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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04673/11
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:01/08/2015
Relator:ANA PINHOL
Descritores:PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL
DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
ARTIGOS 113º, 114.º, 115, N.º 1 E 119.º TODOS DO CPPT.
Sumário:1.Compete ao juiz examinar se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes em face das normas que disciplinam a admissibilidade desse meio de prova, e, no caso afirmativo, aferir da relevância da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, só podendo dispensar essa prova no caso de concluir que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária.
2. A Recorrente não indica os concretos pontos que se visa provar com recurso ao meio de prova testemunhal nem as razões pelas quais, tal prova se mostra imprescindível para a boa decisão da causa e não resulta evidência da sua indispensabilidade perante o enquadramento factual e de direito corporizado na decisão recorrida, tanto mais, ainda que, o acervo documental foi valorado/apreciado e não sofreu contestação alguma.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I.RELATÓRIO
C..................... – ......................., LDA, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra de 5 de Novembro de 2010, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os actos de liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios dos exercícios de 2004 e 2005.


A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
« A requerente requereu a produção de prova testemunhal que considera indispensável à boa decisão dos presentes autos;
Apesar de não ter sido dispensada nem ter havido conhecimento imediato do pedido, não foram ordenadas as diligências e não foi produzida;
Violaram-se assim o princípio do contraditório e os artigos 114º, 115º e 118º do C.P.P.T..
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a referida sentença e produzindo-se acórdão que ordene a produção da prova testemunhal e assim se fazendo melhor
Justiça.»

A Recorrida, não apresentou contra-alegações.
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O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal é de parecer que o recurso não merece provimento, atento a que: « (…) A recorrente apresentou as alegações (fls.52/53), não tendo então manifestado oposição ao cumprimento do art.120º do CPPT, aceitando implicitamente a não audição da testemunha por si arrolada, tanto mais que nas respectivas alegações, não suscita tal falta de audição, nem refere a violação do princípio do contraditório, agora alegado.
Deixando passar o momento próprio para se insurgir contra o despacho que ordenou a notificação às partes para alegarem, sem ordenar previamente a audição da testemunha arrolada, conformou-se com o mesmo.
Não tendo sido atacada a fundamentação da sentença recorrida e mostrando-se percutido o direito de se insurgir contra o despacho que implicitamente não ordenou a audição da testemunha arrolada.»
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Foram colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Adjuntos, pelo que vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso já que a tal nada obsta.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

No caso trazido a exame, a questão a decidir consiste em saber se o processo enfermo do vício de violação do princípio do contraditório, consignado nos artigos 114º, 115º e 118º do CPPT, por omissão de despacho a dispensar a falta de inquirição da testemunha arrolada na petição de impugnação.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão
1- Em 28.01.09, foi efectuada a liquidação adicional de IRC e de juros compensatórios ao impugnante, com os nºs ........................... e ..........................., relativo aos exercícios de 2004 e 2005 respectivamente, devidamente notificadas em 16.02.09. - cfr. Demonstração da Liquidação de fls 25 e 26, Demonstração e Notificação de Cobrança, de fls 27 a 30 e correspondência postal de fls 3 1, dos autos
2- As liquidações referidas em 1 resultaram da alteração aos rendimentos declarados, tendo por base o relatório da I.T. devidamente notificado ao interessado em 24.11.2008, após remessa de duas cartas- avisos para início do procedimento de inspecção, para a sede social do sujeito passivo, efectuadas por carta registada com aviso de recepção os quais se encontram assinados. - cfr. Relatório de fls 1 e segs, Carta - Aviso, de fls 205 a 210 e correspondência postal de fls 211 e 212, Oficio de fls 255 e 256 e Certidão de Citação com hora certa de fls 257 a 259, Mandato de fls 260 a 263, do Proc. Reclamação Graciosa apenso e "Prints Informáticos", de fls 26, do P.A. apenso.
3- A acção inspectiva referida supra teve o seu início em 05.06.2008 e em 09.06.2008 respectivamente, com a notificação da ordem de serviço da sua realização, tendo-se elaborado o relatório referido em 2, do qual consta designadamente:
... "IV-Motivo e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos ...
…V-Critérios de cálculo de valores corrigidos com recurso a métodos indirectos de acordo com o estipulado no art° 90° da LGT ... " - cfr Relatório de fls 1 a 212, e Assinatura aposta na Ordem de Serviço, de fls 203 e 204, do P.A. apenso .
4- Do acto de liquidação mencionado em 1), foi deduzida reclamação graciosa em 28.04.09, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, de fls 3 e segs, a qual mereceu o projecto de decisão de fls 273 a 228 e após o exercício do direito de audição constante de fls 282 a 283, foi proferida decisão em 21.09.2009 de indeferimento da reclamação, com base no Parecer e Informação prestada no procedimento de impugnação administrativa, constante de fls 284 a 289, devidamente notificada à reclamante. -cfr Oficio de fls 290 e correspondência postal de fls 291 do Proc. RecI. Apenso.

X
Factos Não Provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

X
Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»

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B.DE DIREITO
O presente recurso vem interposto da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial que a Recorrente deduziu contra a liquidação de IRC relativa aos exercícios de 2004 e 2005.

Em sede de motivação da decisão de facto e de direito, escreveu-se na sentença sob exame quanto às causas de pedir invocadas na petição inicial, o seguinte: «Quanto à caducidade do direito à liquidação do imposto, não se verifica tal extinção do direito relativo ao IRC do exercício de 2004, já que aquela liquidação foi validamente notificada ao contribuinte no prazo legal, atento a suspensão daquele prazo de caducidade com a notificação da ordem de serviço no início da acção de inspecção externa mencionada no nº3 do probatório, conforme resulta do disposto no n° 1, do art° 46° da LGT e art° s 46° e 51°, do R.C.P.LT. e tendo-se concluído aquele procedimento de inspecção em 24.11.08., o qual, não ultrapassando aquele prazo máximo referido naquele n" 1, do art° 46° pelo que, contando-se ( aquele prazo de caducidade) nos termos do disposto no nº4, do art° 45° da LGT acrescido do período de duração da inspecção externa, verifica-se que á data de notificação do acto tributário mencionado em 1, ainda não se havia esgotado aquele prazo de caducidade do direito à liquidação ínsito no n.º1, do art° 45° daquela Lei Geral, já que ao contrario do pretendido pelo impte não se aplica o prazo especial referido no nº2, do mesmo preceito legal, atento a que o mesmo apenas se verifica em caso de utilização de método indirecto de determinação da matéria tributável através da aplicação dos indicadores objectivos de actividade, o que patentemente não foi o caso ( nem de resto esses indicadores foram ainda regulados por lei), conforme resulta do relatório da IT, a que se refere o nº 3 do probatório. -cfr nesse sentido A. Lima Guerreiro in "LGT Anotada" Ed 2000, pags 214 e 215. Quanto à preterição de formalidade legal relativa à notificação para início do procedimento de inspecção a que se refere o art° 49° do RCPIT, do ponto 2 do probatório verifica-se que a carta- aviso obedeceu a todos os formalismos legais tendo sido notificada validamente a sociedade para aquela acção inspectiva, não sendo de acolher a tese de qualquer irregularidade daquele procedimento, maxime quanto à forma de notificação da ordem de serviço para aquele procedimento, atento o nº3, do art° 51 ° do RCPIT, quer quanto à sua extensão e alteração, conforme se encontra vertido no nº3, do art° 14° e n'T, do art° 15° daquele mesmo regime complementar.
Face às correcções efectuadas e em resultado do retardamento da liquidação do imposto devido por facto imputável ao contribuinte mencionado em 1, são devidos os juros compensatórios apurados. - cfr art° 94° do CIRC e art° 35° da LGT.» (negritos da nossa autoria)
A Recorrente invoca, como questão única deste recurso, a violação do princípio do contraditório consignado nos artigos 114º, 115º e 118º do CPPT, por omissão de despacho a dispensar a falta de inquirição da testemunha arrolada.
Antes de apreciar a questão constante do recurso e enunciada supra, convirá fazer um esclarecimento prévio face ao discurso corporizado nas alegações recursórias.
Analisadas as alegações e as conclusões, a primeira questão que se nos suscita é a de saber se a Recorrente ataca ou não a sentença recorrida, já que em parte alguma se invoca qualquer nulidade ou erro de julgamento de direito ou de facto, muito embora, de a final se pedir a sua revogação.
Ora, sabendo-se que os recursos são meios de impugnação de decisões com vista ao reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida (e o tribunal de recurso não deve conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso) devem conclusões das alegações recursórias especificar os fundamentos por que discorda da decisão recorrida e pelos quais se pretende a revogação do que ficou decidido.
No caso, a Recorrente em sede de conclusões, não indica os concretos pontos da matéria de facto controvertida com os quais está em desacordo, nem invoca as razões pelas quais, considera a produção da prova testemunhal imprescindível para a boa decisão da causa face à materialidade fáctica que fundamenta o pedido formulado nesta impugnação.
O que equivale dizer, que este Tribunal de recurso não poderá apreciar se outros factos para além dos considerados pelo Tribunal de 1ª Instância ficaram ou não demonstrados, porque como se disse, são as conclusões que definem o objecto do recurso.
Sendo assim, se a Recorrente não indica os concretos motivos da sua discordância, corre o risco de que o tribunal ad quem, concordando com a sentença recorrida, se limite, sem mais, a remeter para a fundamentação que nela foi expendida. Na verdade, nessa circunstância, nada mais haverá a ponderar, não tendo o tribunal de recurso, designadamente, de procurar convencer o recorrente através de outra diversa fundamentação. (Neste sentido vide Acórdão do STA de 09.04.2014, proferido no processo n.º 01869/13, disponível no endereço http://www.dgsi.pt/.)
Postos estes esclarecimentos, importa entrar na análise da questão colocada no presente recurso jurisdicional e que se prende com a falta de inquirição da testemunha arrolada na petição inicial e por não ter sido proferido despacho interlocutório a dispensar a requerida diligência.
Vejamos, então.
No caso “sub judice”, examinando a tramitação processual do presente processo, verifica-se que o Mmo Juiz do Tribunal a quo, após a notificação da contestação à Recorrente e sem ter sido proferido despacho interlocutório, foi determinada a notificação às partes para apresentarem as alegações referidas no artigo 120.º do CPPT (fls 46), seguindo-se a remessa dos autos para parecer final do Ministério Público (fls.54) e, após, foi proferida a sentença sob exame.
Vem agora, a Recorrente alegar que: « (…) requereu a produção de prova testemunhal que considera indispensável à boa decisão da causa» e que « Apesar de não ter sido dispensada (…) não foram ordenadas as diligencias e não foi produzida
É, inquestionável que o processo judicial tributário enquanto processo de partes é pautado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade de partes, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais. E, por isso, de harmonia com o disposto no artigo 113º do CPPT, o juiz só pode dispensar a fase de instrução dos autos «se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários», devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, em conformidade com o disposto nos artigos 114.º, 115, n.º 1 e 119.º do CPPT. (Neste sentido, entre outros, vide: Acórdão do STA de 14.09.2011, proferido no processo n.º 0215/11, disponível no endereço http://www.dgsi.pt/)
Competindo ao juiz examinar se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes e, no caso afirmativo, aferir da relevância da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, só podendo dispensar essa prova no caso de concluir que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária.
Porém, como tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, « (…) a falta de inquirição de testemunhas não constitui nulidade porque não surge como diligência cuja realização se imponha inelutavelmente ao juiz, antes cabendo a este avaliar se a questão a dirimir no processo é meramente de direito ou, sendo também de facto, constam do processo todos os elementos pertinentes para a decisão e, nesse caso, decidir-se pelo imediato conhecimento do pedido.
Compete ao juiz aferir da necessidade ou não de produzir prova, decidindo «se deve ou não realizar diligências que forem requeridas, podendo oficiosamente realizar as diligências que entender úteis para a descoberta da verdade, em relação aos factos alegados ou de que oficiosamente possa conhecer (art. 99.º, n.º 1, da LGT)» (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, IV volume, anotação 8 g) ao art. 278.º, págs. 312/313.).
Ou seja, a lei não prescreve que deve haver sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção; pelo que não havendo essa imposição legal, se o juiz dispensa a produção de prova não se pode dizer que foi preterida uma formalidade legal geradora de nulidade processual. O que não obsta a que a omissão de diligências de prova, quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, possa afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando a anulação da sentença por défice instrutório com vista a obter o devido apuramento dos factos.» ( Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.04.2014, proferido no processo n.º 01869/13, por mais recente, disponível no endereço http://www.dgsi.pt/ ).
Pelo que vem dito, consideramos que apesar da Recorrente não indicar os concretos pontos que se visa provar com recurso ao meio de prova testemunhal nem as razões pelas quais, tal prova se mostra imprescindível para a boa decisão da causa não resulta evidencia da sua indispensabilidade, perante o enquadramento factual e de direito corporizado na decisão recorrida, tanto mais, ainda que, o acervo documental foi valorado/apreciado e não sofreu contestação alguma.
Diremos pois que, não obstante, a omissão da falta de despacho a dispensar a inquirição da testemunha arrolada na petição inicial, a Recorrente escusou-se a identificar a existência de qualquer facto controvertido capaz de afectar o julgamento da matéria de facto fixado de modo a que este Tribunal de recurso e a esse respeito, considere indispensável à boa decisão da causa e posterior decisão em conformidade.

Não há, pois, que dar razão à Recorrente.


IV.DECISÃO
Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e, em consequência, mantêm-se na Ordem Jurídica a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 8 de Janeiro de 2015.


[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Lurdes Toscano]