente desenvolve de forma pública e notória.
Questionado em sede de audiência o Demandante Francisco ............. respondeu que era e é responsável pelo site do F..., pela revista do F..., por toda a comunicação do F..., pelos conteúdos do .................., referindo-se por diversas vezes que integra o grupo de pessoas que trabalha na Demandante F... Futebol SAD, sendo certo que para se chegar a essa conclusão não é preciso haver um contrato de trabalho que o diga porque - relembra a Demandada - o artigo 4º, nº 1, al. c) do RD da LPFP é propositadamente abrangente e refere que são dirigentes "os titulares dos respectivos órgãos sociais e os respectivos directores e quaisquer outros funcionários ou colaboradores que, independentemente do respectivo vínculo contratual, desempenhem funções de direcção, chefia ou coordenação na respectiva estrutura orgânica, bem como os respectivos mandatários".
É, pois, evidente que o Demandante Francisco exerce funções de direcção (não só porque se apelida de "Director" mas igualmente atentas as suas responsabilidades referidas pelo próprio e pela testemunha), mas também se podem qualificar as mesmas como de chefia ou coordenação o que não prejudica a aplicação da norma ao agente.
Conforme se referiu supra, o Demandante não nega que é Director de Informação e Comunicação do Futebol ......................, e tal é um facto público e notório, como aliás ficou patente em audiência e foi expressamente corroborado pela testemunha Manuel ..............
Não é o modelo organizativo do Demandante F... que está em causa ou que por qualquer outra forma possa retirar do elenco funcional do citado normativo os seus assalariados seja qual for o vínculo contratual que tenham celebrado com aquele, mas antes a função ou cargo que efectivamente exerçam/desempenhem ao serviço da instituição F....
Afirma a Demandada, em posição com a qual concordamos, que "pouco importa os vínculos profissionais que ligam os colaboradores ao clube, ou a forma como a SAD se organiza: materialmente o Demandante é Dirigente da Futebol ......................, Futebol SAD".
Acresce, como igualmente diz a Demandada, que a ter acolhimento a tese de Francisco ............. passaria a ser muito fácil contornar a aplicabilidade das normas disciplinares aos que são de facto dirigentes, funcionários e colaboradores das Sad's: "seria, objectivamente, uma forma, no mínimo airosa - para não dizer fraudulenta - de contornar a aplicabilidade do RD da LPFP, mas que não se pode naturalmente aceitar".
Entendemos assim que, nos autos, está comprovado que Francisco ............. é na verdade dirigente para efeitos de sujeição e aplicação do RD da LPFP.”
Alcançando-se dos autos que o recorrente teve intervenção pessoal nos termos fixados no probatório, em razão da ligação funcional e profissional à recorrente e porque os actos em discussão foram praticados no domínio da estrutura desta, as responsabilidades deles decorrentes ao nível desportivo gerada vinculam o representante e a representada não só for força das normas regulamentares indicadas no acórdão recorrido, mas também segundo as regras gerais no que tange à vinculação dos representados pelos actos dos seus representantes.
É assim que, sendo o recorrente representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, os seus actos só produzem efeitos em relação à esfera jurídica deste quando praticados dentro dos limites dos poderes que lhe foram conferidos ou sejam por este ratificados, expressa ou tacitamente (cfr. artºs. 258º, nº 1, e 268º, nº 1,, “ex-vi" dos artºs. 1178º, nº 1 e 1163º, todos do CC).
Vale isto por dizer que só nos casos em que o recorrente/representante da recorrida/representada defenda ou assuma posições no contexto precisado distintas das defendidas pelo pela segunda na formulação das expressões/asserções em causa, é que não poderão haver-se como vinculados nos mesmos termos, pois só alegando e provando que o representante excedeu os limites dos seus poderes de representação e agiu em sentido contrário a tais poderes é que a responsabilidades poderão ser díspares e infirmadas.
Por outro lado, nada impede que, neste âmbito que nos ocupa, se opere com presunções naturais, que não estão previstas na lei mas assentes nas regras de normalidade e de razoabilidade, retiradas da experiência da vida, que nos levam, natural e logicamente, a supor que quem tem o vínculo com o conteúdo funcional que se fixou, exerceu esse cargo, en nome e por conta da recorrida.
Ora, à presunção resultante do simples raciocínio de quem julga a lei confere uma menor segurança, daí que a sua ilisão possa ser feita através de qualquer meio de prova, designadamente a testemunhal.
Perante os factos que levou ao probatório o tribunal «a quo» julgou a acção improcedente, porque considerou provado que o recorrente exerceu as funções como agente desportivo, pressuposto da responsabilidade prevista no Regulamento nos termos doutamente escalpelizados no Acórdão recorrido, pelo que também nós concluímos que a prova era apta para concluir, como o fez o tribunal «a quo», pelo exercício efectivo da função que confere ao recorrente o estatuto de dirigente para efeitos de sujeição e aplicação do RD da LPFP aquando da prática dos actos que lhe foram imputados.
Daí que improcedam as conclusões recursórias atinentes a essa questão.

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Já quanto a saber se, não negando os recorrentes em momento algum negam a prática dos factos pois se limitam a alegar que as declarações em causa são o exercício do direito da liberdade de expressão consagrado na CRP, importa agora aferir se o acórdão recorrido errou ao decidir punir aqueles pelo cometimento dos factos ajuizados.
Neste âmbito, o elemento analítico que se afigura ser decisivo, é o apontado pela recorrida no sentido de que os recorrentes não avançarem nas suas declarações senão com juízos de valor, não indicando qualquer facto que sustente a sua tese e como é entendimento da doutrina e da jurisprudência os juízos de valor limitam o direito de liberdade de expressão que nesta circunstância concorre com o direito à honra igualmente consagrado na CRP.
Ou seja, o que é determinante para a decisão é saber se se o juízo de valor é ilegítimo, ainda que no âmbito do exercício da liberdade de expressão, quando se dirige ao visado em si mesmo e, se os recorrentes tiveram a intenção, que lograram concretizar, de deixar desonra nos visados pelas respectivas declarações, concretamente, os árbitros identificados e o Conselho de Arbitragem, no sentido de este ter intencional e deliberadamente actuado de forma parcial e na prossecução de interesses particulares.
Ora, quanto a esta questão, porque se apresenta de uma clareza e profunda e pormenorizadamente fundamentado, acolhemos de pleno o discurso jurídico do acórdão recorrido e que se excerta:
“(…)
Estando as partes tão extremadas nas suas posições, há que apreciar todos os argumentos trazidos por elas e de seguida optar por aquela posição que seja por este Colégio considerada como a que interpreta correctamente todas as normas legais aplicáveis ao caso em apreço.
Como primeiro passo nesse caminho podemos afirmar que consideramos o Demandante Francisco ............. um agente desportivo para efeitos no disposto no artigo 4º, nº1, al. b) do RD da LPFP, estando assim sujeito àquele Regulamento.
Adere-se sem reservas à argumentação apresentada pela Demandada FPF neste primeiro ponto controvertido, acrescentando-se ainda que Francisco ............. foi reconhecido e premiado como o funcionário do ano em 2017, sendo galardoado com o respectivo "......................." que lhe foi entregue na gala anual, em .. de Outubro de 2017, organizada pelo Demandante F... para premiar os que mais se destacam no chamado universo .............., ....................... que foi aceite sem qualquer reparo que minimamente aflorasse a tese aqui trazida para se eximir à aplicação do RD da LPFP.
Dado este primeiro passo, estamos em condições de dar o próximo que será reconhecer-se, ou não, como um exercício do direito de liberdade de expressão constitucionalmente garantido as declarações produzidas/feitas pelo Demandante Francisco ............. que deram origem ao processo disciplinar de cuja decisão agora recorre.
Como a dado passo afirma a Demandada FPF, as declarações em causa não vão além de juízos de valor (a demandada afirma que "são meros juízos de valor") lançados pelo seu autor sobre todos quanto são por si visados nas mesmas, exprimindo sobre todos eles desconsideração, menoscabo e desprezo que rasam por completo o seu bom nome e reputação, ultrapassando amplamente os limites que o direito à crítica enquanto emanação da liberdade de expressão tem perante o direito à honra, bom nome e reputação também consagrados na CRP.
No caso, para o seu processo de convicção sobre os escritos, o Demandante Francisco ............. não apresenta factos concretos, antes constrói uma teoria de conspiração apontando o Conselho de Arbitragem da FPF e alguns Árbitros como estando a favorecer o ...................... ............. e a prejudicar o F... acusando-os de parcialidade na sua actuação e decisões.
A liberdade de expressão consagrada como direito fundamental no artigo 37º da CRP não é ilimitada, ou seja, não se trata de um direito absoluto que possa ser exercido sem qualquer preocupação de se respeitar os limites de outros direitos pessoais que igualmente constam da CRP.
Decorre do preceituado no artigo 112º do RD que "Os Clubes que desrespeitarem ou usarem de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com membros dos órgãos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e da Federação Portuguesa de Futebol, respectivos membros, árbitros, dirigentes, e demais agentes desportivos, em virtude do exercício das suas funções, ou para com as mesmos órgãos enquanto tais, são punidos com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 25UC e o máximo de 75 UC".
Por sua vez dispõe o artigo 136º do RD que "Os dirigentes que praticarem os factos previstos no nº 1do artigo 112º contra os membros dos órgãos da estrutura desportiva, elementos da equipa de arbitragem, dirigentes, jogadores, demais agentes desportivos ou espectadores, são punidos com a pena de suspensão a fixar entre o mínimo de um mês e o máximo de um ano e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de OU C e o máximo de 100UC".
Conjugando estas duas normas pode-se concluir que o bem jurídico protegido em ambas as infracções, tal como nos artigos 180º e 181º do Código Penal, é o direito ao bom nome e reputação, que tem cobertura constitucional no artigo 26º da CRP.
Reproduzimos, com a devida vénia a transcrição dos ensinamentos de Edgar Taborda Lopes, feita pelo CD da FPF no acórdão recorrido de que "Honra e Liberdade de Expressão coexistem numa permanente tensão, tornando-se nas duas faces de um dos conflitos mais frequentes nos dias que correm. E disso é bem expressivo o número de processos disciplinares, no âmbito das competições profissionais de futebol, cujo objecto é precisamente a tutela desses bens jurídicos. Ora, no contexto de conflito entre o direito à honra e a liberdade de expressão, parte da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, (como se afirma e substancia no douto Acórdão do STJ de 07.03.2007-Proc.), na esteira da orientação assumida por Costa Andrade e outros autores, entende deverem considerar-se atípicos os juízos de apreciação e de valoração crítica expendidos, v.g., sobre realizações profissionais ou sobre prestações conseguidas nos domínios do desporto e do espectáculo, quando se não ultrapassa o âmbito da crítica objectiva, isto é, «enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às...prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores..., posto que não atingem a honra pessoal do...artista, do desportista, do profissional em geral, nem atingem a honra com a dignidade penal e a carência de tutela penal que definem e balizam a pertinente área de tutela típica".
E também entendemos como pertinente o chamamento a Renato Lopes Militão que é igualmente citado no referido aresto que "a formulação de um juízo de valor lesivo da honra da pessoa visada que possua uma base factual mínima, real ou em cuja veracidade o agente tenha tido fundamento para, em boa-fé, acreditar, não preenche o tipo objectivo do crime de difamação, independentemente das demais circunstâncias do caso concreto. Apenas a formulação de juízos, de valor desonrosos para os visados destituídos de qualquer base factual poderá representar uma conduta típica, com referência ao crime de difamação. Sem prejuízo, aduza-se, de poder vir a ser afastada a respectiva ilicitude, nos termos do artigo 31º do CP".
Por conseguinte, repete-se, as diversas declarações do Demandante Francisco ............. constantes da matéria de facto dada como provada nos autos, desprovidas de um suporte fáctico, constituem uma formulação de um juízo de valor que lesa a honra e consideração/reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros, mais concretamente do Conselho de Arbitragem da FPF, desta última e do ...................... ............., Futebol SAD, mostrando-se em si mesmas com uma pesada carga de gravidade para a defesa e salvaguarda do superior interesse público e privado da preservação das competições profissionais de futebol, não se cogitando quais os fundamentos que possam fazer avançar os Demandantes naquilo que seria a sua convicção quando é afirmado que:
"foi criado um monstro que controla tudo isto" (Demandante Francisco .............);
"Este monstro foi criado para controlar a arbitragem, controlando o curso das competições. Quem fez isto foi o ............., não tenham dúvidas" (Demandante Francisco .............);
"O que dizemos é que tem havido um número anormal de erros em prejuízo do F............ e isso é consequência de um caldo de cultura que foi criado nos últimos anos, que tem várias facetas, e uma delas relacionada com a arbitragem. E isto não tenhamos dúvidas que tem um pano de fundo por trás, uma eminência parda que se chama ............." (Demandante Francisco .............);
"Isto é inaceitável, o F............ exige explicações e medidas da parte da Federação Portuguesa de Futebol. Este é mais um exemplo do monstro que controla o futebol português. (Demandante Futebol ......................, Futebol SAD);
"A quem interessa que a federação tome o partido do até esta semana desconhecido árbitro luís ..............? Ao ............., claro, que estende os tentáculos por todo o lado e quando de um lado está o F............ a verdade e os princípios não interessam para nada e há que montar uma encenação que prejudique o nosso Clube." (Demandante da Futebol ......................, Futebol SAD).
As declarações aqui transcritas feitas pelo Demandante Francisco ............. em dias diferentes, traduzem uma dupla violação dos deveres elencados no artigo 19º do RD, norma que impõe aos agentes desportivos a observância de uma conduta conforme aos princípios desportivos da lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social (nº 1), sendo-lhes proibido exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou colectivas (nº2), deveres esses manifestamente violados pelo aqui Demandante Francisco ............. ao ter qualificado a ................................... Futebol SAD de "monstro" e "eminência" parda que controla e manipula as arbitragens, os membros de arbitragem e o próprio Conselho de Arbitragem da FPF.
O mesmo se diga em relação ao Demandante Futebol ...................... Futebol SAD que ao ter consentido a divulgação pública das citadas declarações na sua publicação "...................." bem sabia que o respectivo teor era apto a prejudicar a honra e reputação devidas ao Conselho de Arbitragem da FPF, na medida em que as mesmas indiciam uma actuação do Conselho de Arbitragem a que não presidiram critérios de isenção objectividade e imparcialidade, antes enquadrando e integrando este órgão da estrutura desportiva no "polvo" e "monstro" que controlam o futebol português, numa equiparação ("polvo") ao comportamento ilícito das máfias e considerando-o responsável pelo estado de coisas, como órgão que "menos vergonha tem", constituindo também duas infrações disciplinares.
O colégio arbitral compreende e não pode deixar de aceitar que, em função do direito de liberdade de expressão, possam existir opiniões ou críticas contundentes e que sejam desagradabilíssimas para com aqueles a quem se dirigem. Isso é, reafirma-se, liberdade de expressão e não pode ser censurada pelo menos disciplinarmente que é o que aquilo com que aqui nos debruçamos.
No caso vertente, e contrariamente ao que foi incluído e decidido no acórdão do CD da Demandada, não podemos de deixar de exemplificar com três frases da Demandante F............ SAD que, do nosso ponto de vista e isoladamente, estão dentro desse limite:
"Definitivamente, não há vergonha no futebol português e quem menos vergonha tem é quem é responsável por este estado de coisas, com o Conselho de Arbitragem à cabeça, com nomeações sempre a piorar”. (Demandante Futebol ......................, Futebol SAD);
"É tempo de gritar basta, de desmascarar todo este polvo que criou um monstro em que árbitros sem experiência, sem provas dadas, são transformados em internacionais proveta." (Demandante Futebol ......................, Futebol SAD);
A federação devia ser neutra, mas se tivesse de tomar partido compreendia-se que o fizesse a favor de D........, que é jogador da selecção e contribuiu para a maior conquista da selecção. "(Demandante Futebol ......................, Futebol SAD);
Clamar pela vergonha ou falta dela, que se grite basta e desmascare um monstro e que a federação seja neutra, não temos dúvidas que são expressões fortes dirigidas à Demandada, que esta certamente não apreciará e poderá entender como injustas, mas que, entendemos, ainda assim, que terá de admitir em face da liberdade de expressão constitucionalmente garantida.
Não esquecemos que, de todo o modo, estas frases devem ser contextualizadas e estão enquadradas no texto da Demandada F............ que supra entendemos violarem deveres disciplinares, mas isolámo-las aqui para demonstrar que, fosse este apenas o caminho seguido pela Demandante, não seria, em nossa opinião, censurável.
Destarte é possível concluir que as declarações citadas a páginas 24 e 25 supra e publicadas no "......................" são também lesivas da honra e reputação da Federação Portuguesa de Futebol, violadoras dos princípios desportivos éticos, de lealdade e probidade, ultrapassando a mera crítica objectiva, afirmam um comportamento pouco isento e mesmo ilícito, passando como ideia a de que a Federação Portuguesa de Futebol faz parte do tal monstro que controla e manipula o futebol português, com benefício ilegítimo da ................................... - Futebol, SAD e prejuízo da Futebol ..................................., SAD.
É assim clara e intencionalmente posto em causa o bom nome e reputação da Demandada.
Como bem refere o acórdão recorrido, "no quadro regulamentar actual, a disciplina jurídico­ desportiva prevê, reprova e sanciona, de forma especial, quaisquer actos verbais, gestuais ou escritos praticados pelas SAD's e agentes desportivos que invadam a esfera da honra e reputação de outros agentes desportivos e entidades, se desrespeitadoras, difamatórios, injuriosos ou grosseiros. Fá-lo com plena autonomia relativamente ao direito penal e ao direito civil (artigo 6º do RDLPFP2016), pois que, para além do bom nome e reputação das instituições e dos agentes desportivos, aquela norma protege o bom e regular funcionamento da competição, procurando assegurar que os valores de respeito entre os contentores imperem e que, dessa forma, a credibilidade da competição e dos cargos desportivos não seja abalada por afirmações, insinuações ou juízos lesivos desses valores".
Não temos dúvida que as afirmações dos Demandantes foram, pelo menos, desrespeitosas e grosseiras para com a FPF, concretamente os seus árbitros enquanto agentes desportivos e o seu Conselho de Arbitragem enquanto órgão estatutário, bem como para com a SAD referida, indo bem para além de uma crítica, mesmo dura, uma vez que não é objectivada nem sustentada, incumprindo com os deveres éticos ínsitos no artigo 19º do RD, no que respeita ao Demandante Francisco ..............
Afigura-se-nos deste modo que os Demandantes/recorrentes preencheram com as suas condutas os elementos típicos objectivos e subjectivos das infracções disciplinares de cuja autoria foram condenados e, não obstante o considerarmos que parte das afirmações da Demandante F............., as identificadas, estão dentro dos limites do direito de livre expressão, reconhecemos que a condenação do Demandante Francisco ............. pela prática em concurso real de duas infracções disciplinares p e p pelas disposições conjugadas dos artigos 19º, nºs 1e 2 e 141º ambos do RDLPF2016, na pena única de multa 459,00€: (quatrocentos e cinquenta e nove euros) e a condenação da Demandante/Recorrente Futebol ......................, Futebol SAD, pela prática em concurso real de duas infracções p e p pelo artigo 112º, nºs 1, 2 e 3 do RDLPFP2016 na pena única de multa de 3.825,00€ (três mil oitocentos e vinte cinco euros} não merecem qualquer censura da parte deste Colégio Arbitral.
Clarifica-se que se entende não se poder alterar a pena única aplicada à Demandante F............ uma vez que se considera que continuam a existir duas infrações e a pena aplicada, de uma moldura abstrata de 25UC a 250UC, o foi pelo mínimo.”
Complementarmente, há que realçar que este não é o meio nem o lugar para se debater da veracidade das versões contraditórias sobre o desvalor das afirmações e a violação dos limites dos direitos em confronto e que tão bem foram resolvidas no Acórdão recorrido. Cada uma das partes tem a sua versão, que tem apresentado ao longo do processo e cuja veracidade não vai ser apurada nesta sede.
Neste momento só interessa a matéria que possa eventualmente ser susceptível de ter ofendido a honra e consideração dos visados.
Há que apurar se as declarações dos arguidos feriram os valores éticos que cada pessoa humana possui, como sejam o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, isto é, a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um; e a consideração o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, que constituem a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma, a opinião pública.
E, ao mesmo tempo, se com tais expressões os arguidos quiseram ofender a honra e consideração dos visados, ou se as mesmas mais não foram que a expressão de uma “revolta interior” perante um processo do prefigurado esquema de poder fáctico e subterrâneo montado para dominar o mundo do futebol e influenciar e/ou alcançar resultados adulteradores da verdade desportiva, e que integrava os visados e beneficiava a identificada SAD.
As transcritas declarações, não podem ser entendidas como simples desabafos não sério de alguém emocionalmente (atento o cidadão comum, e senão vejamos a quantidade dessas reacções que todos os dias temos perante nós nos Tribunais e na comunicação social, que mais não são que uma reacção a uma actuação exterior também considerada como ofensiva da honra e consideração, não nos esquecendo que ser parte em processo crime, mesmo como testemunha é considerado como uma ofensa), alterado pela circunstância, e que não existe qualquer dolo de difamação quando são proferidas.
Considerando que a lei não restringe a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, podendo o recurso ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida (cfr. nº 1 do artº 410º do CPP), em obediência a um critério de lógica preclusiva, está antes de mais em causa a questão de saber, resultando dos autos suficientes indícios da prática, pelos arguidos, das infracções que lhes vinham imputadas, há erro notório de apreciação da prova.
Tendo presente o disposto nos arts. 283.º e 308.º, do CPP, constituem indícios suficientes para a pronúncia aqueles elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado.
Por indiciação suficiente, entende-se «a possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, em razão dos meios de prova já existentes, uma pena ou medida de segurança…». Trata-se da «...probabilidade, fundada em elementos de prova que, conjugados, convençam da possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicável uma pena...» [Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal", II, 2.ª ed. -1999, pp. 99 e 100].
Como refere o Prof. Figueiredo Dias [«Direito Processual Penal», 1.º vol., 1974, pág. 133], «... os indícios só serão suficientes, e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável do que a absolvição.» E adianta: «Tem pois razão Castanheira Neves quando ensina que na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final, só que a instrução preparatória (e até a contraditória) não mobiliza os mesmos elementos probatórios que estarão ao dispor do juiz na fase do julgamento, e por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a acusação.»
Já Luís Osório [No «Comentário ao CPP Português» (IV, 441)] afirmava que «devem considerar-se indícios suficientes aqueles que fazem nascer em quem os aprecia a convicção de que o réu poderá vir a ser condenado».
E, como se decidiu no acórdão, da Relação do Porto de 20-10-93 [CJ.ª XVIII-4-259/260], «... indícios, no sentido em que a expressão é utilizada no art. 308.º, do CPP, são meios de prova enquanto são causas ou consequências, morais ou materiais, recordações ou sinais, do crime... Para a pronúncia ou para a acusação, a lei não exige a prova, no sentido da certeza moral da existência do crime, bastando-se com a existência de indícios, de sinais dessa ocorrência... No juízo de quem acusa, como no de quem pronuncia, deverá estar sempre presente a defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, mormente os salvaguardados na DUDH e que entre nós se revestem de dignidade constitucional (art. 2.º, da DUDH e art. 27.º, da CRP)...». É por tal razão, salienta o mesmo aresto, que «... quer a doutrina quer a jurisprudência vêm entendendo que aquela possibilidade razoável de condenação é uma possibilidade mais positiva do que negativa; o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido...», isto é. «... os indícios são suficientes quando haja uma alta probabilidade de futura condenação do arguido ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.»
Pode dizer-se, em conclusão geral e definitiva, que constitui indiciação suficiente o conjunto de elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo vingar a convicção de que este virá a ser condenado pelo crime que lhe é imputado [Sobre o conceito de «indícios suficientes, vd., também, com especial interesse, Germano Marques da Silva, «Curso de Processo Penal», II, 2.ª edição, 1999, pp. 99 e 100, e os Acórdãos, do Tribunal Constitucional, n.º 388/99 (DR, II, 8-11-99, pp. 16.764 e ss., e n.º 583/99, de 20-10-99 (DR, II, 22-2-2000, pp. 3.599 e ss..)].
Visto que o Tribunal a quo entendeu – e já vimos que bem - que se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos das infracções, importa apreciar os elementos típicos das mesmas para demonstrar que o julgador não incorreu (ou não) em erro de julgamento sobre a matéria de direito.
François Jacob, Nobel de Medicina em 1965, escreveu uma brilhante autobiografia denominada “A Estátua Interior”. Explicando o título afirmou: “Trago em mim, esculpida desde a infância, uma espécie de estátua interior que dá continuidade à minha vida e que é a parte mais íntima, do núcleo duro do meu carácter. Essa estátua, toda a vida a modelei. Nunca parei de lhe dar retoques. Aperfeiçoei-a. Poli-a. A goiva e o cinzel são, aqui, encontros e combinações. Os ritmos que se entrechocam, todas as perturbações e todos os constrangimentos, as marcas deixadas por uns e por outros, pela vida e pelo sonho”. Isto é o que o pode ser considerado o «eu» profundo de qualquer pessoa, os seus bom nome honra e consideração.
A título meramente argumentativo, cremos ser útil para a nossa análise o disposto no art. 180.º, do CP, no segmento que ao caso importa, a abrir o capítulo relativo aos crimes contra a honra e sob a epígrafe «difamação»:
«1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido (...).
2 – A conduta não é punível quando: a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
(...)
4 – A boa fé referida na alínea b) do número 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.»
Com este tipo legal visa-se, no plano do direito criminal, estabelecer uma específica área de protecção do bem jurídico honra e consideração, consagrados que estão, constitucionalmente, o direito ao bom nome e reputação e à imagem (art. 26.º/1, da CRP) e, nos arts. 25.º e 70.º, do CC, a tutela geral da personalidade.
Na concepção dominante de honra [Por todos, cfr. Faria Costa, «Comentário Conimbricense do Código Penal», I, 601 ss. (607), Figueiredo Dias, «Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português», RLJ, 115.º, 100 ss. (105) e Costa Andrade, «Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal», 76 ss], é vista como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior.
O que se protege «é a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência deles decorrente, a sua boa reputação no seio da comunidade [Faria Costa, ob. e loc. citados, referindo-se à síntese oferecida pelo Supremo Tribunal Federal alemão].
Elementos do tipo (objectivo) da difamação serão, assim, a imputação, dirigida a terceiros, de facto (visto como dado real da experiência) ou juízo (percebido como a valoração de um dado ou ideia), ofensivos da honra ou consideração de outrem, ou a sua reprodução, imputação que, por seu turno, pode ser directa ou insinuada (ser dirigida sob a forma de suspeita).
Diga-se, no entanto, que nem todos os factos que envergonham, perturbam ou humilham, quando lançados sobre terceiros, cabem na previsão do preceito em referência (ou na do art. 181.º, do CP), tudo dependendo da intensidade ou do perigo da ofensa [Ver Oliveira Mendes, «O Direito à Honra e sua Tutela Penal», pág. 37]. Como referia o Prof. Beleza dos Santos [«Algumas Considerações sobre os Crimes de Difamação e de Injúria», na RLJ, anos 92.º e 95.º, 165 ss], aquilo que razoavelmente se não deve considerar ofensivo da honra ou do bom nome alheio, aquilo que a generalidade das pessoas (de bem) de um certo país e no ambiente em que se passaram os factos não considera difamação ou injúria, não deverá dar lugar a uma sanção reprovadora, como é a pena.
Com efeito, pode a conduta ser censurável em termos éticos, profissionais (...), mas não o ser em termos penais [Ver o acórdão, da R. Évora, de 2-7-96, na CJ XXI-4-295 e, por mais recente e significativo, o acórdão, da R. Lisboa, de 13-12-2000, na CJ XXV-5-147].
No campo dos elementos subjectivos do tipo, importa salientar que estamos em presença de um crime doloso (leia-se, com relevância para o caso dos autos, infracção disciplinar praticada a título de dolo), que se basta com um dolo «genérico», em qualquer das modalidades elencadas no art. 14.º, do CP. Assim, para a verificação do elemento subjectivo das infracções em análise, não se exige que o agente queira ofender a honra e consideração alheias, bastando que saiba que, com o seu comportamento, pode lesar o bem jurídico protegido com a norma e que, consciente dessa perigosidade, não se abstenha de agir -sublinhado nosso [Neste sentido, vd., entre muitos, acórdãos, da R. Coimbra, de 12-7-2000 (CJXXV-4-46), de 25-2-98 (CJ XXIII-1-57) e de 2-10-96 (BMJ 460-818)].
Na verdade, com a entrada em vigor do CP de 1982, o crime de difamação deixou de exigir dolo específico, o "animus difamandi", bastando para o preenchimento do seu elemento subjectivo o dolo genérico, em qualquer das suas formas, o qual se consubstancia na consciência do agente de que a imputação do facto ou o juízo formulado são ofensivos da honra ou da consideração do visado tal como a reprodução da imputação ou do juízo - e na vontade de imputar o facto ou formular o juízo, ou de reproduzir a imputação ou juízo, sabendo que a sua conduta é proibida por lei.
É assim que, aos arguidos, no cumprimento de tal dever assistia-lhes a liberdade de expressão para protestar contra a violação de direitos e combater arbitrariedades, mas tinham de respeitar o direito cívico, também constitucionalmente consagrado, ao bom nome e à reputação dos visados quando espontaneamente os referenciaram como autores das práticas mencionadas e com as motivações que também lhes assacaram.
Ou seja, a crítica ofensiva da honra e consideração de outrem, no âmbito do processo penal/disciplinar, só é admissível se for necessária e indispensável à realização, exercício ou defesa de direitos ou cumprimento de deveres.
Logo por aqui se vê que não poderia deixar de dar-se como indiciado, por um lado, que os arguidos bem sabiam que as imputações não correspondiam à verdade (pois era a eles que competia provar tal facto) e, apesar disso, não se abstiveram de o publicitar, conscientes de que atentavam contra o bom nome, honra, dignidade e prestígio profissional dos visados, tendo agido livre e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei.
É que, no campo da difamação, para ter lugar o elemento subjectivo basta a consciência por parte do arguido da genérica perigosidade da conduta ou do meio de acção previstos nas normas incriminatórias respectivas e esse, pelo que acabamos de dizer e se demonstra claramente no Acórdão recorrido, indubitavelmente se verificou no agir dos arguidos.
Isto posto e apreendido, afigura-se, pois, que não ocorre a causa da exceptio veritatis, não tendo os arguidos com a sua defesa logrado carrear para os autos outros elementos que assumam suficiente vigor e rigor de modo a abalar a acusação, resultando dos autos suficientes indícios de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos das sanções nos termos e pelos ilícitos acusados.
É patente que a decisão recorrida não fez tábua rasa de todo o material probatório carreado para os autos pelas partes e em que se baseou o presente processo, sendo os juízos expendidos objectivamente difamatórios e injuriosos sendo certo que os arguidos nenhuma prova fizeram e as suas condutas revelam a sua clara intenção de denegrir, a honra e reputação dos visados.
Outrossim, os arguidos não lograram convencer o Tribunal de que agiram na defesa de um interesse legítimo e existiam fundamentos sérios, para, em boa fé, reputar como verdadeiros os factos imputados aos visados, isto é, que se verifica a exceptio veritatis e foi admitida essa diligência naturalmente para esse fim (a prova de que a imputação foi feita para realizar interesses legítimos e, cumulativamente, provar a verdade da mesma imputação ou demonstrar que tinha fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira cf. Nº 2 als. a) e b) do artº 180º do CP).
Pelos arguidos foi trazida a terreiro e exposta publicamente matéria que se traduziu na imputação de factos desonrosos para os visados, postergando as mais elementares regras de cuidado.
Ademais, como se considera na decisão recorrida, tudo quanto foi declarado pelos arguidos e que se relata na acusação, relevou para apreciar a matéria que era susceptível de ter ofendido a honra e consideração de um cidadão, i. é , foram tidas em consideração todas as declarações dos arguidos e do restante material e meios probatórios que, ressalvado o direito constitucional da livre expressão, levaram a concluir que com a sua conduta os arguidos feriram os valores éticos que cada pessoa humana possui, como sejam o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, isto é, a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um; e a consideração o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, que constituem a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma, a opinião pública.
Não pode assim sustentar-se, sem quebra de razão, que os arguidos, agiram no fito da realização de interesses legítimos e na convicção da verdade das imputações (convicção que não se vê assente em nada de concretizado, de objectivo), sendo certo que as imputações transcritas na acusação e na decisão recorrida não podem deixar de considerar-se objectivamente difamatórias, sabido que o dolo se basta com que o agente actue por forma a violar o dever de abstenção implicitamente imposto nas normas sancionatórias referidas na acusação, levando a cabo a conduta nelas prevista, sem que seja necessária a previsão do perigo (concreto).
Não estamos, indiciariamente, perante factos verdadeiros, ou tidos como tais de boa fé, expostos nos termos mais comedidos possível e no propósito de esclarecer depondo com verdade sobre os factos.
E se, em termos gerais, a liberdade de crítica não tem de ser consentânea com o fim para que é concedida, e não atender a outros fins, devendo ser exercida por modos correctos. Mostrando-se ultrapassados os limites da necessidade, ou os processos usados são, de per si, injuriosos (insultos, difamações pessoais et similis), a crítica é ilegítima (Cfr. Antolisei, Manuale di Diritto Penale,I,156).
Donde que o bem jurídico, o objecto da acção, são a honra e a consideração. A honra quer na perspectiva subjectiva ou interior -o juízo valorativo que cada pessoa faz de si mesma - quer na objectiva - o valor dado pelo outros, reflectido na consideração, bom nome, reputação; mas ainda tendo em conta que para a norma a honra é um conceito ideal que, partindo da realidade fáctica subjectiva e objectiva, se concebe como um atributo inato, comum a todas as pessoas, sendo que a comunidade onde cada pessoa se insere não constitui a fonte da honra mas apenas o lugar onde ela se revela e actualiza. A consideração entende-se da estima que cada um pode ter adquirido no estado ou estatuto que detém.
A acção - imputação de um facto (ainda que como suspeita ou formulação de juízo ou reprodução) ofensivo, através de terceiro, sendo manifesta a opção do legislador por impor na matriz das infracções contra a honra a ofensa indirecta, isto é, não veiculada perante o próprio mas através de terceiro; assim a ofensa pode ser concretizada por quem quer que seja (sujeito activo) por forma enviesada, através de terceiros, veículos de transmissão da ofensa. O facto, que é imputado, é tudo o que é ou acontece; o juízo importa uma apreciação de valor do facto, que se apresentará como um desvalor para o sujeito passivo, o destinatário; a suspeita aparece como um elemento modal do facto, no sentido de que este se apresenta não como uma realidade inequívoca mas como uma dúvida da sua existência, dúvida formulada de forma perversa e acutilante - a insinuação torpe.
Quanto ao elemento subjectivo, como já vimos, configura-se esta infracção como dolosa, sendo suficiente o dolo eventual.
Ora, actualmente não vem exigido, como elemento do tipo, um dano ou lesão efectivos da honra ou consideração, bastando para a consumação o perigo de que aquele dano se possa verificar o que não traduz qualquer inconstitucionalidade neste tipo legal de crime, pois são muitos os crimes de perigo no elenco do nosso Código Penal, onde à não exigência típica de efectiva lesão se contrapõe o risco de lesão, risco que concretiza na situação de perigo criada pela acção delituosa. E esse princípio é transponível, por transversal, a todo o direito sancionatório.
Vale isto por dizer que o perigo é um valor tutelado pelo direito e que o tipo de delitual em causa não exige a verificação de um dano ou lesão, bastando-se com a imputação. A norma prevê a punição da conduta que desencadeia o perigo; era, por isso, necessário que os arguidos hajam actuado, como actuaram, de forma a violar o dever de abstenção, de modo que provada que ficou a acção fica referenciada a sua perigosidade, sendo necessário e suficiente que atendendo a considerações ou parâmetros de normalidade, rectius, de homem médio, a acção fosse potencialmente adequada a lesar o sentimento de honra pois esta leitura da norma em nada colide com a Constituição da República Portuguesa; o artº 29º da C.R.P.: normatiza o princípio nullum crimen sine lege.
Os processos executivos das infracções imputadas aos arguidos podem ser vários, tais como a imputação de um facto ofensivo, a formulação de um juízo de valor e a reprodução de uma imputação ou de um juízo, constituindo a formulação de um juízo de valor toda a afirmação que encerra uma apreciação pessoal negativa sobre o carácter da pessoa acerca da qual se subscreve tal juízo.
Na verdade, para que se verifique, nas infracções em referência, o elemento subjectivo, não é necessário que o agente, com o seu comportamento, queira ofender a honra e consideração alheias, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado, ou sequer que haja previsto o perigo (previsão da efectiva possibilidade ou probabilidade da lesão do bem jurídico da honra), bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio de acção previstas nas normas incriminatórias respectivas.
Assim, para se verificar o dolo basta que o agente adira aos factos perigosos e já não também ao perigo.
Ao julgador incumbe, provada que fique a conduta ou a acção por parte do agente, referenciadas às normas sancionatórias, averiguar, tão só, se as mesmas são, ou não, genericamente perigosas, socorrendo-se, para tanto, de critérios de experiência, bem como se o agente agiu com consciência dessa perigosidade, face a quais critérios, como atrás vimos, as infracções se consumaram.
Por tudo quanto se deixou dito, nenhuma censura nos merece a valoração efectuada na decisão recorrida e que também se deixou exposta, o que vale por dizer que improcedem os fundamentos de recurso sob análise.

b)- (Do erro) sobre a matéria de custas

Nesta vertente, afirmam os recorrentes que o valor das custas em cujo pagamento que foram condenados, para além de claramente excessivo, é totalmente desproporcional, pondo em causa, de forma séria e evidente, o princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 2.º e 20.º da CRP).
No ponto, limitamo-nos a remeter para o Acórdão deste TCAS de 22-11-2018, tirado no processo nº30/18.6BCLSB, publicado em www.dgis.pt em que intervieram o relator e o 1º adjunto desta formação, do qual dimana a doutrina segundo a qual o TAD rege-se por normas próprias de funcionamento e por isso o respectivo regime de custas deve reflectir e suportar essa realidade, à qual devotamos fidelidade por não terem sobrevindo razões que nos convençam da sua falta de bondade.
Tal conclusão asseta na seguinte fundamentação:
“ (…)
Esta questão foi igualmente tratada nas decisões deste TCAS supra referidas (de 28/11/2017 no recurso nº 144/17.0BCLSB e Acórdão proferido em 26 de Julho de 2018, no Processo nº nº8/18.0BCLSB) e, porque não sobrevieram motivos que hajam abalado a nossa convicção sobre a bondade da solução além perfilhada, limitamo-nos a remeter para o bloco fundamentador vertido naquela sede, a saber:
“Há, ainda, que ser apreciada a questão da isenção de custas da FPF.
No Acórdão deste TCAS proferido no rec. nº 9417.0BCLSB em 04.10.2017 decidiu-se como segue:
“(..) 2.2.3 Da invocada isenção de taxa de arbitragem – (conclusões 18ª a 21ª das alegações de recurso)
2.2.3.1 Na contestação que a recorrida Federação Portuguesa de Futebol apresentou no processo arbitral, esta invocou, desde logo, beneficiar se isenção de taxa de arbitragem, por efeito do disposto no artigo 4º alíneas f) e g) do Regulamento das Custas Processuais, por, em suma, ser uma pessoa colectiva de direito privado titular de estatuto de Utilidade Pública Desportiva, e não ter, simultaneamente, na sua mão, o impulso processual a que alude o artigo 76º nº 2 da Lei do TAD, por se apresentar com toda a passividade perante o impulso de outrem (vide artigos 41º a 67º daquele seu articulado).
O que não foi acolhido pelo Tribunal Arbitral do Desporto, que entendeu que nos processos que correm junto do TAD.
Vejamos.
2.2.3.2 A Lei do TAD dedica os seus 76º a 80º às custas processuais na arbitragem necessária, estatuindo, entre o demais, que “as custas do processo arbitral compreendem a taxa de arbitragem e os encargos do processo arbitral” (artigo 76º nº 1), que “a taxa de arbitragem corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor da causa, por portaria dos membros do Governo responsáveis pela área da justiça e do desporto” (artigo 76º nº 2) sendo “…integralmente suportada pelas partes e por cada um dos contrainteressados, devendo ser paga por transferência bancária para a conta bancária do TAD, juntamente com a apresentação do requerimento inicial, da contestação e com a pronúncia dos contra-interessados” (artigo 77º nº 3).
E o artigo 80º da Lei do TAD determina, no âmbito dos normativos referentes às custas processuais na arbitragem necessária, serem “…de aplicação subsidiária:
a) As normas relativas a custas processuais constantes do Código de Processo Civil;
b) O Regulamento das Custas Processuais.”
2.2.3.3 A Portaria n.°301/2015, de 22 de Setembro veio fixar a taxa de arbitragem e os encargos do processo no âmbito da arbitragem necessária, bem como as taxas relativas a actos avulsos, nos termos do artigo 76º nº 2 da Lei do TAD, estatuindo no seu artigo 2º nº 1 que a taxa de arbitragem necessária “…corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado” e é “…fixada pelo presidente do Tribunal Arbitral do Desporto em função do valor da causa, nos termos do anexo I à presente portaria que dela faz parte integrante”.
2.2.3.4 Ora, atendendo a que as normas de isenção de custas, designadamente as contidas no Regulamento das Custas Processuais, consubstanciam normas excepcionais, em que cada situação de isenção estará normativamente prevista de modo expresso, e que quer a Lei do TAD, quer a Portaria n.°301/2015, de 22 de Setembro que o regulamenta no que respeita à taxa de arbitragem e encargos do processo de arbitragem, não contêm qualquer previsão de situação de isenção de custas, tem que concluir-se que a Federação Portuguesa de Futebol não beneficiava de qualquer isenção das custas do processo arbitral (taxa de arbitragem), como propugnou.
Improcedendo, pois, neste aspecto o recurso. (..)”
No mesmo sentido, é lapidar a pronúncia do EPGA no seu douto Parecer que, data vénia também se transcreve e se subscreve inteiramente:
“Finalmente, no que respeita a custas, argumentou ainda a recorrente FPF que o acórdão arbitral recorrido enferma de erro ao rejeitar o pedido de isenção de custas que apresentou;
Sobre esta matéria, permitimo-nos transcrever parcialmente o já decidido por este TCA em recente Acórdão, de 6 Janeiro 2017 e no âmbito do Processo 57/17.5BECLSB, do seguinte teor:
"O DL 34/2008, de 26/2, o qual entrou em vigor em 20.4.2009 (cfr. o respectivo art. 26º n.º1, na redacção da Lei 64-A/2008, de 31/12), revogou, através do seu art. 25º n.º1, "as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas", e aprovou o Regulamento das Custas Processuais (RCP) - cfr. o respectivo art. 12.
Dispõe o art. 49, do RCP, o seguinte:
"1 - Estão isentos de custas:
f) As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável;
g) As entidades públicas quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias;
(...)" (sublinhados nossos).
A isenção de custas prevista na al. g) do n.º1 deste art. 4º, respeita às pessoas colectivas públicas, que não é o caso da ora recorrente, a qual é uma pessoa colectiva de direito privado - cfr. art. 1º n.º1, dos Estatutos da FPF [onde se refere nomeadamente que a FPF é uma pessoa coletiva " constituída sob a forma de associação de direito privado"].
Quanto à isenção de custas prevista na al. f) do n.5 l do referido art. 49, a mesma depende da verificação dos seguintes requisitos:
a) tratar-se de uma pessoa colectiva privada sem fins lucrativos;
b) que actue no processo judicial exclusivamente no âmbito das suas
especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão
especialmente conferidos.
Quanto ao requisito supra enunciado sob a alínea a), o mesmo encontra-se preenchido, face ao teor do art.1º n.º1, dos Estatutos da FPF [onde se refere nomeadamente que a FPF é "uma pessoa colectiva sem fins lucrativos"].
Relativamente ao requisito acima enumerado sob a alínea b), e como esclarece Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 2013, 5 - Edição, págs. 159 e 160:
"Esta isenção é motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum, o que à comunidade aproveita e ao Estado incumbe facilitar, pelo que lhe subjaz o desiderato de tutela do interesse público.
É subjectiva, condicionada às circunstâncias de não terem fins lucrativos e de aquelas entidades actuarem nos processos judiciais, do lado activo ou do lado passivo, no âmbito das suas especiais competências ou para defender os interesses comunitários que lhe estão especialmente conferidos.
Dada a sua estrutura e fins, essas associações e fundações beneficiam da isenção de custas a que se reporta este normativo nas acções relativas à defesa e promoção dos seus interesses específicos, naturalmente sob a envolvência do interesse público.
É uma isenção de custas restrita, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto, ou pela própria lei, que coincidam com o bem comum.
Considerando a história deste preceito, reportado às instituições particulares de solidariedade social e às pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, reponderando, propendemos em considerar que esta isenção não abrange as acções que não tenham por fim directo a defesa de interesses que lhe estão especialmente confiados pela lei ou pelos seus estatutos." (sublinhados e sombreados nossos).
A FPF, ora recorrente, de acordo com o prescrito no art. 2º n.º1, dos respectivos Estatutos, tem por principal objecto promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, o ensino e a prática do futebol, em todas as suas variantes e competições.
Ora, a recorrente, no TAD (e também neste TCA Sul), não litiga em defesa directa das atribuições enunciadas no parágrafo anterior, pois está em juízo em defesa directa e imediata da legalidade do acórdão do respectivo Conselho de Disciplina de 4.11.2016, estando em causa saber se tal acórdão é ou não válido e intervindo a ora recorrente no TAD (e também neste TCA Sul) com a legitimidade geral que lhe confere o art. 10º n.º1 e 9, do CPTA (no âmbito do TAD aplicável por força do art. 61º, da LTAD), ou seja, decorrente da autoria do referido acórdão de 4.11.2016.
Dito por outras palavras, a ora recorrente contestou o recurso interposto perante o TAD (bem como interpôs o presente recurso jurisdicional) não para defender interesses ou atribuições que lhe estão especialmente cometidos pelo respectivo estatuto ou legislação que lhe é aplicável, mas apenas para se opor à invalidação do acórdão do respectivo Conselho de Disciplina de 4.11.2016, invocando que o mesmo não padece de qualquer vício.
Conclui-se, assim, que a actuação da ora recorrente também não se encontra contida na isenção prevista no art. 4º n.º1, al. f), do RCP.
Finalmente, alega a recorrente que a negação de tal isenção perante o TAD viola designadamente os arts. 13º, 20º n.ºs 1 e 2 e 268º n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que introduz uma desigualdade no acesso à justiça face aos demais intervenientes e agrava a sua situação face ao enquadramento legal que existia antes da existência de uma instância arbitral obrigatória, mas sem razão, dado que, antes da existência da arbitragem necessária, a recorrente era demandada nos tribunais administrativos de 1ª instância onde não beneficiava de isenção de custas ao abrigo do art. 4º n.ºs 1, als. f) e g), do RCP, conforme supra explicitado.
Do exposto resulta que o TAD bem andou ao indeferir o pedido de isenção de custas formulado pela ora recorrente, pelo que nesta parte tem de improceder o presente recurso jurisdicional."
8. Assim, entende-se acompanhar a linha Jurisprudencial vertida no citado Processo nº144/17, mormente na fundamentação expressa na respectiva e Douta decisão sumária, proferida em 28 Novembro 2017, e bem assim no subsequente Douto Acórdão de 16 Janeiro 2018, sem qualquer hesitação;
9. Já no que respeita à questão das custas suscitada pelo Recorrente F…, trata-se de matéria recorrentemente trazida à apreciação deste TCA, tendo sido já objecto de recurso obrigatório do Ministério Público para o Tribunal Constitucional;
10. De qualquer modo, sempre se referirá que, sem prejuízo de maior aprofundamento nesta matéria, estamos perante um pleito em sede de Jurisdição Arbitral e, como tal, sujeita às regras, nomeadamente de custas, ali definidas pelo legislador e aceites pelas partes;
11. Porém, é certo que os montantes devidos pelas partes em sede de custas, quando comparados com os montantes devidos em sede de Jurisdição Administrativa, poderão revelar-se algo desfasados do regime das custas judiciais;
12. Ora, tal comparação não nos parece totalmente legítima, na justa medida em que as partes pleiteiam em Jurisdições diferenciadas e que, pela sua própria natureza, são, também a nível de regime legal de custas, incomparáveis;
13. Para além de que o TAD se rege por normas próprias de funcionamento, devendo o respectivo regime de custas, além do mais, reflectir e suportar essa realidade;
14. Trata-se de uma verdadeira encruzilhada jurídica na justa medida em que se está perante um Tribunal (TAD) onde, à primeira vista, se dirimem interesses de natureza privada, mas que, no fundo, tendo em conta a natureza jurídica dos intervenientes, nomeadamente as Federações desportivas e o respectivo regime jurídico associado, se tratam de questões de natureza eminentemente pública;
15. Encruzilhada essa que se traduziu nas vicissitudes de natureza constitucional que precederam o difícil processo de criação do TAD e que, infelizmente, ainda acompanham o seu funcionamento;
16. Como seja o caso da especialmente particular opção do legislador em sede do regime legal da arbitragem, mais especificamente ao criar a figura jurídica da "arbitragem necessária", em oposição à denominada "arbitragem voluntária", opção essa que, com todo o respeito, acabou por criar situações como as referidas nos Autos em que as partes são obrigadas a recorrer à arbitragem, quando, na sua essência, a arbitragem deveria, obrigatoriamente, reflectir algo de natureza voluntária...”
Fazendo nosso o discurso jurídico fundamentador constante do citado Acórdão, de cuja conferência fizemos parte, com os valiosos complementos aditados no douto Parecer acabado de transcrever, sem necessidade de mais considerações, improcede a questão trazida a recurso atinente às custas por não se violar qualquer norma ou princípio legal ou constitucional.
Improcedem, por isso e neste segmento da isenção de custas as conclusões recursórias.
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3. -DECISÃO

Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes do 2º Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao recurso e confirmar o Acórdão Recorrido.

Custas a cargo dos arguidos.
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Lisboa, 06 de Dezembro de 2018
José Gomes Correia
António Vasconcelos
Catarina Jarmela