Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07383/14
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2015
Relator:BÁRBARA TAVARES TELES
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO; EFEITO DO RECURSO; CONTRATO-PROMESSA; POSSE.
Sumário:1. Efeito do recurso; as acções judiciais, como os embargos de terceiro, que tivessem por objecto a propriedade ou posse de bens penhorados, determinava a suspensão do processo executivo quanto a esses bens (art.° 256.°), nessa medida, o efeito devolutivo atribuído ao recurso interposto da decisão final de 1.a instância e desfavorável ao embargante, não provoca a perda do seu efeito útil.

2. Quando o promitente comprador obtém a entrega da coisa prometida comprar, concomitantemente com o contrato promessa de compra e venda ou posteriormente, por acordo com o promitente vendedor, passa a ter a posse da coisa, não em nome próprio mas em nome daquele, sendo um mero detentor ou possuidor precário, faltando-lhe o animus sibi habendi correspondente ao direito real de propriedade, pelo que carece de posse digna de tutela jurídica para ser defendida através dos embargos de terceiro
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
Paulo …………………………, inconformado com a sentença do Tribunal Tributário de Sintra que julgou improcedentes os embargos de terceiro, por si deduzidos à penhora do prédio urbano, sito na Rua ……….., Lote ……, Urbanização ….., Vale Bem, …………….., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ………… e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ……. sob o nº…….., efectuada nos autos de execução fiscal n.º ………… e apensos, que o Serviço de Finanças de Oeiras I instaurou contra Manuel ………………..,
veio dela veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

Conclusões:
a) Ao presente recurso deve ser fixado o efeito suspensivo, alterando-se o efeito fixado pelo tribunal “a quo”, uma vez que os embargos de terceiro requeridos fundam-se na posse de um imóvel que serve de habitação e como casa de morada de família da ex-mulher do embargante e dos filhos destes, por analogia com o disposto no artº 692º/3/b) – 2ª parte do CPC quanto às acções que respeitam à posse de casa de habitação.

b) A atribuição do efeito devolutivo ao presente recurso afecta o efeito útil do mesmo, porquanto sendo as pessoas que habitam o imóvel penhorado forçadas a deixá-lo e o destino deste a venda judicial, no caso de eventual procedência do mesmo, aquelas pessoas não poderão retomar a posse do imóvel, retornando ao mesmo, porque se encontrará então na titularidade e posse de um terceiro seu adquirente.

c) A alteração do efeito fixado ao presente recurso, passando o mesmo a ter efeito suspensivo, está assim de acordo com o disposto no artº 286º/2 – parte final do CPPT.

d) O embargante e sua família atua sobre o imóvel penhorado, donde fazem casa de morada de família, praticando atos materiais de facto com intenção de agirem como beneficiários do direito de propriedade, que judicialmente reclamam, com fundamento em acessão industrial imobiliária, em ação judicial que ainda não se encontra decidida.

e) Perante a factualidade dada como provada, outra conclusão não pode ser retirada de que o embargante e sua família tem a posse do imóvel penhorado nos autos, pese embora não tenham, ainda, a titularidade do direito de propriedade sobre o mesmo.

f) Posse essa que, no nosso modesto entendimento, o autoriza a recorrer aos embargos de terceiro para defesa da mesma, pelo menos, até estar definitivamente decidida, pela via judicial, a questão sobre a titularidade do direito de propriedade em relação ao imóvel penhorado.

g) Porquanto os embargos de terceiro são meios de defesa e tutela da posse ameaçada ou violada, servindo para defender não só a posse correspondente à titularidade do direito de propriedade ou de qualquer outro direito, mas também a posse que resulta de uma atuação por forma correspondente ao exercício desses direitos, quando for ofendida por ato judicial incompatível com a realização ou âmbito da diligência, de acordo com o disposto nos artigos 1251º e 1285º do Código Civil e no artigo 237º do CPPT.

h) Assim, ao contrário do decidido na douta sentença recorrida, devem os embargos de terceiro serem julgados procedentes, sob pena de violação manifesta do disposto nas referidas normas legais.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. certa e mui doutamente sempre suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais.


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A Recorrida não apresentou contra-alegações
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Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, defendendo a improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
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Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
A questão suscitada pelo Recorrente consiste em apreciar se a sentença a quo errou ao não ter julgado procedentes os embargos de terceiro deduzidos.
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II.FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. Da Matéria de Facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão da causa, considera-se provada a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:
A) No Serviço de Finanças de Oeiras – 1 corre termos o processo de execução fiscal nº …………………e aps., contra MANUEL ………………………………….., NIF ………………….. – cfr. PEF apenso.
B) Na citada execução fiscal, no dia 12.03.2009, foi penhorado o prédio urbano sito na Rua ………….., lote 427, Urbanização …………, Vale Bem, ………………, inscrito na matriz predial da freguesia da ……………., concelho de Almada, sob o artigo …………., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o nº …………. – cfr. PEF apenso.
C) Foi designado o dia 30.12.2010 para abertura de propostas, tendo em vista a venda do imóvel penhorado – cfr. PEF apenso.
D) Consta de fls.22 documento intitulado “contrato de promessa de compra e venda”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, celebrado entre o Executado e o Embargante, datado de 29.04.1997, em que o primeiro promete vender ao segundo o terreno sito na Rua ………….., nº 10, e construções anexas, pelo valor global de vinte milhões de escudos, recebendo naquela data 500.000$00, até fim de maio de 1997 5.000.000$00, até fim de outubro de 1997 10.000.000$00 e 3º pagamento à data da escritura, até dezembro de 1997 4.500.000$00 – cfr. fls. 22 dos autos.
E) Encontram-se juntos a fls. 23 dois cheques titulados e assinados por Elizabete …………., datados de 31.04.1997 e 15.06.1997, a favor do executado, no montante de 500.000$00 cada um – cfr. fls. 23 dos autos.
F) No dia 12.01.1998 foi efetuado o registo provisório da aquisição do imóvel identificado em B) a favor do Embargante e mulher Elizabete ………., e registo provisório de hipoteca a favor do B……………. – cfr. fls. 24 a 29 dos autos.
G) No dia 01.03.2002 o Executado dirigiu ao Embargante e mulher a carta de fls. 31/32, daquela consta considerar aquele contrato promessa resolvido, fazendo suas as quantias entregues a título de sinal e solicitando a desocupação da moradia no prazo de 30 dias – cfr. fls. 31 e 32 dos autos.
H) Encontra-se junta a fls. 49 fatura da EDP, respeitante ao consumo de eletricidade no imóvel identificado em B), por referência ao período de 14.08.2002 a 13.09.2002, dirigidos aos Embargante – cfr. fls. 49 dos autos.
I) Encontram-se juntas a fls. 66/67 duas faturas dos SMAS de Almada, respeitantes ao consumo de água no imóvel identificado em B), por referência ao período de 29.04.2009 a 27.05.2009 e 27.07.2010 a 27.08.2010, dirigidos a Elizabete Pinto Filipe – cfr. fls. 66 e 67 dos autos.
J) Encontra-se junta a fls. 68 fatura da EDP, respeitante ao consumo de eletricidade no imóvel identificado em B), por referência ao período de 16.10.2009 a 15.11.2009, dirigidos a Elizabete …………….. – cfr. fls. 68 dos autos.
K) O Embargante instaurou ação declarativa constitutiva contra o Executado, a qual corre termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Almada sob o nº ……………/10.0TBALM, em que pede a atribuição do direito de propriedade sobre o imóvel identificado em B) – cfr. fls. 72 a 93 dos autos.
L) O Embargante instaurou ação declarativa constitutiva contra o Executado, a qual corre termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Almada sob o nº ……………/10.0TBALM, em que pede a atribuição do direito de propriedade sobre o imóvel identificado em B) – cfr. fls. 72 a 93 dos autos.
M) O Embargante instaurou ação declarativa constitutiva contra o Executado, a qual corre termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Almada sob o nº ………../10.0TBALM, em que pede a atribuição do direito de propriedade sobre o imóvel identificado em B) – cfr. fls. 72 a 93 dos autos.
N) Sobre o imóvel identificado em B) foi registada em 02.07.1993 uma hipoteca a favor do Banco …………………… para garantia do valor de 23.000.000$00 – cfr. fls. 167/169 dos autos.
O) Em 14.09.2005 foi registada sobre o imóvel identificado em B) uma penhora a favor do B………. para garantia do pagamento de quantia exequenda de € 10.037,01 – cfr. fls. 167 dos autos.
P) Em 08.02.2007 foi registada sobre o imóvel identificado em B) uma penhora a favor do B………….para garantia do pagamento de quantia exequenda de € 5.783,58 – cfr. fls. 167/169 dos autos.
Q) Em 04.03.2008 foi registada sobre o imóvel identificado em B) uma penhora a favor do B…….. para garantia do pagamento de quantia exequenda de € 40.434,84 – cfr. fls. 167/169 dos autos.
R) Em 12.06.2008 foi registada sobre o imóvel identificado em B) uma penhora a favor da Fazenda Pública para garantia do pagamento de quantia exequenda de € 5.478,49 – cfr. fls. 167/169 dos autos.
S) Quando o Embargante tomou posse do imóvel identificado em B), as lajes de cobertura não tinham telhas; as paredes exteriores estavam por rebocar e por pintar; não existiam as redes de eletricidade, água, esgotos e comunicações; não estava feita a cozinha nem as casas de banho; não estavam colocados os pavimentos, nem revestimentos interiores; não havia acesso de rés do chão para o 1º andar da casa; não se encontravam colocadas as portas nem as janelas; não estava feita a estrutura da piscina; não estavam feitos os arranjos dos espaços exteriores envolventes da casa e não estavam feitos os muros de vedação nem colocados os portões – prova testemunhal.
T) Foi o Embargante quem mandou executar os muros de vedação da casa e logradouro; a cobertura da casa; a garagem; as paredes interiores; o ramal da água; o ramal dos esgotos; o ramal da eletricidade; a colocação de azulejos na cozinha e casa de banho; de mosaicos nos pavimentos interiores e exteriores; a colocação de alumínios das janelas; portas e portões; estuques e isolamentos; as carpintarias incluindo a escada interior de acesso entre os 2 pisos; a pintura interior e exterior; a estrutura da piscina e arranjos exteriores do logradouro – prova testemunhal.
U) Foi a ex-mulher do Embargante, Elizabete ……………, quem, em 08.05.2008, apresentou junto da Administração Fiscal a declaração Mod. 129 para efeitos de inscrição do edificado na matriz predial urbana – cfr. doc. 32 a fls. 63 a 65 dos autos.
V) O Embargante e a sua família, mulher e dois filhos menores, foram viver para o imóvel logo que o mesmo reuniu condições mínimas de habitabilidade – prova testemunhal.
W) Após o divórcio entre o Embargante e Elizabete ………….., esta continuou a viver no imóvel, com os dois filhos, onde ainda hoje vive – prova testemunhal. Os presentes embargos deram entrada no Serviço de Finanças de Oeiras 1 em 30.11.2010 – cfr. fls. 4 dos autos.
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Não se mostram provados outros factos com relevância para a decisão da causa.
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Motivação da decisão da matéria de facto:
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e do PEF em apenso, da posição assumida pelas partes nos articulados e da prova oral produzida em audiência, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”
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Estabilizada a matéria de facto, avancemos para a questões que nos vêm colocada.
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II.2. Do Direito
Ainda que a título de questão prévia, o Recorrente, no âmbito do presente recurso, suscita nas suas primeiras três conclusões, a questão do efeito a atribuir ao recurso, sustentando que o efeito do mesmo deverá ser suspensivo, sob pena da possibilidade de perda do seu efeito útil.
Vejamos.
Em processo tributário, a regra é a de que os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil do recurso, como decorre do disposto no art.286, nº.2, do CPPT., sendo situações enquadráveis nesta última hipótese prevista pelo legislador aquelas em que a execução imediata da decisão possa provocar uma situação irreparável. Por outro lado, será também de estender o alcance desta regra sobre a atribuição de efeito suspensivo ao recurso nos casos em que a lei, independentemente de prestação de garantia, atribui efeito suspensivo ao uso de um determinado meio processual, na sua totalidade, como sucede nos processos de reclamação de actos praticados em execução fiscal, nas situações de subida imediata (cfr.art.278, n.s.3 e 5, do CPPT).

Nestes casos, deverá ser aplicada a regra geral subsidiária que estava prevista no CPC., de que têm efeito suspensivo os recursos que sobem imediatamente nos próprios autos (cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.835 e seg.).

No caso em concreto, tratando-se um processo de embargos de terceiro seguimos na íntegra, quanto a este assunto, o plasmado no douto acórdão deste TCA-Sul com o nº 02791/08, de 18703/2009, onde se pode ler o seguinte:
“1.No âmbito do CPT, as acções judiciais, como os embargos de terceiro, que tivessem por objecto a propriedade ou posse de bens penhorados, determinava a suspensão do processo executivo quanto a esses bens (art.° 256.°);
2. Nessa medida, o efeito devolutivo atribuído ao recurso interposto da decisão final de 1.a instância e desfavorável ao embargante, não provoca a perda do seu efeito útil;”

Posto isto, avancemos.
Como já deixámos expresso, importa apreciar se a sentença proferida errou ao julgar improcedentes os presentes embargos de terceiro com os seguintes fundamentos:
“(...) o Embargante não logrou demonstrar que detém uma posse real e efetiva por efeito da detenção da coisa como se seu proprietário fosse, seja por usucapião, ou mesmo por acessão industrial imobiliária como vem alegar – cfr. arts. 1287º, 1317º, c) e d) e 1325º do Código Civil – porque a detenção da coisa derivada da celebração do contrato promessa de compra e venda e posterior acordo quanto à entrega da mesma não confere tal posse, não tendo também logrado provar, como veremos adiante, a invocada inversão do título de posse contra o promitente vendedor, antes o inverso, ou seja, que continuou a agir como mero detentor, uma vez que reconhece, logo no início da sua petição inicial, que o Executado é ainda o proprietário do imóvel, tal como decorre, igualmente do provado em G) da matéria de facto, e que tinha a expectativa de vir a adquirir a propriedade. Além do mais, se o Embargante, se achasse já proprietário do imóvel, questiona-se porque continuaria a insistir com o promitente vendedor para este outorgar o contrato prometido, como decorre da alegação produzida nos artigos 12º e 13º, sendo pois, tal atitude contrária a uma inversão do título que apenas lhe legitimava a detenção da coisa que não a posse real correspondente a um proprietário, não podendo ocorrer nestas circunstâncias uma acessão industrial imobiliária fundada em mera detenção apenas – cfr. art. 1325º e 1340º do Código Civil. (...)
O Embargante só em novembro de 2010, muito depois da penhora instaurou ação declarativa constitutiva contra o Executado, pedindo a atribuição do direito de propriedade, sendo certo que, tal como decorre da sua alegação e da matéria de facto provada nos autos, para além de nunca ter sido paga a totalidade da quantia respeitante ao valor do imóvel antes das obras, também não se provou que o proprietário tenha consentido nas mesmas, conclusão que se retira, designadamente, da carta que este enviou ao Embargante e mulher em 01.03.2002, dizendo que considera o contrato promessa resolvido e solicitando a desocupação da moradia no prazo de 30 dias.
Em consequência, juridicamente não se pode aceitar aqui a ideia de que foi, sem mais, adquirido pelo Embargante o direito à propriedade do imóvel penhorado, como pretende fazer crer ao Tribunal.
Na verdade, atenta a factualidade assente, bem como o próprio reconhecimento por parte do Embargante, este bem sabia que estava a construir sobre prédio alheio, e não se provou, como já se disse, que o proprietário tenha autorizado o Embargante a construir a casa, de sorte a concluir-se, para efeitos da acessão, que o dono do terreno renunciou à sua posse em favor de uma posse daqueles. Portanto, não sendo o Embargante proprietário do prédio penhorado, mas apenas titular de um direito de crédito, não goza do direito de, enquanto tal, fazer valer, mediante os presentes embargos, esse inexistente direito.
E, da mesma forma que o Embargante não é dono da coisa penhorada, conforme já vimos supra, também carece de posse juridicamente relevante em ordem a neutralizar a penhora.”

Por seu lado o Recorrente invoca, nas suas alegações e conclusões de recurso, que ele e a sua família, actuam sobre o imóvel penhorado, donde fazem casa de morada de família, praticando actos materiais de facto com intenção de agirem como beneficiários do direito de propriedade, que judicialmente reclamam, com fundamento em acessão industrial imobiliária, em ação judicial que ainda não se encontra decidida. Mais alega que perante a factualidade dada como provada, outra conclusão não pode ser retirada de que o embargante e sua família tem a posse do imóvel penhorado nos autos, pese embora não tenham, ainda, a titularidade do direito de propriedade sobre o mesmo.

Vejamos então, deixando, porém, uma breve nota sobre as ocorrências processuais verificadas nos presentes autos. Assim:
- No processo executivo nº ………….. e aps., contra MANUEL ………………, foi penhorado o prédio urbano sito na Rua José …………., lote 427, Urbanização ………………., Vale Bem, ……………….., inscrito na matriz predial da freguesia da ……………, concelho de Almada, sob o artigo ……………º, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o nº 1422, identificado na alínea B) do probatório;
- Em 29/04/1997 foi celebrado um contrato de promessa de compra e venda, entre o Executado e o aqui Recorrente, em que o primeiro promete vender ao segundo o terreno sito na Rua ……………, nº 10, e construções anexas, pelo valor global de vinte milhões de escudos, recebendo naquela data 500.000$00, até fim de maio de 1997 5.000.000$00, até fim de outubro de 1997 10.000.000$00 e 3º pagamento à data da escritura, até dezembro de 1997 4.500.000$00.
- Foram assinados dois cheques titulados Elizabete …………….. mulher do Recorrente, datados de 31/04/1997 e 15/06/1997, a favor do executado, no montante de 500.000$00 cada um e no dia 12/01/1998 foi efetuado o registo provisório da aquisição do imóvel identificado na alínea B) a favor do Embargante e mulher Elizabete ……………, e registo provisório de hipoteca a favor do B……………...
- Em 01/03/2002 o Executado dirigiu ao Recorrente e mulher a uma carta onde consta considerar aquele contrato promessa resolvido, fazendo suas as quantias entregues a título de sinal e solicitando a desocupação da moradia no prazo de 30 dias.
- O Recorrente instaurou açcão declarativa constitutiva contra o Executado, a qual corre termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Almada sob o nº ………../10.0TBALM, em que pede a atribuição do direito de propriedade sobre o imóvel identificado na alínea B).
- Sobre o imóvel aqui em causa foram registadas uma hipoteca e varias penhoras, nos anos 1993, 2005, 2007 e 2008.
- As foram emitidas a favor do Recorrente e mulher as faturas da EDP e do SMAS respeitante ao consumo de eletricidade e água do imóvel penhorado por referência a vários períodos dos anos 2002, 2009 e 2010.
- O Recorrente mandou executar diversas obras no imóvel, necessárias à sua habitabilidade;
- O Recorrente e a sua família, mulher e dois filhos menores, foram viver para o imóvel logo que o mesmo reuniu condições mínimas de habitabilidade e após o divórcio entre do Recorrente a sua mulher continuou a viver no imóvel, com os dois filhos, onde ainda hoje vive.

Nos termos do disposto no art.º 1285.º do Código Civil (C.C.), o possuidor cuja posse for ofendida por diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse mediante embargos de terceiro, nos termos definidos na lei de processo.
Por actos de efectiva privação da posse entende-se a penhora, o arresto, o arrolamento, a posse judicial o despejo ou qualquer outra diligência ordenada judicialmente, que não seja apreensão de bens em processo de falência ou de insolvência, in Código Civil Anotado, de Pires de Lima e Antunes Varela, III volume, 2.ª Edição revista e actualizada, pág.61.
Por sua vez, ao nível processual, a norma do art. 351.º n.º1 do Código de Processo Tributário (CPT) dispõe que,
Se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.”
Desde da reforma introduzida no CPC, com entrada em vigor em 01/01/1997, que os embargos de terceiro passaram a ter uma feição inovadora, servindo para defender não só a posse mas também qualquer um outro direito, quando por acto judicial incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, nos termos do disposto no art. 351.º do CPC.
Os embargos de terceiro desempenham a mesma função que as acções possessórias propriamente ditas, e são meios de defesa e tutela da posse ameaçada ou violada. O que sucede é que desempenham essa função no caso particular de a ameaça ou ofensa da posse provir de diligência judicial, cfr. Prof. Alberto dos Reis, in Processos Especiais, vol. I, pág. 402.
"Posse" é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real – art.º 1251.º do C.Civil. Para ter a posse não é necessária a prática de actos materiais sobre a coisa; basta a possibilidade de os praticar, já que o nosso Código Civil perfilhou uma concepção subjectiva da posse, onde, a par da actuação de facto sobre a coisa é preciso que haja por parte do detentor a intenção "animus" de exercer como o seu titular um direito real e não um mero poder de facto sobre ela - cfr. na doutrina, Código Civil Anotado, Vol. III, de Pires de Lima e A. Varela, 2.ª Edição revista e actualizada. É necessária uma posse real e efectiva, com o seu elemento material ou corpus e o elemento intencional ou animus sibi habendi.

No caso dos autos, funda o ora Recorrente a sua posse em ter prometido comprar a o imóvel supra identificado. Perante tal alegação mostra-se provado nos autos que o Recorrente e/ou a sua mulher entregaram ao Executado dois cheques para pagamento do imóvel; que foi efectuado o registo provisório da aquisição do imóvel a seu favor e o registo provisório de hipoteca a favor do B………; que intentaram uma acção declarativa constitutiva contra o Executado em que pedem a atribuição do direito de propriedade sobre o imóvel identificado na alínea B); que varias contas referentes a electricidade e água foram passadas em seu nome e da sua mulher; e que Recorrente mandou executar diversas obras no imóvel, necessárias à sua habitabilidade.
Finalmente está ainda demonstrado que o Recorrente e a sua família, mulher e dois filhos menores, foram viver para o imóvel logo que o mesmo reuniu condições mínimas de habitabilidade e após o divórcio entre do Recorrente a sua mulher continuou a viver no imóvel, com os dois filhos, onde ainda hoje vive.

Ora, quando o promitente comprador obtém a entrega da coisa prometida comprar, concomitantemente com o contrato promessa de compra e venda ou posteriormente, por acordo com o promitente vendedor, passa a ter a posse da coisa, não em nome próprio mas em nome daquele, sendo um mero detentor ou possuidor precário, faltando-lhe o animus sibi habendi correspondente ao direito real de propriedade, pelo que carece de posse digna de tutela jurídica para ser defendida através dos embargos de terceiro, como bem se sustenta na sentença recorrida.
Aliás é jurisprudência corrente, designadamente do STA, cujo acórdão de 10.2.2010, recurso n.º 117/09, a propósito, cita, para além de diversa doutrina que no mesmo sentido tem decidido, e que diz em síntese o seguinte:
“(…) a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a consolidar-se no sentido de que o promitente-comprador, com tradição, é titular de um direito pessoal de gozo sobre a coisa, não constituindo os poderes de facto que sobre ela exerce correspondentes aos direitos do proprietário adquirente e, por isso, face ao disposto no artigo 1251.° do Código Civil, não é tido como possuidor.
O que há a apurar no caso concreto é saber se os promitentes-compradores do imóvel, com tradição, têm posse susceptível de ser defendida por meio de embargos de terceiro. A doutrina entende que a posse além do corpus, ou actuação de quem materialmente detém a coisa, deverá ser acompanhada do animus, ou elemento psicológico, traduzindo-se aquele em actos materiais de detenção e fruição praticados sobre a coisa e este último na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados.
Para que os embargos de terceiro possam proceder necessária se toma a existência daqueles dois elementos, pois só desse modo se pode afirmar a existência da posse.”


Voltando ao caso em análise, verifica-se que a posse do Embargante não está integralmente preenchida, por várias razões:
- o Recorrente não pagou a totalidade do preço;
- o Executado, e proprietário do imóvel, considera o contrato-promessa resolvido conforme carta que enviou ao Recorrente, agindo assim como um verdadeiro proprietário;
- o Recorrente, autor único dos presentes embargos, já nem a habita no imóvel;
- a acção que intentaram de atribuição do direito de propriedade, foi interposta apenas em 2010, muito depois da presente penhora efectuada no processo executivo aqui em causa e ainda não esta decidida;
- nada consta dos autos que as obras realizadas tenham sido autorizadas foram autorizadas pelo Executado e finalmente;
- é o próprio Recorrente que admite, quer na p.i. quer nas presentes alegações e respectivas conclusões que “o embargante e sua família tem a posse do imóvel penhorado nos autos pese embora não tenham, ainda, a titularidade do direito de propriedade sobre o mesmo.

É certo que, em casos excepcionais, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, o promitente comprador pode preencher todos os requisitos de uma verdadeira posse, quando por exemplo, tendo sido paga a totalidade do preço, ou em que as partes não tenham o propósito de realizar o contrato definitivo (a fim de, v. g. evitar o pagamento de sisa ou precludir o direito de preferência) a coisa é entregue ao promitente comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade, o que está longe, contudo, de ser o caso dos autos, por desde logo, como vimas atrás, nem sequer a parte do preço referenciada em tal escrito se provar que tenha chegado a ocorrer, pelo que os presentes embargos não podem deixar de se encontrar condenados ao fracasso.

Face a tudo que vem exposto, e sem necessidade de mais considerações, apresenta-se como correcto o julgamento efectuado pelo Tribunal a quo pelo que a sentença recorrida deve ser mantida.
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III. DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso e em consequência julgar improcedente os presentes embargos de terceiro.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 10 de Julho de 2015.

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(Barbara Tavares Teles)
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(Pereira Gameiro)
_________________________
(Anabela Russo)