Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3077/05.9 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/24/2022
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IRS
CDT
PROFESSORES
Sumário:I – Os rendimentos auferidos por professor em instituição sem fins lucrativos, antes, residente no Brasil, não estão sujeitos a tributação em Portugal em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nos primeiros dois anos, nos termos da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por, M…, contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), respeitante ao exercício de 2003, no valor total de € 5.089,60, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente, formula as seguintes conclusões:

I. Visa o presente Recurso reagir contra a douta Sentença que julgou a presente impugnação procedente e em consequência condenou a Fazenda Pública ao pagamento de custas e, com a qual não concordamos.

II. Salvo o devido respeito pela decisão sufragada, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto, considera existir erro de julgamento, quanto à interpretação do artigo 20.° da por errada valoração dos elementos constantes dos autos, os artigos 11.° da LGT e o 9.° do CC, “ex v/” do art. 2.°, al. d) da LGT.

III. A fundamentação da Sentença recorrida assenta, em síntese, no seguinte entendimento «(...) entendemos que o período máximo de dois anos diz, sim, respeito à duração da isenção, e não ao período da deslocação, não só porque a norma não o diz expressamente, com também tal contrariaria a "ratio" da CDT.

IV. Concluindo, assim, que «(…) verifico que tem razão o Impugnante, e que o mesmo tem direito à isenção de tributação durante o ano de 2003, sendo o ato de liquidação ilegal por violação do artigo 20.º da CDT, norma que vigora e prevalece na nossa ordem jurídica ex vi do artigo 8 da CRP, razão pela qual deve o mesmo ser anulado».

V. Ora, ressalvando o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a douta sentença incorreu em erro de julgamento, nomeadamente na interpretação do artigo 20.º da CDT, como a seguir se argumentará e concluirá.

VI. Face ao teor da predita norma em primeiro lugar a duração da deslocação para leccionar nunca pode ultrapassar o período dos 2 anos, em segundo lugar a deslocação, tem de ser, exclusivamente para leccionar.

VII. O ora recorrido celebrou com a entidade patronal três contractos, contudo, quando apresentou a p.i. só juntou um dos três contractos e quando formulou pedido de informação vinculativa à AT, juntou os outros dois contractos diferentes do primeiro,,.!

VIII. Quer pela prova documental, quer pela prova testemunhal, concluiu a Fazenda Pública que o ora Recorrido para além de exceder os dois anos previstos na CDT, também, exerceu outras funções para além do ensino, contrariando, claramente o espírito do legislador.

IX. Entende a Fazenda Pública que o benefício de isenção é limitado a dois anos, uma vez que se trata de uma norma de natureza excepcional, temporária e exclusiva do trabalho docente.

X. Pelo que, tendo a sentença recorrida decidido com base no entendimento contrário ao que resulta das presentes conclusões, entende a Fazenda Pública que foram violados os artigos 11.° da LGT e o 9.° do CC, “ex vi" do art, 2º, al. d) da LGT.

XI. Por último e, tendo presente que o ora Recorrido solicitou junto da AT informação vinculativa e, sabendo que aquelas aproveitam aos casos em concreto que as originaram e, vinculam a AT ao seu cumprimento (art. 68° n.° 2 da LGT e n.°1, do art. 57 do CPPT), não compreende a Fazenda Pública, como é que o tribunal "a quo" não se pronunciou sobre a mesma.

XII. Tendo presente que as informações vinculativas garantem aos contribuintes, naquele caso concreto, estabilidade e confiança, colocando à sua disposição todos os meios necessários ao correcto cumprimento das suas obrigações fiscais, proceder de forma diferente seria violar os princípios da legalidade e da igualdade entre o universo dos contribuintes.

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando- se, em consequência a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.


Não foram apresentadas contra-alegações.


O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.


O Ministério Público junto deste Tribunal, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, o que implica responder à pergunta sobre se o no caso estão ou não reunidos os pressupostos de que depende o benefício de isenção de tributação em sede de imposto sobre o rendimento sobre as remunerações recebidas em consequência desse ensino ou investigação, prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT) respetiva.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A) O Impugnante é brasileiro e residia no Brasil – cfr. fls. 99 (confissão);

B) O Impugnante é professor de judaísmo – cfr. fls. 100 a 102, 105 a 110 (admissão por acordo);

C) A Comunidade Israelita de Lisboa é uma “associação religiosa, sem fins lucrativos” - cfr. fls. 105 a 110;

D) Por existir uma lacuna no Departamento de Educação para o Judaísmo, a Comunidade Israelita de Lisboa decidiu contratar o Impugnante para dar aulas de judaísmo;

E) Em 01/01/2002, o Impugnante e a Comunidade Israelita de Lisboa celebraram um acordo denominado “promessa de trabalho”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para que o mesmo exercesse as funções de professor de judaísmo na Comunidade Israelita de Lisboa – cfr. fls. 100 a 102;

F) Em 09/01/2002, o Impugnante e a Comunidade Israelita de Lisboa celebraram um acordo denominado “contrato de trabalho”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido a fls. 105 e 106:

“(…)”


CONTRATO DE TRABALHO

Entre,

C…, com sede na Rua Alexandre Herculano, n.º 59, 1250- 010, em Lisboa, registada como Associação Religiosa, sob o n.º 154, na Secretaria Geral do Ministério da Justiça em 7 de Agosto de 1986, com o n.° de contribuinte 501…, como ramo de actividade Associação sem fins lucrativos, de ora em diante designada por PRIMEIRA CONTRAENTE;

E

M..., casado de nacionalidade brasileira, portador do passaporte nº C H 7…, emitido em 15/JUL/96 por SRIDPFISP – Serviço de Policia Marítima Aérea e de Fronteiras São Paulo e válido até 14/JUL/06, de ora em diante designado por SEGUNDO CONTRAENTE;

É livremente, de boa fé e em plena consciência celebrado um contrato de trabalho, o qual se regerá pelo disposto nas cláusulas seguintes:


PRIMEIRA

O PRIMEIRO CONTRAENTE contrata o SEGUNDO CONTRAENTE para, sob a sua direcção. prestar todos serviços inerentes à actividade de Professor do Judaísmo da Comunidade Israelita de Lisboa, sendo este modo admitido ao serviço do PRIMEIRO CONTRAENTE com a categoria profissional de Professor de Judaísmo da Comunidade Israelita de Lisboa

SEGUNDA

(LOCAL DA PRESTAÇÃO DE TRABALHO)


A actividade do SEGUNDO CONTRAENTE será desenvolvida principalmente nas Instalações do PRIMEIRO CONTRAENTE.

TERCEIRA

(RETRIBUIÇÃO)


1. A remuneração do SEGUNDO OONTRAENTE será de EUR 2.250 (dois mil duzentos e cinquenta) mensais líquidos (12 meses/ano).

2. O SEGUNDO CONTRAENTE tem direito a receber um subsídio de férias de montante igual a retribuição mensal, bem como um segundo subsidio, no fim de cada ano, que será igual a um mês de retribuição mensal nos termos da legislação aplicável.

3. À retribuição referida será acrescido o respectivo subsídio de alimentação.


QUARTA

(PERIODO NORMAL DE TRABALHO)


1. O SEGUNDO CONTRAENTE submete-se ao regime de isenção de horário de trabalho predeterminado, de acordo com o disposto no art.º 13, parágrafo 1, da lei 409/71 de 27 de Setembro.

QUINTA

(INÍCIO E VIGÊNCIA)


1. 0 presente contrato tem início no dia 1 de Janeiro de 2002 e vigorará até 31 de Dezembro de 2003.e poderá ser renovado por períodos de um ano, por mútuo acordo a definir até 30 de Setembro do ano em que termina.

2. É estabelecido um período experimental inicial de 6 meses, com possibilidade de rescisão recíproca, mediante aviso máximo de 30 dias


SEXTA

O motivo justificativo do presente contrato baseia-se no facto de o SEGUNDO CONTRAENTE de se tratar de um pedagogo de formação académica e experiencia profissional de grande nível imprescindíveis e essenciais para a formação e desenvolvimento da vida judaica em Lisboa contribuindo de forma inestimável para a transmissão da cultura, língua e tradições judaicas através de um elaborado programa educacional e recreativo dedicado a toda a Comunidade israelita de Lisboa.

SÉTIMA

1. O SEGUNDO CONTRAENTE compromete-se a manter válidos os seus documentos comprovativos do cumprimento das disposições legais relativas à entrada e à permanência ou residência, para efeitos laborais em território português.

2. O SEGUNDO CONTRAENTE deverá informar o PRlMEIRO CONTRAENTE, caso lhe seja retirada, temporária ou definitivamente, a autorização de permanecer em Portugal, para efeitos de trabalho.


OITAVA

Tudo o que não estiver expressamente disposto neste contrato será regido pelas Leis aplicáveis ao contrato individual de trabalho.

0 presente contrato é em quadruplicado, composto por duas páginas que vão assinadas pelos dois contraentes e sendo a sua celebração datada de 09 de Janeiro de 2002.

G) Entre 2002 e até 2004, o Impugnante trabalhou na Comunidade Israelita, exercendo apenas as funções de professor, ensinando educação judaica às crianças e adolescentes, elaborou o Plano Global de Educação, preparou aulas, organizou atividades e eventos aos fins-de-semana, relacionados com o ensino do judaísmo;

H) A preparação destas atividades ocupava diariamente o Impugnante na Comunidade Israelita de Lisboa;

I) Em 01/01/2004, o Impugnante e a Comunidade Israelita de Lisboa celebraram um acordo denominado “renovação do contrato de trabalho”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, salientando-se o seguinte clausulado, a fls. 107 a 110: “(...)”


1.ª

1. Pelo presente contrato, acordam a 1° e o 2° Outorgantes em renovar, pela primeira vez e por mais dois períodos sucessivos de um ano cada um, isto é, a partir do dia 1 de Janeiro de 2004 e até ao dia 31 de Dezembro de 2004, com prorrogação por mais um ano a partir de 1 de Janeiro de 2005 e até 31 de Dezembro de 2005,o contrato de trabalho que entre eles vigorou no período compreendido entre 1 de 1 de Janeiro 2002 e 31 de Dezembro de 2003, nos termos do disposto nos n°s 1 e 2 do art° 139 do Código do Trabalho.

2. O contrato de trabalho ora renovado (e a respectiva prorrogação) passa a reger-se pelas cláusulas adiante convencionadas.

3. As partes assumem reciprocamente a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações legais decorrentes da condição de cidadão estrangeiro do 2° Outorgante, nomeadamente pela obtenção e prorrogação das autorizações de residência e de trabalho necessárias.


2.ª

A renovação (e prorrogação) do contrato de trabalho com o 2° Outorgante têm como motivo justificativo, nos termos da alínea g) do n° 2 do art° 129 do Código do Trabalho, a necessidade que a Comunidade Israelita de Lisboa continua a ter de dispor de um Professor de Judaísmo com formação académica e experiência profissional de grande nível, qualidades que 1º Outorgante considera serem imprescindíveis nesta fase, em que a C.I.L. procura desenvolver a formação da vida judaica, visando, em especial, a elaboração e realização de programas educacionais e recreativos transmissão e aprofundamento da cultura, língua e tradição judaicas.

3.ª

1. O 2° Outorgante obriga-se a desempenhar as funções adiante descritas, para a Comunidade Israelita de Lisboa, de acordo com as orientações aprovadas pela Direcção.

2. No domínio pedagógico, o 2° Outorgante exercerá as funções de Professor de Judaísmo, competindo-lhe propor à Direcção e promover, preparar e fazer executar as acções e iniciativas de formação que aquela aprove e que tenham por finalidade a transmissão da cultura, língua e tradição judaicas, elaborando para o efeito os programas educativos e recreativos adequados.

3. O 2° Outorgante, como membro assessor e responsável Executivo da Direcção, terá ainda as seguintes funções:

a) Mobilizar, integrar e estimular a participação dos associados da Comunidade Israelita de Lisboa, nos vários níveis etários;

b) Potenciar e modernizar a elaboração e distribuição, por qualquer meio informativo, de temas e assuntos de interesse para a Comunidade;

c) Supervisionar e dar apoio no suporte técnico e organizativo da realização de eventos (Festividades Judaicas, encontros e comemorações, colóquios, visitas culturais, eventos lúdicos, etc);

d) Assegurar as relações com entidades públicas sempre que isso seja definido pela Direcção;

e) Estreitar e dinamizar a relação com outras comunidades judaicas;

f) Modernizar e assegurar o funcionamento eficaz dos serviços de secretariado e administrativo;

g) Proceder ao desenvolvimento de actividades de formação de jovens em idade de liderança (a partir dos 16 anos);

h) Suporte e supervisão técnica de iniciativas educacionais, dirigidas a crianças em idade pré-escolar (dos 3 aos 6 anos);

i) Desenvolvimento e supervisão de actividades semanais ou quinzenais e organização de programas que promovam o convívio das outras camadas etárias;

j) Colaborar com a Direcção da Comunidade, e trabalhar em estreita coordenação com o Rabino e outras instituições comunitárias (Sinagoga, Centro, etc).

(…)



1. Uma vez que o 2° Outorgante também desempenha funções na Direcção da Comunidade Israelita de Lisboa, o presente contrato (isto é, a renovação e a prorrogação agora acordadas) - tal como aquele que terminou em 31 de Dezembro de 2003 - é celebrado em regime de comissão de serviço, razão pela qual pode qualquer das partes fazer cessar a todo o tempo a prestação convencionada, mediante aviso prévio por escrito, com antecedência de 60 dias, uma vez que já decorreram dois anos sobre a data do inicio do contrato (1 de Janeiro de 2002).

2. Em caso de cessação da comissão de serviço, o presente contrato extingue-se sem integração do 2° Outorgante nos quadros de pessoal da 1ª Outorgante, tendo o 2° Outorgante direito a uma indemnização correspondente a um mês de remuneração base auferida por cada ano ou fracção de duração do contrato (incluindo a renovação e prorrogação).



O contrato de trabalho, nos termos que são objecto da presente renovação e prorrogação, em 31 de Dezembro de 2005, não ficando sujeito a qualquer outra renovação ou prorrogação.

J) A partir de 2004, o Impugnante passou a exercer outras actividades na Comunidade Israelita de Lisboa, além de ser professor de judaísmo – cfr. fls. 107 a 110;

K) Em 14/01/2004, o Impugnante apresentou à Direção-Geral dos Benefícios Fiscais o seguinte requerimento

“Exmo. Senhor Director

Dos Serviços dos Benefícios Fiscais

M..., casado, cidadão brasileiro, titular do NIF 239…, residente na Avenida R…n.º 20 - 1.º, 1200 - 280 Lisboa, vem informar V. Exa. Do seguinte:

1.O ora Requerente tem a nacionalidade brasileira e foi-lhe concedida a autorização de residência em Portugal até Março de 2005 (Doc. 1).

2.Foi o mesmo contratado pela COMUNIDADE ISRAELITA DE LISBOA em Janeiro de 2002, para leccionar aulas de Judaísmo (Doc. 2).

3.O referido contrato de trabalho foi visto e aprovado pelo INSTITUTO DE DESENVOL VIMENTO E INSPECÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO.

4. Sendo a COMUNIDADE ISRAELITA DE LISBOA uma entidade sem fins lucrativos para a qual o ora Requerente foi convidado a ensinar.

5. Está o mesmo isento do pagamento de impostos pelas remunerações recebidas em consequência desse ensino, nos termos do artigo 20.° da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil destinada a evitar a dupla tributação e a prevenir a evasão fiscal em matéria de imposto sobre o rendimento, aprovada para ratificação em 1 de Março de 2001.

6. Por último, informa que sendo a COMUNIDADE ISRAELITA DE LISBOA uma entidade sem fins lucrativos à qual foi requerida a sua conversão em pessoa colectiva religiosa a 12 de Dezembro do corrente.

Nos termos acima exposto, vem o ora Requerente nos termos do número 1 do artigo 68.º da Lei Geral Tributária, requerer a V. Exa. que informe sobre quais as obrigações acessórias a ter em conta pela isenção do Imposto sobre as Pessoas Singulares, nos termos do artigo 20.0 da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil destinada a evitar a dupla tributação.

Por último, requer a V. Exa. nos termos do referido artigo 68.º da Lei Geral Tributária, que informe sobre qual o anexo da declaração modelo 3 do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, deverá ou não o ora Requerente preencher com a respectiva isenção.

Junta: 2 (dois) documentos.

O Requerente” – cfr. fls. 24 e 25;

L) Na sequência do supra referido requerimento, por despacho de concordância do Subdiretor-Geral, proferido em 29/04/2005, foi emitida a seguinte “informação vinculativa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido: “(…)”

1. Através do fax datado de 11 de Fevereiro de 2004, o Serviço de Finanças de Lisboa 3, remeteu a esta direcção de serviços um pedido de informação apresentado pelo sujeito passivo M..., com o NIF 239 … sobre a forma de preenchimento da declaração de rendimentos.

2. De acordo com o referido pelo requerente, o mesmo é de nacionalidade brasileira e foi contratado em Janeiro de 2002 pela Comunidade Israelita de Lisboa, entidade sem fins lucrativos, para leccionar aulas de Judaísmo.

3. Alega o requerente que está isento de IRS ao abrigo do disposto no artigo 20° da CDT Brasil.

4. Tendo-se suscitado dúvidas sobre a situação em concreto do requerente, foi o mesmo notificado para informar a data de início das funções na Comunidade Israelita de Lisboa e a duração do contrato.

5. Em resposta a nossa solicitação, o sujeito passivo apresentou cópia de dois contratos de trabalho celebrados com a Comunidade Israelita de Lisboa.

6. Da análise dos contratos constatamos que um deles se refere a uma promessa de contrato de trabalho, a qual não tem aposta qualquer data, mas que se destinava a produzir efeitos logo que o segundo outorgante desse entrada em Portugal.

7. Por seu lado, o segundo contrato refere expressamente que é uma renovação do contrato que vigorou entre as partes de 1 de Janeiro de 2002 a 31 de Dezembro de 2003, contendo, no entanto, a descrição pormenorizada das cláusulas que vigoram entre as partes, bem como especificando as funções exercidas pelo contratado.


DA TRIBUTAÇÃO DOS PROFESSORES

8. No que respeita à tributação dos professores, é de ter em conta a disposição específica que consta do artigo 20° da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, cuja a aprovação para ratificação foi efectuada pela Resolução da Assembleia da República n.° 33/2001, de 1 de 27 de Abril, e publicada no Diário da República I Série n.° 98, de 27 de Àbril de 2001, e cujo Aviso de troca de instrumentos de ratificação foi publicado no Diário do Governo, I Série de 14 de Dezembro de 2001 (CDT Brasil).

9. Assim, estipula esta norma que:

“Uma pessoa que é, ou foi antes, residente de um Estado Contratante e que se desloca ao outro Estado Contratante, a convite do Governo desse outro Estado ou de entidade sem fins lucrativos ou de uma universidade ou de outra instituição de ensino ou de pesquisa científica, pertencentes a esse Estado ou a essa entidade, com vista unicamente a ensinar ou fazer pesquisas cientificas nas ditas instituições, durante um período não excedente a dois anos, é isenta de impostos em ambos os Estados Contratantes pelas remunerações recebidas em consequência desse ensino ou investigação.”

10. Verificamos, assim que os rendimentos dos professores que "se desloquem de um Estado ao outro a convite do Governo, de uma Universidade, de uma outra instituição de ensino ou de uma entidade sem fins lucrativos, ficam isentos de tributação quer no Estado de residência, quer no da fonte dos rendimentos.

11. Há, no entanto condicionantes.

12. Desde logo, a duração da deslocação para leccionar nunca pode ultrapassar o período de 2 anos.

13. Por outro lado, a deslocação tem de ser exclusivamente para leccionar.

14. Ora, no caso presente, verificamos que, inicialmente o sujeito passivo requerente assinou contrato válido apenas por dois anos, no entanto, o contrato foi prorrogado por mais 2 anos.

15. Assim sendo, afigura-se-nos ser de se concluir que a deslocação do trabalhador para Portugal não ocorreu apenas por dois anos, mas por um período superior.

16. Para além disso, verificamos pela análise dos documentos que nos foram enviados, nomeadamente o contrato de prorrogação do contrato de trabalho, que as funções atribuídas ao requerente, não são exclusivamente leccionar.

17. O requerente, segundo outorgante no referido contrato desempenha, também, as funções de membro assessor e responsável executivo da direcção.

18. Ora, existindo outras funções para além de leccionar, teremos de concluir que não poderá o sujeito passivo beneficiar da isenção prevista no artigo 20° da CDT Brasil.

19. Nestes termos, caso o presente parecer mereça a concordância superior, afigura-se-nos ser de informar o requerente em conformidade com as conclusões do mesmo.

20. Acresce referir que Sua Exa o Provedor de Justiça solicitou informações sobre este processo, tendo, inclusive sido efectuada uma insistência telefónica no sentido de ser dada uma resposta urgente no sentido de informar o estado em que se encontra o processo.

21. Assim, sendo, afigura-se-nos que, logo que esteja sancionado o presente parecer, se deverá dar conhecimento do mesmo a Sua Ex” o Provedor de Justiça.

À Consideração Superior

DSBF, 22 de Abril de 2005

O Técnico Jurista

C…” - cfr. fls. 54 a 57 do processo administrativo tributário apenso;

M) O Impugnante tomou conhecimento da referida “informação vinculativa, através do ofício datado de 05/05/2005, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 58 e 59 do processo administrativo apenso;

N) Em 12/08/2005, a Administração Fiscal emitiu a “demonstração de liquidação” de IRS n.º 2005 …, relativa ao ano de 2003, que se dá por integralmente reproduzida, da qual resultou um montante total a pagar de € 5 089,60, sendo € 4 847,38 relativo a imposto e € 242,22 relativo a juros compensatórios – cfr. fls. 18;

O) Tal “demonstração de liquidação” foi remetida para o Impugnante através de carta registada – cfr. fls. 18;

P) O Impugnante está em Portugal desde 2002, de onde apenas saiu em férias e onde continua a viver;

Q) Em 09/12/2005, a presente impugnação judicial foi apresentada no Serviço de Finanças de Lisboa 10 – cfr. fls. 5.»



Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:


«Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.»




E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«A decisão sobre a matéria de facto provada baseou-se na análise da posição das partes nas suas peças processuais e no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e do processo administrativo apenso.

Considero provados os factos D, F, G, H, L, J e P decorrente da valoração do depoimento de duas das três testemunhas arroladas pelo Impugnante, que convenceram o Tribunal da veracidade dos seus depoimentos.

A primeira testemunha, J…, técnico oficial de contas, afirmou conhecer o Impugnante e ter sido quem entregou o IRS do mesmo. Mais declarou saber que o Impugnante foi contratado em 2002 pela Comunidade Israelita de Lisboa, acha que para professor de educação judaica, sabe que esteve cá nessa altura, mas não sabe quanto teve tempo esteve na Comunidade como professor, acha que foi muito, mas não sabe dizer exatamente quanto, pois (a testemunha) não frequentava a comunidade, não é judeu. Apesar de a testemunha ser isenta e credível, não presenciou nem contactou quotidianamente com o Impugnante, não assistindo às funções por si desempenhadas.

Relativamente ao depoimento da segunda testemunha, J…, a mesma afirmou ter conhecido o Impugnante enquanto colaborador da Comunidade, onde atualmente é membro da Direção, sendo agora seu amigo, ao longo destes anos. Questionado sobre a data em que o Impugnante foi trabalhar para a Comunidade Israelita de Lisboa, respondeu que deve ter sido em 2002, achando que tal ocorreu antes do seu primeiro mandato na direção (em 2003). Declarou que, quando chegou à Direção, em 2003, o Impugnante era professor, sendo essa a sua função; que a Comunidade tem um Departamento de Educação Judaica, onde dão essa educação às crianças e que o Impugnante veio para cá com esse fim, porque era uma lacuna grande na Comunidade Israelita de Lisboa, não havia nenhum professor em Portugal com as capacidades do Impugnante. Declarou, ainda, que, mais tarde, viram o potencial do Impugnante e fizeram mais contratos, em que se juntaram às funções de professor outras funções, pois é uma comunidade pequena, em que cada um “tem de tocar vários instrumentos” e o Impugnante começou também a tratar de outros temas, crê que tal ocorreu no fim do seu primeiro contrato, em 2004, mas tem dúvidas.

Questionado sobre a sua permanência em Portugal, a referida testemunha declarou que o Impugnante está em Portugal desde 2002 e que o mesmo nunca saiu de Portugal, exceto em férias, sendo que acha que hoje até já terá nacionalidade portuguesa.

Respondendo ao Tribunal, a testemunha declarou também que as funções de educação exigem ocupação diária, pois tem de haver preparação das aulas, a qual será diferente consoante as várias faixas etárias, que o hebraico também não é uma língua fácil de transmitir, o que ocupa muito tempo e, que nessa altura, o Impugnante fez o plano global de educação da Comunidade. Esclareceu, ainda, que a atividade do Impugnante consistia na preparação de atividades, de aulas e na saída com as crianças ao fim-de-semana, o que exige preparação, sendo que havia atividades fora e havia um espaço na Rua M… transformado em sala de aulas. Mais declarou que já apanhou a parte final do contrato do Impugnante mas que havia um contrato de trabalho celebrado com o Impugnante que foi registado. Declarou, ainda, que não se lembrava quanto é que o Impugnante auferia, sendo uma parte em dinheiro e outra em alojamento, mas que era o suficiente para viver, não precisava de se socorrer de outra ocupação ou função para viver.

A terceira testemunha inquirida, S…, disse conhecer o Impugnante porque foi o próprio que o contratou como professor da Comunidade Israelita, quando era presidente desta Comunidade. Confrontado com o contrato-promessa constante dos autos, disse ser sua a respetiva assinatura, que era uma mera promessa e que pensa que, quando o Impugnante iniciou funções, foi feito um novo contrato, mas já não era presidente, pelo que não pode precisar, já não se lembra. Mais declarou que, depois de ter saído da Direção da Comunidade, viu o Impugnante a dar aulas e, que soubesse, o mesmo não trabalhava fora da comunidade, sendo a sua ocupação exclusiva como professor. Questionado acerca da celebração de novo contrato definitivo, a testemunha afirmou não saber, mas que acha que foi celebrado novo contrato definitivo, mas que acha que tal já não teria sido durante a sua direção e que no decurso do ano de 2002 houve assembleia-geral e deixou de presidir à Comunidade, julgando que depois houve outro contrato.

Declarou, ainda, que não se lembra de ter sido celebrado outro contrato-promessa, além do que consta dos autos, mas que nos arquivos da Comunidade estão os contratos que foram celebrados, sendo que já nem se lembrava que tinha celebrado o contrato dos autos, pois praticou muitos atos administrativos na sua presidência.

Todas as testemunhas depuseram de forma espontânea, isenta e credível, tendo as segunda e terceira testemunhas mostrado ter conhecimento direto e pessoal dos factos, enquanto presidentes e membros da Comunidade Israelita de Lisboa, tendo presenciado as funções exercidas pelo Impugnante e contactado com o mesmo.»





II.2 Do Direito

Nas conclusões de recurso alega a Recorrente que a sentença não se pronunciou sobre a informação vinculativa emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira a solicitação do Impugnante e ora Recorrido (cf. conclusão XI das alegações de recurso). A Recorrente enquadra, porém, esta não pronuncia do tribunal a quo no chamado erro de julgamento (cf. ponto 25 das alegações de recurso).

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer sobre a alegada omissão de pronúncia, pese embora, insiste-se, não venha expressamente alegada a nulidade da sentença, com este fundamento

Em regra, nos termos do disposto no artigo 125/1 do CPPT, constitui causa de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

Diz o artigo 125/1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), sob a epígrafe Nulidades da sentença:

1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.

A nulidade por omissão de pronúncia prevista no artigo 615/1.d) do Código de Processo Civil (CPC), apenas ocorre quando o Tribunal não tenha decidido alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Por questões submetidas à apreciação do Tribunal deve entender-se aqui as que se referem aos pedidos formulados, atinentes à causa de pedir ou às exceções alegadas, não se confundindo, pois, com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem verdadeiras questões para os efeitos preceituados na norma citada.

Nas palavras de Alberto dos Reis Aut Cit, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: anotado, I Vol. pág. 284, 285 e V Vol. pág. 139, são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão

É certo que a informação vinculativa prestada está na origem da liquidação impugnada, tendo levado a que a Autoridade Tributária e Aduaneira agisse de acordo com o entendimento nela versado e desse início ao procedimento que culminou no ato tributário de liquidação impugnado.

Ora, o que foi pedido pelo Impugnante e ora Recorrido foi a anulação da liquidação de juros compensatórios, por estarem reunidos, no caso e no seu entendimento, os requisitos de isenção da tributação previstos na Convenção.

E sobre o pedido pronunciou-se a sentença: não se verifica, pois, nulidade por omissão de pronuncia. Não estando o juiz obrigado, como vimos, a emitir pronuncia sobre os argumentos, fundamentos e razões invocadas pelas partes.

Todavia, na fundamentação, a sentença faz referência à informação vinculativa emitida a solicitação do próprio contribuinte, embora decerto não a contento da posição defendida pela ora Recorrente.

Reitere-se que, como é de jurisprudência consolidada, fora dos casos expressamente previstos na lei, a informação vinculativa não constitui ato destacável do procedimento, não sendo autonomamente recorrível, o que só seria admissível no caso de ato imediatamente lesivo. Nesse sentido citamos o Ac. STA de 2012.01.05, proferido no processo nº 01011/11, disponível em www.dgsi.pt, pra cuja fundamentação remetemos.

Não se verifica, pois, nulidade da sentença por omissão de pronúncia.


Vejamos agora se a sentença padece do alegado de erro de julgamento.

O ora Recorrido impugnou junto do Tribunal Tributário de Lisboa a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e de juros, respeitantes ao ano de 2003.

Notificada da sentença que julgou a impugnação procedente dela veio recorrer a Autoridade Tributária e Aduaneira, alegando, em suma, que incorreu em erro de julgamento, nomeadamente na interpretação do artigo 20.º da Convenção celebrada entre Portugal e o Brasil.

De referir, desde já, que estas convenções para evitar a dupla tributação (CDT), desde que regularmente ratificadas ou aprovadas, são fonte de direito, de onde também brota naturalmente o direito fiscal, vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português [artigo 8/2 da Constituição da República Portuguesa (CRP)].

Diz o artigo 20º da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/2001 e Ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 27/2001, publicada no Diário da República I-A, n.º 98, de 27/04/2001, aqui em convocada:
Artigo 20.º
Professores
Uma pessoa que é, ou foi antes, residente de um Estado Contratante e que se desloca ao outro Estado Contratante, a convite do Governo desse outro Estado ou de entidade sem fins lucrativos ou de uma universidade ou de outra instituição de ensino ou de pesquisa científica, pertencentes a esse Estado ou a essa entidade, com vista unicamente a ensinar ou fazer pesquisas científicas nas ditas instituições, durante um período não excedente a dois anos, é isenta de impostos em ambos os Estados Contratantes pelas remunerações recebidas em consequência desse ensino ou investigação.

Quanto aos factos apurados e que não foram impugnados, constata-se que o no período que antecedeu a vinda do Impugnante e ora Recorrido para Portugal este residia no Brasil, de onde é natural, que no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2002 e 31 de dezembro de 2003, trabalhou em Portugal como professor em instituição sem fins lucrativos [cf. alíneas A) a C) dos factos provados], ao abrigo de um contrato de trabalho em funções docentes [cf alínea F) dos factos provados], e que a partir dessa data celebrou novo contrato de trabalho, tendo continuado a residir e trabalhar em Portugal.

A questão colocada e submetida à apreciação do tribunal, prende-se, pois, em saber se, tendo o Impugnante e ora Recorrido continuado a trabalhar em Portugal para além do período de dois anos, tem, ainda assim, direito à isenção de imposto sobre o rendimento prevista no artigo 20º da referida Convenção, durante aqueles primeiros dois anos?

A Recorrente defende que o Contribuinte não tem direito à referida isenção de tributação precisamente por ter continuado a residir em Portugal para além do período de dois anos e ter passado a desempenhar outras funções, além da função docente.

Foi a resposta a esta pergunta a que a sentença procurou dar solução: se o limite temporal não superior a dois anos diz respeito ao período de deslocação do professor para lecionar em exclusivo ou, se se refere antes ao período limite da isenção de tributação.

Concordamos com a sentença recorrida quando, referindo-se à redação da cláusula, diz:

A redação da norma não é, à partida, a mais clara, já que o período temporal surge a meio de duas ideias fundamentais da norma (entre o fim de ensino e a isenção), impondo-se, como em toda a lei, a sua interpretação, sobretudo quanto ao facto de o limite temporal não superior a dois anos poder respeitar ao período de deslocação do professor para leccionar em exclusivo ou, se ao invés, respeitará ao período limite da isenção de tributação.

Anote-se que as convenções modelo da ONU e da OCDE tratam apenas da tributação de rendimentos recebida por estudantes ou aprendizes, não incluindo qualquer disposição relativa a professores ou investigadores.

Constando isso mesmo a sentença recorrida procurou encontrar resposta à questão que lhe foi submetida pelas partes fazendo apelo às regras previstas no artigo 31º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, em termos que não merecem aqui qualquer censura, e aos quais pouco temos a acrescentar. Diz:

(…)
Considerando que a presente CDT reveste a natureza de tratado internacional, a sua interpretação deve ser feita à luz das regras especificamente previstas no artigo 31.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, no qual se encontra sediada a regra geral de interpretação dos Tratados, podendo ainda a interpretação ser efetuada subsidiariamente mediante recurso aos meios complementares de interpretação plasmados no artigo 32.º da mesma Convenção, caso, ainda assim, persista a necessidade de confirmar ou determinar a interpretação, devido ao seu sentido ambíguo ou desrazoável. (Vd. Glória Teixeira, “Manual de Direito Fiscal”, Almedina, 2015, 3.ª Edição, p. 350 a 353).

Vejamos.

De acordo com a regra geral de interpretação dos tratados, prevista no artigo 31.º da Convenção de Viena, os tratados devem ser interpretados nos termos seguintes:
“1 - Um tratado deve ser interpretado de boa-fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto e à luz dos respectivos objecto e fim.
2 - Para efeitos de interpretação de um tratado, o contexto compreende, além do texto, preâmbulo e anexos incluídos:
a) Qualquer acordo relativo ao tratado e que tenha sido celebrado entre todas as Partes quando da conclusão do tratado;
b) Qualquer instrumento estabelecido por uma ou mais Partes quando da conclusão do tratado e aceite pelas outras Partes como instrumento relativo ao tratado.
3 - Ter-se-á em consideração, simultaneamente com o contexto:
a) Todo o acordo posterior entre as Partes sobre a interpretação do tratado ou a aplicação das suas disposições;
b) Toda a prática seguida posteriormente na aplicação do tratado pela qual se estabeleça o acordo das Partes sobre a interpretação do tratado;
c) Toda a norma pertinente de direito internacional aplicável às relações entre as Partes.
4 - Um termo será entendido num sentido particular se estiver estabelecido que tal foi a intenção das Partes.”

Ora, em primeiro lugar, importa verificar se o recurso aos critérios hermenêuticos supra referidos permitem sanar as dúvidas quanto ao sentido da locução “durante um período não excedente a dois anos”, termo que não levanta dúvidas quanto ao facto de, pelo seu sentido comum, ser um limite temporal até dois anos, inclusive, mas já gera controvérsia entre as partes, provavelmente, devido à sua localização na frase, quanto ao facto de respeitar ao período limite de deslocação para ensino exclusivo, na perspetiva da Administração Fiscal, ou ao período limite de isenção, na ótica do Impugnante.

Como ensinam os Professores André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, a principal regra de interpretação é o princípio da boa-fé, do qual resultam como corolário quatro regras interpretativas, a saber: 1.ª) a do efeito útil, impedindo que o tratado possa ser interpretado por forma a privá-lo de efeito prático; 2.ª) a de que a interpretação não pode conduzir ao absurdo; 3.ª) a dos efeitos implícitos do tratado, segundo a qual foi querido e compreende o que expressamente se estipulou, mas também os meios necessários para a realização da estipulação; 4.ª) a da interpretação teleológica, segundo qual os tratados devem ser interpretados de harmonia com os fins prosseguidos. (Vd. “Manual de Direito Internacional Público”, Almedina, 1997, 3.ª Edição, p. 240 a 244).

Os mesmos autores defendem como métodos de interpretação previstos na Convenção de Viena o recurso aos elementos literal (significado comum dos termos do tratado, a que alude o artigo 31.º, n.º 1), sistemático (contexto da norma interpretada, mencionado no artigo 31.º, n.ºs 1 e 2), teleológico (objeto e fins visados pelo tratado, referido no artigo 31.º, n.º 1, “in fine" e o elemento atualista (prática posterior subsequente dos Estados na aplicação dos Tratados, nos termos do artigo 31.º, n.º 3, alínea b). Efetivamente, o elemento histórico (enquadramento histórico, trabalhos preparatórios) apenas assume relevância interpretativa enquanto critério residual e subsidiário, nos termos do artigo 32.º.

Descendo da teoria à prática, debrucemo-nos sobre a interpretação do artigo 20.º da CDT à luz destes critérios hermenêuticos.

Já nos referimos supra ao elemento literal da norma, aquando da sua citação, o qual é sempre ponto de partida, e, como vimos, não é totalmente linear.

Passando ao elemento teleológico, verifica-se que, quanto ao objeto, o CDT tem como âmbito subjetivo de aplicação as pessoas residentes de um ou de ambos os Estados Contratantes, sendo os fins da CDT expressamente indicados no seu “nomen iuris”: evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento.

A dupla tributação traduz uma sobrecarga de tributação e gera injustiça, motivada pelo facto de vários ordenamentos jurídicos elegerem como critérios de conexão para efeitos de tributação de rendimentos o princípio da residência e o princípio da fonte, o que conduz a um conflito de competências para tributar os mesmos rendimentos por parte de dois Estados, o da fonte do rendimento e o da residência do sujeito passivo, situação comum e quase inevitável quando um nacional residente num determinado Estado aufere rendimentos num outro Estado. Ora, o objetivo da celebração da CDT entre Portugal e o Brasil foi precisamente prevenir e evitar esta dupla tributação, através da previsão de regras e da introdução de mecanismos para o efeito.
(…)

Posteriormente à prolação da sentença recorrida, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa foi apresentada a dissertação de mestrado de Danilo da Fonseca Crotti, sob orientação do Professor Doutor Gustavo Lopes Courinha, que tem por tema A Evolução das Convenções de Dupla Tributação do Brasil, disponível em https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/45812/1/ulfd145193_tese.pdf., onde na página 54, e sobre o tema que nos ocupa, ou seja, sobre as convenções em vigor que possuem artigo específico para a tributação do rendimento de professores e pesquisadores de um Estado Contratante que foram desenvolver seus trabalhos no outro Estado Contratante escreveu-se:

Todas as convenções brasileiras que possuem regra de tributação especial para professores e pesquisadores limitam o benefício a prazo não superior a dois anos, ou seja, a isenção de tributação no Estado de residência passará a ser permitida após esse prazo.


Assim, na senda do exposto, provado que está que no período compreendido entre 1 de janeiro de 2001 e 31 de dezembro de 2003, o Impugnante e ora Recorrido, apenas exercia funções docentes em Portugal, e que anteriormente residia no Brasil, de onde é natural e ao contrário do defendido pela Recorrente, os rendimentos auferidos pelo Impugnante e ora Recorrido, não estão sujeitos a tributação em Portugal em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nos primeiros dois anos, nos termos da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento.

A sentença que assim decidiu não merece a censura que lhe foi feita e é de manter.

Termos em que improcedem as alegações de recurso.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, custas são pela Recorrente que ficou vencida.

Sumário/Conclusões

I – Os rendimentos auferidos por professor em instituição sem fins lucrativos, antes, residente no Brasil, não estão sujeitos a tributação em Portugal em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares nos primeiros dois anos, nos termos da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento.

III - Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmado a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente que decaiu.

Lisboa, 24 de março de 2022

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Cristina Flora