Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05428/12
Secção:CT
Data do Acordão:03/09/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:REGIME DO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO POR PARTE DA A. FISCAL.
TIPOS DE PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA.
CRITÉRIO DO LUGAR DE REALIZAÇÃO (ARTº.13, DO R.C.P.I.T.).
NOTIFICAÇÃO PRÉVIA DO COMEÇO DO PROCEDIMENTO INSPECTIVO.
OMISSÃO DA COMUNICAÇÃO DO INÍCIO DO PROCEDIMENTO.
SANAÇÃO DO VÍCIO DE PROCEDIMENTO QUANDO NÃO PREJUDICAR OS DIREITOS DO SUJEITO PASSIVO.
DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA.
ARTº.60, DA L.G.T.
ARTº.60, Nº.7, DA L.G.T.
TITULAR DO DIREITO DE AUDIÊNCIA SUSCITA ELEMENTOS NOVOS.
AMPLITUDE DA ÁREA DE TUTELA DA NORMA IMPOSITIVA DO SIGILO BANCÁRIO.
AUTORIZAÇÃO DE ACESSO À INFORMAÇÃO BANCÁRIA.
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO (ARTº.58, DA L.G.T.).
ARTº.63-B, Nº.6, DA L.G.T.
Sumário:1. A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Fazenda Pública. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.).
2. O procedimento de inspecção interna, o qual se contrapõe ao procedimento inspectivo externo, de acordo com o critério do lugar de realização (cfr.artº.13, do R.C.P.I.T.), não implica a notificação do sujeito passivo do início da acção inspectiva, conforme se retira do exame concatenado dos artºs.49 a 51, do R.C.P.I.T.
3. Estando-se perante acção de inspecção interna (cfr.artº.13, al.a), do R.C.P.I.T.), não se encontra prevista na lei a obrigatoriedade de notificação prévia do começo do procedimento inspectivo, nem de entrega, ou comunicação, da ordem de serviço em que se baseia. Não significa isto que o sujeito passivo não possa ter acesso a essa ordem de serviço, caso o pretenda, designadamente através de pedido de certidão, ou de consulta ao próprio processo inspectivo (cfr.artºs.24 e 30, nº.1, do C.P.P.T.). Não pode o intérprete/aplicador da lei é daí extrair que a A. Fiscal se encontra vinculada legalmente a comunicar-lhe a existência de acção de inspecção.
4. A omissão da comunicação do início do procedimento, quando deva efectuar-se, não obstante constituir um vício do procedimento susceptível de gerar a anulação da decisão que com base nele for tomada, poderá considerar-se este sanado quando a falta de comunicação não tiver prejudicado efectivamente os direitos do interessado, designadamente, quando este vier a ter conhecimento da existência do procedimento a tempo de nele intervir, mormente, através do exercício do direito de audição prévia.
5. Consagra o artº.267, nº.5, da Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela lei constitucional nº.1/2001, o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou inicialmente este direito no artº.100, do C. P. Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91, de 15/11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no artº.60, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12 (cfr.artº.45, do C.P.P.T.).
6. O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita.
7. A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos consagrados no artº.60, nº.1, da Lei Geral Tributária, constitui um vício de procedimento susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr.artº.135, do C.P.Administrativo, então em vigor).
8. De harmonia com o preceituado no artº.60, nº.7, da L.G.T., se o titular do direito de audiência, no exercício deste direito, suscitar elementos novos, eles deverão ser considerados na fundamentação da decisão. A apresentação destes elementos novos, se se tratar de elementos atinentes à matéria de facto, poderá justificar a realização de novas diligências que deverão ter lugar, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, caso se devam considerar como convenientes para apuramento da matéria factual em que deve assentar a decisão (cfr.artºs.58, da L.G.T., e 104, do C.P.A., então em vigor). A obrigatoriedade de ter em conta estes elementos novos, na fundamentação da decisão, traduz-se em eles deverem ser mencionados e apreciados. A falta de apreciação dos elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelos interessados constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, susceptível de levar à anulação da decisão do procedimento.
9. O dever de sigilo bancário a que se encontram adstritas as instituições de crédito e as sociedades financeiras, tem subjacente, na nossa ordem jurídica, a salvaguarda de interesses públicos e privados. Os interesses públicos prendem-se com o regular funcionamento da actividade bancária, o qual pressupõe a existência de um clima generalizado de confiança nas instituições que a exercem. Os interesses privados com a perspectiva que consiste na finalidade do instituto do segredo bancário ser também do interesse dos clientes, para quem o aspecto mais significativo do encorajamento e tutela do aforro se consubstancia na garantia da máxima reserva a respeito dos próprios negócios e relações com a banca. Com o sigilo bancário o legislador pretende, pois, rodear da máxima discrição a vida privada das pessoas, quer no domínio dos negócios, quer dos actos pessoais a eles ligados.
10. A questão central que se coloca nesta matéria parece residir, porém, na maior ou menor amplitude com que se delimite a área de tutela da norma impositiva do sigilo bancário. Considerando-se que o bem jurídico protegido é a privacidade no seu círculo mais extenso poderá melhor compreender-se uma compressão do seu âmbito em função de valores ou interesses supra-individuais. Pelo contrário, colocando-se o assento tónico do dever de segredo na esfera mais intensa da intimidade da vida privada, apenas se justificará uma intromissão externa nos casos especialmente previstos e em articulação com os mecanismos do direito processual.
11. Actualmente, caminha-se claramente no sentido da flexibilização das situações em que o sigilo bancário pode ser afastado por via administrativa, por parte das autoridades fiscais, sempre que estejam em causa situações de suspeita de fraude ou evasão fiscal, lesivas do erário público, no limite pondo em causa a satisfação das necessidades colectivas, mas igualmente dos próprios interesses dos particulares não relapsos, devido a violação do princípio da igualdade e do dever fundamental de pagar impostos.
12. “In casu”, a decisão de revogação do sigilo bancário identificada na factualidade provada (cfr.nº.1 do probatório), não se cinge a qualquer exercício fiscal específico, igualmente não resultando da lei, nomeadamente do artº.63-B, da L.G.T., a necessidade de concretização de um específico ano fiscal que deva ser objecto do pedido de derrogação do sigilo bancário.
13. O princípio do inquisitório, está consagrado no âmbito do procedimento gracioso tributário, no artº.58, da L.G.Tributária, de acordo com o qual devendo a A. Tributária proceder às diligências que considere convenientes para a descoberta da verdade material. O princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à actividade da Administração Tributária (artº.266, nº.1, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.) e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.). Este dever de imparcialidade, reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja prova seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Concluindo, este princípio, obriga a administração tributária a realizar todas as diligências que se afigurem necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material. Quer isto dizer, que todas as diligências devem ser efectuadas ainda que as mesmas não tenham sido requeridas, não dependendo por isso de um qualquer impulso procedimental do sujeito passivo.
14. O artº.63-B, nº.6, da L.G.T., apenas proíbe que os elementos de prova já obtidos através da derrogação do dever de sigilo bancário sejam utilizados para qualquer efeito em desfavor do contribuinte, quando este obtenha provimento no recurso que deduziu contra o despacho proferido pela entidade competente para o efeito e que o derrogara, e não, ao contrário, quando este não obteve tal provimento, como aconteceu no caso concreto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.56 a 70 do presente processo, através da qual julgou improcedente a impugnação pelo recorrente intentada, visando actos de liquidação de I.R.S. e juros compensatórios, relativos ao ano de 2003 e no montante total de € 4.400,68.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.81 a 88 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-A Inspecção Tributária dedica o ponto 2 e o ponto 3 de folhas sete do relatório final, à análise da audição prévia, contudo, não apresentam os mesmos, qualquer conexão com o pedido de fundamentação expressa dos impugnantes;
2-Num dos pontos, refere a venda dos imóveis por valores superiores aos contabilizados, não tendo o seu recebimento sido reflectido nas contas da sociedade, o que já tinha feito em sede de projecto, sendo este um dado da administração tributária e não do sujeito passivo;
3-No segundo ponto, alega a inspecção tributária que não incorre em qualquer ilegalidade, uma vez que os elementos de prova que constam no processo, foram fornecidos pela Instituição Bancária;
4-Invocando para tal, o seguinte: "Os Acórdãos enviados à Entidade Bancária, permitiram a esta, facultar aos serviços de Inspecção, todos os elementos bancários que originaram as respectivas correcções técnicas";
5-Reiteram os impugnantes, que o único procedimento de derrogação do dever de sigilo bancário que conhecem, tem unicamente a ver com a acção inspectiva que decorreu para o exercício de 2001;
6-In casu, estamos a falar do procedimento inspectivo do exercício de 2003;
7-A autorização da derrogação do dever do sigilo bancário para o exercício de 2001 não abrange o exercício de 2003, desde logo porque não estava sequer iniciado;
8-E, nunca se constou, que a derrogação do sigilo bancário fosse um meio ao dispor da DGCI para preparar uma eventual, in casu, concreta, acção inspectiva- vide nesse sentido o Acórdão 1187/06 de 11/07/2006, do TCA Sul - e, não servindo para a preparar muito menos serve para proceder a correcções à matéria colectável;
9-As correcções efectuadas pela Inspecção Tributária, à custa dos elementos bancários obtidos, não podem ser consideradas para nenhum dos efeitos pretendidos;
10-Já que foi utilizada uma autorização de derrogação do dever de sigilo bancário que serviu os propósitos da acção inspectiva apenas do exercício de 2001, dado que outra não estava iniciada;
11-A Inspecção Tributária, definitivamente, não analisou nem tão pouco se pronuncia sobre estes argumentos apresentados pelos impugnantes, resultando que a audição prévia se traduziu apenas, no cumprimento de um aspecto meramente formal, encarado como um mero ritual desprovido de qualquer sentido útil;
12-Em sede de contestação, deliberadamente, é omitida qualquer referência à fundamentação dos impugnantes;
13-Designadamente, o facto, da autorização da derrogação do dever do sigilo bancário ter acontecido no decorrer da acção inspectiva apenas para o exercício de 2001 e o presente procedimento dizer respeito, ao exercício de 2003;
14-A Inspecção Tributária excede os seus poderes, doutra forma não teria na sua posse elementos de outros exercícios para além de 2001, daquele, uma vez que tão pouco havia procedimento inspectivo iniciado para o exercício de 2003;
15-Mais, depois de iniciar o procedimento inspectivo ao exercício de 2003, não inicia qualquer procedimento tendente à derrogação do dever do sigilo bancário desse mesmo exercício;
16-O entendimento da douta sentença, de que a A.T. se pronunciou expressamente quanto aos argumentos apresentados pelos impugnantes em sede de exercício do direito de audição prévia, é falso e de resto bem patente em todo o procedimento;
17-Reiteram os recorrentes, se a A.T. recolhe elementos bancários munida de autorização para o efeito no âmbito de procedimento iniciado para 2001, não havendo procedimento iniciado para 2003, não podem esses elementos servir às correcções levadas a efeito ao exercício de 2003;
18-O procedimento inspectivo constitui pressuposto para dar início a procedimento tendente à autorização de derrogação do sigilo bancário;
19-Com todo o respeito, a douta decisão do Tribunal a quo, fez desacertado entendimento, pois, recolhendo elementos para a acção que corria termos ao exercício de 2001, excedeu a IT, o que lhe fora autorizado e recolheu também elementos para correcções a exercícios seguintes, sem que para isso tivesse qualquer procedimento iniciado;
20-Quanto à ordem de serviço, desconhecem os impugnantes o documento, considerando que nunca foi notificado e a isso estava obrigada a inspecção tributária;
21-Mais não fosse com a notificação do projecto de relatório, o que também não aconteceu, desconhecendo também o órgão que a emitiu e se o mesmo é o competente para o efeito;
22-As dúvidas dos impugnantes, não se limitam à notificação para início do procedimento inspectivo;
23-E, não se limitando ao conhecimento do início do procedimento, mal se compreende a douta decisão, entendendo assim, que estava ao dispor dos impugnantes a faculdade de requererem que a A.T. lhes fornecesse a cópia da Ordem de Serviço …;
24-E que, não o tendo feito, e não se vislumbrando que tenham ficado afectados nos seus direitos, não se considera ter existido qualquer preterição de formalidade legal, improcedendo, também nesta parte, a presente impugnação;
25-Ora, não foi apenas o início do procedimento que não foi informado ao contribuinte;
26-O contribuinte continua sem saber se o órgão que determinou o procedimento é ou não competente, sendo que o conhecimento da competência precede o conhecimento de qualquer outra questão;
27-Igualmente com todo o respeito, andou mal a douta decisão, uma vez que mais do que o conhecimento do início do procedimento, está o conhecimento sobre a competência do órgão que determina o procedimento, designadamente se tem ou não competência para a prática do acto;
28-Sobre a falta de fundamentação para a prática do acto, invocada pelos impugnantes, consubstancia-se a mesma, no facto, de até hoje, os impugnantes desconhecerem, como acedeu a lnspecção Tributária a elementos pessoais, protegidos pelo segredo bancário;
29-Na medida em que a autorização da derrogação do dever de sigilo bancário para o exercício de 2001, abrangia apenas o procedimento que corria para o exercício de 2001, dado não haver outro;
30-Donde, a invocação e utilização de informação bancária que foi obtida de forma ilegal, ou seja, em momento em que a administração fiscal não podia executar o acto, não pode ser considerada para nenhum dos efeitos, muito menos para fundamentar a correcção à matéria colectável ao exercício de 2003;
31-Justamente, porque é utilizada uma autorização de derrogação do dever do sigilo bancário anterior ao início do procedimento inspectivo a esse exercício de 2003;
32-Nesse sentido, a informação da Divisão de Justiça Tributária, para a qual remete a ERFP, artigo 25.º., “A inspecção foi iniciada posteriormente ao pedido de derrogação de sigilo bancário, uma vez que foi este que originou a inspecção (...).”;
33-Ora, confirmando a A.T., expressamente, o que tem vindo de ser alegado pelos impugnantes, fica claro, de que andou a Inspecção Tributária à revelia da doutrina emanada pelo douto Acórdão 1187/06 de 11/07/2006, do TCA Sul, tendo até à presente data sido omitida qualquer pronuncia nesse sentido;
34-Não andou bem a douta decisão, no entendimento, de que, o relatório final da acção inspectiva é claro quanto à forma como foram obtidos os elementos bancários, ao relacionar essa obtenção com os acórdãos proferidos pelos TCA Sul e pelo Tribunal Constitucional";
35-E que, não resulta dos autos que aquela derrogação do sigilo bancário fosse limitada a documentação referente ao ano de 2001;
36-Pois de facto, não consta que derrogação fosse limitada a documentação de 2001, o que na perspectiva do recorrente nem seria necessário, já que o único procedimento iniciado respeitava apenas ao exercício de 2001;
37-E, havendo procedimento iniciado apenas o exercício de 2001, é incontornável que não pode haver derrogação do dever de sigilo bancário, sem que houvesse procedimento inspectivo iniciado em momento anterior para o exercício de 2003;
38-Também nesta sede não andou bem a douta decisão do Tribunal a quo, impondo-se por isso a sua revogação;
39-Termos em que nos melhores de direito, devem as presentes alegações ser aceites por estarem em tempo, concedendo-se provimento ao recurso, por provado, decidindo a douta decisão do Tribunal ad quem, pela revogação da decisão proferida em 1.ª instância, não só por omissão de pronúncia e deficiente interpretação dos factos, substituindo-a por outra que anule todo o procedimento inspectivo levado a efeito e consequentemente a liquidação dele resultante, dada a motivação aduzida.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cfr.fls.104 a 107 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.110 do processo), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.58 a 61 dos autos - numeração nossa):
1-Por despacho datado de 13/07/2005, o Director Geral dos Impostos autorizou funcionários credenciados dos Serviços de Inspecção Tributária a aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes em instituições portuguesas, de que fosse titular o impugnante, A..., com o n.i.f. … (cfr.ponto 22 da matéria de facto constante do acórdão do TCA Sul, de 29/11/2005, proc.827/05, cuja cópia consta de fls.68 a 98 do processo administrativo apenso);
2-Após recurso judicial do despacho identificado no nº.1, foi proferida sentença pelo TAF de Lisboa-2/Loures que o julgou improcedente (cfr.conteúdo do acórdão do TCA Sul, de 29/11/2005, proc.827/05, cuja cópia consta de fls.68 a 98 do processo administrativo apenso);
3-O impugnante interpôs recurso da sentença referida no nº.2 para o TCA Sul que a confirmou e julgou improcedente o pedido de anulação da decisão do Director-Geral dos Impostos, constante de despacho datado de 13/07/2005 (cfr.conteúdo do acórdão do TCA Sul, de 29/11/2005, proc.827/05, cuja cópia consta de fls.68 a 98 do processo administrativo apenso);
4-O impugnante interpôs recurso do acórdão do TCA Sul identificado no nº.3 para o Tribunal Constitucional, que não tomou conhecimento do recurso, por decisão de 14/02/2006 (cfr.cópia de acórdão do T. Constitucional constante de fls.100 a 127 do processo administrativo apenso);
5-O impugnante e a esposa foram objecto de uma acção de inspecção interna, pelos serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, incidente sobre IRS do ano de 2003, iniciada com base na ordem de serviço … (cfr.relatório de inspecção junto a fls.26 a 32 do processo administrativo apenso);
6-A acção de inspecção referida no nº.5 resultou dos factos apurados no âmbito de inspecção levada a cabo aos exercícios de 2001 e 2002, à sociedade "O..., SA", com o NIPC ..., da qual o impugnante é sócio gerente (cfr. relatório de inspecção junto a fls.26 a 32 do processo administrativo apenso);
7-Notificado para o efeito, em 03/12/2007 o impugnante e a esposa exerceram o seu direito de audição prévia no âmbito da acção de inspecção identificada no nº.5, tudo conforme documento junto a fls.62 a 66 do processo administrativo apenso, que se dá aqui, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido, onde concluem como a seguir se transcreve:
"Considerando os factos expostos, deve a administração tributária proceder à revogação da decisão que pretende levar a afeito, justamente porque os elementos obtidos por via da derrogação do sigilo bancário, não podem ser considerados de nenhum efeito, por terem sido obtidos de forma ilegal e abusiva, ou seja, mesmo antes de iniciado qualquer procedimento no sentido de aferidos dos respectivos pressupostos de ser autorizada ou não a derrogação do dever de sigilo bancário pelo Director Geral dos Impostos, para o exercício de 2003, o que necessariamente se teria de verificar em momento posterior ao início do procedimento externo de acção inspectiva";
8-Em 10/12/2007, foi elaborado o relatório final da acção de inspecção, tudo conforme documento junto a fls.26 a 32 do processo administrativo apenso, que se dá aqui, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o que a seguir se transcreve:
"(…)
III-2-Factos verificados justificativos de correcções.
Das acções de inspecção já referidas, constatou-se que:
-Foi pedido o levantamento do sigilo bancário de contas em que o sujeito passivo era titular, por se ter detectado que no âmbito da actividade desenvolvida pela sociedade O..., SA, haviam sido outorgadas escrituras de venda por valores superiores aos contabilizados, facto confirmado por um dos adquirentes, e comprovado documentalmente; o levantamento do sigilo bancário foi autorizado, conforme acórdãos do Tribunal Central Administrativo do Sul, Supremo Tribunal Administrativo e Tribunal Constitucional, os quais foram levados ao conhecimento dos interessados e comunicados a estes serviços.
- Em resultado disso, confirmou-se que o sujeito passivo era co-titular de uma conta conjunta n° 144-10-000201-9, do Balcão da ..., com os outros três sócios da O... - Construções, SA, tendo-se solicitado a esta Instituição Bancária o extracto de conta e os documentos respectivos, em resultado da autorização acima referida"
(…)
VIII-Direito de audição
(...)
1-Análise e fundamentação
"O sujeito passivo contesta as correcções meramente aritméticas que consta no presente relatório, argumentando e baseando a sua contestação em três pontos essenciais:
Ponto 20:"desconhece o sujeito passivo em absoluto, como foram obtidos esses elementos protegidos pelo segredo bancário";
Ponto 21:"para o ano de 2003, não teve o sujeito passivo conhecimento de que tivesse sido iniciado qualquer procedimento de derrogação do sigilo bancário para esse exercício";
Ponto 29:"utilização de documentos obtidos ilegalmente e abusivamente, carecendo de denúncia para efeitos de averiguações em processo de inquérito sobre a violação do sigilo bancário":
2 -Relativamente ao exposto no ponto anterior, a argumentação apresentada pelo sujeito passivo, não corresponde à verdade dos factos, uma vez que, é do seu conhecimento a acção de fiscalização levada a cabo à empresa O... - Construções, Lda, de quem o mesmo é sócio, em que, foram outorgadas escrituras de venda de imóveis por valores superiores aos contabilizados, não tendo o recebimento desses valores sido reflectidos nas contas da sociedade e sim, numa conta conjunta que o sujeito passivo era detentor com demais sócios da referida sociedade, já referido no ponto 2 do capítulo III do presente relatório.
3- O levantamento do sigilo bancário, como consta no ponto 2 do capítulo III, foi autorizado, não incorrendo a inspecção tributária em qualquer ilegalidade, uma vez que os elementos de prova que constam no processo e anexos ao relatório, foram fornecidos pela Instituição Bancária, conforme os acórdãos do Tribunal Central Administrativo do Sul, Supremo Tribunal Administrativo e Tribunal Constitucional Acórdãos, que ao abrigo da derrogação do sigilo bancário, lhes foram levados ao conhecimento.
Em conclusão:
Constata-se que, a argumentação apresentada pelo sujeito passivo, não prova que na sua conta bancária em que é co-titular, não foram depositados os cheques emitidos pelos compradores dos imóveis de que era proprietária a empresa da qual o sujeito passivo era sócio. Os Acórdãos enviados à Entidade Bancária, permitiram a esta, facultar aos serviços de Inspecção, todos os elementos bancários que originaram as respectivas correcções técnicas.
Assim, mantêm-se os pressupostos constantes no projecto de correcções ao rendimento líquido em causa, pelo que, o valor das correcções aritméticas irá ser mantido. Tendo em conta o preceituado no artigo 40° A do CIRS, o valor a englobar no cálculo do Rendimento Líquido será de 19.330,98€"
(...);
9-Em 14/12/2007, foi emitida, relativamente ao impugnante e à esposa, a liquidação de IRS referente ao ano de 2003 com o n° , que originou a nota de cobrança n° 2007 1362896 no montante total de 5.171,16€, juros compensatórios e estorno de liquidação anterior incluídos (cfr.documentos juntos a fls.16 a 20 do processo administrativo apenso);
10-A presente impugnação foi remetida pelo correio para o Tribunal Tributário de Lisboa em 23/04/2008 (cfr.data de registo aposta a fls.15 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados …”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, e no processo administrativo em apenso …”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apensos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
11-O conteúdo concreto da decisão de derrogação do sigilo bancário identificada no nº.1 do probatório é o que consta de fls.53 do processo administrativo apenso aos autos de derrogação do sigilo bancário com o nº./05.8BELRS, os quais correram termos no extinto T.A.F. de Lisboa 2, decisão esta que incorpora a respectiva informação que sustentou o projecto de decisão, a qual consta de fls.48 a 52 do citado processo administrativo (cfr.documentos juntos a fls.48 a 53 do processo administrativo apenso aos autos de derrogação do sigilo bancário com o nº./05.8BELRS).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente improcedente a impugnação que originou o presente processo, em consequência do que manteve os actos de liquidação de I.R.S. e juros compensatórios objecto do processo (cfr.nº.9 do probatório).
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Defende, em primeiro lugar e em síntese, o recorrente que não foi notificado da ordem de serviço que ordenou o início da inspecção tributária, sendo que a isso estava obrigada a A. Fiscal. Que desconhece se o órgão que a emitiu é o competente para o efeito. Que o conhecimento da competência precede o conhecimento de qualquer outra questão (cfr.conclusões 20 a 27 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar, supomos, erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Por outro lado, refira-se que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14).
Mais se deve mencionar que o artº.7, do R.C.P.I.T., consagra o princípio da proporcionalidade vigente em sede de procedimento de inspecção, o qual igualmente se encontra consignado no artº.63, nº.4, da L.G.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/7/2014, proc.7844/14; Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, R.C.P.I.T. anotado e comentado, 1ª. Edição, Coimbra Editora, 2013, pág.50 e seg.).
De acordo com a factualidade provada (cfr.nº.5 do probatório) o recorrente foi sujeito a procedimento de inspecção interna. Ora, este tipo de procedimento inspectivo, o qual se contrapõe ao procedimento inspectivo externo, de acordo com o critério do lugar de realização (cfr.artº.13, do R.C.P.I.T.), não implica a notificação do sujeito passivo do início da acção inspectiva, conforme se retira do exame concatenado dos artºs.49 a 51, do R.C.P.I.T. (cfr.Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, R.C.P.I.T. anotado e comentado, 1ª. Edição, Coimbra Editora, 2013, pág.268).
Ou seja, estando-se perante acção de inspecção interna (cfr.artº.13, al.a), do R.C.P.I.T.), não se encontra prevista a obrigatoriedade de notificação prévia do começo do procedimento inspectivo, nem de entrega, ou comunicação, da ordem de serviço em que se baseia. Não significa isto que o sujeito passivo não possa ter acesso a essa ordem de serviço, caso o pretenda, designadamente através de pedido de certidão, ou através de consulta ao próprio processo inspectivo (cfr.artºs.24 e 30, nº.1, do C.P.P.T.). Não pode o intérprete/aplicador da lei é daí extrair que a A. Fiscal se encontra vinculada legalmente a comunicar-lhe a existência de acção de inspecção.
Apesar do acabado de aludir, deve vincar-se que a inspecção interna consubstancia um verdadeiro procedimento tributário, assim devendo relevar-se o que dispõe o artº.69, nº.2, da L.G.T., norma que estabelece a comunicação aos interessados do início do procedimento, salvo quando a comunicação possa pôr em causa os efeitos úteis que visa prosseguir ou o procedimento incida sobre situações tributárias em que os interessados não estão ainda devidamente identificados.
No entanto, a omissão da comunicação do início do procedimento, quando deva efectuar-se, não obstante constituir um vício do procedimento susceptível de gerar a anulação da decisão que com base nele for tomada, poderá considerar-se este sanado quando a falta de comunicação não tiver prejudicado efectivamente os direitos do interessado, designadamente, quando este vier a ter conhecimento da existência do procedimento a tempo de nele intervir, mormente, através do exercício do direito de audição prévia (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/10/2012, proc.5792/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/04/2015, proc.8399/15; Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, R.C.P.I.T. anotado e comentado, 1ª. Edição, Coimbra Editora, 2013, pág.271 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.513 e seg.; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.795).
Revertendo ao caso dos autos, do exame do probatório se conclui que o recorrente não viu afectados os seus direitos, pelo facto de não lhe ter sido comunicado o início da acção de inspecção interna, nem, tão-pouco, por não lhe ter sido facultada a ordem de serviço que a legitimou. Recorde-se que estava ao dispor do apelante a faculdade de requerer que a A. Fiscal lhe fornecesse a cópia da Ordem de Serviço (cfr.nº.5 do probatório), mais podendo ter levantado a questão no próprio exercício do direito de audição. Não o tendo feito, e não se vislumbrando que tenham ficado afectados os seus direitos, não se considera ter existido qualquer preterição de formalidade legal, assim improcedendo o presente esteio do recurso.
O apelante discorda do decidido aduzindo, em segundo lugar e em sinopse, que a A. Fiscal não se pronuncia sobre os argumentos apresentados por si no exercício da audição prévia em sede de inspecção tributária, pelo que, o exercício de tal direito se traduziu num mero ritual desprovido de qualquer sentido útil. Que o entendimento da sentença do Tribunal “a quo” de que a A. Fiscal se pronunciou expressamente quanto aos argumentos apresentados pelos impugnantes em sede de exercício do direito de audição prévia não está certo (cfr.conclusões 11 e 16 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Dissequemos se a decisão do Tribunal "a quo" padece de tal vício.
Consagra o artº.267, nº.5, da Constituição da República Portuguesa, o direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito. A lei ordinária, concretizou, inicialmente, este direito no artº.100, do C.P.Administrativo, aprovado pelo dec.lei 442/91, de 15/11, estando actualmente tal direito expressamente previsto no artº.60, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12 (cfr.artº.45, do C.P.P.T.).
O direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, tal como ele surge após a instrução e antes da decisão. Estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma decisão, a sua fundamentação, o prazo em que o mesmo direito pode ser exercido e a informação relativa à possibilidade de exercício do citado direito por forma oral ou escrita (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 25/1/2000, rec.21244, Ac.Dout., nº.466, pág.1275 e seg.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 2/7/2003, rec.684/03; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/09/2013, proc.1510/06; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.502 e seg.).
A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr.artº.135, do C.P.Administrativo, então em vigor; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/10/2016, proc.9810/16; Diogo Leite de Campos e Outros, ob.cit., pág.515; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.437).
De harmonia com o preceituado no artº.60, nº.7, da L.G.T., se o titular do direito de audiência, no exercício deste direito, suscitar elementos novos, eles deverão ser considerados na fundamentação da decisão. A apresentação destes elementos novos, se se tratar de elementos atinentes à matéria de facto, poderá justificar a realização de novas diligências que deverão ter lugar, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, caso se devam considerar como convenientes para apuramento da matéria factual em que deve assentar a decisão (cfr.artºs.58, da L.G.T., e 104, do C.P.A., então em vigor). A obrigatoriedade de ter em conta estes elementos novos, na fundamentação da decisão, traduz-se em eles deverem ser mencionados e apreciados. A falta de apreciação dos elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelos interessados constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, susceptível de levar à anulação da decisão do procedimento (cfr.Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Encontro da Escrita Editora, 4ª. Edição, 2012, pág.513; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.437).
“In casu”, como resulta do probatório (cfr.nº.7 da matéria de facto), o direito de audição dos impugnantes limitou-se à invocação da ilegalidade na utilização dos documentos bancários obtidos por via da derrogação do dever de sigilo bancário, ou seja, cingiu-se à invocação de razões de direito, não tendo apresentado quaisquer factos novos que infirmassem as razões que conduziram às correcções propostas pela Fazenda Pública.
Apesar disso, a A. Fiscal tomou posição expressa sobre os argumentos expendidos (cfr.nº.8 do probatório), explicando de forma circunstanciada quais os factos que deram origem à acção de inspecção levada a efeito ao recorrente, tal como a forma como obteve os elementos bancários que suportaram as correcções à matéria colectável propostas. Ou seja, a Fazenda Pública não deixou de explicitar que os factos que deram origem à acção de inspecção se relacionam com a acção inspectiva desenvolvida à sociedade "O... - Construções, Lda.", de que o recorrente é sócio, e que o levantamento do sigilo bancário foi autorizado, tendo os documentos bancários sido fornecidos pela instituição bancária, conforme os Acórdãos do TCA Sul e do Tribunal Constitucional, que foram levados ao seu conhecimento. Nestes termos, deve concluir-se que no relatório da acção de inspecção, o teor dos argumentos expendidos pelo recorrente foram, não só elencados, mas também objecto de apreciação, muito embora tivessem sido considerados como irrelevantes para a alteração do projecto de conclusões final.
Sem necessidade de maiores considerandos, nega-se provimento ao presente fundamento da apelação, mais se confirmando a decisão do Tribunal “a quo”, neste segmento.
Aduz o recorrente, por último e em síntese, que o único procedimento de derrogação do dever de sigilo bancário que conhece tem a ver com a acção inspectiva que decorreu para o exercício de 2001. Que a autorização da derrogação do dever do sigilo bancário para o exercício de 2001 não abrange o exercício de 2003, desde logo, porque não estava sequer iniciado qualquer procedimento inspectivo a este último ano fiscal. Que as correcções efectuadas pela Inspecção Tributária, à custa dos elementos bancários obtidos, não podem ser consideradas para nenhum dos efeitos pretendidos, face ao ano de 2003. Que a falta de fundamentação para a prática do acto, invocada pelo recorrente, consubstancia-se no facto de, até hoje, desconhecer como acedeu a lnspecção Tributária a elementos pessoais, protegidos pelo segredo bancário. Que havendo procedimento iniciado apenas para o exercício de 2001 é incontornável que não pode haver derrogação do dever de sigilo bancário, sem que houvesse procedimento inspectivo iniciado, em momento anterior, também para o exercício de 2003. Que também nesta sede não andou bem a decisão do Tribunal “a quo”, impondo-se a sua revogação (cfr.conclusões 5 a 10, 12 a 15, 17 a 19 e 28 a 38 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a sentença recorrida comporta tal vício.
A primeira concretização legislativa do sigilo bancário, no nosso país, data de 1967 e surgiu com o dec.lei nº.47909, de 7/9/1967. Mais tarde, a matéria do segredo bancário passou a ser disciplinada pelo dec.lei nº.729-E/75, de 22/12/1975. Seguidamente, surge-nos o dec.lei nº.2/78, de 9/1, diploma que pretendeu instituir um regime de segredo bancário de âmbito geral, de molde a abranger também as instituições de crédito não nacionalizadas, operando, em consequência, a revogação do diploma de 1975. O dec.lei nº.2/78, de 9/1, foi, entretanto, revogado pelo dec.lei nº.298/92, de 31/12, diploma este que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, cujos artºs.78 a 84 vieram reformular a disciplina jurídica do segredo bancário (cfr.para uma resenha histórica do segredo bancário poderá ver-se em Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2.ª edição, Coimbra, pág.346 e seg.; uma extensa abordagem da evolução legislativa do segredo bancário, também no acórdão do Tribunal Constitucional nº.278/95, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Julho de 1995; Noel Gomes, Segredo Bancário e Direito Fiscal, Almedina, 2006, pág.229 e seg.).
O dever de sigilo bancário a que se encontram adstritas as instituições de crédito e as sociedades financeiras, tem subjacente, na nossa ordem jurídica, a salvaguarda de interesses públicos e privados. Os interesses públicos prendem-se com o regular funcionamento da actividade bancária, o qual pressupõe a existência de um clima generalizado de confiança nas instituições que a exercem. Os interesses privados com a perspectiva que consiste na finalidade do instituto do segredo bancário ser também do interesse dos clientes, para quem o aspecto mais significativo do encorajamento e tutela do aforro se consubstancia na garantia da máxima reserva a respeito dos próprios negócios e relações com a banca. Com o sigilo bancário o legislador pretende, pois, rodear da máxima discrição a vida privada das pessoas, quer no domínio dos negócios, quer dos actos pessoais a eles ligados (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 16/2/2005, rec.35/05; ac.S.T.A-2ª.Secção, 30/3/2011, rec.196/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc. 6172/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/01/2014, proc.7264/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/07/2014, proc.7844/14).
Sustenta-se a necessidade de compatibilizar o segredo bancário com os deveres inspectivos da administração fiscal, partindo-se da ideia de que a tributação segundo o lucro real, constituindo a concretização de um princípio constitucional de igualdade (artº.104, da C.R.P.), exige uma distribuição justa dos encargos tributários entre os contribuintes e implica necessariamente a possibilidade de investigação administrativa dos elementos contabilísticos e documentais respeitantes às operações bancárias (cfr.Saldanha Sanches, Segredo Bancário e Tributação do Lucro Real, Ciência e Técnica Fiscal, nº.377, Janeiro-Março de 1995, pág.23 e seg.). Nesta perspectiva, poderia entender-se que os artºs.134, do C.I.R.S. e 125, do C.I.R.C., na medida em que facultam o livre acesso dos funcionários da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos aos locais destinados ao exercício de actividades tributáveis e ao exame dos livros e documentos que as suportam, representam, desde logo, um regime de excepção ao dever de segredo profissional por parte das entidades que disponham de informação relevante relativamente aos sujeitos passivos de imposto. Consentindo em considerar que o segredo bancário se fundamenta no direito à reserva da privacidade dos cidadãos e representa um instrumento necessário à dinâmica da actividade bancária e do sistema financeiro, justifica-se o dever de cooperação das instituições de crédito para com a administração fiscal com base na necessidade de harmonizar esses valores com o dever fundamental de pagar impostos e com as exigências sociais de arrecadar justa e atempadamente as receitas fiscais.
Em reforço deste entendimento poderia, ainda, apontar-se a extensão da regra de confidencialidade aos funcionários da administração tributária, relativamente aos dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes, instituída pelo artº.64, da L.G.T., que poderia significar o reconhecimento implícito, por parte do legislador, da necessidade de preservar o sigilo bancário na relação interna entre a banca e fisco.
A questão central que se coloca nesta matéria parece residir, porém, na maior ou menor amplitude com que se delimite a área de tutela da norma impositiva do sigilo bancário. Considerando-se que o bem jurídico protegido é a privacidade no seu círculo mais extenso poderá melhor compreender-se uma compressão do seu âmbito em função de valores ou interesses supra-individuais. Pelo contrário, colocando-se o assento tónico do dever de segredo na esfera mais intensa da intimidade da vida privada, apenas se justificará uma intromissão externa nos casos especialmente previstos e em articulação com os mecanismos do direito processual. O Tribunal Constitucional pronunciou-se já sobre esta matéria, tomando clara posição em favor da segunda alternativa. A situação económica do cidadão espelhada na sua conta bancária, incluindo as operações activas e passivas nela registadas, fazem parte do âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada condensado no artº.26, nº.1, da Constituição, surgindo o segredo bancário como um instrumento de garantia desse direito. Numa época histórica caracterizada pela generalidade das relações bancárias, em que grande parte dos cidadãos adquire o estatuto de cliente bancário, os elementos em poder dos estabelecimentos bancários, respeitantes, designadamente, às contas de depósito e seus movimentos e às operações bancárias, cambiais e financeiras, constituem uma dimensão essencial do direito à reserva da intimidade da vida privada constitucionalmente garantido. Não sendo um direito absoluto, e podendo ceder perante a necessidade de salvaguardar o interesse público da cooperação com a justiça e outros interesses constitucionalmente protegidos, é de aceitar que as restrições ao segredo bancário apenas possam derivar de lei formal expressa e que a sua aplicação concreta possa ser objecto de um adequado controlo jurisdicional (cfr.ac.Tribunal Constitucional nº.278/95, publicado no Diário da República, II Série, de 28/7/1995; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/01/2014, proc.7264/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/07/2014, proc.7844/14; Noel Gomes, Segredo Bancário e Direito Fiscal, Almedina, 2006, pág.316 e seg.).
Nestes termos, caminha-se claramente no sentido da flexibilização das situações em que o sigilo bancário pode ser afastado por via administrativa, por parte das autoridades fiscais, sempre que estejam em causa situações de suspeita de fraude ou evasão fiscal, lesivas do erário público, no limite pondo em causa a satisfação das necessidades colectivas, mas igualmente dos próprios interesses dos particulares não relapsos, devido a violação do princípio da igualdade e do dever fundamental de pagar impostos. O novo equilíbrio entre os valores mencionados assenta no reconhecimento de que a perspectiva mais garantística e restritiva do sigilo bancário pode dar cobertura a situações pouco transparentes, tanto para a A. Fiscal, a qual se vê privada de elementos essenciais para o apuramento do imposto, como para os próprios particulares, dado que o eventual benefício do instituto do segredo bancário pode gerar uma desigual repartição da carga tributária (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc. 6172/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/01/2014, proc.7264/13; Maria Eduarda Azevedo, O Segredo Bancário, Fisco, nº.33, Julho de 1991, pág.14; Noel Gomes, Segredo Bancário e Direito Fiscal, Almedina, 2006, pág.127 e seg.).
Independentemente de se tomar partido por uma das posições que ficaram expressas acima, o sigilo bancário não se apresenta hoje, na ordem jurídica portuguesa, com carácter absoluto, podendo sofrer compressões impostas pela necessidade de salvaguardar determinados direitos ou princípios (v.g.combate à fraude e evasão fiscais de que é expoente a Lei 30-G/2000, de 29/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/07/2014, proc.7844/14).
“In casu”, a decisão de revogação do sigilo bancário identificada na factualidade provada (cfr.nºs.1 e 11 do probatório), não se cinge a qualquer exercício fiscal específico.
Tal conclusão retira-se do exame do conteúdo específico da decisão de derrogação do sigilo bancário, processo que este Tribunal teve o cuidado de pedir à 1ª. Instância, tudo conforme matéria de facto supra identificada e aditada ao probatório.
Por outro lado, igualmente não resulta da lei, nomeadamente do artº.63-B, da L.G.T., a necessidade de concretização de um específico ano fiscal que deva ser objecto do pedido de derrogação do sigilo bancário.
Mais, o relatório final da acção de inspecção é claro quanto à forma como foram obtidos os elementos bancários (cfr.nº.8 do probatório), ao relacionar essa obtenção com os acórdãos proferidos pelo TCA Sul e Tribunal Constitucional, os quais são do pleno conhecimento do recorrente, porque consequentes a recursos jurisdicionais por si apresentados.
O que sucede, no presente caso, é a utilização dos elementos bancários obtidos pela A. Fiscal no âmbito do procedimento de derrogação do sigilo bancário levado a efeito na acção inspectiva desenvolvida para exercício anterior e, além do mais, relativa ao próprio contribuinte, ora recorrente.
E recorde-se que é a própria lei que determina que no procedimento inspectivo vigora o princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), no âmbito do qual a Fazenda Pública deve desenvolver todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material.
O princípio do inquisitório, está consagrado no âmbito do procedimento gracioso tributário, no artº.58, da L. G. Tributária, de acordo com o qual deve a A. Tributária proceder às diligências que considere convenientes para a descoberta da verdade material (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2012, proc.6011/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; Pedro Vidal Matos, O Princípio Inquisitório no Procedimento Tributário, Coimbra Editora, 2010, pág.45 e seg.).
O princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à actividade da Administração Tributária (artº.266, nº.1, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.) e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actividade (artº.266, nº.2, da C.R.P., e artº.55, da L.G.T.). Este dever de imparcialidade, reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja prova seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Concluindo, este princípio, obriga a administração tributária a realizar todas as diligências que se afigurem necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material. Quer isto dizer, que todas as diligências devem ser efectuadas ainda que as mesmas não tenham sido requeridas, não dependendo por isso de um qualquer impulso procedimental do sujeito passivo (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/6/2015, proc.7452/14; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.487 e seg.; João Fernando Damião Caldeira, O Procedimento Tributário de Inspecção - Um contributo para a sua compreensão à luz dos Direitos Fundamentais, Universidade do Minho, 2011, pág.186 e seg.).
Por outro lado, o artº.63-B, nº.6, da L.G.T., apenas proíbe que os elementos de prova já obtidos através da derrogação do dever de sigilo bancário sejam utilizados para qualquer efeito em desfavor do contribuinte, quando este obtenha provimento no recurso que deduziu contra o despacho proferido pela entidade competente para o efeito e que o derrogara, e não, ao contrário, quando este não obteve tal provimento, como aconteceu no caso concreto. Nada existe na lei, especificamente nas normas de derrogação do sigilo bancário, a restringir esses elementos de prova, validamente obtidos, desde que possam ter relevo no apuramento da matéria colectável para exercícios seguintes, como no caso presente sucedeu, assim não podendo concluir-se, com o apelante, que não pode haver derrogação do dever de sigilo bancário, sem que haja procedimento inspectivo iniciado face a determinado ano fiscal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/11/2009, proc.3182/09).
Concluindo, a A. Fiscal agiu dentro dos parâmetros legais ao utilizar elementos de prova de que dispunha, consubstanciadores de factualidade relevante, apurada em resultado de procedimento de derrogação de sigilo bancário legal, por forma a corrigir a matéria colectável do recorrente e da esposa, especificamente quanto ao ano fiscal de 2003.
Abreviando razões, nega-se provimento ao último fundamento da apelação.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul ACORDAM EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 9 de Março de 2017



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)