Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1157/12.3 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/27/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC. SOCIEDADE IRREGULAR
Sumário:Se dois comproprietários de lote de terreno realizam em comum as actividades necessárias com vista a obter lucro com a venda de prédio edificado no mesmo, existe sociedade irregular, cujo rendimento é tributável em IRC.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório
A………………., melhor identificado nos autos, veio impugnar o despacho, datado de 14/09/2011, proferido pela Directora de Serviços do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, que indeferiu o recurso hierárquico, com o n.°….., apresentado na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, com o n.°………., e cujo objecto é a liquidação de IRS n.° ……………, do ano de 2004, no valor de € 3.294,21. O Tribunal Tributário de Lisboa por decisão proferida a fls. 198 e ss. (numeração do processo em SITAF), datada de 25/03/2020, julgou procedente a impugnação.
Desta sentença foi interposto o presente recurso em cujas alegações de fls. 231 e ss. (numeração do processo em SITAF), a Fazenda Pública, formulou as conclusões seguintes:
(…) B. A douta sentença concluiu que os rendimentos auferidos pelo Impugnante foram, na realidade, auferidos por uma sociedade irregular composta pelo Impugnante e pelo comproprietário do prédio, sujeitos a tributação em sede de IRC.
C. No presente recurso, pretende-se que seja apreciada (i) a nulidade por excesso de pronúncia do Tribunal a quo, e, subsidiariamente, (ii) o erro de julgamento de facto nas ilações que o Tribunal retira da matéria de facto provada.
D. A presente impugnação judicial foi deduzida pelo Recorrido pedindo a anulação da liquidação de IRS n.º .............., relativa ao ano de 2004, alegando, para o efeito:
a) a preterição de formalidades legais, designadamente, a preterição do direito de audição,
b) o vício de falta de fundamentação da decisão recorrida,
c) o vício de violação de lei por recusa do recurso hierárquico fora dos casos previstos na lei,
d) errónea qualificação do rendimento auferido em 2004 como rendimento proveniente do exercício de atividade comercial, industrial ou agrícola (categoria B), por oposição à correta qualificação do rendimento como mais-valias (categoria G), cf. P.I. junta a fls. 1 e ss. do SITAF.
E. De acordo com o entendimento do Juiz Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6.a Edição, Volume II, Lisboa, Áreas Editora, julho 2011, página 326 e 327, o Tribunal a quo poderia ter determinado a anulação do ato tributário de IRS com um dos fundamentos alegados pelo Impugnante (ora Recorrido).
F. No entanto, na douta sentença recorrida, determinou-se anular a liquidação de IRS por o facto tributário, na muy douta opinião do Tribunal a quo, se encontrar sujeito a IRC, não a IRS, cf. fls. 20 e 21 da douta sentença, o que constitui um fundamento novo.
G. Nenhuma das causas de pedir constantes da P.I. se reconduzem à sujeição do rendimento auferido pelo Recorrido a IRC.
H. Na opinião da RFP, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre uma questão que não deveria ter conhecido, porquanto não foi suscitada por nenhuma das partes e não é uma questão de conhecimento oficioso.
I. O contencioso tributário está sujeito ao princípio do dispositivo na alegação das causas de pedir, i.e., as causas de pedir que são suscetíveis de serem conhecidas no contencioso tributário são aquelas que são alegadas pelo autor do processo. Neste sentido, cf. acórdão do STA proferido no processo n.° 10519 de 1996-03-13, disponível em www.dgsi.pt.
J. Padece de nulidade de excesso de pronúncia a sentença que conhece de causas de pedir não alegadas pelo autor, nos termos do n.° 1 do artigo 125.° do CPPT e da segunda parte da alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, e, ainda o acórdão do STA proferido no processo n.° 10519 de 1996-03-13, disponível em www.dgsi.pt.
K. O Tribunal a quo excede-se porque conhece da (i)legalidade do ato tributário sob a perspetiva de uma causa de pedir que não foi alegada pelo autor (nem pela ré), i.e., da sujeição do rendimento a IRC, ao invés de IRS, o que constitui um suposto vício que não foi alegado pelas partes, e que não é de conhecimento oficioso.
L. De acordo com o entendimento do Juiz Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6.a Edição, Volume II, Lisboa, Áreas Editora, julho 2011, página 366, “Constitui também nulidade de sentença o excesso de pronúncia, que ocorre com a pronúncia do tribunal sobre questões que não deva conhecer, que também está prevista na alínea d) do n.° 1 do art. 668.° do CPC. (...) Haverá também excesso de pronúncia se o tribunal, apesar de se limitar a apreciar um pedido que foi formulado, exceder os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir, violando a regra da identidade de causa de pedir de causa de julgar, por exemplo, anulando um acto com base em vício não invocado.".
M. De facto, analisando a jurisprudência sobre o tema, tem sido entendimento unânime do Supremo Tribunal Administrativo que a pronúncia sobre questões que não foram colocadas à apreciação do tribunal constitui excesso de pronúncia, o que configura uma nulidade de sentença. Neste sentido, cf., a título de exemplo, os acórdãos proferidos pelo STA nos processos n.° 2/08, em 2008-03-06, n.° 1879/13, em 2015-01-28, n.° 1865/14.4BEBRG, em 2019-04-10, e n.° 1130/08.6BEVIS 660/17, em 2019-10-30, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
N. Em face do exposto, a Fazenda Pública vem, respeitosamente, arguir a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo, por ter tomado conhecimento de uma questão que, em nossa opinião, se encontrava vedada ao Tribunal conhecer.
O. Subsidiariamente, vem a RFP alegar o erro de julgamento constante da sentença recorrida.
P. A douta sentença recorrida afirma que “Para tanto temos de analisar a factualidade dada como provada, de onde se retira que o Impugnante adquiriu o terreno para construção, conjuntamente com A............... e esposa, com a intenção de o transformar e obter lucro, concretamente requerendo alvará de licença de construção, em seu nome e em nome do A....., outorgando contratos de abertura de crédito, por si e em nome do “sócio”, para juntos empreenderem a construção de uma moradia e a consequente alienação.
As iniciadas construções tiveram, pois, como objectivo, a obtenção do “lucro”, visto que, tanto o ora impugnante como o sócio A........ não se limitaram a colher rendimentos da moradia construída, como, por exemplo, dando-a de arrendamento, mas pelo contrário, desenvolveram no citado lote de terreno uma actividade, mediante a qual suportaram custos, de resto comprovados, e, naturalmente, obtiveram lucros.
Desde logo, suportaram custos com as licenças camarárias, visto que, sem elas, seria impossível dar início às construções e, simultaneamente, com os materiais e a mão-de-obra aplicados nas construções. Logo, salvo melhor opinião, a situação, que se tem vindo a concretizar, é bem reveladora de intenção societária que, por não ter assumido os termos legais, não poderá deixar de ser considerada, para todos os fins, designadamente e concretamente os fiscais, uma sociedade irregular (neste sentido, decidiu já o STA em aresto proferido a 23/10/2002, em sede do Processo n.º 0676/02).
Portanto, pode afirmar-se, sem margem para dúvidas que, estas duas pessoas se juntaram, concretizando assim o surgimento de uma sociedade irregular, na medida em que, independentemente da comparticipação que tinham no lote de terreno se uniram e decidiram, em conjunto, pela construção de uma moradia no referido lote e pela sua comercialização, dividindo os custos e lucros.”, cf. fls. 18 e 19 da douta sentença.
Q. Ensina o Senhor Professor Paulo Olavo Cunha que “Em qualquer circunstância, e até ao momento do deferimento do pedido de registo, estamos perante uma entidade que é diferente da que irá resultar desse mesmo registo. Estamos perante uma entidade que a doutrina habitualmente designa por sociedade irregular. Portanto será uma entidade ou uma sociedade que, tendo por objecto uma actividade comercial, adopte um tipo comercial – de entre os que são facultados pela lei comercial –, desde que o respectivo contrato não esteja ainda definitivamente registado, apesar de eventualmente já ter sido celebrado.
Estamos perante uma sociedade irregular, quando:
a) (Já) há um mero acordo de princípio com vista à constituição de uma sociedade, mas ainda não foi celebrado o contrato de sociedade;
b) O contrato de sociedade já foi celebrado, mas ainda não se encontra definitivamente registado.
(…) No entanto, constitui indubitavelmente um património autónomo diferente dos respectivos titulares, das pessoas que para o mesmo contribuíram, que responde prioritariamente pelas dívidas contraídas em sua atenção. E com um efeito também específico, que é o de conceder aos respectivos titulares o benefício da excussão prévia; quer dizer, os respectivos bens só são postos em causa quando já não houver bens suficientes no património autónomo para responder perante as dívidas.”, in Direito das Sociedades Comerciais, Coimbra, Almedina, maio de 2006, página 172.
R. Analisando a matéria de facto apreciada pelo Tribunal, constata-se que, dos factos provados em a) a aa), não consta qualquer elemento que permita concluir pela atuação do Impugnante em sociedade com o Senhor A ................ e esposa.
S. Resulta dos autos que o Impugnante e o Senhor A …………… e esposa solicitaram uma licença de construção junto da Câmara Municipal de ... ………….., para edificarem uma moradia para habitação, no lote de terreno que tinham adquirido, em compropriedade, cerca de 3 (três) anos antes, cf. facto provado em s) e t).
T. Resulta, também, dos autos que o Impugnante outorgou com a Caixa de Crédito …………………… três contratos de abertura de crédito, em nome próprio e na qualidade de procurador do Senhor A ………….. e esposa, cf. factos provados em u), v) e w).
U. Respeitosamente, estes factos são insuficientes para se concluir pela existência de uma sociedade entre o Impugnante e o comproprietário.
V. Se dois comproprietários que partilham o direito de propriedade incidente sobre um prédio, para conseguir exercer o direito de propriedade sobre o prédio, é normal que atuem de forma conjunta sobre esse prédio.
W. Não resulta dos factos que o Impugnante e o comproprietário tenham estabelecido qualquer forma de organização societária entre si (em que proporção? Cinquenta por cento para cada um, ou existiria uma eventual representação do capital social atribuída à esposa do Senhor A………….?).
X. Não resulta dos factos que o Impugnante e o comproprietário tenham intenção de estabelecer uma sociedade entre si.
Y. Resulta, dos factos, que o Impugnante outorgou os contratos de abertura de crédito junto da Caixa de ………………………….. em nome próprio e na qualidade de procurador do Senhor A…………………. e esposa.
Z. Não resulta dos factos que o Impugnante tenha outorgado os contratos de abertura de crédito na qualidade de sócio, de gerente, de procurador ou de qualquer forma de representação de uma sociedade existente entre si e o Senhor A…………….. (e esposa?).
AA. Também não consta dos elementos probatórios considerados nada que sugira ou indique que “a) (Já) há um mero acordo de princípio com vista à constituição de uma sociedade, mas ainda não foi celebrado o contrato de sociedade;
b) O contrato de sociedade já foi celebrado, mas ainda não se encontra definitivamente registado.", cf. citação supra do Direito das Sociedades Comerciais do Professor Paulo Olavo Cunha.
BB. No mesmo sentido, os elementos probatórios considerados na douta sentença são totalmente omissos quanto à existência de um património autónomo distinto dos patrimónios do Impugnante e do Senhor A ………………… (e esposa), e que os alegados sócios teriam o benefício da excussão prévia perante os credores da sociedade.
CC. Aliás, não só nada resulta dos autos que o Impugnante e o comproprietário tenham tido a intenção de constituir, entre si, uma sociedade comercial,
DD. Como não resulta dos autos qualquer intenção de prosseguir em conjunto o exercício de uma qualquer atividade comercial, desconhecendo-se, em absoluto, qualquer outro exercício de atividade comercial pelo Impugnante em conjunto com o Senhor A....................
EE. Por isso, respeitosamente, discordamos do Tribunal a quo quando conclui que a edificação e venda da moradia no prédio da titularidade do Impugnante e do comproprietário significa a existência de uma sociedade irregular entre os comproprietários.
FF. Assim, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, retirando, dos factos provados, ilações que não se afiguram adequadas à base instrutória assente.
GG. Em face do exposto, a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de nulidade por excesso de pronúncia, por ter conhecido de uma questão que, em nossa opinião, se encontrava vedada ao Tribunal conhecer, e, ainda, padece de erro de julgamento de facto, por ter concluído que o Impugnante e comproprietário se juntaram, atuando em sociedade (irregular), devendo manter-se a tributação do rendimento auferido pelo Impugnante em sede de IRS.»
Conclui, pedindo que o recurso seja julgado procedente e revogada a douta sentença recorrida e, em conformidade que seja «declarada a nulidade da sentença e ordenada a baixa dos autos para que o Tribunal se pronuncie sobre a manutenção da tributação em sede de IRS» e, subsidiariamente, seja «a douta sentença recorrida substituída por acórdão que julgue a presente impugnação judicial a improcedente».
X

O recorrido A …………………, devidamente notificado para o efeito, contra-alegou conforme seguidamente expendido:
«1. Sustenta a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em vício de excesso de pronúncia, o que conduziria à nulidade da Sentença proferida.
2. Contudo, o Tribunal a quo limitou-se a acolher os factos alegados pelas partes, a interpretá-los e a subsumi-los ao normativo aplicável, nos termos do exposto no artigo 664º do Cód. Proc. Civil.
3. Para que ocorresse excesso de pronúncia, o Tribunal a quo deveria ter conhecido de questões de que não poderia tomar conhecimento.
4. Isto é, haverá excesso de pronúncia, sempre que, na Sentença, o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).
5. No caso em apreço, essa diversidade não ocorre, já que existe absoluta identidade entre a causa de pedir formulada pelo Recorrido e a fundamentação da Decisão a quo: houve, de facto, uma errónea qualificação do rendimento por si auferido em 2004.
6. Simplesmente, por força da prerrogativa decorrente do disposto no artigo 6645 do Cód. Proc. Civil, concluiu - e bem - o Tribunal a quo que, de acordo com os factos trazidos peias partes ao seu conhecimento, tal rendimento deveria ter sido tributado em sede de IRC,
7. Também nenhuma censura merece a Sentença relativamente ao invocado erro de julgamento, tendo o Tribunal a quo interpretado correctamente os factos e as normas aplicáveis que foram trazidos à sua sindicância.
8. Foi dado como provado que o Recorrido e A…………, em união de esforços, adquiriram em copropriedade um terreno para construção, tramitaram o processo administrativo junto da Câmara Municipal em busca de licenças e alvarás, aí construíram uma moradia, suportando os custos de materiais e mão de obra, contraíram empréstimos bancários, dando a moradia como garantia e, por fim, venderam em conjunto a moradia, tendo partilhado os respectivos custos e lucros - lucros esses que viriam a dar causa à tributação em apreço nos presentes autos.
9. Encetaram, em conjunto, actividade prosseguindo lucro sem a pré-existência de uma sociedade comercial formalmente constituída, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 7º do Cód. Soc. Comerciais.
10. Aliás, a própria Recorrente reconhece - ainda que inconscientemente - o propósito ''societário" da aquisição, pelo Recorrente e por ……………, do lote de terreno, edificação de moradia e posterior venda com divisão do respectivo lucro.
Assim,
11. Bem esteve o Tribunal a quo ao, fazendo uma correcta subsunção dos factos alegados pelas partes ao correcto normativo aplicável, ter concluído que, estando a Recorrente perante uma "sociedade irregular", deveria ter taxado os lucros resultantes da sua actividade em sede de IRC ao invés de o ter feito em sede de I RS.» Termina, pedindo que o recurso seja julgado improcedente e mantida a decisão recorrida.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação.
2.1. De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes.
«a) À data do facto tributário, o Impugnante encontrava-se colectado pela actividade de “Mediação Imobiliária”, regime simplificado - facto admitido por acordo e Declaração de fls. 115 do procedimento de reclamação graciosa, apenso aos autos.
b) Na sequência de acção de fiscalização de actos notariais susceptíveis de produzir rendimentos tributáveis em IRS, a Autoridade Tributária apurou que o Impugnante não declarou em sede de IRS, referente a 2004, a alienação que efectuou, em conjunto com A…………….., em 03/08/2004, de 1/2 do prédio urbano, inscrito sob o artigo ………...°, da freguesia de São ……………., pelo que, foi notificado para proceder à entrega da declaração de rendimentos Mod. 3, referente àquele exercício, devidamente corrigida - cf. ofícios e informações de fls. 122 a fls. 126 do procedimento de reclamação gracioso apenso.
c) Em síntese, consta da Informação em apreço, com interesse para os autos, o seguinte: “(,..) Por consulta aos elementos existentes no processo, verifica-se que: // Através da sisa n.°…., de 1998/10/28, do 1.° serviço de finanças de V …………….., os sujeitos passivos A……… (Impugnante) e A …………….. (NIF ………..) adquiram o lote de terreno para construção, inscrito na matriz da freguesia de S. ……….., sob o artigo …...°; // No referido lote, foi construído pelos contribuintes um prédio urbano para habitação, que foi participado à matriz, através da declaração Mod.1 do Imposto Municipal sobre Imóveis n.°……… de 24/06/2004, que deu origem ao artigo …...º da freguesia de S. …………….; // Em 03/08/2004, procederam à sua alienação, conforme consta do quadro supra indicado; // Por consulta ao conteúdo da declaração de rendimentos apresentada pelos sujeitos passivos A e B, verificou-se que, a referida venda não foi declarada; // Relativamente ao sujeito passivo A……………….., não foi apresentada qualquer declaração de rendimentos do ano de 2004; // A data da alienação, o prédio não se encontrava afecto à habitação dos contribuintes, nem se encontrava arrendado; // . O sujeito passivo A foi administrador da sociedade J………………., Construções Lda.; // Não se conhecem outras vendas, efectuadas nos mesmos moldes - citada informação de fls. 124 do procedimento gracioso;
d) Por requerimento datado, de 15/10/2008, o Impugnante apresentou, em síntese, a seguinte justificação:
“(...)Nesse contexto, e porque o prédio se situa num local em declive, houve necessidade de se proceder a um reforço das fundações e da respectiva estrutura. Os trabalhos inerentes àquele reforço implicaram encargos financeiros adicionais não compatíveis com o orçamento inicialmente previsto. // Aliás, em razão desse facto, fui obrigado a contrair novos financiamentos no Crédito ………………………, visto não ter liquidez para a conclusão da obra. // A necessidade de dotar o edifício de maior segurança e estabilidade, para compensação de cota, implicou a construção de uma estrutura em betão e alvenaria com a área de cerca de 250m2, sendo que essa estrutura não estava prevista inicialmente. Dessa construção, que por medida cautelar foi levada a efeito, não foi retirado qualquer benefício por imposição camarária. //As alterações verificadas cujo gasto foi superior ao que estava inicialmente previsto, levaram-me a proceder à venda com prejuízo, conforme de resto, pretendo fazer prova. // Assim sendo, e uma vez que a descrição efectuada corresponde inteiramente à verdade, solicito a V. ExA se digne reapreciar a matéria constante do V/Ofício supra referenciado.” - requerimento de fls. 120 do procedimento de reclamação graciosa.
e) Porque o Impugnante não apresentou a declaração de IRS corrigida, alegando apenas que, não estavam a ser tidos em consideração, os prejuízos e despesas, que teve com a construção do edifício, a Autoridade Tributária decidiu fixar, oficiosamente, os rendimentos por este obtidos, no ano de 2004, tendo inscrito o valor de €80.000,00, no campo correspondente a vendas, em sede do anexo B, da referida Declaração - cf. fls. 124 a 126 do procedimento de reclamação graciosa apenso.
f) O rendimento em questão adveio da alienação onerosa do prédio urbano inscrito sob o artigo ………., da freguesia de S. ………………., que proveio do lote de terreno para construção inscrito sob o artigo ………… da mesma freguesia, adquirido em 02-11-1998 pelo Impugnante e outro, na proporção de 1/2 para cada um dos comproprietários - cf. conhecimento de Sisa de fls. 9 e escritura de compra e venda de fls. 11 e segs. do procedimento gracioso.
g) O Impugnante foi regularmente notificado pela Autoridade Tributária para audiência prévia, antes de proceder à liquidação oficiosa - cf. ofício de fls. 119 do procedimento de reclamação graciosa.
h) O Impugnante exerceu, por escrito, o direito de audiência, que remeteu à ATA. por ofício registado, com A/R, invocando, em síntese que:
“ (...) As alterações verificadas cujo gasto foi superior ao que estava inicialmente previsto, levaram-me a proceder à venda com prejuízo, conforme de resto, pretendo fazer prova." - cf. fls. 7 e 107 do procedimento de reclamação graciosa.
i) Em 24/11/2008, o Impugnante procedeu à entrega, na Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, de diversos documentos, para prova dos prejuízos suportados com a aquisição e construção do imóvel objecto de venda - cf. fls. 6 e fls. 8 a 58, do procedimento de reclamação graciosa.
j) Em 28/11/2008, foi elaborado e remetido ao Impugnante, o ofício 092540, de acordo com o qual, resulta, com relevo para os autos, o seguinte:
“(...) a título meramente informativo, esclarecemos que, sendo o rendimento determinado com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado, como resulta da alínea b), do n. ° 6, do artigo 31. ° do CIRS, porque o volume de vendas ultrapassou o valor anual do salário mínimo nacional mais elevado, os valores de despesas que o exercício do direito, traria ao processo não teriam qualquer relevância no apuramento do rendimento. // (...)” - cf. fls. 109 do procedimento de reclamação graciosa.
k) Em 24/11/2008, a Autoridade Tributária notificou o Impugnante de que havia procedido à fixação oficiosa dos seus rendimentos (IRS), relativos ao ano de 2004 e que havia dado início ao procedimento de liquidação adicional de imposto - cf. Declaração Oficiosa de fls. 114 a 116 e ofício e aviso de recepção de fls. 117 a 118, do procedimento de reclamação gracioso apenso.
l) Notificado da liquidação adicional de IRS, o Impugnante deduziu reclamação graciosa - cf. articulado de fls. 4 e segs. do procedimento de reclamação gracioso apenso, com o seguinte teor:
“Tendo sido notificado da liquidação do IRS conforme fotocópia do documento supra referenciado que anexo, (...), não foram levados em conta os prejuízos que se verificaram no decurso da construção do edifício sito em ………., freguesia de S. …………….., Vila ………………….. que empreendi e de que aliás fiz menção nas exposições endereçadas ao Exmo. Sr. Director de Finanças de Lisboa conforme se vislumbra das fotocópias que junto. // Por tal motivo (...) a liquidação (...) não reflecte fielmente a minha situação tributária. // Assim sendo, face ao exposto, solicito a V. Ex.a a reapreciação da questão, ordenando consequentemente a rectificação da liquidação efectuada tendo em conta os meios de prova apresentados.”
m) Foi elaborado projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa com o seguinte teor: // “(…) O acto de alienação onerosa do bem imóvel supra referido não se integra no conceito de mais valias previsto na alínea a) do n.° 1 do artigo 10.° CIRS, em virtude de não se tratar de um ganho fortuito ou inesperado. De facto, ocorreu a transformação do lote de terreno para construção adquirido em 1998, através da construção de um prédio urbano destinado a habitação, alienado após a sua conclusão, em 2004. // (...) // Assim sendo, a actividade exercida integra-se no artigo 4.°, n.° 1, alínea f) do CIRS, construção civil, sendo de tributar na categoria B. // (...) // Apesar de se tratar de um acto com características não regulares ou esporádicas, não preenche um dos requisitos para ser tributado como se de um acto isolado se tratasse, a saber, o rendimento proveniente desse acto não pode representar mais de 50% dos restantes rendimentos do sujeito passivo (art.3.°, n.° 3).
Assim a tributação é feita de acordo com as regras do regime simplificado, previstas no artigo 32.°, n° 2, aplicando o coeficiente de 0,20 ao valor da venda, isto é, a €80.000,00 (160.000,00:2) (...)” - cf. projecto de decisão de fls. 137 a 139 da reclamação graciosa.
n) Notificado da intenção de indeferimento da reclamação graciosa, o Impugnante exerceu, por escrito, o seu direito de audição prévia, invocando, em síntese, com interesse para os autos que: "(…) O Interveniente não terá auferido rendimentos na ordem dos €80.000,00, mas ao invés terá suportado prejuízos de €98.000,00 (...)
Tal projecto foi lesto a considerar tal venda como realizada no exercício de actividade comercial de construção civil, como tal, de tributar na categoria B. // Também parece demonstrar uma ligeira inflexão face a anteriores notificações (...) em que se considerava tal venda como acto isolado e, como tal, sujeita às deduções do artigo 30.º do CIRS. // (...) // Tendo essas despesas extraordinárias em linha de conta, nunca os rendimentos auferidos pelo Interveniente com a venda da casa constituíram mais de 50% dos seus restantes rendimentos (...) // E também como reconhecido pela Administração Fiscal, essa venda constitui um acto com características não regulares ou esporádicas. // O que (...) permitiria considerar essa venda como um acto isolado. // (...) os ofícios n.°s…….., de 7 de Novembro de 2008 e 77458, de 15 de Outubro de 2008, são claros ao expressamente considerarem tal venda como se de um acto isolado de tratasse. // (...) // Ambos referem expressamente a aplicabilidade in casu do disposto no artigo 30°do CIRS (...) // Verifica-se, não só o erro, mas também a ilegalidade da liquidação, mercê da não aplicação do disposto no artigo 30° CIRS. // (...) Não pode a Administração Fiscal indicar ao Interveniente a aplicabilidade de um regime, levando-o a adoptar comportamentos consentâneos com o mesmo para, depois, referir que o mesmo é inaplicável. // Foi o que sucedeu no caso em pareço, em que ao Interveniente foi incutida a subsunção dos factos ao regime do acto isolado e, em consequência, provou as despesas e encargos tidos com a construção do imóvel. (...)” // - cfr. fls. 140, 142 a fls. 146 do procedimento de reclamação graciosa apenso.
o) Em 03/12/2009, pelo Chefe do Serviço de Finanças de ………………….. 2, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, baseando-se na fundamentação e informação prestada por técnica dos serviços - cf. decisão de fls. 164 da reclamação graciosa.
p) Com interesse para os autos, consta da referida informação que: // “(...) o sujeito passivo vem alegar que, suportou € 177.793,34 de despesas, com a aquisição do terreno e construção da casa, não tendo auferido rendimentos no valor de € 80.000,00 como entende a Administração Fiscal, mas sim suportando prejuízos no montante de € 98.000,00. Considera ainda que a Administração Fiscal não valorou ou atendeu à junção de documentos de despesas. Conclui que será de aplicar o regime do acto isolado à venda efectuada, devendo as respectivas despesas e encargos com a construção ser contabilizados e tidos em conta nos termos do disposto no art. 30.º do CIRS. // Dos argumentos aduzidos pelo contribuinte verifica-se que não foram invocados factos novos. // No entanto, sempre se dirá que o regime do acto isolado previsto no artigo 30.° do CIRS deve ser visto em conjugação com os restantes dispositivos legais do Código de IRS sendo de aplicar apenas e se estiverem reunidas as condições previstas nomeadamente, no n.° 3 do artigo 3.°: não representem mais de 50% dos restantes rendimentos do sujeito passivo. Como já mencionado no projecto de decisão os rendimentos provenientes da venda de D do imóvel (€80.000,00), ultrapassam em mais de 50% os restantes rendimentos do reclamante, a saber €188 resultantes de prestação de serviços no âmbito da sua actividade (conforme ofícios n.°s ……………. de 15.10.2008 e ………. de 07.11.2008 da DF de Lisboa, notificados ao sujeito passivo e referidos no exercício do direito de audição. // Assim, os valores de despesas apresentados não são de considerar, porque o regime do acto isolado que permitiria a dedução de encargos, não é subsumível na presente situação. (...)” - cfr. fls. 164 a fls. 165 do procedimento de reclamação graciosa apenso.
q) Inconformado, em 08/01/2010, o Impugnante apresentou recurso hierárquico, sindicando a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, alegando em síntese que: // “(…) // Atento o disposto no artigo 10.° do CIRS não se alcança porque razão a alienação onerosa do bem imóvel em preço não pode integrar o conceito de mais-valias. Especialmente se tivermos em conta a fundamentação de tal apreciação: “...ocorreu a transformação do lote de terreno para construção adquirido em 1999, através da construção de um prédio urbano destinado a habitação, alienado após a sua construção, em 2004. // Dispõe a alínea a), do n.°1, do artigo 10.°, do CIRS que (...) // (...) // Note-se que nesse projecto de decisão é expressamente referido que “assim sendo, a actividade exercida integra-se no artigo 4.°, n.° 1, alínea f) do CIRS, construção civil, sendo de tributar na categoria B. // Nunca o Recorrente exerceu a actividade de construção civil.
Como é referido no projecto de decisão, o Recorrente encontra-se colectado como Mediador Imobiliário (CAE 43L), e sempre exerceu, apenas e só, essa actividade profissional - compra, venda e arrendamento de bens imobiliários (portanto, já construídos), a mediação e avaliação imobiliária e a administração de imóveis. // (...) // Tal rendimento poderia ser considerado mais-valia, já que não constituiu ganho obtido que pudesse ser considerado rendimento empresarial ou profissional, de actividade exercida em nome individual pelo Recorrente, e resultou da alienação onerosa de imóvel - al. a) do n.° 1 do artigo 10.° do CIRS a contrario. // (...) // Conforme documentos oportunamente juntos aos autos, o Interveniente suportou 177.793,43 (...) de despesas com a aquisição do terreno e construção da casa. // (...) // O Interveniente não terá auferido rendimentos na ordem dos 80.000,00 (...) tal como pretende o Projeto de Decisão, mas, ao invés, terá suportado prejuízos de €98.000,00 (...). // (...) // Deveria a Administração Fiscal ter tomado em conta apenas 50% do saldo, positivo ou negativo, respeitante à transmissão efectuada. // (...) // Verifica-se não só erro, mas ilegalidade da liquidação. Deverá o produto da venda da casa dos autos ser considerada como se de mais valias se tratasse, devendo as despesas e encargos tidos com a sua construção ser contabilizados e tidos em conta nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 43° do CIRS, procedendo-se, em consonância, à revisão do montante liquidado.” - cf. articulado de fls. 3 a fls. 7 do recurso hierárquico apenso.
r) Em 14/12/2011, pela Directora da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, Divisão de Administração II, foi proferido despacho que indeferiu liminarmente o recurso hierárquico interposto pelo Impugnante, com base na informação dos serviços, elaborada em 30/11/2011, porquanto: “(...) em sede de recurso hierárquico o sujeito passivo veio alterar a sua fundamentação invocando errónea qualificação dos rendimentos (não contestou a decisão dos serviços sobre a manutenção da quantificação do rendimento), pretendendo que o facto tributário seja enquadrado na categoria G ao invés da categoria B. O que constitui ampliação/alteração ao pedido inicial, pelo que não se apresenta este recurso hierárquico o meio próprio para analisar o requerido, devendo o pedido ser liminarmente indeferido. (...) Atendendo que a Administração Tributária se limitou a fazer interpretação das normas aplicáveis aos factos, entendo que o direito de audição se encontra dispensado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º° 3 da circular n.º 13, de 08//07/1999, da Direção de Serviços da Justiça Tributária.” - cf. decisão de fls. 83 a 86, do recurso hierárquico.
MAIS SE PROVOU QUE:
s) Em 02/11/1999, o Impugnante comprou em comum e parte iguais, em conjunto com A…………………, pelo preço de Esc. 2.300.000$00 (dois milhões e trezentos mil escudos), o lote de terreno, destinado a construção urbana, designado por LOTE DOIS, situado no Casal de ……………., freguesia de S ……………, concelho de Vila ……………..- cf. escritura junta de fls. 10 a fls. 13 do Procedimento Gracioso.
t) Em 11/01/2002, foi emitido, pela Câmara Municipal de Vila ……………., a favor do Impugnante e outros, alvará de licença de construção, com prazo compreendido entre 11/01/2002 e 11/01/2003, para construção de moradia e garagem e muro de suporte, no lote identificado na alínea antecedente - cf. alvará constante de fls. 14 do Procedimento Gracioso.
u) Em 13-03-2002, o Impugnante outorgou, por si e na qualidade de procurador de A……………..e esposa, junto da Caixa d…………………….., contrato de abertura de crédito até à quantia de cem mil euros, constituindo, como garantia, hipoteca sobre o lote de terreno identificado nas alíneas antecedentes - cf. contrato constante de fls. 17 a 22 do Procedimento Gracioso.
v) Em 29-01-2003, o Impugnante outorgou, por si e na qualidade de procurador de A………………e esposa, junto da Caixa de ………………………., novo contrato de abertura de crédito até à quantia de trinta mil euros, constituindo, como garantia, hipoteca sobre o lote de terreno em apreço - cf. doc. de fls. 24 a 30 do Procedimento Gracioso.
w) Em 30-07-2003, o Impugnante outorgou, por si e na qualidade de procurador de A………………. e esposa, junto da Caixa ……………………., novo contrato de abertura de crédito até à quantia de 20 mil euros, constituindo, como garantia, hipoteca sobre o referido lote de terreno - cf. doc. de fls. 32 a 38 do Procedimento Gracioso.
x) Em 03-08-2004, o Impugnante alienou, em conjunto com A …………….., cada um na proporção de e pelo preço de € 160.000,00, a moradia familiar, garagem e muro de suporte que haviam construído no lote de terreno identificado em s) - cf. citada informação de fls. 124 do procedimento gracioso e facto admitido por acordo.
y) O prédio objecto de alienação mencionado na alínea anterior não constituía morada de família do Impugnante nem se encontrava arrendado - cf. informação de fls. 138 do Procedimento e facto admitido por acordo.
z) O Impugnante exercia actividade de mediador imobiliário - cf. informação de fls. 138 do Procedimento e facto admitido por acordo.
aa) O comproprietário A …………………. exercia a actividade de construção civil, sendo titular de empresa de construção civil J ……………., Ld.a - cf. informação de fls. 124 do procedimento gracioso.
4.2.
FACTOS NÃO PROVADOS // Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
4.3.
MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
O Tribunal formou a sua convicção, mediante a análise critica dos documentos, não impugnados, juntos aos autos, constantes do PAT, da Reclamação Graciosa e do Recurso Hierárquico, identificados supra, a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»
X
2.2. DIREITO
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:
i) Nulidade por excesso de pronúncia, dado que a sentença recorrida determinou a anulação do acto tributário impugnado com base em fundamento novo não invocado na petição inicial [conclusões a) a N)].
ii) Erro de julgamento no que respeita à apreciação da matéria de facto, dado que não existem elementos comprovem a existência de sociedade irregular, na base da qual foi gerado o rendimento em causa [demais conclusões de recurso].
2.2.2. No que respeita ao fundamento do recurso referido em i), a recorrente invoca que a sentença sob escrutínio é nula por excesso de pronúncia, dado que anulou o acto tributário impugnado, com base em vício não invocado pelo impugnante.
Apreciação.
Nos termos do artigo 615.º/1/d), do CPC, uma sentença padece de nulidade quando o juiz «conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (…); não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras» (artigo 608.º/2, do CPC). «Haverá… excesso de pronúncia se o tribunal, apesar de se limitar a apreciar um pedido que foi formulado, exceder os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir, violando a regra da identidade de causa de pedir e causa de julgar, por exemplo, anulando um acto base em vicio não invocado» (1).
«[A]s questões que o tribunal deve apreciar e decidir são apenas aquelas que contendem directamente com a substanciação da causa de pedir, do pedido e das excepções, não se confundindo com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pela parte» (2). «O conceito de «questões» abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem» (3).
No caso em exame, perante a invocação por parte do impugnante de que a liquidação adicional sob escrutínio se fundou no enquadramento dos rendimentos em causa como rendimentos da categoria B de IRS, em vez da categoria G de IRS, o tribunal considerou que o acto tributário se mostra inquinado, por erro de direito, dado que enquadrou de forma errada os rendimentos em apreço. O Tribunal aduziu, para tanto e em síntese, que,
«A tributação em apreço deveria pois ter sido efectuada, como uma tributação de sociedade irregular enquadrando-se na alínea b) do artigo 2° do CIRC, de acordo com o disposto no supra citado artigo 2° do IRC, e tendo em atenção o que se encontra preconizado na alínea a) do n° 1, do artigo 3° - «Base do imposto», do CIRC, isto é: IRC incide sobre o lucro das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, das cooperativas e o das empresas públicas e o das demais pessoas colectivas ou entidades, referidas nas alíneas a) e b) do n° 1 do artigo 2.° do CIRC que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola».
Ao invés do propugnado pela recorrente, daqui não decorre qualquer excesso de pronúncia, porquanto o tribunal não apreciou questão diversa da suscitada pelo impugnante.
O pedido formulado na petição inicial consiste na anulação do acto tributário com base no fundamento de que o mesmo assentou em errada qualificação dos rendimentos auferidos pelo impugnante. Ou seja, está em causa liquidação oficiosa de IRS (2004), categoria B, em virtude do ganho obtido com a alienação de prédio urbano (4). Foi afastada a aplicação, quer do regime da categoria G), quer do regime de tributação do acto isolado em IRS. O impugnante questionou a qualificação e o regime fiscal da tributação em apreço, seja em sede das impugnações administrativas que deduziu, seja na presente impugnação judicial. Invoca erro na qualificação dos rendimentos e desconsideração indevida dos custos associados.
Tendo presente a referida causa de pedir, o tribunal, ainda que adoptando um enquadramento jurídico diverso da questão, julgou procedente o vicio invocado pelo impugnante. Daí não segue, todavia, que o tribunal recorrido tenha incorrido em excesso de pronúncia.
«O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito» (artigo 5.º/3, do CPC). «[O] princípio do dispositivo, que assume particular importância no que à matéria de facto concerne (atribuindo às partes a iniciativa de, através da respectiva alegação, trazer aos autos a factualidade relevante), já não reveste igual relevo no campo da fundamentação de direito, na qual impera o (…) brocardo latino, segundo o qual o tribunal conhece o Direito» (5). Ou seja, tendo sido invocada contra o acto tributário a errada qualificação jurídico-fiscal dos rendimentos em causa, não se vê como limitar a integração jurídica a realizar pelo tribunal às asserções invocadas pelo impugnante, podendo o tribunal descortinar outros argumentos que, dentro do quadro factual relevante, permitem sustentar a causa de pedir do erro no enquadramento fiscal referido.
Pelo que os limites da congruência entre a causa de pedir da acção e a causa de julgar mostram-se observados. O que determina a improcedência da presente imputação.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente invoca que não resulta do probatório a existência de sociedade irregular, cuja criação teria estado na base da obtenção do rendimento em referência.
A este propósito, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:
«(…) os dois comproprietários do lote de terreno em apreço não venderam o lote que haviam comprado, mas antes se uniram para nele construir uma moradia e assim praticarem e desenvolverem a actividade de construção e venda de bens imobiliários, há que dizer que os dois proprietários mais não fizeram do que constituírem uma sociedade formada por dois sócios e que, mesmo não se mostrando constituída nos termos legais, deverá ser vista como uma sociedade irregular e, como sociedade irregular que é, enquadra-se perfeitamente na alínea b), do artigo 2.° do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. // Conforme determinam a alínea b), do n.°1, do artigo 2.° do CIRS, as sociedades irregulares são sujeitos passivos de IRC e dele não isentas (…)».
Apreciação. Do probatório resulta o seguinte:
i) Em 02/11/1999, o Impugnante comprou em comum e parte iguais, em conjunto com A ……………., pelo preço de Esc. 2.300.000$00 (dois milhões e trezentos mil escudos), o lote de terreno, destinado a construção urbana, designado por LOTE DOIS, situado no Casal ……………, freguesia de …………….., concelho de ……………. (alínea s).
ii) Em 11/01/2002, foi emitido, pela Câmara Municipal de …………….., a favor do Impugnante e outros, alvará de licença de construção, com prazo compreendido entre 11/01/2002 e 11/01/2003, para construção de moradia e garagem e muro de suporte, no lote identificado na alínea antecedente (alínea t).
iii) Em 13-03-2002, o Impugnante outorgou, por si e na qualidade de procurador de A ……………. e esposa, junto da Caixa ………………….., contrato de abertura de crédito até à quantia de cem mil euros, constituindo, como garantia, hipoteca sobre o lote de terreno identificado nas alíneas antecedentes (alínea u).
iv) Em 29-01-2003, o Impugnante outorgou, por si e na qualidade de procurador de A ……………. e esposa, junto da Caixa …………………., novo contrato de abertura de crédito até à quantia de trinta mil euros, constituindo, como garantia, hipoteca sobre o lote de terreno em apreço (alínea u).
v) Em 30-07-2003, o Impugnante outorgou, por si e na qualidade de procurador de A …………… e esposa, junto da Caixa ……………………, novo contrato de abertura de crédito até à quantia de 20 mil euros, constituindo, como garantia, hipoteca sobre o referido lote de terreno (alínea w).
vi) Em 03-08-2004, o Impugnante alienou, em conjunto com A ………………, cada um na proporção de e pelo preço de € 160.000,00, a moradia familiar, garagem e muro de suporte que haviam construído no lote de terreno identificado em s) (alínea x).
vii) O prédio objecto de alienação mencionado na alínea anterior não constituía morada de família do Impugnante nem se encontrava arrendado (alínea y).
viii) O Impugnante exercia actividade de mediador imobiliário (alínea z).
ix) O comproprietário A …………………. exercia a actividade de construção civil, sendo titular de empresa de construção civil J……….. Construções, Ld.a (alínea aa).
Dos incisos legais aplicáveis resulta que: «[s]e dois ou mais indivíduos, quer pelo uso de uma firma comum quer por qualquer outro meio, criarem a falsa aparência de que existe entre eles um contrato de sociedade responderão solidária e ilimitadamente pelas obrigações contraídas nesses termos por qualquer deles. // Se for acordada a constituição de uma sociedade comercial, mas, antes da celebração do contrato de sociedade, os sócios iniciarem a sua actividade, são aplicáveis às relações estabelecidas entre eles e com terceiros as disposições sobre sociedades civis» (Artigo 36.º do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 08.09).
Constitui um contrato de sociedade «aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem o lucro resultante dessa actividade» (6).
No caso, o dissenso entre a recorrente e o recorrido não incide sobre a existência de rendimentos, gerados pela compra de lote de terreno para construção, construção de moradia nesse lote de terreno e posterior venda, reside apena na qualificação e regime de tais rendimentos. Para a recorrente, os proveitos em causa correspondem a rendimentos da categoria B de IRS, a tributar oficiosamente. Para o recorrido (e para a sentença), trata-se de rendimentos obtidos através da actividade de sociedade irregular (artigo 6.º/1/a), do CIRC), cujo lucro deve ser tributado em sede de IRC (artigo 2.º/1/b), do CIRC).
A questão que se suscita consiste, pois, em saber se existe prova nos autos do acordo societário, ou seja, do acordo entre comproprietários de exercerem em comum uma actividade comercial ou industrial, ou seja uma actividade económica que não seja de mera fruição, com o intuito de realizar e partilhar os lucros dela resultantes. Tal questão tem relevo prático dado que o enquadramento em IRS, categoria B, impede, no caso, a consideração das despesas incorridas com a geração de rendimento (V. alínea p) do probatório e artigo 3.º/3, do CIRS, versão vigente). Efectivamente, os elementos coligidos nos autos comprovam a existência de uma actividade económica em conjunto por parte dos dois comproprietários, com vista à obtenção dos lucros e partilha dos mesmos. «A imputação [do rendimento] é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do acto constitutivo das entidades [mencionadas nos n.os 1 e 2, do artigo 6.º do CIRC] ou, na falta de elementos, em partes iguais» (artigo 6.º/3, do CIRC).
Ou seja, está comprovada nos autos a intenção dos dois comproprietários de exercício em conjunto de actividade económica, colocando em comum os recursos necessários e realizando as actividades necessárias com vista a obter lucro com a venda de prédio edificado no lote de terreno em causa, pelo que a tributação em IRC, em sede de sociedade irregular, não enferma do erro que lhe é apontado. O mesmo se diga da sentença que assim julgou.
Motivo porque se impõe julgar improcedentes as presentes conclusões de recurso.

DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto- Hélia Gameiro Silva)


(2º. Adjunto – Ana Cristina Carvalho)


(1) Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., p. 366.
(2) Helena Cabrita, A sentença cível, Fundamentação de facto e direito, Almedina, 2019, p. 235.
(3) Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., p. 363.
(4) Alíneas d) a f), do probatório.
(5) Helena Cabrita, A sentença cível, Fundamentação de facto e direito, Almedina, 2019, p. 226.
(6) Artigo 980.º do Código Civil.