Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05287/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/27/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:I.R.C.
REGIME DE TRANSPARÊNCIA FISCAL.
REGIME SIMPLIFICADO DE DETERMINAÇÃO DO LUCRO TRIBUTÁVEL.
ARTº.53, DO C.I.R.C.
Sumário:1. Em sede de I.R.C. o regime de transparência fiscal visa atingir três objectivos principais, os quais são:
a)A neutralidade fiscal alcançada através da tributação dos sócios ou membros da sociedade, tal como se exercessem directamente a actividade;
b)O combate à evasão fiscal, de forma a evitar a possibilidade dos sujeitos passivos constituírem sociedades intermediárias com a finalidade de fuga ao imposto;
c)A eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos, na medida em que estas sociedades não são tributadas em sede de I.R.C., mas sim na pessoa dos seus sócios ou membros, em sede de I.R.C. ou I.R.S., consoante se trate de pessoas colectivas ou singulares.
2. O regime de transparência fiscal aplica-se obrigatoriamente às sociedades residentes em Portugal que se encontram devidamente identificadas no artº.6, nº.1, do C.I.R.C., entre as mesmas se encontrando as sociedades de profissionais, como é o caso das sociedades constituídas por médicos (cfr.artº.6, nº.4, al.a), do C.I.R.C.), tudo levando em consideração a lista de actividades profissionais a que alude o artº.151, do C.I.R.S. (cfr.portaria 1011/2001, de 21/8 - nº.7 da tabela relativo a médicos e dentistas), e desde que todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa actividade.
3. O regime de transparência fiscal caracteriza-se, essencialmente, pela imputação aos sócios ou membros da sociedade transparente da respectiva matéria colectável, ainda que não tenha havido distribuição de lucros. A matéria colectável destas sociedades é determinada em sede de I.R.C. pelo que, embora subordinadas a este regime, não perdem as mesmas a qualidade de sujeito passivo do imposto, ficando sujeitas ao cumprimento de todas as obrigações como qualquer outro tipo de sociedade, designadamente, à apresentação da declaração periódica de rendimentos. Em sede de I.R.S., os valores imputados integram-se como rendimento líquido na categoria B. A mencionada imputação é efectuada de acordo com o que resultar do acto constitutivo da respectiva entidade ou, na falta de elementos, em partes iguais (cfr.artº.6, nº.3, do C.I.R.C.). A verdadeira caracterização do regime de transparência fiscal da sociedade pode definir-se como uma situação de não tributação em sede de I.R.C. e não de isenção do mesmo tributo.
4. O regime simplificado de determinação do lucro tributável em sede de I.R.C. encontra consagração no artº.53, do C.I.R.C., e foi introduzido no sistema fiscal pela Lei que procedeu à reforma da tributação dos rendimentos (Lei 30-G/2000, de 29/12). Este regime consiste numa forma de determinação do rendimento a tributar, obtido por pessoas colectivas residentes em território português que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, sujeitas ao regime regra de tributação em I.R.C. e cuja actividade empresarial seja de pequena dimensão, ou seja, cujos proveitos, no exercício anterior, não hajam excedido o valor de € 149.639,37, mais não tendo optado pelo regime normal de determinação do lucro tributável baseado na contabilidade organizada, o qual está previsto no artº.17 e seg. do C.I.R.C. O rendimento a tributar resulta da aplicação de determinados coeficientes aos proveitos (vendas, prestação de serviços e outros) obtidos pelas entidades às quais seja aplicável. A lei apenas presume os custos, aceitando, em princípio, como reais os proveitos apurados pelo contribuinte.
5. As empresas são sempre obrigadas a dispor de contabilidade organizada (cfr.artº.115, nº.1, do C.I.R.C.), só tendo sentido que, por regra e como sistema base, o lucro seja apurado com base no regime de determinação do lucro real, o qual resulta de imperativos constitucionais (cfr.artº.104, nº.2, da C.R.Portuguesa), em virtude do que se deve admitir que apenas por verdadeira, consciente e formalizada opção se aplique o regime simplificado (de forma secundária, portanto). Pelo que, desde logo se conclui que o sistema simplificado de tributação somente se deve considerar constitucional se revestir cariz optativo, porque de outra forma violaria o dito princípio da tributação segundo o rendimento real, previsto no artº.104, nº.2, da C.R. Portuguesa. Portanto, a opção pelo regime simplificado deve sempre pertencer ao sujeito passivo de imposto.
6. Igualmente se chama à colação a regra prevista no artº.36, do C.P.P.Tributário, a qual determina que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeito em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados, sendo que, a alteração ao regime de tributação ao abrigo do aludido artº.53, nº.7, al.b), do C.I.R.C., se deve consubstanciar como acto enquadrável neste preceito, pelo que somente se tornaria eficaz após notificação ao sujeito passivo.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal, visando sentença proferida pela Mma. Juíza do T.A.F. de Almada, exarada a fls.185 a 206 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a impugnação intentada tendo por objecto uma liquidação de I.R.S. e juros compensatórios, relativa ao ano de 2005 e no montante total de € 50.547,02.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.224 a 227 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A “B...” não obteve proveitos, como resulta da alínea F) do probatório;
2-Não foi entregue, até 31 de Março de 2005, qualquer declaração de alterações em conformidade com o determinado na al.b), do nº.7, do artº.53, do C.I.R.C.;
3-A Administração Tributária enquadrou correctamente a “B...” como sendo uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal;
4-A “B...”, em 2004, apurou resultado negativo;
5-Não pode, uma sociedade suportar custos com o fornecimento de serviços externos, amortizações e reintegrações do activo imobilizado, entre 2004/11/16 e 2004/12/31 e o início de actividade ocorrer em data posterior;
6-A declaração de substituição ao início de actividade nunca poderia produzir quaisquer efeitos em termos de enquadramento em I.R.C., pois que não foi cumprido o prazo para o exercício da opção, previsto no artº.53, nº.7, al.b), do C.I.R.C.;
7-Ao decidir como o fez, a douta sentença ora recorrida violou o artº.53, nºs.1 e 7, al.b), do C.I.R.C., na redacção vigente à data;
8-Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar procedente o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta sentença, ora recorrida, revogada e substituída por douto acórdão que julgue a presente impugnação improcedente, por não provada, tudo com as devidas e legais consequências.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.236 a 239 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.240 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.186 a 196 dos autos):
1-Em 16 de Novembro de 2004, foi constituída a sociedade por quotas com a firma “B...- Prestação de Serviços Médicos, L.da.” (B...), tendo por objecto a “prestação de serviços médicos”, e como únicos sócios e com quotas iguais, C..., A..., D... e E... (cfr.documento junto com a contestação de fls.44 a 49 dos presentes autos);
2-Todos os sócios da “B...” exercem a profissão de médico (cfr.acordo das partes porque factualidade admitida no artº.2 da petição inicial; depoimento testemunhal produzido pelos três sócios do impugnante);
3-A “B...” foi constituída com o intuito de cumprir o contrato de fornecimento de prestação de serviços na urgência do Hospital do Espírito Santo (cfr.acordo das partes porque factualidade admitida no artº.5 da petição inicial; depoimento testemunhal produzido pelos três sócios do impugnante);
4-Em 16 de Novembro de 2004, foi apresentada no Centro de Formalidades de Empresas, de Loulé, “declaração de inscrição no registo/início de actividade”, referente à “B...”, com o NIF ..., cujo quadro “9 - Dados relativos à actividade esperada”, foi preenchido da seguinte forma:
- Campo 1 - Data do início de actividade 2004/11/16
- Campo 12 - Volume de Negócios 30.000,00 €
- Campo 18 - Volume anual estimado de vendas (I.R.S.) 180.000,00 €, sendo que todos os demais campos foram deixados em branco (cfr.documento junto a fls.17 e 18 dos presentes autos);
5-O quadro 10 da declaração identificada na alínea anterior foi preenchido pelos serviços da Administração Tributária que a receberam, da seguinte forma:
- relativamente ao “enquadramento definido pelo SF em IR”, foi assinalado o campo 20 - Reg. Ger. de Det. Do Lucro Tributável (nº.2, do artigo 53, do C.I.R.C.);
- relativamente ao "enquadramento definido pelo SF em IVA", foi assinalado o campo 5 - Transmissões de bens e ou prestações de serviços isentas que não conferem o direito à dedução (isenção artigo 9º.);
- campo 15 - Enquadramento a vigorar a partir de 2004/11/16 (cfr.documento junto a fls.17 e 18 dos presentes autos);
6-No exercício de 2004, a “B...” apurou um resultado negativo de € 277,20 e o total de proveitos foi € 0 (cfr.declaração anual referente a 2004 junta a fls.74 a 77 do processo administrativo apenso);
7-Em 29 de Dezembro de 2004, foi celebrado com o Hospital do Espírito Santo, em Évora, um contrato de prestação de serviços médicos na urgência tendo por objecto a “prestação de serviços médicos na urgência, durante o ano de 2005” (cfr.documento junto a fls.51 a 53 dos presentes autos);
8-Durante o ano de 2005, no âmbito do contrato referido na alínea anterior, a “B...” supria a falta de médicos do serviço de urgência do Hospital, contratando os médicos necessários para o efeito, recebendo a remuneração devida por esses serviços e pagando aos médicos por si contratados os serviços prestados no Hospital, mediante retenção de 3% (cfr.documento junto a fls.51 a 53 dos presentes autos; depoimento testemunhal produzido pelos três sócios do impugnante);
9-Em 2005, os quatro sócios da “B...”, incluindo o ora impugnante, prestaram serviços no Hospital do Espírito Santo integrados em equipas médicas geridas pela B...(cfr.documento junto a fls.90 a 104 dos presentes autos; depoimento testemunhal produzido pelos três sócios do impugnante);
10-No exercício fiscal de 2005, a “B...” obteve proveitos no valor de € 711.262,17 e suportou encargos fiscalmente dedutíveis no valor de € 705.832,53 (cfr.factualidade admitida pelo impugnante na conclusão Q) da p.i.; soma líquida das contas 62 e 72 constante do documento junto a fls.55 e 56 dos presentes autos; documento junto a fls.123 a 126 do processo administrativo apenso);
11-Em 21 de Março de 2006, foi apresentada, em Faro, “declaração de inscrição no registo/início de actividade”, referente à “B...”, com preenchimento dos seguintes campos:
- No quadro 3, de “Uso exclusivo dos serviços” foi assinalado o campo 5 do quadro 3: Substituição de início
- Campo 1 do Quadro 9 - Data do início de actividade 2005/01/02
- Campos 10 e 11: Dados referidos a “12” meses do ano de “2005”
- Campo 12 - Volume de Negócios € 180.000,00
- Campo 18 - Volume anual estimado de vendas (IRS) € 180.000,00
- No quadro 10, de “Uso exclusivo dos serviços”, relativamente ao “enquadramento definido pelo SF em IVA”, foi preenchido o campo 5 -Transmissões de bens e ou prestações de serviços isentas que não conferem o direito à dedução (isenção artigo 9º.) e o campo 15 - Enquadramento a vigorar a partir de “2005/01/02” (cfr.documento junto a fls.19 a 21 dos presentes autos);
12-Em 22 de Março de 2006, o impugnante, A..., com o n.i.f. 194 050 858, entregou a declaração de rendimentos, Modelo 3, de l.R.S., referente ao ano de 2005, que originou a liquidação nº.2006 4000857482, onde se apurou o rendimento global no valor de € 24.000,00 e reembolso no valor de € 667,61 (cfr.documentos juntos a fls.87 a 91, 135 a 137 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.171 a 174 do processo administrativo apenso);
13-Em 29 de Março de 2006, foi apresentada, em Faro, “declaração de alterações”, referente à “B...”, para exercício da opção pelo regime geral de determinação do lucro tributável, no âmbito do I.R.C., com início em 2006/01/01 (cfr.documento junto a fls.22 a 24 dos presentes autos);
14-Em 25 de Maio de 2006, foi submetida a declaração Modelo 22 de IRC, referente ao sujeito passivo com o NIF ..., apurando uma importância a pagar de € 3.111,80 (cfr.documento junto a fls.25 dos presentes autos);
15-Em 5 de Agosto de 2009, na sequência de uma acção de inspecção realizada entre 30 de Junho e 9 de Julho de 2009, ao ora impugnante, A..., referente ao I.R.S. de 2005, foi elaborado o respectivo relatório de inspecção, de cujo teor se extrai o seguinte:

“I. CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO
1.1. Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção
No exercício de 2005, o sujeito passivo (s.p.) como sócio da “B...- Prestação de Serviços Médicos, L.da.”, NIPC ... à qual se aplica o Regime da Transparência Fiscal previsto no artigo 6°, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (C.I.R.C.), obteve rendimentos resultantes de imputação especial prevista no artigo 20°, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (C.I.R.S.), sem que os tivesse incluído na declaração de rendimentos Modelo 3, resultando uma correcção ao rendimento colectável de € 117.104,75. (...)

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
O s.p. é sócio-gerente da sociedade “B...- Prestação de Serviços Médicos, L.da.”, NIPC ..., cujo objecto social é a prestação de serviços médicos, conforme Contrato de Sociedade celebrado a 2004/11/16. Verificando-se que todos os sócios (quatro, à data) são médicos, profissionais a que alude a Tabela de actividades do artigo 151°, do C.I.R.S., estão cumpridos os requisitos da alínea a), do n°4, do artigo 6°, do C.I.R.C., ou seja, trata-se de uma Sociedade de Profissionais, pelo que aplica-se o Regime da Transparência Fiscal, previsto no mesmo artigo. Segundo o n°1, do artigo 6°, do C.I.R.C., é imputado aos sócios a matéria colectável apurada nos termos daquele código, integrando-se no seu rendimento tributável para efeitos de I.R.S., como rendimento líquido da categoria B, conforme previsto no artigo 20°, do C.I.R.S.

No exercício de 2005 a sociedade “B...- Prestação de Serviços Médicos, L.da.”, NIPC ..., encontra-se enquadrada no Regime Simplificado de determinação do lucro tributável previsto no artigo 53°, do C.I.R.C., pelo que o apuramento do lucro tributável resulta da aplicação do coeficiente previsto no n°2, do artigo 31°, do C.I.R.S., conforme disposto no n°13, do artigo 53°, do C.I.R.C., ou seja, aos proveitos daquele exercício aplica-se o coeficiente de 0,65.

Através da análise da Declaração Anual entregue e do balancete analítico da contabilidade verifica-se que no exercício de 2005, a sociedade prestou serviços no valor de € 711.262,17 e obteve proveitos suplementares no valor de € 9.382,44. Aplicando o coeficiente de 0,65 à totalidade dos proveitos obtidos (€ 720.644,61) apura-se um lucro tributável de € 468.419,00.

Uma vez que, de acordo com o Contrato de Sociedade todos os sócios têm quotas iguais, a imputação será feita dividindo o montante apurado por quatro, conforme previsto no n°3, do art°6°, do C.I.R.C., pelo que o valor a imputar a cada sócio é de € 117.104,75, sendo este o valor da correcção ao rendimento colectável declarado pelo s.p. (...)

VII - INFRACÇÕES VERIFICADAS

A situação descrita no ponto III constitui infracção ao disposto no artigo 57°, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, constituindo crime por fraude fiscal punível pelo artigo 103°, do Regime Geral das Infracções Tributárias (R.G.I.T.), uma vez que, de acordo com simulação da liquidação, o imposto a pagar resultante desta omissão é superior ao previsto naquele artigo.
(...)

IX - DIREITO DE AUDIÇÃO

Foi remetido o projecto de relatório para exercício do direito de audição (...). Em 2009/07/28 foi recepcionado nestes serviços fax com o exercício do direito de audição através do seu mandatário Dr. F..., que será apreciado de seguida.

- É referido que nem o s.p. “nem qualquer outro dos sócios da B...- Prestação de Serviços Médicos Lda. alguma vez prestou qualquer serviço médico, de forma remunerada ou gratuita, à aludida sociedade” e também que “a sociedade B...nunca pagou um cêntimo que fosse a qualquer um dos seus sócios pela prática de qualquer acto médico.”

Analisando o balancete analítico da “B...- Prestação de Serviços Médicos, L.da.” a 2005/12/31 bem como extractos de contas correntes e documentos da contabilidade, verifica-se que todos os sócios mantêm uma conta corrente designada de "Outros Credores" e que praticamente todos os meses foram efectuadas transferências bancárias da sociedade para os sócios, juntamente com transferências para outros médicos. Os documentos de suporte ao lançamento a crédito na conta corrente de cada sócio são recibos de outras sociedades das quais os mesmos são sócios ou administradores. No caso específico do s.p. são emitidos recibos da sociedade “G...Serviços de Saúde, Lda”, N.I.P.C. ....

- É referido que “o regime de contabilidade optado pela sociedade... apenas poderia ser a da contabilidade organizada, pois que sempre esta, enquanto desenvolveu efectiva actividade, sempre teve um volume de negócios e um valor total anual dos proveitos, superior a 155.000€” e que “atendendo ao volume de negócios... sempre esperados e declarados acima dos 155.000€... sempre esteve obrigada ao regime de contabilidade organizada e não ao regime simplificado ou de transparência fiscal” e que “É mesmo o que só pode decorrer da declaração de substituição de início de actividade, entregue oportunamente nos serviços da administração fiscal.”

Relativamente a esta alegação importa referir que quando a sociedade iniciou a actividade, em 2004/11/16, de acordo com a declaração de início de actividade e Contrato de Sociedade, fez uma previsão de proveitos anual superior ao limite de € 149.639,37, previsto no n.°1, do artigo 53°, do C.I.R.C., ficando por isso enquadrado no regime geral da contabilidade organizada. Durante esse exercício não obteve proveitos, o que não é o mesmo que não ter exercido a actividade, tanto assim é que entregou a declaração de rendimentos Modelo 22 e a declaração anual de informação contabilística e fiscal onde se verifica que a sociedade teve custos, nomeadamente em fornecimentos e serviços externos e amortizações e reintegrações do activo imobilizado. No exercício de 2005, uma vez que a previsão de proveitos para 2004 não se concretizou, deveria a sociedade optar pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável, através de entrega da declaração de alterações prevista no artigo 32°, do C.I.V.A., e artigo 110°, do C.I.R.C., até ao fim do 3° mês do período de tributação do início da aplicação do regime, ou seja, 2005/03/31, o que não se verificou. A sociedade entregou, sim, uma declaração de substituição ao início de actividade em 2006/03/21 que nunca poderia ter produzido efeitos em termos de enquadramento.

O facto da sociedade ter obtido proveitos elevados em 2005, superiores a 25% do limite de € 149.639,37 releva para o exercício seguinte, tal como previsto no n° 10, do artigo 53°, do C.I.R.C.

Nestes termos, consideramos que os argumentos apresentados pelo sujeito passivo no decurso do prazo para o exercício do direito de audição, comentados nos pontos anteriores, não são susceptíveis de alterar os pressupostos que estiveram na base da elaboração do projecto de relatório, mantendo-se a correcção proposta à matéria colectável.” (cfr.cópia do relatório de inspecção tributária e anexos junta a fls.145 a 172 dos presentes autos);

16-Em Agosto de 2009 foi proferido parecer pela Chefe de Divisão, nos seguintes termos:
“Deve-se remeter este relatório à Direcção de Finanças de Setúbal, para efeitos de alteração ao rendimento líquido declarado pelo sujeito passivo em IRS do ano de 2005, resultante da correcção técnica efectuada no montante de € 117.104,75, com os fundamentos expressos no ponto III deste relatório, pelo que o rendimento líquido deverá ser alterado para € 137.867,34, de acordo com o n.° 4 e 5 do artigo 65° do CIRS.
Os argumentos apresentados pelo sujeito passivo em direito de audição não são susceptíveis de alterar os procedimentos da correcção proposta, tal como é comentado no ponto IX, pelo que a mesma se deverá manter.
Foi levantado auto de notícia por indícios de fraude fiscal, de acordo com o artigo 103° do RGIT.” (cfr.relatório de inspecção tributária a fls.145 e 146 dos presentes autos);

17-Em 7 de Agosto de 2009, foi proferido despacho de concordância com o relatório de inspecção e com o parecer referidos nos nºs.15 e 16 supra (cfr.relatório de inspecção tributária a fls.145 dos presentes autos);
18-Na sequência de uma acção de inspecção realizada entre 18 de Agosto e 13 de Novembro de 2009, à contabilidade da “B...”, referente ao I.R.C. de 2005, foi em 18 de Novembro de 2009, elaborado o respectivo relatório de inspecção, de cujo teor se extrai o seguinte:

“II. OBJECTIVOS ÂMBITO E EXTENSÃO DA ACÇÃO INSPECTIVA (...)
II.3. Outras Situações
O s.p. iniciou actividade em 2004/11/16 com o CAE 85120, actualmente 86210 -Actividades de prática médica de clínica geral, em ambulatório. Em 2005/01/12 celebrou um contrato com o Hospital do Espírito Santo - Évora cujo objecto é a prestação de serviços médicos na urgência daquele hospital, durante o ano de 2005, entidade à qual o s.p. prestou a totalidade dos serviços, no valor de € 711.262,17.
Na declaração de início de actividade o s.p. fez uma previsão de proveitos anual superior ao limite de € 149.639,37, previsto no n° 1, do artigo 53°, do CIRC, ficando por isso enquadrado no regime geral de determinação do lucro tributável. Durante esse exercício não obteve proveitos, teve apenas custos com fornecimentos e serviços externos e amortizações e reintegrações do activo imobilizado. Uma vez que a previsão de proveitos para 2004 não se concretizou, e o s.p. não optou pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável, através de entrega da declaração de alterações prevista no artigo 32°, do CIVA e artigo 110°, do CIRC, até ao fim do 3° mês do período de tributação do início da aplicação do regime, ou seja, 2005/03/31, no exercício de 2005, ficou enquadrado no Regime Simplificado de determinação do lucro tributável previsto no artigo 53°, do CIRC. Refira-se ainda que, de acordo com informação prestada pelo Técnico Oficial de Contas, foi enviada via electrónica a declaração de rendimentos Modelo 22 respeitante ao exercício de 2005. No entanto a referida declaração não foi validada pelo sistema informático dado que foi indicado pelo s.p. o regime geral de determinação do lucro tributável quando deveria ter sido o regime simplificado, pelo que, nesta data, se encontra em falta a entrega da declaração a que se refere o artigo 112° do CIRC.
Verificou-se que todos os sócios são médicos, profissionais a que alude a Tabela de Actividades do artigo 151° do ClRS, e que prestaram serviços na urgência do Hospital Espírito Santo - Évora, integrados em equipas médicas geridas pela sociedade, pelo que se encontram cumpridos os requisitos da alínea a), do n° 4, do artigo 6°, do CIRC, ou seja, trata-se de uma Sociedade de Profissionais, aplicando-se assim o Regime da Transparência Fiscal, previsto no mesmo artigo. Segundo o n° 1, do artigo 6°, do CIRC, é imputado aos sócios a matéria colectável apurada nos termos daquele código, integrando-se no seu rendimento tributável para efeitos de IRS, como rendimento líquido da categoria B, conforme previsto no artigo 20° do CIRS.
Face ao exposto, e uma vez que a tributação ocorre na esfera dos sócios, da presente acção não resultam correcções desfavoráveis ao s.p. (...)
VII. INFRACÇÕES VERIFICADAS
A não entrega da declaração modelo 22 do exercício de 2005, a que se refere o artigo 112°, do CIRC, constitui infracção prevista e punível pelo artigo 116°, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT)” (cfr.cópia de relatório de inspecção tributária junto a fls.121 a 126 dos presentes autos);

19-Em 20 de Outubro de 2009, foi corrigida a declaração Modelo 3 de 2005, entregue pelo impugnante, pela liquidação nº.2009 5004917290, onde se imputou o valor de € 117.104,75, ao rendimento líquido do impugnante, apurando-se um rendimento global de € 141.104,75 e imposto a pagar (acrescido de juros compensatórios e estorno da liquidação anterior), de € 51.214,63 (cfr.documentos juntos a fls.135, 141 e 145 a 148 do do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.171 a 174 do processo administrativo apenso);
20-Em 20 de Novembro de 2009, a Chefe de Equipa emitiu, relativamente ao relatório identificado no nº.18 supra, o seguinte parecer:

“No decurso da acção de inspecção externa verificou-se que à sociedade é aplicável o regime de Transparência Fiscal previsto no art° 6°, do C.I.R.C., ocorrendo a tributação na esfera dos sócios, pelo que se propõe o encerramento da presente Ordem de Serviço.
Foi levantado auto de notícia pelas contra-ordenações detectadas e descritas no ponto VII do presente relatório.” (cfr.relatório de inspecção tributária a fls.121 dos presentes autos);

21-Em 23 de Novembro de 2009, o parecer da Chefe de Equipa, descrito no número anterior, mereceu despachos concordantes do Chefe de Divisão e do Director de Finanças Adjunto (cfr.relatório de inspecção tributária a fls.121 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados …”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, das informações oficiais constantes dos autos, designadamente do PAT apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e bem assim do depoimento das três testemunhas inquiridas. Relevando, em concreto, os depoimentos e o teor dos documentos indicados em cada uma das alíneas supra.
Os factos constantes dos nºs.1 e 2 foram reforçados pela prova testemunhal, resultando da resposta aos costumes das três testemunhas inquiridas, serem médicos, tal como o impugnante, e serem igualmente sócios do ora impugnante na B....
De igual modo, a prova dos factos dos nºs.3, 8 e 9 foram clarificados pelos depoimentos das três testemunhas, que foram coincidentes e revelaram conhecer os objectivos de constituição da B...(da qual são sócios), as condições de prestação do contrato celebrado com o Hospital do Espírito Santo, referindo claramente que a B...contratava os médicos necessários para suprir as necessidades do serviço de urgência do Hospital e que nenhum dos sócios recebeu um valor correspondente a 25% dos proveitos da B....
Ao contrário do alegado nos artigos 13° a 15°, resultou provado (vide nº.9 do probatório) que os sócios da B...exerciam a profissão de médico, no serviço de urgência do Hospital do Espírito Santo, por conta da B.... Ficou igualmente claro a “actividade empresarial e de mera gestão de serviços de urgência” desenvolvida pela B..., não é uma mera actividade administrativa, antes consistindo na prestação de serviços médicos que constitui o seu objecto social…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação que originou o presente processo, em virtude de considerar ilegal a correcção à matéria colectável, em sede de rendimentos de categoria B, e consequente liquidação, levadas a efeito pela A. Fiscal, relativamente ao ano fiscal de 2005 do impugnante e na cédula de I.R.S., dado que a sociedade “B...”, para o mesmo ano fiscal devia considerar-se enquadrada no regime geral de tributação do lucro tributável, e não no regime simplificado, em virtude do que o seu lucro tributável seria de € 5.438,64, sendo que a imputação de lucros ao impugnante, seriam correspondentes a 25% destes € 5.438,64, nos termos do artº.20, do C.I.R.S., e artº.6, nº.1, do C.I.R.C. Pelo que, se impõe a anulação do acto de liquidação objecto do presente processo nos termos do qual se imputaram ao impugnante, ao abrigo do regime simplificado de determinação do lucro tributável previsto no artº.53, do C.I.R.C., o montante de € 117.104,75.
X
Refira-se, antes de mais, que são as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
O apelante dissente do julgado alegando, em síntese, que a sentença recorrida deverá ser anulada, dado que a Administração Tributária enquadrou correctamente a “B...” como sendo uma sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal. Que a declaração de substituição ao início de actividade nunca poderia produzir quaisquer efeitos em termos de enquadramento em I.R.C., pois que não foi cumprido o prazo para o exercício da opção, previsto no artº.53, nº.7, al.b), do C.I.R.C. Pelo que, ao decidir como o fez, a douta sentença ora recorrida violou o artº.53, nºs.1 e 7, al.b), do C.I.R.C., na redacção vigente à data (cfr.conclusões 2 a 7 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da sentença recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
Passemos ao exame do regime de transparência fiscal.
Para efeitos de I.R.C. as sociedades de pessoas têm tratamento idêntico às sociedades de capitais sendo-lhes, todavia, aplicado um regime especial de tributação designado de transparência fiscal. Este regime visa atingir três objectivos principais, os quais são:
1-A neutralidade fiscal alcançada através da tributação dos sócios ou membros da sociedade, tal como se exercessem directamente a actividade;
2-O combate à evasão fiscal, de forma a evitar a possibilidade dos sujeitos passivos constituírem sociedades intermediárias com a finalidade de fuga ao imposto;
3-A eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos, na medida em que estas sociedades não são tributadas em sede de I.R.C., mas sim na pessoa dos seus sócios ou membros, em sede de I.R.C. ou I.R.S., consoante se trate de pessoas colectivas ou singulares.
O regime de transparência fiscal aplica-se obrigatoriamente às sociedades residentes em Portugal que se encontram devidamente identificadas no artº.6, nº.1, do C.I.R.C., entre as mesmas se encontrando as sociedades de profissionais, como é o caso das sociedades constituídas por médicos (cfr.artº.6, nº.4, al.a), do C.I.R.C.), tudo levando em consideração a lista de actividades profissionais a que alude o artº.151, do C.I.R.S. (cfr.portaria 1011/2001, de 21/8 - nº.7 da tabela relativo a médicos e dentistas), e desde que todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa actividade.
O regime de transparência fiscal caracteriza-se, essencialmente, pela imputação aos sócios ou membros da sociedade transparente da respectiva matéria colectável, ainda que não tenha havido distribuição de lucros. A matéria colectável destas sociedades é determinada em sede de I.R.C. pelo que, embora subordinadas a este regime, não perdem as mesmas a qualidade de sujeito passivo do imposto, ficando sujeitas ao cumprimento de todas as obrigações como qualquer outro tipo de sociedade, designadamente, à apresentação da declaração periódica de rendimentos. Em sede de I.R.S., os valores imputados integram-se como rendimento líquido na categoria B. A mencionada imputação é efectuada de acordo com o que resultar do acto constitutivo da respectiva entidade ou, na falta de elementos, em partes iguais (cfr.artº.6, nº.3, do C.I.R.C.). A verdadeira caracterização do regime de transparência fiscal da sociedade pode definir-se como uma situação de não tributação em sede de I.R.C. e não de isenção do mesmo tributo (cfr.J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª. edição, 2007, pág.291 e seg.; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.93 e seg.; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.166 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/3/2002, rec.26823; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2007, proc.1682/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/12/2011, proc.3644/09).
Nestes termos, a sociedade é sujeito passivo de I.R.C., embora não esteja obrigada ao pagamento do imposto, pois que não é tributada em sede de I.R.C., sendo o pagamento do imposto transferido para as pessoas dos respectivos sócios ou membros, em sede de I.R.S. ou I.R.C. e consoante estejamos perante pessoas singulares ou colectivas.
“In casu”, conforme resulta da matéria de facto provada (cfr.nºs.1, 2, 8 e 9 da matéria de facto provada), pode concluir-se que a sociedade “B...” no ano fiscal de 2005 estava sujeita ao examinado regime de transparência fiscal atentos os seguintes vectores:
1-A sociedade tinha como objecto a “prestação de serviços médicos”;
2-O capital social da sociedade estava distribuído por quatro sócios, todos pessoas singulares com a profissão de médico;
3-Durante o ano de 2005, os quatro sócios da “B...”, incluindo o ora impugnante, prestaram serviços no Hospital do Espírito Santo integrados em equipas médicas geridas pela mesma sociedade.
Em conclusão, a sociedade “B...”, no ano fiscal de 2005, estava sujeita ao regime de transparência fiscal, em virtude de se verificarem os pressupostos de subsunção em tal regime previstos no citado artº.6, do C.I.R.C., assim devendo ser imputados aos seus sócios a matéria colectável determinada nos termos do mesmo diploma, imputação essa a efectuar levando em consideração o disposto no artº.20, do C.I.R.S., enquanto rendimentos líquidos da categoria “B”, neste segmento se devendo confirmar a sentença recorrida.
A actual categoria “B” dos rendimentos sujeitos a tributação em I.R.S. goza de uma característica especial que consiste no seu carácter predominante, relativamente aos rendimentos de qualquer outra categoria. Até à indicada reforma operada em 2000, os rendimentos profissionais não tinham a característica da preponderância, pelo que, mesmo que obtidos no desenvolvimento de uma actividade profissional não se tornavam rendimentos de categoria “B”, antes sendo tributados como rendimentos da categoria a que, pela natureza, correspondessem.
Depois da reforma, nos rendimentos líquidos da nova categoria “B” integram-se todos os proventos obtidos ou conexos com a respectiva actividade desenvolvida. É o que se conclui da análise interpretativa do artº.3, nº.2, do C.I.R.S., na redacção resultante da Lei 30-G/2000, de 29/12. A predominância significa pois que todos os rendimentos, de todas as naturezas, que se possam imputar à actividade profissional ou empresarial acabam por ser qualificados como proveitos da categoria, integrando-se na respectiva conta de exploração para efeitos de cálculo do lucro tributável (cfr.José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.169 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.85 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/1/2012, proc.4966/11).
No caso “sub judice”, haverá, agora, que saber qual o regime de apuramento do lucro tributável a que estava sujeita a “B...” no exercício de 2005, concluindo a sentença recorrida pela aplicação do regime geral (com base na contabilidade organizada) e a Fazenda Pública, ora recorrente, pela aplicação do regime simplificado.
O regime simplificado de determinação do lucro tributável em sede de I.R.C. encontra consagração no artº.53, do C.I.R.C., e foi introduzido no sistema fiscal pela Lei que procedeu à reforma da tributação dos rendimentos (Lei 30-G/2000, de 29/12). Este regime consiste numa forma de determinação do rendimento a tributar, obtido por pessoas colectivas residentes em território português que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, sujeitas ao regime regra de tributação em I.R.C. e cuja actividade empresarial seja de pequena dimensão, ou seja, cujos proveitos, no exercício anterior, não hajam excedido o valor de € 149.639,37, mais não tendo optado pelo regime normal de determinação do lucro tributável baseado na contabilidade organizada, o qual está previsto no artº.17 e seg. do C.I.R.C. O rendimento a tributar resulta da aplicação de determinados coeficientes aos proveitos (vendas, prestação de serviços e outros) obtidos pelas entidades às quais seja aplicável. A lei apenas presume os custos, aceitando, em princípio, como reais os proveitos apurados pelo contribuinte.
Nos termos do artº.53, nº.4, do C.I.R.C., a determinação do rendimento tributável resultará da aplicação de indicadores objectivos de base técnico - científica para os diferentes sectores da actividade económica. Estes indicadores não foram ainda aprovados e na sua ausência o rendimento tributável apura-se de acordo com um regime simplificado provisório que era o resultante da aplicação dos coeficientes (regime em vigor em 2005 - cfr.artº.12, do C.Civil) de 0,20/20% ao valor de vendas de mercadorias e de produtos. Por sua vez, aos restantes rendimentos provenientes desta categoria, excluindo a variação de produção e dos trabalhos para a própria empresa, aplicava-se o coeficiente de 0,65/65% (ex:Vendas em 2005 = € 75.000,00/Rendimento tributável = € 75. 000,00 x 0,20 = 15.000,00).
O regime simplificado dispensa, pois, o registo e comprovação dos custos suportados, que são presumidos em função dos proveitos, introduzindo uma considerável simplificação no plano das obrigações acessórias dos sujeitos passivos (cfr.José Guilherme Xavier Basto, I.R.S. Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.182 e seg.; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao I.R.C., Almedina, Novembro de 2009, pág.171 e seg.; José Carlos Gomes Santos e Susana S. Rodrigues, Regimes simplificados de tributação dos rendimentos profissionais e empresariais - objectivos, modalidades e experiências, C.T.Fiscal, nº.417, pág.131 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/5/2009, rec.127/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/6/2007, proc. 1639/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/2/2011, proc.4407/10).
Voltando ao caso concreto, decorre da matéria de facto provada (cfr.nºs.4 e 5 do probatório) que a “B...” apresentou a sua declaração de início de actividade em Novembro de 2004, tendo estimado um volume anual de vendas de € 180.000,00, da qual resultou o seu enquadramento no regime geral de determinação do lucro tributável. Tal enquadramento resulta da aplicação conjugada dos artºs.17 e 53, nº.2, do C.I.R.C., mais devendo vigorar pelo período de três anos, conforme se retira do artº.53, nº.8, do mesmo diploma legal.
Ora, no exercício do início de actividade (2004) a “B...” não obteve quaisquer proveitos (cfr.nºs.6 e 15 da matéria de facto provada), mais não tendo entregue, até 31 de Março de 2005, qualquer declaração de alterações nos termos do artº.110, do C.I.R.C. (conforme previa o artº.53, nº.7, al.b), do C.I.R.C.). Assim e por força do disposto no artº.53, nº.1, do C.I.R.C., no exercício de 2005, a sociedade, aparentemente, deveria ficar abrangida pelo regime simplificado.
Salvo melhor opinião, entendemos que não. Que a sociedade se deve enquadrar no regime geral de determinação do lucro tributável no ano fiscal de 2005, atento o disposto no artº.53, nº.8, do C.I.R.C.
Expliquemos porquê.
Recorde-se que as empresas são sempre obrigadas a dispor de contabilidade organizada (cfr.artº.115, nº.1, do C.I.R.C.), só tendo sentido que, por regra e como sistema base, o lucro seja apurado com base no regime de determinação do lucro real, o qual resulta de imperativos constitucionais (cfr.artº.104, nº.2, da C.R.Portuguesa), em virtude do que se deve admitir que apenas por verdadeira, consciente e formalizada opção se aplique o regime simplificado (de forma secundária portanto). Pelo que, desde logo se conclui que o sistema simplificado de tributação somente se deve considerar constitucional se revestir cariz optativo, porque de outra forma violaria o dito princípio da tributação segundo o rendimento real, previsto no artº.104, nº.2, da C.R. Portuguesa. Portanto, a opção pelo regime simplificado deve sempre pertencer ao sujeito passivo de imposto (cfr.J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª. edição, 2007, pág.328; Luís Cupertino, O Regime Simplificado no Imposto sobre o Rendimento: Enquadramento e Questões, Fisco, nº.119/121, 2005, pág.145 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.1032/09).
Invoca a Administração Fiscal que o desconhecimento da lei, e consequentemente lapsos de incorrecta actuação (v.g.os resultantes da inactividade do contribuinte que podem dar origem à sujeição ao regime simplificado atento o disposto no artº.53, nº.7, al.b), do C.I.R.C.), não podem ser motivo para inviabilizar a sua aplicação. Ora, tal raciocínio estaria correcto se não fosse adequado questionar a legitimidade da norma, dado contrariar o princípio basilar da “boa fé” (cfr.artº.59, nº.2, da L.G.Tributária). Mais se dirá que não tem sentido que sejam aplicadas normas por “não escolha” ou “opções não exercidas”, ou seja, por soluções não requeridas expressamente, no âmbito do C.I.R.C.
Igualmente se chama à colação a regra prevista no artº.36, do C.P.P.Tributário, a qual determina que os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeito em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados, sendo que, a alteração ao regime de tributação ao abrigo do aludido artº.53, nº.7, al.b), do C.I.R.C., se deve consubstanciar como acto enquadrável neste preceito, pelo que somente se tornaria eficaz após notificação ao sujeito passivo.
Voltando ao caso dos autos, a verdade é que a Administração Tributária aceitou a declaração a que alude o nº.11 da matéria de facto, não constando nem das instruções de preenchimento, nem da alusão a qualquer norma legal, a exclusão da sua aplicação na cédula de I.R.C. Ao admitir a alteração da data de início de actividade para 2 de Janeiro de 2005, com um volume de negócios estimado de € 180.000, sem quaisquer restrições expressas ou implícitas, também por este motivo a Administração Tributária deveria ter daí retirado todas as consequências, designadamente em termos de enquadramento do sujeito passivo para efeitos de I.R.C., sujeitando-o assim ao regime geral de determinação do lucro tributável, nos termos do artº.53, nº.2, do C.I.R.C. Tal entendimento é o único admissível à luz do princípio da colaboração, consagrado no citado artº.59, da L.G. Tributária (cfr.artº.48, do C.P.P.T.), segundo o qual se impõe aos órgãos da administração tributária e os contribuintes um dever de colaboração recíproco, mais se presumindo de boa fé a actuação de ambos.
Não podemos pois acompanhar a posição da Administração Tributária, ora recorrente, a qual, depois de aceitar a declaração de substituição mencionada (cfr.nº.11 da matéria de facto provada) e de nada informar ou questionar o contribuinte, alega que tal declaração não produz efeitos em termos de enquadramento em sede de I.R.C.
Nestes termos, deveria a Administração Tributária proceder à correcção dos rendimentos declarados pelo impugnante, dando cumprimento ao disposto no artº.20, do C.I.R.S. Contudo, o valor a imputar não corresponde a € 117.104,75, mas sim a 25% (correspondente à quota do impugnante na “B...” - cfr.nº.1 do probatório), do valor apurado mediante aplicação do regime geral de apuramento do lucro tributável. Sendo certo que, em 2005, a “B...” facturou € 711.262,17 e suportou encargos fiscalmente dedutíveis no valor de € 705.823,53 (cfr.nº.10 da matéria de facto provada), pelo que o lucro tributável iria corresponder, salvo outras correcções aplicáveis ao caso, a aproximadamente € 5.438,64, sendo imputável ao impugnante 25% de tal quantia.
Em conclusão, ora tendo por base a declaração de início de actividade identificada nos nºs.4 e 5 da matéria de facto provada e o disposto no artº.53, nº.8, do C.I.R.C., ora tendo por base a declaração de substituição constante do nº.11 do probatório, o certo é que a Fazenda Pública deveria ter enquadrado a sociedade “B...”, no ano fiscal de 2005, no regime geral de tributação em sede de I.R.C., atento tudo o explanado supra.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o recurso sob exame e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 27 de Março de 2012



(Joaquim Condesso - Relator)
(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto), em subst.t.
Vencido, sobretudo, por discordar do argumento da não aplicação do disposto no art. 53 nº 7 al. H CIRC, dado contrariar sem se indicar em que medida e porquê, o princípio da boa fé (art. 59 nº da LGT) e por não se poder retirar a consequência prevista no acórdão (de mudança/opção do regime) da apresentação fora do prazo inscrito no art. 53 nº 7 al. H CIRC, de declaração de substituição (ponto 11. do probatório).