Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:665/07.2BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:01/16/2020
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:FALTA DE INTERESSE EM AGIR, ATOS POSTERIORES IMPEDITIVOS, MODIFICATIVOS E EXTINTIVOS DE ANTERIOR ATO ADMINISTRATIVO
Sumário:I. Sendo a ação de reconhecimento de direito sustentada em ato administrativo cujos pressupostos de facto e de direito não mais se mantém, por decorrência da prática de atos administrativos posteriores que são com aquele incompatíveis e que definem em termos definitivos a situação jurídica da Autora, não existe qualquer controvérsia, dúvida ou incerteza que careça de ser resolvida por via de uma ação de reconhecimento de direito.

II. Em consequência, falta o pressuposto do interesse processual em agir da Autora.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

M......., devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, datada de 06/07/2009, que no âmbito da ação administrativa comum instaurada contra o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o Instituto Politécnico da Guarda e a Escola Superior de Educação da Guarda, julgou procedente a falta do pressuposto processual do interesse em agir da Autora e absolveu os Demandados da instância.


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Formula a aqui Recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

“1. A sentença recorrida absolveu todos os réus da presente instância por falta do pressuposto processual do interesse em agir da Autora, fundamentando a absolvição nos seguintes termos: a situação jurídica da Autora junto do ESEG estava e está definitivamente esclarecida em função dos actos administrativos impugnados no sobredito Proc. nº 657/07.1BECTB, deles se retirando que a Autora, por via deles, passaria a deixar de deter qualquer vínculo funcional com aquela entidade.

2. Não obstante terem sido impugnados judicialmente os actos administrativos praticados pelos réus e terem as referidas impugnações sido julgadas improcedentes, certo é que a Autora mantém interesse em agir na presente acção, porquanto, os pedidos formulados na presente acção são divergentes dos pedidos formulados na acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos.

3. Se os sobreditos despachos foram apreciados judicialmente na sentença e no acórdão proferidos no âmbito da sobredita acção administrativa especial, já com trânsito em julgado, certo é que através da presente acção o que pretende a Autora é ver apreciado e reconhecido o direito que, no seu entender, lhe assiste decorrente do despacho de 25 de Junho de 2001 da autoria da Senhora Secretaria de Estado da Administração Educativa, e que a nomeou em comissão de serviço extraordinária, nos termos do nº 4 do artº 24º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, enquanto não aceder à categoria de professor-adjunto.

4. E, como consequência desse despacho, pretende a Autora ver reconhecido, através da presente acção, o direito a permanecer na docência do Ensino Superior Politécnico, como assistente de 2º triénio, de Português até aceder à categoria de professor adjunto, pertencendo ao Departamento de Línguas e Culturas da ESEG do IPG.

5. E, por fim, pretende a autora que o reconhecimento dos sobreditos direitos impõe a condenação dos réus a que lhe distribuam serviço docente nas disciplinas em que sempre leccionou – área de Português e Licenciatura – no Departamento de Línguas e Culturas da ESEG.

6. As pretensões da autora, decorrentes dos direitos que invoca na presente acção, não foram apreciadas na Acção Administrativa cujos autos foram autuados com o nº 657/07.1BCTB; não estando, assim, a Autora impedida de, através de uma acção administrativa comum, como é o caso da presente acção, de obter o reconhecimento de um direito que não viu acautelado na sobredita acção administrativa especial.

7. A presente acção administrativa comum é uma típica acção de condenação.

8. E tem assim a Autora interesse em agir, ao pretender o que peticiona, fundamentadamente, na presente acção.

9. A sentença recorrida fez errada interpretação da norma do artº 39º do CPTA ao aplicá-la, nos termos em que o faz, aos factos dos presentes autos.

10. Deve, pois, revogar-se a sentença recorrida que absolveu todos os réus dos pedidos por falta de interesse em agir e, em sua consequência, deve a presente acção administrativa comum prosseguir os seus termos até final, julgando-se os pedidos procedentes por provados.”.


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Notificado o Instituto Politécnico da Guarda veio o mesmo contra-alegar o recurso, assim tendo concluído:

“I. A douta sentença ao decidir como decidiu fez correcta interpretação da lei e do direito aplicável, ao julgar procedente a falta do interesse processual da recorrente em agir com a consequente absolvição dos réus da instância, tendo por base a decisão judicial, já transitada em julgado, proferida no Proc. n.º 657/07.1BECTB - Acção Administrativa Especial -, através da qual ficou definitivamente definida e esclarecida a situação jurídica da ora recorrente junto da então Escola Superior de Educação;

II. Tendo em consideração os termos do recurso contencioso interposto na referida acção administrativa especial bem como atendendo a que a legitimidade na presente acção dever se avaliada face à relação material controvertida tal como foi configurada pela ora recorrente, constata-se que o interesse manifestado pela recorrente foi sempre o mesmo, o da continuidade de funções como assistente de Português, até aceder à categoria de professor adjunto, na então Escola Superior de Educação, ora Escola Superior de Educação, Comunicação e Desporto, ao abrigo do direito que alega ser-lhe conferido pelo despacho da Senhora Secretária de Estado da Administração Educativa;

III. Porquanto, como se considerou provado na douta sentença proferida nos autos do Proc. n.º 657/07.1 BECTB - recurso de impugnação judicial dos actos praticados pelo Director da referida escola - cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e que julgou improcedente a referida acção, não só a "leitura" efectuada pela ora recorrente do dito despacho não podia proceder, assim como os pressupostos em que o mesmo assentava, ao tempo, já não se verificavam.

IV. Ora, não logra a ora recorrente demonstrar qualquer interesse em lançar mão da presente acção, por não se encontrar muna situação carecida de tutela, urna vez que aquela acção era apta a assegurar a efectiva tutela jurisdicional do alegado direito/interesse - que se provou não existir - e que a recorrente agora pretende novamente defender através da presente acção;

V. Ou seja, se a apreciação da existência do interesse em agir se consubstancia na utilidade da presente acção, não pode justificar o prosseguimento da mesma o hipotético direito/interesse da recorrente em ver efectuada a prova dos factos que já foram apreciados na referida acção especial por si interposta.

VI. Contrariamente ao alegado pela ora recorrente, a sentença recorrida fez assim uma correcta interpretação e aplicação da norma do art 39.º do CPTA e do direito aos presentes autos;

VII. Deve, pois, ser mantida a douta sentença recorrida, sempre com as legais consequências.”.

Pede que o recurso seja julgado improcedente e seja mantida a sentença recorrida.


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O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior contra-alegou o recurso, tendo assim concluído:

“1º.

A douta sentença que absolveu os Réus da instância por falta do pressuposto processual do interesse em agir da Autora fez correcta interpretação dos normativos aplicáveis e, designadamente, do artigo 39º do CPTA, pelo que não merece qualquer censura e deve ser confirmada. Com efeito,

2º.

A situação jurídica da Autora junto da Ré ESEG está definitivamente esclarecida nos actos administrativos impugnados sem sucesso nos autos de acção administrativa especial número 657/07.1BECTB, já definitivamente decidida, deles se retirando que a Autora deixou de deter qualquer vínculo com aquela Ré. Em consequência,

3º.

A Autora nenhum interesse pode ter na decisão da presente acção, ainda que se entenda, o que apenas se figura sem conceder, que os pedidos formulados na presente acção são divergentes dos pedidos formulados na acção administrativa que correu termos sob o número 657/07. 1BECTB, para além das diferenças no seu enunciado linguístico. Com efeito,

4º.

Na hipótese, que se não concede, da presente acção prosseguir e ser julgada procedente, ou se entendia que a Ré ESEG ficaria obrigada a distribuir serviço docente à Autora e, por existir contradição com a decisão transitada proferida na acção número 657/07. 1BECTB, a esta e não à decisão dos presentes autos seria devida obediência, ex vi do artigo 675° do CPC, pelo que a decisão destes autos não teria qualquer efeito ou,

5º.

Apesar da decisão destes autos ser de procedência, o que repete-se, apenas se figura sem conceder, se entendia que, proferidos os actos administrativos impugnados sem sucesso na acção especial número 657/07.1BECTB, a situação da Autora estava definitivamente decidida e a decisão dos presentes autos nada viria alterar. Ou seja,

6º.

É evidente, excluídas as formulações linguísticas possíveis, que a Autora não tem interesse processual na dedução dos pedidos formulados nos autos e por isso que a douta sentença sob recurso não fez errada interpretação do disposto no artigo 39° do CPTA e não merece a censura que a Autora lhe dirige, pelo que deverá o presente recurso ser julgado improcedente e a sentença confirmada, assim se fazendo a costumada Justiça!”.


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Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não foi emitido parecer.


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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Segundo as conclusões do recurso, a questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por errada interpretação do artigo 39.º do CPTA no tocante ao interesse em agir da Autora.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

1. Por despacho da Sra. Secretária de Estado da Administração Educativa, datado de 25.06.2001, a Autora foi nomeada em comissão de serviço extraordinária “[…] nos termos do n.º 4 do art.º 24.º do Decreto-Lei n.º 427/89 de 7 de Dezembro, enquanto não aceder à categoria de professor adjunto, ou seja, enquanto permanecer na categoria de assistente […]” (cfr. doc. n.º 2 junto com a p. i. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

2. Em despacho do Sr. Director da Escola Superior de Educação da Guarda, datado de 26.10.2007, endereçado e recebido pela Autora, extrai-se que: “[…] No seguimento à solicitação de V. Ex.a., vimos, por este meio, informar que, como é do seu conhecimento, não lhe foi distribuído serviço docente para o presente ano lectivo, terminando o seu contrato a 30 de Novembro de 2007 […]” (cfr. doc. n.º 3 junto com a p. i. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

3. O Sr. Director da Escola Superior de Educação da Guarda emitiu, em 14.11.2007, uma exposição escrita dirigida à Autora (cfr. doc. n.º 5 junto com a p. i. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

4. A petição inicial da presente acção foi remetida para este Tribunal por via postal registada tendo a mesma sido expedida pelo Advogado da Autora em 21.12.2007.

5. A Autora interpôs uma acção administrativa especial neste Tribunal, cuja petição inicial exibe no carimbo de entrada a data de 28.12.2007, nela identificando como actos impugnados os “[…] despachos emitidos em 26 de Outubro e 14 de Novembro de 2007 pelo Senhor Director da Escola Superior de Educação […]”, tendo a mesma corrido termos com o n.º 657/07.1BECTB (cfr. doc. n.º 1 junto com a contestação do Instituto Politécnico da Guarda que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).

6. Por decisão deste Tribunal proferida em 03.07.2008, foi julgada improcedente a acção referida no n.º anterior (cfr. doc. a fls. 269 a 285 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido)

7. Por decisão do Tribunal Central Administrativo do Sul, datada de 02.04.2009, transitada em julgado, foi decidido negar provimento ao recurso interposto da decisão referida no n.º anterior, confirmando-se a mesma (cfr. doc. a fls. 269 a 285 dos autos que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).


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A convicção do Tribunal assentou nos documentos juntos pelas partes aos autos e que não foram objecto de qualquer forma de impugnação.

Não ficaram demonstrados com interesse para a decisão a proferir, os demais factos alegados pelas partes nos respectivos articulados juntos ao presente processo.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise do fundamento do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento de direito, por errada interpretação do artigo 39.º do CPTA, no tocante ao interesse em agir da Autora

Vem a Recorrente a juízo recorrer da sentença que absolveu os Réus da instância, por falta do pressuposto processual de interesse em agir da Autora.

Sustenta que apesar de terem sido impugnados outros atos administrativos praticados pelos Réus e terem as respetivas impugnações sido julgadas improcedentes, mantém a Autora o interesse em agir na presente ação, por serem os pedidos formulados na presente ação divergentes em relação aos que foram formulados na ação administrativa especial.

Na presente ação a Autora pretende ver reconhecido o direito que lhe assiste decorrente do despacho de 25/06/2001, da Secretária de Estado da Administração Educativa, que a nomeou em comissão de serviço extraordinária, nos termos do artigo 24.º, n.º 4 do D.L. n.º 427/89, de 07/12, enquanto não aceder à categoria de professor-adjunto, assim como pretende ver reconhecido o direito a permanecer na docência do Ensino Superior Politécnico, como assistente de 2.º triénio, de Português, até aceder à categoria de professor adjunto e ainda, a condenação dos Réus a que lhe atribuam serviço docente nas disciplinas em que sempre lecionou.

Defende a Autora, ora Recorrente que as pretensões que formula na presente ação nunca foram apreciadas na ação que correu termos sob o n.º 657/07.1BCTB, não estando a Autora impedida de fazer valer os seus direitos.

Arroga-se, por isso, de interesse processual em agir.

Na sentença recorrida foi conhecida a questão da falta de interesse em agir suscitada pelo Instituto Politécnico da Guarda, decorrente na falta de carência da Autora na obtenção de tutela judicial ou na necessidade de fazer uso do processo.

Resulta da sua fundamentação de direito, de entre o mais, o seguinte, que ora se transcreve: “Nos presentes autos, a Autora sugere que a caracterização da sua situação funcional junto do ESEG, está envolta num denso nevoeiro pleno de indefinições. No entanto, resulta dos autos que tal dúvida nunca chegou a existir, uma vez que a Autora impugnou os actos administrativos que aqui alude como sustentadoras da alegada dúvida, nos autos do Proc. n.º 657/07.1BECTB. Ora, nesta acção foi definitivamente resolvida a questão da validade dos mesmos, tendo-se julgado improcedente o respectivo pedido de anulação. Ora, se houve actos administrativos que definiram a relação funcional da Autora com o ESEG, se tais actos expressos foram impugnados (ainda que sem sucesso) não se vê qual a necessidade que a Autora detém em recorrer ao presente meio processual, uma vez que inexiste qualquer dúvida que justifique os pedidos que aquela faz nestes autos.

Assim, a situação jurídica da Autora junto do ESEG estava e está definitivamente esclarecida em função dos actos administrativos impugnados no sobredito Proc. n.º n.º 657/07.1BECTB, deles se retirando que a Autora, por via deles, passaria a deixar de deter qualquer vínculo funcional com aquela entidade.

Denote-se, ainda, que o interesse em agir se distingue do conceito de legitimidade processual, embora possa ter algum grau de confluência com este último conceito, na medida em que pelo interesse em agir determinam-se as condições em que a parte pode recorrer aos Tribunais, enquanto que pela legitimidade se define qual o sujeito que pode ser parte activa ou passiva numa determinada acção.

Ora, o art.º 39.º do CPTA, em casos como o dos presentes autos, dispõe que:Os pedidos de simples apreciação podem ser deduzidos por quem invoque utilidade ou vantagem imediata, para si, na declaração judicial pretendida, designadamente por existir uma situação de incerteza, de ilegítima afirmação por parte da Administração, de existência de determinada situação jurídica, ou o fundado receio de que a Administração possa vir a adoptar uma conduta lesiva, fundada numa avaliação incorrecta da situação jurídica existente.” (sublinhado nosso). Assim, faltando o referido interesse processual à Autora, tal falta consubstancia à falta de um pressuposto da acção que deverá determinar a absolvição dos Réus da instância.”.

Analisando a factualidade que consta do julgamento de facto, a qual não logra ser impugnada no presente recurso, é possível entender pelo correto julgamento da questão de direito ora em reapreciação.

A Autora sustenta as pretensões judiciais formuladas na presente ação no despacho que se dá como assente no ponto 1. da matéria de facto, mas posteriormente a essa decisão foram praticados outros atos administrativos, nos termos provados nos pontos 2. e 3. do julgamento de facto, que são com aquele incompatíveis.

Tendo os atos posteriores sido impugnados judicialmente, conforme provado no ponto 5 da matéria de facto assente, essas impugnações foram julgadas improcedentes por decisão judicial transitada em julgado, segundo os pontos 6 e 7 da matéria de facto.

Nesse sentido, por decorrência de novas decisões administrativas que constituem caso julgado administrativo, por serem atos definitivos, foi a situação jurídica da Autora, ora Recorrente definida em termos que não oferece qualquer controvérsia, dúvida ou incerteza.

Além disso, sendo os atos administrativos posteriormente praticados incompatíveis com o primeiro ato, datado de 25/06/2001, no qual a Autora assenta as pretensões que formula em juízo, existiu em revogação implícita desse primeiro ato administrativo, em termos que permitem firmar que desapareceu da ordem jurídica o fundamento em que a Autora nele pudesse fundar qualquer pretensão.

Por outras palavras, existindo uma atuação administrativa posterior que é, de facto e de direito incompatível com um anterior ato administrativo, este perde a sua virtualidade para fundar qualquer pretensão da Autora, por terem desaparecido os pressupostos em que se fundara a sua prática.

Não pode a Autora, ora Recorrente fundar a sua pretensão como se os atos posteriores não tivessem sido praticados e não existissem validamente na ordem jurídica, definindo a sua situação jurídica em termos definitivos.

Neste sentido, por decorrência da estabilização da situação jurídica da Autora por força do trânsito em julgado da decisão judicial que teve por objeto a legalidade dos atos administrativos posteriores, não existe qualquer incerteza em relação à situação jurídico-funcional da Autora em relação ao estabelecimento de ensino em que lecionava.

O que significa que a Autora não só não necessita da tutela que peticiona em juízo, como não a pode obter, pela prática de atos administrativos definidores da sua situação jurídica em termos impeditivos da sua procedência.

Os factos que se dão como assentes nos pontos 2. e 3. do julgamento da matéria de facto são factos modificativos, impeditivos ou extintivos do reconhecimento do direito pretendido pela Autora.

Como citado na sentença recorrida, “…não basta haver necessidade de obter a tutela judicial para que o interesse processual esteja assegurado: é ainda indispensável que o meio processual escolhido pela parte seja efectivamente o mais adequado para alcançar aquela tutela. Esta adequação do meio judicial empregue é aferida essencialmente em função de critérios temporais e económicos, pois que ela só está assegurada se esse meio for, de entre os vários que, em abstracto, poderiam ser utilizados, o mais rápido e do mais económico. O interesse processual destina-se exactamente a definir, sempre que existam vários meios processuais concorrentes para obter uma mesma tutela, aquele que deve ser concretamente utilizado pela parte.

Para a aferição do interesse processual não basta, por isso, o interesse da parte na obtenção de uma certa tutela judicial, ou seja, não é suficiente a mera necessidade dessa tutela. Mesmo que a parte possa conseguir alguma vantagem com a tutela que pode obter com o meio processual escolhido, o ordenamento jurídico nega-lhe o interesse processual se esse meio não for o mais adequado para alcançar a tutela pretendida. Isto é, não basta que a parte possua interesse na tutela; é igualmente necessário que ela tenha interesse em utilizar o meio de tutela escolhido. Interesse na tutela e interesse no meio de tutela são, assim, os elementos pelos quais se afere o interesse processual da parte.”, Miguel Teixeira de Sousa, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 7, págs. 24 a 31.

Além de que, ao contrário do que sustenta a ora Recorrente na alegação recursiva e na conclusão 7 do recurso, a presente ação administrativa comum não é uma típica ação de condenação, mas antes uma ação de reconhecimento de direito, nos exatos termos em que o pedido foi formulado na petição inicial.

Baseado no despacho de 25/06/2001, a Autora formula o pedido de reconhecimento do direito ao exercício da docência e o consequente reconhecimento do direito à distribuição de serviço docente.

Até porque se assim não fosse e tivesse a Autora formulado pedidos de condenação, seria de proceder a exceção de erro na forma do processo, por ser a ação administrativa especial, de condenação à prática de ato devido, o meio processual próprio e adequado a fazer valer tais pretensões, e não a ação administrativa comum de reconhecimento de direito que foi efetivamente instaurada pela Autora.

Assim, sendo a ação de reconhecimento de direito sustentada em ato administrativo cujos pressupostos de facto e de direito não mais se mantém, por decorrência da prática de atos administrativos posteriores que são com aquele incompatíveis e que definem em termos definitivos a situação jurídica da Autora, não existe qualquer controvérsia, dúvida ou incerteza que careça de ser resolvida por via de uma ação de reconhecimento de direito, pelo que, em consequência, falta o pressuposto do interesse processual em agir da Autora.

Nestes termos, ao contrário do invocado no presente recurso, não incorre a sentença recorrida em erro de julgamento em relação à interpretação do disposto no artigo 39.º do CPTA.

Pelo que, improcede, por não provada, a censura dirigida contra a sentença recorrida.


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Em suma, será de negar provimento ao recurso, por não provados nos seus fundamentos e em manter a sentença recorrida.


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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Sendo a ação de reconhecimento de direito sustentada em ato administrativo cujos pressupostos de facto e de direito não mais se mantém, por decorrência da prática de atos administrativos posteriores que são com aquele incompatíveis e que definem em termos definitivos a situação jurídica da Autora, não existe qualquer controvérsia, dúvida ou incerteza que careça de ser resolvida por via de uma ação de reconhecimento de direito.

II. Em consequência, falta o pressuposto do interesse processual em agir da Autora.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)



(Pedro Marchão Marques)


(Cristina Santos)