Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:240/20.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/24/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRS
ADIANTAMENTO POR CONTA DE LUCROS
PRESUNÇÃO LEGAL
Sumário:I - De acordo com o disposto no art.º 6.º, n.º 4 do CIRS, “Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”.
II - A base de tal presunção é a lançamento escriturado pela sociedade em contas correntes de sócios e a seu favor, cuja causa jurídica não é conhecida e não resulta de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
III - Não demonstrando a AT o facto base da presunção de que se socorreu na sua actuação correctiva, a subsequente liquidação de imposto enferma de erro nos pressupostos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por S…, S.A., contra a liquidação adicional de IRS, relativa aos exercícios de 2013, 2014 e 2015, no valor de 150.593,24 euros, decorrente de correcções efectuadas pela Autoridade tributária na sequência de acção de inspecção.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
A. Vem o presente recurso reagir da douta sentença proferida em 2022-03-31, proferida no processo n.º 240/20.6BESNT, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por S..., S.A., com o NIPC 503..., contra as liquidações adicionais de IRS (retenções na fonte) dos anos de 2013, 2014 e 2015, no valor de € 150.593,24 (cento e cinquenta mil, quinhentos e noventa e três euros e vinte e quatro cêntimos), acrescidas de juros compensatórios no valor de € 32.677,89 (trinta e dois mil, seiscentos e setenta e sete euros e oitenta e nove cêntimos).

B. A douta sentença recorrida concluiu que ocorreu vício de falta de fundamentação substancial da liquidação porquanto “Ao optar por um raciocínio precipitado e assente em ilações e conclusões, a AT comprometeu a tributação destes valores, porquanto emitiu liquidações ilegais e que não podem persistir na ordem jurídica”, cf. fls. 25 da douta sentença recorrida.

C. No presente recurso, pretende-se que seja apreciado o erro de julgamento de direito incorrido pela douta sentença ao concluir que as liquidações controvertidas padecem de vício de falta de fundamentação substancial.

D. Relativamente aos factos provados nos presentes autos, considerou a douta sentença recorrida que “Pese embora nos presentes autos não tenha sido produzida prova directa da efectivação daqueles pagamentos, atenta a sua decomposição detalhada nos quadros constantes do ponto 2.3.2.13.9 do RIT, e o reconhecimento pela Impugnante de que, efectivamente, estes pagamentos existiram (conforme consignado na motivação da matéria de facto, invocando as declarações de parte de R…), não se afigura controvertida a realização daqueles pagamentos nos termos descritos nos quadros mencionados.” (Sublinhado nosso), cf. fls. 22 e 23.

E. Resultava, já, da motivação dos factos não provados que “Após instrução dos autos, confrontada a factualidade alegada com a factualidade assente, selecionada a matéria que se afigura relevante para a apreciação de mérito, verifica-se que não ficou provado que os serviços prestados, adquiridos pela Impugnante à sociedade T…, correspondem a serviços de construção civil realizados no centro de inspecção localizada na Estrada de St.° Eloy A-da-Beja, como alegado no artigo 24º da pi.
A Impugnante não logrou fazer prova da proveniência ou justificação para o pagamento dos montantes descritos no RIT, efetuado pelos sócios da T… aos seus acionistas e administradores.” (sublinhado nosso), cf. fls. 16 da douta sentença recorrida.

F. Mais resulta do relatório inspetivo que os serviços faturados pela T… foram pagos pela Recorrida, mediante transferência bancária para a conta CCAM n.º 120...da titularidade da T…, cf. facto provado constante em F) a fls. 7 da douta sentença recorrida.

G. Apuraram os SIT que nos dias 2013-08-21 e 2013-12-11, a Recorrida pagou o valor total de € 301.350,00 (trezentos e um mil, trezentos e cinquenta euros) à T…, tendo a T…, nos dias 2013-08-21 e 2013-12-16, efetuado pagamentos no valor total de € 245.000,00 (duzentos e quarenta e cinco mil euros) aos acionistas da Recorrida, os Senhores R… e S… e respetiva família, mediante cheques depositados nas respetivas contas bancárias, identificando os n.ºs dos cheques e as contas bancárias onde os cheques foram depositados, cf. facto provado constante em F) a fls. 8 da douta sentença recorrida.

H. Apuraram os SIT que, nos dias 2014-04-08, 2014-11-13 e 2014-11-14, a Recorrida pagou o valor total de € 271.215,00 (duzentos e setenta e um mil, duzentos e quinze euros) à T…, tendo a T…, nos dias 2014-03-21, 2014-04-10, 2014-05-23, 2014-11-17 e 2014-11-18, efetuado pagamentos no valor total de € 217.833,00 (duzentos e dezassete mil, oitocentos e trinta e três euros) aos acionistas da Recorrida, os Senhores R… e S..… e respetiva família, mediante cheques depositados nas respetivas contas bancárias, identificando os n.ºs dos cheques e as contas bancárias onde os cheques foram depositados, cf. facto provado constante em F) a fls. 8 da douta sentença recorrida.

I. Ainda, apuraram os SIT que nos dias 2015-06-03 e 2015-06-04, a Recorrida pagou o valor total de € 184.500,00 (cento e oitenta e quatro mil e quinhentos euros) à T…, que, nos dias 2015-06-05 e 2015-06-09, efetuou pagamentos no valor total de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), mediante cheques depositados nas respetivas contas bancárias, identificando os n.ºs dos cheques e as contas bancárias onde os cheques foram depositados, cf. facto provado constante em F) a fls. 8 da douta sentença recorrida.

J. Os pagamentos efetuados pela Recorrida à T…, mediante a cobertura dos serviços faturados pela T…, serviram dois propósitos: pagamentos de serviços à fornecedora e pagamentos aos seus acionistas e respetivas famílias.

K. Considerando que a descapitalização da Recorrida não é do interesse da própria, as decisões tomadas pelos seus administradores no sentido de promover a transferência da liquidez da Recorrida para os seus acionistas (também administradores da Recorrida) e família, por interposta pessoa (a T…), são tomadas no interesse dos próprios acionistas, beneficiários indiretos do valor total de € 537.833,00 (quinhentos e trinta e sete mil, oitocentos e trinta e três euros), entre os exercícios de 2013 a 2015.

L. As transferências feitas pela Recorrida aos Senhores R… e S… e respetiva família, por interposição da T…, ocorreram para os beneficiar enquanto acionistas da Recorrida.

M. Em sede de procedimento inspetivo, incluindo em sede de exercício do direito de audição prévia, não foi possível apurar nenhuma outra razão, causa ou motivação que justificasse os pagamentos efetuados pela Recorrida aos seus acionistas.

N. Também em sede de inquirição de testemunhas, não foi possível apurar qualquer outra razão, causa ou motivação para os pagamentos efetuados pela Recorrida aos seus acionistas.

O. A razão de ser dos pagamentos realizados pela Recorrida aos seus acionistas é a mesma da generalidade dos pagamentos feitos pelas sociedades aos seus sócios: remunerar o acionista pelo seu investimento, o que sucedeu na proporção da respetiva participação no capital social da Recorrida: 50% (cinquenta por cento) para o Senhor R… e de 50% (cinquenta por cento) para o Senhor S… e família, cf. facto provado constante em F) a fls. 12 da douta sentença recorrida.

P. Perante estes factos, entenderam os SIT que “o que em substância aconteceu foi a transferência para a esfera patrimonial dos acionistas/administradores da S.. de valores que eram propriedade desta e, assim sendo, estamos verdadeiramente na presença de lançamentos da S… a favor dos seus acionistas/administradores.
Como, no momento inicial, foi a realização de negócios simulados pelos acionistas/administradores da S… que lhes permitiu fazer coisa sua, valores que eram daquela, ainda que em momento posterior alguns valores tenham sido entregues a seus familiares diretos (filhos, irmãos e pai de acionista) serão sempre verdadeiros lançamentos a favor dos acionistas/administradores.” (sublinhado nosso), pelo que, ao abrigo das normas constantes do n.º 4 do artigo 6.º, da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º todos do Código do IRS, propuseram os SIT a liquidação da retenção na fonte devida pelos pagamentos efetuados pela Recorrida aos acionistas, cf. facto provado constante em F) a fls. 10 a 12 da douta sentença recorrida.

Q. Deste enquadramento jurídico-tributário, discorda a douta sentença recorrida, afirmando que “Assim, o primeiro pilar em que assenta a tese da AT que conduz à liquidação impugnada é a presunção prevista no artigo 6º n.º 4 do Código do IRS.
Ora, segundo a definição contida no artigo 349º do Código Civil:
“Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.
Como refere o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), em acórdão proferido em 11-01-2007, no processo n.º 00270/06.0BEMDL:
“As presunções pressupõem a existência de um facto conhecido, cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita pelos meios probatórios gerais; assim, provado esse facto, intervém a Lei (no caso de presunções legais) ou o julgador (no caso de presunções judiciais) a concluir dele a existência de outro facto (presumido), servindo-se o julgador, para esse fim, de regras deduzidas da experiência da vida”.
Como vimos, a presunção em análise determina que os “lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais (…), presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”, porém, como a própria AT reconhece (no artigo 164º da sua contestação), não existem quaisquer registos contabilísticos a favor dos accionistas.
Pese embora, no RIT se refira que “nos anos de 2013,2014 e 2015, a S… efetuou lançamentos a favor dos sócios (neste caso acionistas) e entregou-lhes os montantes respetivos”, a AT não fez prova da existência de tais lançamentos, nem tão pouco alega a sua existência.
Pelo contrário, como referimos, na contestação assume a sua inexistência, e do RIT resulta que tais “lançamentos” resultam igualmente de uma ilação dos serviços de inspeção, que no ponto III.3, sublinham que “o que em substância aconteceu foi a transferência para a esfera patrimonial dos acionistas/administradores da S... de valores que eram propriedade desta e, assim sendo, estamos verdadeiramente na presença de lançamentos da S... a favor dos seus acionistas/administradores”.
Aqui chegados, haverá que concluir que a AT pretendeu fazer operar uma presunção legal a partir de um facto presumido por “intuição”.
E tal não pode aceitar-se, porquanto justamente por se tratar de uma presunção legal, tem de assentar na verificação não controvertida do facto previsto na lei.
(…)
Ora, sendo incontestável que os valores recebidos pelos accionistas da Impugnante constituem acréscimos ou incrementos patrimoniais que carecem de ser justificados e enquadrados para efeitos de tributação,
Afigura-se que os serviços de inspecção tributária negligenciaram a instrução e subsunção jurídico-tributária destes factos, optando por uma solução que não se afigura conforme com a lei, quando tinham ao seu dispor meios próprios para aferir da justificação dos valores recebidos (ou da falta dela, como parece resultar das declarações de parte acima mencionadas), e proceder à sua tributação em conformidade.
Com efeito, ainda que a coincidência no tempo e a proximidade dos valores, evidenciada pela AT na tabela que acima reproduzimos, permitam fundamentar as dúvidas suscitadas pela AT, e indiciar que tais operações visavam uma transferência de fundos da sociedade para os sócios de forma ilícita e subtraída à tributação, tais indícios não permitem, por si só e sem mais, a tributação de tais valores.
Antes se impunha à AT adoptar os procedimentos legais ao seu dispor para o efeito, designadamente para aferir da existência de acréscimos patrimoniais não justificados na esfera patrimonial dos beneficiários de tais pagamentos.
Ao optar por um raciocínio precipitado e assente em ilações e conclusões, a AT comprometeu a tributação destes valores, porquanto emitiu liquidações ilegais e que não podem persistir na ordem jurídica.” (sublinhado nosso), cf. fls. 23 a 25 da douta sentença recorrida.

R. Resulta provado – com efeito, a própria sentença recorrida o diz – que a Recorrida efetuou os pagamentos aos seus acionistas por intermédio da T… . sendo dado por assente que os acionistas da Recorrida receberam os valores de € 537.833,00 (quinhentos e trinta e sete mil, oitocentos e trinta e três euros), entre os exercícios de 2013 a 2015, na proporção de 50% (cinquenta por cento) cada um.

S. A origem do valor total de € 537.833,00 (quinhentos e trinta e sete mil, oitocentos e trinta e três euros) são os fundos da Recorrida. Este facto também não é controvertido.

T. Na realidade, os SIT seguiram o rasto dos fundos, conseguindo relacionar as transferências realizadas para a conta CCAM n.° 120...da titularidade da T..., com os cheques emitidos pela T... a favor dos acionistas da Recorrida e família, identificando o n.º de cheque, o valor do cheque, a data de emissão e a conta em que o mesmo foi depositado, identificando o concreto beneficiário do cheque, cf. facto provado constante em F) a fls. 8 da douta sentença recorrida.

U. As liquidações de imposto ora controvertidas não foram emitidas com base em “intuição” como refere a douta sentença recorrida, foram emitidas com base em factos, cumprindo com o respetivo dever de fundamentação (formal e substancial).

V. Os pagamentos decorrentes das participações sociais, efetuados pelas sociedades aos sócios, constituem rendimentos de capital para efeitos de IRS.

W. Nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS, toda a vantagem económica proveniente de valores mobiliários constitui rendimento de capitais para efeitos de IRS.

X. Concretiza a alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do Código do IRS que os frutos e vantagens económicas incluem, “os lucros e reservas colocados à disposição dos associados ou titulares e adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º”.
Y. Socorre-se a douta sentença recorrida da norma citada pelos RIT, constante do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS, a saber, “Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros.”, designadamente de ter sido admitido nos presentes autos a inexistência dos registos contabilísticos a favor dos sócios para desaplicar a presunção e anular as liquidações de imposto, mas, cremos, sem razão.

Z. A norma de incidência constante do n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS permanece preenchida: os acionistas da Recorrida receberam pagamentos desta, na qualidade de titulares de participações sociais no capital social da Recorrida.

AA. Por isso, os pagamentos efetuados pela Recorrida aos seus sócios, continuam sujeitos a retenção na fonte, à taxa liberatória de 28% (vinte e oito por cento), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRS, “Os rendimentos de capitais obtidos em território português, por residente ou não residentes, pagos por ou através de entidades que aqui tenha sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento e que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada.”.

BB. Através do recurso a uma terceira pessoa (a T...), procurou a Recorrida afastar a tributação incidente sobre os pagamentos efetuados aos acionistas.

CC. Recordamos que, para preencher a norma constante do n.º 1 do artigo 5.º do Código do IRS, basta a existência de uma vantagem económica proveniente de valores mobiliários.

DD. Neste sentido, afirmou-se no acórdão proferido por este Douto Tribunal no processo n.º 3410/09, de 2012-12-20 que “(…) 4. A definição de “rendimentos de capitais”, implantada, pela L. 30 -G/2000 de 29.12., no art. 5.º n.º 1 CIRS, traduz e incorpora uma regra de incidência tão ampla, distendida, que é capaz de englobar qualquer situação, envolvente de valores mobiliários, que não seja tributada noutra das categorias, em que opera o IRS.
5. Além de outros, são susceptíveis de integrar a versada previsão legal, “vantagens económicas”, independentemente da natureza ou denominação, pecuniárias ou em espécie, provenientes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, bem como, da respectiva modificação, transmissão ou cessação; atente-se que nas diversas alíneas do seu n.º 2 são fornecidos exemplos das “vantagens económicas” mais frequentes, comuns.
6. Esta grande amplitude apresenta-se-nos legitimante da tributação, em cédula de IRS, categoria E, de um rendimento cuja existência e titularidade não merecem discussão, só sendo inviável apontar a concreta fonte do mesmo, em resultado das particularidades, que envolvem a situação tributária do impugnante marido, longamente, descritas no relatório da inspeção tributária e atos procedimentais conexos.” (sublinhado nosso), disponível em www.dgsi.pt.

EE. Ainda este Douto Tribunal em acórdão proferido no processo n.º 2476/08, em 2009-01-27, “1. Os proveitos recebidos pelo gerente da sociedade por mor da execução de um contrato de empreitada entre a mesma sociedade e um terceiro, constitui um proveito desta e do exercício, que deve ser relevado na sua contabilidade e englobado na determinação do lucro tributável apurado;
2. Tendo tal montante de proveito sido directamente depositado na conta bancária pessoal desse gerente, que o não fez relevar na sociedade, tem de se entender que o foi a título de adiantamento por conta de lucros, e constitui o mesmo um rendimento deste, a tributar em sede de IRS, categoria E, como rendimento de capitais, de englobamento obrigatório no rendimento colectável; (…)” (sublinhado nosso), disponível em www.dgsi.pt.

FF. Nestes termos, afigura-se que, ao concluir que as liquidações controvertidas padecem de vício de falta de fundamentação substancial, quando a existência do facto tributário está devidamente demonstrada, incorreu a douta sentença recorrida em erro de julgamento de direito.

GG. Não pode a RFP deixar de salientar perante este Douto Tribunal Superior que a manutenção de jurisprudência no sentido propugnado pelo Tribunal a quo tem como efeito a promoção da descapitalização das sociedades a favor dos seus sócios, com custo fiscal zero.

HH. Na realidade, se bem interpretamos a douta sentença recorrida, caso a Recorrida tivesse inscrito na sua contabilidade os pagamentos efetuados aos acionistas, os pagamentos realizados aos acionistas seriam definitivamente sujeitos a IRS e, [acrescenta a RFP], definitivamente sujeitos a retenção na fonte, pelo que é premiada por omitir a inscrição na conta corrente dos sócios dos lançamentos a seu favor.

II. Muito respeitosamente, permitir que alguém beneficie do seu wrongdoing não é uma solução conforme ao ordenamento jurídico português.

JJ. Em face de todo o supra exposto, padecendo a douta sentença recorrida de erro de julgamento de Direito por determinar que as liquidações controvertidas padecem de vício de falta de fundamentação substancial, não pode a mesma subsistir no ordenamento jurídico.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença recorrida e, em conformidade, seja substituída por acórdão que julgue improcedente os presentes autos de impugnação judicial, como é de Direito e de Justiça.
».

A Recorrida apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
I. No âmbito das alegações de recurso apresentadas pela AT, aqui Recorrente, começa a mesma por apresentar a factualidade subjacente à posição por si preconizada.

II. Mais concretamente, entende a mesma não poder acompanhar o entendimento do Tribunal a quo uma vez que, no seu entender, se encontra provado que a Recorrida efetuou pagamentos à T..., mediante a cobertura dos serviços faturados por essa última, com o objetivo de realizar pagamentos aos seus acionistas, através da mesma.

III. Nesse sentido, entende a AT que ao contrário do alegado pelo Tribunal a quo, muito embora não seja de aplicar a presunção estabelecida no n.° 4 do artigo 6.° do Código do IRS - por não existirem quaisquer lançamentos nas contas correntes dos sócios -, sempre se encontraria preenchida a norma de incidência do n.° 1 do artigo 5.° do mesmo compêndio legal e, dessa forma, permaneceria a conclusão de que estamos perante rendimentos sujeitos a retenção na fonte, à taxa liberatória de 28%, nos termos do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 71.° do Código do IRS.

IV. Não obstante, no que concerne a aplicabilidade da presunção estabelecida no n.° 4 do artigo 6.° do Código do IRS, entende a AT que “a manutenção da jurisprudência no sentido propugnado pelo Tribunal a quo tem como efeito a promoção da descapitalização das sociedades a favor dos seus sócios, com custo fiscal zero".

V. Não pode a Recorrida, de alguma forma, concordar com o entendimento preconizado pela AT, desde logo porque baseado numa factualidade falsa, sob a qual é, também, realizada uma interpretação jurídica incorreta.

VI. A AT limitou-se a presumir factos - não provados e inverídicos — e daí, da fantasia por si criada, extrapolou conclusões, que culminaram nos atos de liquidação objeto da sentença recorrida.

VII. Ora, é verdade que a aqui Recorrida não contesta a existência desses pagamentos pela T... aos seus acionistas mas contesta sim que tenha sido a mesma a realizá-los, através dessa entidade terceira.

VIII. Tais transferências de dinheiro têm diferente racionalidade económica, já que existiam outros negócios, que não envolviam a Recorrida, a decorrer entre os acionistas desta e os sócios da T....

IX. Os valores entre esses pagamentos e os pagamentos realizados pela Recorrida à T... não são sequer iguais.

X. Ou seja, a AT limitou-se a alegar - de forma errónea, como se demonstrou - e a presumir factos que não logrou provar, mesmo quando sobre si impedia o ónus da prova.

XI. Como é consabido, a retenção na fonte é um mecanismo de substituição tributária, previsto no sistema fiscal português, que permite a arrecadação de impostos diretamente sobre certos tipos de rendimentos, servindo como uma antecipação do imposto sobre o rendimento da pessoa singular, que será calculado a final.
XII. Decorre do artigo 98.°, n.° 1 do Código do IRS que a retenção na fonte é feita pela entidade devedora/pagadora ou outra similar, ou seja, por quem recebeu o bem ou serviço e que pagou o preço desse produto ou serviço.

XIII. In casu, e conforme amplamente demonstrado, a entidade “pagadora” das importâncias não foi a Recorrida, uma vez que os montantes alegadamente pagos o foram por terceiros.

XIV. Ora, por forma a tentar justificar esta obrigação de tributação vem a AT defender que, independentemente da presunção estabelecida no n.° 4 do artigo 6.° do Código do IRS não se encontrar preenchida, sempre permaneceria preenchido n.° 1 do artigo 5.° do mesmo compêndio legal, o que permitira a referida tributação.

XV. Não obstante, essa mesma norma nunca poderia ser aplicável ao caso em concreto.

XVI. O direito a lucros numa sociedade depende da vontade dos sócios/acionistas e decorre de uma deliberação dos mesmos em assembleia geral e constante de ata, o que não aconteceu.

XVII. Não tiveram lugar quaisquer deliberações sociais nesse sentido, facto que teria de obedecer ao cumprimento dos formalismos previstos nos artigos 246.° e 376.° do Código Sociedades Comerciais (“CSC”).

XVIII. Não foi assim que a AT entendeu, fundamentando o seu procedimento na alínea h) do n° 2 do art.° 5 do CIRS.

XIX. Tal disposição legal não consagra qualquer presunção de distribuição efetiva de lucros da sociedade pelos sócios.

XX. A AT não pode confundir a presunção de distribuição de lucros com os pressupostos legais de incidência a que a distribuição efetiva de lucros está sujeita, por força daquela supra citada norma.

XXI. A distribuição de lucros pelos sócios de uma sociedade depende da vontade dos sócios reunidos em assembleia geral e não de vontades externas à sociedade, o que decorre das normas do CSC, designadamente da alínea e) do n° 1 do artigo 246.° e da alínea b) do n° 1 do artigo 376.°.

XXII. A AT não pode presumir arbitrariamente que houve distribuição de lucros pelos acionistas da ora Recorrida, pois tal presunção teria de estar consagrada e ínsita na disposição legal invocada - artigo 5.° do Código do IRS o que não acontece por mais extensiva que façamos a sua interpretação, quer gramatical, quer do espírito do legislador.

XXIII. Ademais e muito embora a AT pretenda com esta argumentação solucionar a inaplicabilidade da presunção estabelecida no n.° 4 do artigo 6.° do Código do IRS.

XXIV. A verdade é que a aplicação da alínea h) do n.° 2 do artigo 5.° desse mesmo Código está, em tudo, relacionada com essa mesma presunção.

XXV. E, conforme decidido pelo Tribunal a quo “(...) a presunção em análise determina que os “lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comercias (...), presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”, porém, como a própria AT reconhece (...) não existem quaisquer registos contabilísticos a favor dos acionistas. (...) Pelo contrário, como referimos, na contestação assume a sua inexistência, e do RIT resulta que tais “lançamentos” resultam igualmente de uma ilação dos serviços de inspeção, que no ponto II 1.3, sublinham que “o que em substância aconteceu foi a transferência para a esfera patrimonial dos acionistas/administradores da S... de valores que eram propriedade desta e, assim sendo, estamos verdadeiramente na presença de lançamentos da S... a favor dos acionistas/administradores”.
Aqui chegados, haverá que concluir que a AT pretendeu fazer operar uma presunção legal a partir de um facto presumido por “intuição”.
E que tal não pode aceitar-se, porquanto justamente por se tratar de uma presunção legal, tem de assentar na verificação não controvertida do facto previsto na lei'.

XXVI . Por tudo o exposto entende a aqui Recorrida que não deve o presente recurso proceder pois fundado em razões de facto falsas e interpretações jurídicas incorretas.

XXVII . Sem embargo e supondo, sem nunca conceder, que a Recorrida distribuiu lucros aos seus acionistas de forma indevida, e que tal distribuição estaria sujeita a retenção na fonte, que não foi feita, tal omissão da parte da Recorrida deveria implicar apenas a aplicação de juros compensatórios, tendo em conta o lapso temporal em que a obrigação não foi cumprida.

XXVIII. Como ensina o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26/11/2022, processo n.° 6685/02, “aquele que estava obrigado a reter e a entregar nos Cofres do Estado o IRS incidente sobre rendimentos do trabalho (substituto) não fez essa retenção, apenas responde directamente pelos juros compensatórios resultantes desse incumprimento; pelo imposto devido responde originariamente o substituído - que é o titular dos rendimentos e, por isso, o sujeito passivo da obrigação de imposto - enquanto em relação ao substituto se verifica a responsabilidade fiscal, pelo que este apenas responde subsidiariamente, na falta de bens do devedor originário, pelas retenções que deixou de efectuar, ou seja, a sua responsabilidade só opera, só se torna efectiva, mediante o chamamento à execução fiscal (reversão), após a prévia excussão do património do devedor originário (cfr. art. 245.º do CPT). II.- Assim, à entidade patronal que não reteve o IRS devido por rendimentos do trabalho pagos aos seus trabalhadores, será efectuada a liquidação dos juros compensatórios calculados sobre o montante das retenções não efectuadas e que o deveriam ter sido, desde o termo legalmente previsto para a sua entrega até ao termo do prazo para apresentação da declaração de rendimentos pêlos respectivos titulares, ou até à regularização da situação, se anterior' (negrito da nossa Autoria).

XXIX. A contrario, se admitirmos que a sociedade Recorrida pode ser responsável por suportar o imposto que deveria ter retido, estaremos a onerar os cofres desta, em detrimento daquele que recebeu o rendimento, a não ser que se admitisse uma dupla tributação sobre tais rendimentos, o que também não encontra razão normativa.

XXX . Pelo que se deve concluir que, caso tivesse ocorrido uma distribuição de lucros encapotada e não tributada, o que se rejeita em absoluto, a AT deveria ter instaurado um procedimento contra os acionistas que beneficiaram dessa distribuição de lucros não tributada, e não contra a Recorrida.

XXXI . Por último, discordamos da posição da AT, que considera ser aplicável, a estes hipotéticos rendimentos, a taxa liberatória de 28%, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 71.° do Código do IRS.
XXXII. A taxa liberatória diferencia-se das demais taxas de IRS por ser uma tributação a título definitivo no exato momento em que os rendimentos são disponibilizados, sendo, por isso, alvo de imposto definitivo ab initio, o que provoca uma dispensa da sua declaração em sede de Modelo 3 de IRS.

XXXIII. Não obstante, no caso em análise, e sendo os acionistas residentes fiscais em Portugal, a opção pelo englobamento destes supostos rendimentos - quer eles tivessem sido tributados à taxa liberatória de 28%, por intermédio do mecanismo da retenção na fonte, quer não tivessem sido - sempre seria possível.

XXXIV . Assim, colocando a hipótese - meramente hipotética e que não se concede - de assistir razão à AT, ou seja, que estamos perante um rendimento, distribuído aos acionistas, que deve ser tributado em sede de IRS, tal tributação teria, forçosamente, que ocorrer na esfera jurídica dos acionistas e não da ora Recorrida.

XXXV. Em conclusão e por todos os motivos supra expostos, o recurso aqui apresentado pela AT revela-se, com o devido respeito, algo prolixo, numa tentativa em mascarar os erros que foram cometidos contra a Recorrida ao longo do processo em crise.

XXXVI. Assim, é forçoso concluir que deverá o presente recurso ser julgado improcedente por não provado, sendo, por conseguinte confirmada a sentença recorrida.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, COM OS FUNDAMENTOS EXPOSTOS, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE POR NÃO PROVADO, SENDO, POR CONSEGUINTE CONFIRMADA A SENTENÇA RECORRIDA, FAZENDO V. EXAS. A TÃO ACOSTUMADA,
JUSTIÇA!
».



A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer concluindo ser de negar provimento ao recurso mantendo-se o decidido in totum.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões do recurso, a questão central a decidir reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir não estarem reunidos os pressupostos de que depende a aplicação da presunção estabelecida no n.º 4 do art.º 6.º do Código do IRS.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
«
Factos Provados
Compulsados os autos e analisados os documentos juntos aos autos, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:

A) A Sociedade, S...s, Lda., com o NIF 503…., foi constituída em 1994, tendo como sócios e gerentes, V… e R…. - cf. Certidão Permanente referente à sociedade com o NIF 503…. AP. 63/… Insc.1, a fls.202 do PAT apenso

B) Em 2007, foi registada a transformação da sociedade Impugnante, em sociedade anónima, tendo como acionistas, V…, R…, J…, M…e E…, e como administradores, V…e R…. - cf. Certidão Permanente referente à sociedade com o NIF 503….AP. 116/…., de fls. 203 a 205 do PAT apenso

C) Para o biénio 2012/2013, foram nomeados administradores da Impugnante, R… e S... - cf. Certidão Permanente referente à sociedade com o NIF 503…. AP. 2/2012…, a fls. 206 e 207 do PAT apenso

D) Para o quadriénio 2013/2016, foram nomeados administradores da Impugnante, Rui …e S…. - cf. Certidão Permanente referente à sociedade com o NIF 503…
AP. 6/2013…, a fls. 207 e 208 do PAT apenso

E) Em 7 de Novembro de 2017, R…, administrador da Impugnante, informou a AT, além do mais, do seguinte:

Conheci a firma T... através do seu sócio Sr. C…, pessoa que conheço desde os anos 80, por via das funções por ele desempenhadas em várias empresas com as quais mantive relações profissionais, sendo que mantivemos sempre um contacto próximo mas estritamente profissional. Mais esclareço que o Sr. C… não é meu familiar nem tem relações familiares com qualquer dos sócios e/ou administradores desta empresa”. – cf. carta que integra os anexos ao RIT, a fls. 115 do PAT apenso

F) Em 14 de Outubro de 2019, foi elaborado o RIT, referente à inspeção tributária realizada aos exercícios 2013, 2014 e 2015 da Impugnante, ao abrigo das OI201600905, 201602336 e 201704505, onde, além do mais, se apurou imposto em falta, referente a retenções de IRS na fonte e determinou a respetiva correção, e de cujo teor se extrai:

DESPACHO DA CHEFE DE DIVISÃO
Concordo com o parecer do Chefe de Equipa, e com o relatório da acção inspectiva, em anexo. ()
Desta forma, com os fundamentos referenciados, determino que se proceda à alteração do resultado fiscal declarado, nos termos propostos, para os anos de 2013, 2014 e 2015.
Ainda, nos anos de 2013, 2014 e 2015, em sede de IRS (retenção na fonte), conforme fundamentos constantes do relatório e parecer do Chefe de Equipa, encontram-se, também, verificados os pressupostos legais e de facto para se proceder às correções técnicas propostas, nos termos dos artigos 98° e 10do código do IRS, bem como dos artigos 81º e 84º da LGT nos montantes propostos. ()



II OBJETIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA AÇÃO INSPETIVA
2. 1 Credencial e período em que decorreu a ação
O presente exame teve por base as Ordens de Serviço nºs 01201600905, 01201602336 e 01201704505, com datas de 09-03-2016, 23-05-2016 e 19-09-2017, sendo sujeito passivo S..., NIPC: 503…, com sede em RUA DE …., AMADORA, 2700 - … AMADORA, e serviço de finanças 3131 - AMADORA- 1., tendo os atas de inspeção sido iniciados em 19-12-2016 e 17-10-2017, as duas primeiras e a terceira respetivamente, e findos em 14-10-2019.
A comunicação prévia do inicio do procedimento inspetivo, prevista na alínea I) do 3 do art° 59 da LGT e no art° 49 do RCPITA, foi efetuada pelos ofícios nºs 38447 e 35027 de 06-09-2016 e 26-09-2017, respetivamente.
A ação foi objeto de dupla prorrogação de prazo, nos termos do art° 36° do RCPITA.
Releva-se que o prazo do direito à liquidação dos impostos que resultam das irregularidades detetadas,
encontra-se alargado pelo disposto no 5 do art° 45° da LGT.
2.2 Motivo, âmbito e incidência temporal
A ação inspetiva, foi desencadeada para efeitos de análise das operações constantes das faturas que lhe foram emitidas pelo fornecedor T... - SOC. REP. ASSIST. TÉCNICA, LDA, NIPC: 510….
A ação é de âmbito GERAL-POLIVALENTE, e respeita ao exercício de 2014,2013 e 2015.
A 01201600905, que se refere ao exercício de 2014, foi objeto de alteração para GERAL, facto comunicado ao sujeito passivo aos 10/10/2017. ()

2.3.2.12 ANÁLISE AOS GASTOS
2.3.2.13 GASTOS de conservação e reparação
2.3.2.13.1 Faturação do Fornecedor T... - SOC. REP. ASSIST. TÉCNICA, LDA
Como referido anteriormente, a presente Acão inspetiva resultou do facto da S... SA ter declarado aquisições de serviços ao fornecedor T..., em montantes significativos e, não ser conhecida estrutura operacional a este operador para produzir/prestar tais serviços.
 T... - SOC. REP. ASSIST. TÉCNICA, LDA, foi, também, objeto de procedimentos inspetivos no âmbito dos quais se verificou que os serviços formalmente prestados à S... tinham-lhe sido fornecidos pelas empresas: ()
- Como características comuns a estes fornecedores sabe-se o seguinte:
- o contribuintes em situação de incumprimento fiscal estrutural.
-Não dispõem de qualquer estrutura operacional conhecida.
-Os gerentes formais são pessoas de diversas nacionalidades que não foi possível localizar.
-Nos locais indicados como sede não foi possível contactar ninguém que tivesse alguma ligação com eles.
- A relação destes fornecedores da T... com esta, foi-se sucedendo no tempo em consequência da respetiva cessação oficiosa ou da existência de procedimento inspetivo.
- As faturas por eles emitidas não foram processadas por programa certificado e, em geral, não respeitam na integra, quer o disposto no artigo 36° do CIVA (nomeadamente a insuficiência de informação que permita o controlo e/ou verificação, quantificação e/ou valorização da obra efetivamente realizada), quer o disposto nos nºs 3 e 4 do artº 23º do CIRC.
- A T..., formalmente, pagou-lhes sempre a dinheiro,
Os serviços que alegadamente a S... SA adquiriu à T... LDA, correspondem genericamente a serviços de construção civil realizadas no centro de inspeção localizado na Estrada de … em A… e foram titulados pelas faturas seguidamente identificadas: ()
De acordo com a contabilidade da T..., verificada em procedimento inspetivo, os serviços que forneceu à S..., conforme referido, foram-lhe fornecidos pelos operadores: B…, C…, T…, T… e foram titulados pelas faturas seguintes: ()
Como nota refere-se que o descritivo das referidas faturas da T… para a S..., é genérico e, por isso, não respeitam o estipulado no artigo 36° do CIVA, nº 5, aI. b) nem no art° 23°, nº 4, aI. c) do CIRC. ()
As aquisições da S... SA aos fornecedores atrás referidos, tendo em consideração o descritivo das faturas, indicam manifestamente tratar-se dos normais gastos de manutenção e conservação das instalações (centro de inspeção), pelo que se coloca em duvida a necessidade dos serviços da T... LDA.
2.3.2.13.9 Conclusão sobre as aquisições à T... LDA
Tendo em conta os factos descritos sobre as aquisições da S... SA à T… LDA levantam-se duvidas sobre a respetiva veracidade considerando que:
- Por um lado nem a T... nem os seus alegados fornecedores dispunham de capacidade operacional para prestar aqueles serviços.
- Por outro lado, não existem factos que justifiquem porque razão os gastos de manutenção do centro de inspeções, construído em 2002/3, apenas dez anos depois, sejam muito superiores ao respetivo custo de construção.
-Sendo certo que ao longo destes anos, são faturadas despesas de remodelação e manutenção do edifício, de valores reduzidos, mas que se revelam adequados à idade e situação do prédio, contrariamente aos valores faturados pela entidade T... LDA.
Para se esclarecerem as dúvidas sobre a veracidade destas operações procedeu-se à analise dos movimentos financeiros que lhes estavam associados tendo-se verificado o seguinte:
a) Para pagar os serviços que formalmente adquiriu à T... a S... efetuou as transferências bancarias, identificadas no quadro adiante reproduzido, que se destinaram à conta CCAM 120...da referida T....
b) A partir da análise das saídas da conta referida foi possível verificar que, em grande parte, os valores que saíram da S... para alegadamente pagar os fornecimentos da T... acabaram por ser entregues/devolvidos pelos sócios/gerentes desta aos acionistas/administradores da S..., conforme seguidamente se demonstra:


1) Cheque entregue a E…e irmã do acionista S….
2) Conta de S…, filho de V… e Administrador (de direito) da sociedade.

Nota
BES (Banco Espirito Santo); BCP (Banco Comercial Português); BPS (Banque Privee Suisse); MG (Montepio Geral)
Conclui-se, face ao anteriormente descrito, que terminaram em posse dos responsáveis da S... SA, ou seus familiares, os seguintes valores que a empresa inicialmente havia transferido para o alegado fornecedor T…LDA:


Os movimentos financeiros associados às operações de aquisição/prestação de serviços T… - S... permitem concluir o seguinte:
a) As importâncias que alegadamente deveriam destinar-se ao pagamento dos serviços supostamente
prestados/produzidos pelos fornecedores da T... e por esta refaturados à S... não tiveram como destino o pagamento dos referidos serviços faturados, mas sim, em grande parte, os acionistas da S... e, em menor parte a T… e os seus sócios/gerentes.
b) Os fornecedores diretos da T... e indiretos da S... nada receberam em contrapartida dos alegados fornecimentos de serviços.
c) Conjugando o facto dos alegados fornecedores, diretos da T... e indiretos da S..., não disporem de qualquer estrutura operacional, com os movimentos financeiros que lhes estão associados, resulta evidente que as alegadas aquisições de serviços da S... à T… correspondem a negócios simulados.
d) Sob a capa dos referidos negócios simulados, o que em substância aconteceu foi a transferência para a esfera patrimonial dos acionistas/administradores da S... de valores que eram propriedade desta.
e) Na esfera da S... a contabilização de faturas relativas a negócios simulados permitiu-lhe a redução significativa da matéria coletável em IRC e o correspondente imposto a pagar e ainda, pela dedução indevida de IVA, a diminuição do IVA a entregar.
()

III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MAT. COLETÁVEL
()
III.3 IRS (falta RETENÇÃO NA FONTE)
Conforme devidamente detalhado em II, para pagar os serviços que formalmente adquiriu à T... a S... efetuou as transferências bancarias para a conta CCAM 120...da referida T....
A partir da análise das saídas de valores da conta referida foi possível verificar que, em grande parte, os montantes que saíram da S... para alegadamente pagar os fornecimentos da T... foram pelos sócios/gerentes desta devolvidos/entregues aos acionistas/administradores da S... conforme quadro seguinte:


Conforme os factos descritos em II demonstram as alegadas aquisições de serviços da S... à T… corresponderam a negócio simulado e, sob a capa dos referidos negócios simulados, o que em substância aconteceu foi a transferência para a esfera patrimonial dos acionistas/administradores da S... de valores que eram propriedade desta e, assim sendo, estamos verdadeiramente na presença de lançamentos da S... a favor dos seus acionistas/administradores.
Como, no momento inicial, foi a realização de negócios simulados pelos acionistas/administradores da S... que lhes permitiu fazer coisa sua, valores que eram daquela, ainda que em momento posterior alguns valores tenham sido entregues a seus familiares diretos (filhos, irmãos e pai de acionista) serão sempre verdadeiros lançamentos a favor dos acionistas/administradores.
Nos termos do nº 4 do Artigo 6.° do CIRS “Presunções relativas a rendimentos da categoria E, os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho que exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
Por outro lado, conforme determina a alínea h) do nº 2 do artigo do CIRS, os adiantamentos por conta de lucros constituem rendimentos da categoria E e são sujeitos a I RS por imposição do artigo 1 ° do referido CIRS.
Nos termos da aI. a) do nº 1 do Artigo 71.° “Taxas liberatórias” estão sujeitos a retenção na fonte a titulo definitivo, à taxa liberatória de 28 % (taxa em vigor para os exercícios em análise): Os rendimentos de capitais obtidos em território português, por residentes ou não residentes, pagos por ou através de entidades que aqui tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento e que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada;
Uma vez que, de facto, nos anos de 2013,2014 e 2015, a S... efetuou lançamentos a favor aos sócios (neste caso acionistas) e entregou-lhes os montantes respetivos estava obrigada a reter os valores seguintes:




Como, nos termos do 3 do artigo 98° do CIRS, os valores retidos são obrigatoriamente entregues até ao dia 20 do mês seguinte ao respetivo pagamento ou colocação à disposição, indicam-se de seguinte os valores correspondentes a cada mês e ano:





DETENTORES DO CAPITAL/HISTORIAL DA SOCIEDADE
Recorde-se que, conforme explicado no ponto 2.3.2., da análise do livro de ações da sociedade, é possível concluir que os acionistas nos períodos em análise eram:
Até maio de 2015-



()
IX. Direito de Audição
No ponto 35., a empresa vem contestar a obrigação de retenção na fonte, relativamente aos valores que segundo a mesma foram pagos pelos sócios da T... aos acionistas da S....

Invoca-se então, seguidamente que a S... não teve qualquer intervenção nestas operações.

Entendemos haver aqui lugar à distinção entre pessoas coletivas e pessoas físicas. Ou seja, a S... SA, sendo uma pessoa coletiva, unicamente pode agir ou intervir, segundo vontade e iniciativa dos seus responsáveis.
No presente caso estamos perante uma ação (sucessiva) dos responsáveis da empresa S... SA, que são simultaneamente, os detentores do capital da mesma.
Quem de facto agiu, foram os responsáveis da S... SA, não apenas limitando-se a receber valores provenientes dos sócios da T..., sem que para tal facto seja apresentada qualquer justificação.
Esta ação, como se refere no projeto de relatório, não é mais que a etapa final do circuito financeiro, dos valores que saíram da empresa com destino aos seus responsáveis e detentores do capital, mas que para contornar a obrigatoriedade de retenção na fonte a título de distribuição de lucros, foi deliberadamente dissimulada de pagamentos à T..., tendo então circulado da S... SA, para a T..., seguidamente de esta para os respetivos sócios, e finalmente destes para os responsáveis/detentores do capital da S... SA.- cf. RIT, cujo teor se por integralmente reproduzido, de fls. 159 a 198 do PAT apenso

G) Em 6 de Novembro de 2019, foi expedido o RIT, com 277 páginas, referente às OI201600905, 201602336 e 201704505, por correio registado dirigido ao Mandatário da Impugnante. – cf. Ofício n.º 00027129, de 06-11-19 e comprovativo de registo postal, a fls. 98 e 96 do PAT apenso

H) Em 19 de Novembro de 2019, foi emitida em nome da Impugnante uma “Demonstração de Liquidação das Retenções na Fonte de IR” e juros compensatórios, referente ao ano 2013, apurando o valor de € 84.877,58, nos seguintes termos:





- cf. Liquidação n.º 201964100000786, a fls. 15 73382 1

I) Em 19 de Novembro de 2019, foi emitida em nome da Impugnante uma “Demonstração de Liquidação das Retenções na Fonte de IR” e juros compensatórios, referente ao ano 2014 e juros compensatórios, apurando o valor de € 73.833,34, nos seguintes termos:




cf. Liquidação n.º 201964100000787, a fls. 15 verso 73382 1

J) Em 19 de Novembro de 2019, foi emitida em nome da Impugnante uma “Demonstração de Liquidação das Retenções na Fonte de IR”, referente ao ano 2015, e juros compensatórios, apurando o valor de € 24.560,21, nos seguintes termos:






- cf. Liquidação n.º 201964100000788, a fls. 16 73382 3

*

Factos Não Provados

Após instrução dos autos, confrontada a factualidade alegada com a factualidade assente, selecionada a matéria que se afigura relevante para a apreciação de mérito, verifica-se que não ficou provado que os serviços prestados, adquiridos pela Impugnante à sociedade T..., correspondem a serviços de construção civil realizados no centro de inspecção localizada na Estrada de …, como alegado no artigo 24º da pi.

A Impugnante não logrou fazer prova da proveniência ou justificação para o pagamento dos montantes descritos no RIT, efetuado pelos sócios da T... aos seus acionistas e administradores.

A demais matéria alegada não foi aqui considerada por ser conclusiva, de direito, constituir
considerações pessoais ou não relevar para a decisão da causa.

*
Motivação da matéria de facto

A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou da posição assumida pelas partes nos articulados, do exame dos documentos e das informações oficiais constantes dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, conforme indicado junto a cada facto.

O representante da Impugnante prestou declarações de parte e foram inquiridas as testemunhas arroladas, sendo todos familiares dos sócios, em concreto, J… e A…, filhas do accionista e administrador da Impugnante, R…, e A…, genro do acionista e administrador da Impugnante, V….

A produção de prova incidiu essencialmente na alegada realização das obras pela T..., não tendo logrado convencer o Tribunal que “os serviços prestados, adquiridos pela impugnante à sociedade T..., correspondem a serviços de construção civil realizados no centro de inspecção localizada na Estrada de ”, como se consignou no segmento de factos não provados.

Com efeito, não sendo controvertida a realização de obras no imóvel no período 2013 a 2015, apesar da insistência do Tribunal para descrição de tais obras, o declarante e as testemunhas não conseguiram descrever obras cuja dimensão e especialidade justificassem, face às regras da experiência e a valores corrente de mercado, o valor facturado pela T..., a acrescer ao valor das obras realizadas por outros prestadores de serviços que não são contestadas e não foram distinguidas pelas testemunhas.

Neste âmbito, o declarante e as testemunhas limitaram-se a referir a pintura anual das marcações no chão do centro (o que se afigura perfeitamente compatível com a actividade exercida) e ainda, sem pormenorizar, a realização de obras na cobertura, na zona de saída e no parqueamento exterior, e ainda a implementação de uma linha de inspecção para motociclos.

De qualquer forma, a prova testemunhal, por si só, nunca seria suficiente para sustentar a realização dos trabalhos alegados, os quais, atenta a sua natureza e valor, careciam de ser suportados por projectos, orçamentos, cadernos de encargos, e, provavelmente, licenciamento camarário, com toda a documentação inerente.

O declarante R…, confirmou que para todos estes trabalhos eram pedidos orçamentos e existia documentação referente à obra. Contudo em Tribunal, apesar de afirmar ser essa a prática, referiu não saber exactamente que documentação existia relativamente a estas obras em concreto. De igual modo, no âmbito do processo de inspecção tributária, a Impugnante foi convidada a apresentar estes documentos e não o fez. (cf. alínea F) da factualidade assente)

Tal como refere o RIT não se afigura controvertida a realização de obras de manutenção e conservação e até melhoramento das instalações. E bem assim, que a T... tenha realizado alguns trabalhos “naquele centro e noutros”, como referiram Joana e Ariana Gonçalves (filhas de Rui Gonçalves), porquanto todas as testemunhas identificaram o seu nome, associando-o a um prestador de serviços da empresa.

Contudo, nenhuma testemunha conseguiu associar esta empresa a trabalhos específicos, nem à realização de obras compatíveis com os valores faturados pela T....

Quanto aos pagamentos realizados aos sócios da Impugnante e sobre os quais incidem as retenções controvertidas, instado pelo Tribunal a justificar a sua realização, R…, representante da Impugnante, afirmou que diz que “não tem nada que ver com esta situação”, “foram acertos de contas que nos tínhamos por outras vias com eles, não tem nada que ver com isto”, referindo que tais pagamentos entre os sócios, apenas coincidiram no tempo com o pagamento das faturas entre as duas empresas, nada tendo a ver com a T....

Respondendo ainda a questão suscitada pelo Tribunal, afirmou não se recordar se os valores tinham documentação de suporte, reiterando que eram “acertos de contas que não tem nada que ver com isto”.
».

B. DE DIREITO

Como ilustra o probatório, no âmbito de uma acção inspectiva à sociedade impugnante (S...s, S.A.), foram efectuadas correcções de IRS – Retenções na fonte, reportadas aos anos de 2013, 2014 e 2015, perante a constatação de que montantes ficticiamente facturados pela “T... –, Lda.” à impugnante e por esta pagos, teriam, em grande parte do seu valor, retornado à esfera patrimonial dos sócios da impugnante através de cheques dos sócios da T..., o que, na óptica da AT, consubstanciaria, bem que presumidamente, montantes colocados à disposição dos accionistas a título de lucros ou adiantamentos dos lucros, sujeitos a retenção na fonte de IRS, à taxa liberatória de 28%, correcções que se apoiaram, de iure, nas disposições conjugadas dos artigos 5.º, n.º 2 alínea h), 6.º, n.º 4 e 71.º, n.º1 alínea a), do Código do IRS.
A sentença, já se entrevê, não deu abrigo à posição da AT, tendo expressado, nomeadamente e, a propósito, o seguinte:
«
Assim chegamos ao cerne da questão decidenda que consiste em aferir da legalidade da qualificação jurídico tributária efectuada pela AT para tributar aqueles valores.

Como vimos acima, as liquidações impugnadas assentam na aplicação do disposto nos artigos 6º n.º 4 do Código do IRS, que sob a epígrafe “Presunções relativas a rendimentos da categoria E”, determina que os “lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho que exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros” (nosso destaque a negrito).

Conforme determina a alínea h) do nº 2 do artigo 5° do Código do IRS, os adiantamentos por conta de lucros constituem rendimentos da categoria E e são sujeitos a IRS por imposição do artigo 1 ° do referido CIRS, e a retenção na fonte a titulo definitivo, à taxa liberatória de 28 % (taxa em vigor para os exercícios em análise), por força do disposto na alínea a) do nº 1 do Artigo 71° do mesmo Código.

Assim, o primeiro pilar em que assenta a tese da AT que conduz à liquidação impugnada é a presunção prevista no artigo 6º n.º 4 do Código do IRS.

Ora, segundo a definição contida no artigo 349º do Código Civil:
“Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.

Como refere o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), em acórdão proferido em 11-01-2007, no processo n.º 00270/06.0BEMDL:
“As presunções pressupõem a existência de um facto conhecido, cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita pelos meios probatórios gerais; assim, provado esse facto, intervém a Lei (no caso de presunções legais) ou o julgador (no caso de presunções judiciais) a concluir dele a existência de outro facto (presumido), servindo-se o julgador, para esse fim, de regras deduzidas da experiência da vida”.

Como vimos, a presunção em análise determina que os “lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais (…), presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”, porém, como a própria AT reconhece (no artigo 164º da sua contestação), não existem quaisquer registos contabilísticos a favor dos accionistas.

Pese embora, no RIT se refira que “nos anos de 2013,2014 e 2015, a S... efetuou lançamentos a favor aos sócios (neste caso acionistas) e entregou-lhes os montantes respetivos”, a AT não fez prova da existência de tais lançamentos, nem tão pouco alega a sua existência.

Pelo contrário, como referimos, na contestação assume a sua inexistência, e do RIT resulta que tais “lançamentos” resultam igualmente de uma ilação dos serviços de inspeção, que no ponto III.3, sublinham que “o que em substância aconteceu foi a transferência para a esfera patrimonial dos acionistas/administradores da S... de valores que eram propriedade desta e, assim sendo, estamos verdadeiramente na presença de lançamentos da S... a favor dos seus acionistas/administradores”.

Aqui chegados, haverá que concluir que a AT pretendeu fazer operar uma presunção legal a partir de um facto presumido por “intuição”.

E tal não pode aceitar-se, porquanto justamente por se tratar de uma presunção legal, tem de assentar na verificação não controvertida do facto previsto na lei.

Como resulta dos autos, e acima referimos:
a) as operações inscritas na contabilidade da Impugnante dizem respeito à T... e encontram-se documentalmente suportadas, não podendo, neste âmbito, ser questionada a veracidade da contabilidade consagrada no artigo 75º da LGT (questão diferente, igualmente abordada no RIT com as inerentes consequências em sede de IVA e IRC, mas irrelevante nos presentes autos será a materialidade das faturas);
b) os valores sobre os quais incidem as retenções na fonte impugnadas foram entregues pelos sócios da T... aos accionistas da Impugnante, não se encontrando, relevados na contabilidade da Impugnante.

Ora, sendo incontestável que os valores recebidos pelos accionistas da Impugnante constituem acréscimos ou incrementos patrimoniais que carecem de ser justificados e enquadrados para efeitos de tributação,

Afigura-se que os serviços de inspecção tributária negligenciaram a instrução e subsunção jurídico-tributária destes factos, optando por uma solução que não se afigura conforme com a lei, quando tinham ao seu dispor meios próprios para aferir da justificação dos valores recebidos (ou da falta dela, como parece resultar das declarações de parte acima mencionadas), e proceder à sua tributação em conformidade.

Com efeito, ainda que a coincidência no tempo e a proximidade dos valores, evidenciada pela AT na tabela que acima reproduzimos, permitam fundamentar as dúvidas suscitadas pela AT, e indiciar que tais operações visavam uma transferência de fundos da sociedade para os sócios de forma ilícita e subtraída a tributação, tais indícios não permitem, por si só e sem mais, a tributação de tais valores.

Antes se impunha à AT adoptar os procedimentos legais ao seu dispor para o efeito, designadamente para aferir da existência de acréscimos patrimoniais não justificados na esfera patrimonial dos beneficiários de tais pagamentos.

Ao optar por um raciocínio precipitado e assente em ilações e conclusões, a AT comprometeu a tributação destes valores, porquanto emitiu liquidações ilegais e que não podem persistir na ordem jurídica.

Pelo exposto, haverá que julgar procedente o vício de falta de fundamentação substancial da liquidação e determinar a anulação das liquidações impugnadas, compreendendo, obviamente os juros compensatórios apurados.».


Concordamos com este modo de ver. Em reforço, diremos ainda que estatui o n.º 4 do art.º 6.º do Código do IRS, disposição em que se ancoram, de direito, as correcções levadas a efeito e de que aqui tratamos, que “Os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros”.

Também nós entendemos que a presunção ali estabelecida só opera caso sejam escrituradas pela sociedade em contas correntes dos sócios lançamentos a seu favor cuja causa jurídica (i.e., a finalidade perseguida pelos sujeitos da relação) seja desconhecida e não resulte de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.

Ora, o elemento base da presunção – lançamentos em contas correntes de sócios e a seu favor escriturados pela sociedade – não está presente na situação descrita nos autos.

O que se apreende da situação em causa é que na base da presunção do adiantamento de lucros aos sócios está a emissão pela “T...” de facturas fictícias à impugnante cujos montantes por ela pagos à emitente retornaram, indiciariamente, em grande parte do seu valor, à esfera patrimonial dos sócios da impugnante, através de cheques dos responsáveis da “T...”.

Como está bem de ver, o lançamento escriturado pela impugnante de que se fala é o correspondente aos custos titulados pelas facturas da “T...”, cuja falsidade se tem por indiciada nos autos, mas não serve à conclusão, extraída pela Administração tributária, de que os montantes saídos da impugnante para o seu pagamento retornaram, em grande parte do seu valor, à posse dos sócios da impugnante, podendo estes valores ter outra causa jurídica – e alegadamente têm -–que as partes não querem revelar, sendo que a AT, como bem refere a sentença, tem meios para tributar tais valores, na esfera dos sócios beneficiários, como acréscimos patrimoniais não justificados.

De qualquer modo, ainda que fosse de acompanhar a Recorrente quando alega há nos autos base indiciária suficiente para se poder concluir que a origem dos valores entregues pelos responsáveis da “T...” aos sócios da impugnante radica no suposto pagamento da facturação fictícia emitida à impugnante, a verdade é que nunca o ingresso daqueles valores na esfera patrimonial dos sócios poderia ser tributado como lucros ou adiantamentos por conta de lucros colocados à disposição dos accionistas (art.º 5.º, n.º 2 al. h) do CIRS), por não terem origem em lançamentos escriturados pela sociedade impugnante em contas correntes dos sócios e a seu favor, que é, no fundo, a base da presunção estabelecida no n.º 4 do art.º 6.º do CIRS.

A situação factual descrita no RIT nem como lugar paralelo poderia ser subsumida à apelada norma do n.º 4 do art.º 6.º do CIRS e, nessa medida, a correcção levada a efeito na esfera patrimonial da sociedade impugnante, como substituto tributário (art.º 34.º da LGT e art.º 71.º, n.º 1 al. a) do CIRS), enferma de manifesto erro nos pressupostos, vício determinante da anulação das liquidações adicionais impugnadas.
A sentença que no mesmo sentido decidiu não enferma do apontado erro de julgamento, merecendo ser inteiramente confirmada.

O recurso não merece provimento.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.

Condena-se a Recorrente em custas.



Lisboa, 24 de Novembro de 2022


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Vital Lopes



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Luísa Soares



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Tânia Meireles da Cunha