Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:264/13.0BEALM
Secção:CT-2º. JUÍZO
Data do Acordão:04/18/2018
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:RENDIMENTOS DE CATEGORIA B; IRS; ACTO ISOLADO.
Sumário:1) O conceito jurídico de actividade comercial ou industrial, para efeitos de IRS, corresponde ao conceito económico de actividade comercial ou industrial, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros.
2) Os actos isolados são aqueles que não assumem o carácter de profissionalidade ou de habitualidade.
3) Pressuposto do conceito de actividade comercial ou industrial é a existência de um acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de uma actividade (mesmo que expressa em um só acto) traduzida na criação de uma utilidade económica, objecto de troca, resultante de uma qualquer relação do agente/contribuinte com terceiro.
4) O momento da exigibilidade do imposto (associado à formação do rendimento) não tem que coincidir com o lapso temporal relativo à actividade geradora do mesmo (como sucede no caso em exame, em que a intervenção transformativa do prédio por parte dos recorrentes ocorre em 2007 e a alienação [permuta] ocorre apenas em 2008).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório

J. C. B. C. C. e M. E. A. C. B. C., melhor identificados nos autos, interpuseram recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF de Almada que julgou improcedente a Impugnação Judicial da liquidação de IRS nº 2012 5... e respetivos juros compensatórios, relativa ao ano de 2008, no valor global de €70.514,99.

X
Os Recorrentes concluíram as suas alegações de recurso (fls. 397/404) com as seguintes conclusões:
«1ª
O presente recurso tem por objecto a douta Sentença que considerou improcedente a impugnação judicial do acto de liquidação nº20125... relativa ao IRS do ano de 2008, pelo qual a AT erradamente imputou aos recorrentes o exercício de uma actividade empresarial nesse ano, e, bem assim, erradamente quantificou os rendimentos dessa actividade.

A douta sentença recorrida ao declarar também improcedente a excepção deduzida pela recorrida AT de que os impugnantes ora recorrentes teriam efectuado uma incorrecta identificação do acto impugnado revelou que afinal a AT jamais percepcionou o cerne da questão laborando em grande confusão na base do erro do acto de liquidação impugnado.

A ser imputável aos impugnantes recorrentes o exercício de uma atividade empresarial geradora de rendimentos (classificáveis na categoria B) tal só é aceitável relativamente ao ano de 2007, porquanto foi neste ano que levaram a cabo o conjunto de ações visando, e concretizando, a alteração da substância do prédio, designadamente, transformando a sua natureza jurídica em ''terreno para construção" por aprovação da Câmara Municipal em 14-12-2007, e que, reportando­se a esta mesma data, a AT procedeu à respetiva avaliação desse novo prédio, fixando-lhe o valor patrimonial de 721.940,00€.

Em 2008 (03-03-2008) o que se verificou foi a alienação a terceiro desse novo prédio - absolutamente tão só "terreno para construção " - (pelo valor de 800.000,00€), terceiro esse que, subsequentemente, requereu em 16-04-2008 o Alvará de Licenciamento em seu próprio nome e Alvará esse que a si lhe foi concedido em 08-08-2008.

E, subsequentemente, terceiro esse que, na titularidade do Alvará, procedeu ao loteamento, levou a efeito toda a construção, constituiu a propriedade horizontal, explorou e comercializou as fracções, e fez seus os lucros obtidos daí decorrentes, logicamente.

Por conseguinte, o Tribunal a quo julgou erradamente ao considerar adequado o acto de liquidação impugnado pelo qual a AT imputou aos recorrentes o exercício no ano de 2008 de atividade empresarial e inerentes rendimentos como categoria B.

Mesmo que assim se não considere - mas sem conceder - o mesmo ato de liquidação relativo a 2008 sempre padecerá de erro, nomeadamente , no que se refere ao quantum do rendimento tributável , uma vez que a forma apropriada para o respetivo cálculo será a seguinte:
a) Quanto a 2007
Tendo neste ano ocorrido a valorização do prédio para o valor de 721.940,00€, resultante da sua transformação e inerente avaliação da AT, mas não tendo ocorrido alienação, esse incremento no património dos recorrentes deverá ser tributado considerando o coeficiente de 20% (contribuintes sem contabilidade organizada) resultando o rendimento coletável no valor de 144.388,00 € (721.940,00€ x 20%).
b) Quanto a 2008:
Tendo neste ano ocorrido a alienação por 800.000,00€ do prédio que, resultante de transformação, tinha advindo ao património dos recorrentes no ano anterior pelo valor de 721.940,00€, então, o rendimento coletável deverá corresponder à diferença entre esses valores (78.060,00 €), a ser considerado como rendimento de mais-valias, categoria G, em 2008.
O que, aliás, confere com o douto Acórdão do STA de 05-12-2012.»
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 437/438), onde defendeu a improcedência do recurso, mais promovendo que se tivesse em atenção o disposto no artigo 47º nº 2 do RGIT.
X
Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
X
II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A Meritíssima Juíza a quo apurou a seguinte factualidade:
« Dos elementos constantes dos autos, e com relevância para a apreciação da presente impugnação, resulta provada a seguinte factualidade:
A - A 18 de setembro de 2006, foi outorgado no Cartório Notarial de A. escritura pública de partilha da qual resulta, designadamente, que os bens imóveis infra descritos foram adjudicados à Impugnante por óbito de seus pais M. S. C. e I. S. V., ocorrido no ano de 1972:
- Prédio misto, composto por casas de residência, eirado e cisterna e terra de semear com árvores, com área de 8520 m2, no sítio da M., freguesia e concelho de A., não descrito na Conservatória do Registo Predial de A., inscrito nas respetivas matrizes prediais sob os artigos urbanos 1..., com o valor patrimonial tributário 269,50€ e 3..., com o valor patrimonial atribuído de 198,34€ e o artigo rústico 0..., da seção T, com o valor patrimonial atribuído de 1054, 53€;
- Prédio rústico, composto por figueiras, amendoeiras, oliveiras, cultura arvense e alfarrobeiras, situado em M. J., freguesia da G., concelho de A., descrito na Conservatória do Registo Predial de A. sob o nº 02013/8... e inscrito na matriz predial sob o artigo .., da seção X, com o valor patrimonial e atribuído de 977, 72€.
(cfr. escritura de partilha a fls. 60 a 64 verso do Processo Administrativo Tributário-PAT apenso).
B - A 17 de setembro de 2007, foi outorgada procuração constando como mandantes M. E. A. C. B. e J. C. B. C. C. e como procurador J. M. S. V., com o seguinte teor:


(Texto no orignal)





(cfr. fls. 87 e verso do PAT apenso).
C - A Impugnante M. E. A. C. B. C., conhecedora das construções realizadas pela sociedade designada “Z. (P.) P. E C. C., LDA”, mormente condomínios fechados, estabeleceu contacto com os representantes da aludida sociedade tendo demonstrado interesse em vender o prédio misto melhor identificado em A) da factualidade assente, indagando, para o efeito, da possibilidade e viabilidade de construção (facto que se extrai do depoimento das testemunhas);
D - Na sequência de contacto da Impugnante retratado na alínea antecedente, em data que não se consegue precisar com rigor, mas anterior à celebração do contrato de promessa de compra e venda ocorrido em 22 de setembro de 2007, a sociedade designada “Z. (P.) P. E C. C., LDA”, requereu junto das Entidades Camarárias competentes informação prévia sobre a viabilidade de construção no prédio misto referido em A) supra (facto que se extrai do depoimento das testemunhas).
E - Na sequência de informação favorável sobre a viabilidade de construção, a 22 de setembro de 2007, foi outorgado escrito denominado de “contrato promessa de permuta” constando como primeiros outorgantes os Impugnantes e como segunda outorgante a sociedade designada “Z. (P.) P. E C. C., LDA”, extraindo-se na parte que releva para os autos, designadamente, o seguinte:

(Texto no original)


.
(…)



(Texto no original)




(cfr. fls. 83 a 86 do PAT apenso; facto que se extrai do depoimento das testemunhas).
F - A 19 de novembro de 2007, foi apresentado requerimento junto da Câmara Municipal de A., denominado “Pedido de Licença para Execução de Operações Urbanísticas, previstas no DL nº 555/99, de 16 de dezembro, alterado pelo DL nº 177/2001, de 04 de junho”, relativamente ao prédio misto com a área de 8520 m2, sito em M., correspondente ao artigo ...º da seção “T”, da freguesia de A. e descrito na Conservatória do Registo Predial de A., do qual se extrai, designadamente, o seguinte:



(Texto no original)





(cfr. fls. 66 e verso do PAT apenso; facto corroborado pelo depoimento das testemunhas).
G - A 14 de dezembro de 2007, foi exarado despacho pelo Vice-presidente da Câmara Municipal de A., por sub-delegação de poderes, relativamente ao pedido referido na alínea antecedente com o seguinte teor: “Aprovado o projeto de arquitetura. Nos termos do parecer técnico de 11.12.2007” (cfr. fls. 66 verso do PAT apenso; facto corroborado pelo depoimento das testemunhas).
H - Na sequência da aprovação do projeto de arquitetura, referido na alínea antecedente, a 12 de fevereiro de 2008, a Impugnante M. E. A. C. B. C. apresentou declaração modelo 1 de IMI, relativamente ao imóvel referido na alínea antecedente, extraindo-se do seu teor, designadamente, o seguinte:








(Texto no original)


(cfr. fls. 69 do PAT apenso).
I - O prédio misto melhor identificado em A) da factualidade assente foi desativado, a partir de 14 de dezembro de 2007, dando origem ao novo artigo matricial com o nº 2.0..
(facto não controvertido; cfr. Relatório de Inspeção Tributária; cfr. anexo V do mesmo);
J - A 15 de fevereiro de 2008, a Impugnante apresentou requerimento junto do Presidente da Câmara Municipal de A. com o seguinte teor:

(Texto no original)
.



(cfr. fls. 72 do PAT apenso).
K - A 03 de março de 2008, foi outorgado no Cartório Notarial sito na U. Q. da C., em A., escritura pública de permuta entre os Impugnantes na qualidade de primeiros outorgantes e J. M. S. V. na qualidade de segundo outorgante e em representação da sociedade designada “Z. (P.) P. E C. C., LDA” da qual se extrai o seguinte:

(Texto no original)


(cfr. fls. 54 a 58 do PAT apenso).
L - A 4 de abril de 2008, a sociedade designada “Z. (P.) P. E C. C., LDA” apresentou pedido de averbamento relativamente ao projeto de construção do qual consta, designadamente, o seguinte:
(Texto no original)



(cfr. fls. 72 verso do PAT apenso).
M - A 08 de agosto de 2008, foi emitido pelo Município de A., o alvará de licenciamento de obras de construção em nome da sociedade designada “Z. (P.) P. E C. C., LDA” (cfr. fls. 76 do PAT apenso).
N - A 21 de maio de 2009, os Impugnantes apresentaram modelo 3 de IRS, respeitante ao ano de 2008, tendo declarado, designadamente, no Anexo G, no quadro 4, com a designação “Alienação Onerosa de Direitos Reais sobre Bens Imóveis e Afetação de Quaisquer Bens a Atividade Empresarial e Profissional”, o seguinte:



(cfr. fls. 42 do PAT apenso; facto corroborado pelo depoimento das testemunhas);
O - Na sequência da apresentação da declaração de rendimentos modelo 3, referida na alínea antecedente, foi emitido, em 20 de junho de 2009, o ato de liquidação nº 5..., com o montante de imposto a reembolsar de € 512,62 (cfr. fls. não numeradas do PAT apenso; facto corroborado pelo depoimento das testemunhas);
P - A 09 de agosto de 2011, a Direção de Finanças de F. expediu ofício endereçado para o Serviço de Finanças do S., com o seguinte teor:

.
(Texto no original)
.

(cfr. fls. 326 dos autos; facto corroborado pelo depoimento das testemunhas).
Q - Na sequência da expedição do ofício constante na alínea antecedente, o Serviço de Finanças de S., emitiu o ofício nº 13..., endereçado à Impugnante M. E. A. C. B. C., com o seguinte teor:



.(Texto no original)

(cfr. fls. 121 dos autos; facto corroborado pelo depoimento das testemunhas).
R - A 30 de setembro de 2011, e na sequência da receção do ofício constante na alínea antecedente, os Impugnantes apresentaram modelo 3 de IRS, de substituição, respeitante ao ano de 2008, tendo declarado, designadamente, no Anexo G, no quadro 4, com a designação “Alienação Onerosa de Direitos Reais sobre Bens Imóveis e Afetação de Quaisquer Bens a Atividade Empresarial e Profissional”, o seguinte:



(cfr. fls. 50 do PAT apenso; facto corroborado pelo depoimento das testemunhas).
S - A 26 de outubro de 2011, a Chefe do Serviço de Finanças do S., expediu o ofício nº 17..., endereçado ao Diretor de Finanças de F., com o seguinte teor:
“ Assunto: Declaração de Substituição de IRS-Ano 2008
Cumpre-me respeitosamente enviar a vossa V. Exa, conforme solicitado através do ofício nº 16..., fotocópia das escrituras de partilha e de venda referente ao artigo matricial urbano nº 2.., freguesia (código) 0... e da declaração de substituição modelo 3 de IRS do ano de 2008 apresentado pelo sujeito passivo M. E. A. C. B. C., Nif 1..., bem como, da notificação para comprovação dos elementos da declaração de Rendimentos de IRS modelo 3 do ano de 2008 e do aviso de receção.” (cfr. fls. 327 dos autos; facto corroborado pelo depoimento das testemunhas);
T - A 07 de novembro de 2011, na sequência da apresentação da declaração de substituição referida na alínea R), foi emitido o ato de liquidação nº 2011..., respeitante ao IRS de 2008, no valor de €14.910,90, o qual foi objeto de pagamento em 10 de fevereiro de 2012 (cfr. fls. 335 a 338 dos autos; facto corroborado pelo depoimento das testemunhas).
U - A liquidação referida na alínea antecedente foi objeto de reclamação graciosa tendo sido indeferida por despacho do Chefe de Divisão por delegação de competências da Diretora de Finanças de S,, datado de 28 de janeiro de 2012 (cfr fls. 114 do PAT apenso).
V - Na sequência da notificação do despacho de indeferimento expresso da reclamação graciosa referida na alínea antecedente, os Impugnantes interpuseram recurso hierárquico o qual foi indeferido por despacho da Diretora de Serviços do IRS datado de 23 de abril de 2013 (cfr. fls. 2 do PAT apenso).
W - A 06 de fevereiro de 2012, foi emitido pelos Serviços de Inspeção Tributária, da Direção de Finanças de S, a Ordem de serviço-OI 2012..., tendente à abertura de procedimento de inspeção interna, de âmbito parcial, referente ao IRS do ano de 2008, relativamente aos ora Impugnantes (cfr. fls. 105 do PAT apenso; facto corroborado pelo depoimento das testemunhas).
X - Na sequência do procedimento de Inspeção referido na alínea antecedente, foi elaborado projeto de relatório de Inspeção Tributária, tendo sido realizadas correções, no âmbito da categoria B, no montante de €160.000,00, que determinaram a proposta de alteração do rendimento coletável do ano de 2008, de €91.060,88 para €212.030,88 (cfr. projeto de relatório de inspeção tributária junto ao PAT apenso que se dá por integralmente reproduzido).
Y - Na sequência da notificação do projeto de relatório de Inspeção Tributária, os Impugnantes exerceram direito de audição tendo requerido a anulação das propostas de correções referidas na alínea que antecede (cfr. direito de audição junto ao PAT apenso a fls. não numeradas, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);
Z - Na sequência do exercício de direito de audição, foi emitido Relatório Final de Inspeção Tributária mantendo as correções evidenciadas na alínea X) supra e do qual se extrai, designadamente, o seguinte:

..
(Texto no original)




(cfr. relatório de Inspeção Tributária a fls. não numeradas do PAT apenso; facto corroborado pelo depoimento das testemunhas).
AA. Na sequência da emissão do relatório referido na alínea antecedente, foi emitido o ato de liquidação nº 2012 5..., referente ao ano de 2008, no valor total de €70.514,49 (cfr. fls. 120 dos autos; facto corroborado pelo depoimento das testemunhas).
BB. A liquidação referida na alínea antecedente, foi objeto de pagamento em 08 de janeiro de 2013 (cfr. fls. 337 dos autos).
CC. A 12 de abril de 2011, foi outorgada a escritura pública de constituição de propriedade horizontal relativamente ao artigo matricial 22.700 (cfr. doc. 10 junto à p.i.).
DD. A 07 de março de 2013, os Impugnantes deduziram junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, impugnação judicial contra o ato de liquidação referido em AA) (cfr. fls. 2 dos autos).
***
FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos alegados não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.
***
MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame das informações oficiais e dos documentos, não impugnados, juntos aos autos e constantes do processo administrativo tributário.
Contribuiu para a factualidade assente nas alíneas N), O), P), Q), R), S), T), W), Z) e AA) o depoimento prestado pela testemunha L. M. S. P. que referiu ser Técnica Tributária no Serviço de Finanças do S. Demonstrou ter conhecimento direto da situação tributária dos Impugnantes, concretamente, das modelos 3 entregues quanto ao ano de 2008 e a ulterior ação de inspeção, tendo prestado depoimento espontâneo, claro e assertivo.
Valorou-se, outrossim, o depoimento da testemunha J. M. S. V., que referiu ser membro de órgão estatutário da sociedade designada “Z. (P.) P. E C. C., LDA”. Demonstrou ter conhecimento direto da génese negocial que levou à alienação do bem imóvel em discussão nos autos, mostrando-se revelante para a prova da factualidade constante nas alíneas C), D), E), F), G). O seu depoimento foi claro, sem quaisquer hesitações. Referiu ter sido o próprio que assinou o contrato de promessa de compra e venda e outros requerimentos enunciados no probatório, mormente, informação prévia e pedido de licenciamento. Explicou, sem hesitação e de forma credível, como nasceu o negócio, como se desenvolveu e como culminou. Relevou a necessidade de alteração da natureza do prédio para a concretização do negócio, referindo de forma expressa que “para o projeto que estava em mente foram necessárias as alterações no prédio rústico”.
Foi valorado, igualmente, para a factualidade constante nas alíneas C), D), E), F), G), o depoimento da testemunha L. A. F. C., que disse ser membro de órgão estatutário da sociedade designada “Z. (P.) P. E C. C., LDA”. Demonstrou ter conhecimento direto da génese negocial que levou à alienação do bem imóvel em discussão nos autos, tendo sublinhado, sem quaisquer hesitações, que foram os Impugnantes que apercebendo-se do tipo de construções realizadas pela aludida empresa que estabeleceram contacto com a mesma. Esclareceu a génese negocial, relevando, para o efeito, que a Impugnante tentou rentabilizar o terreno que tinha para transformar em condomínios fechados, e que só após haver certezas sobre a viabilidade de construção foi celebrado o contrato de promessa de compra e venda.
O seu discurso revelou-se, no essencial, claro, objetivo e espontâneo, sem contradições ou incongruências, e, como tal, merecedor da credibilidade deste tribunal.».
X
2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida pelo TAF de Almada que julgou improcedente a Impugnação Judicial da liquidação de IRS nº 2012 5... e respetivos juros compensatórios, relativa ao ano de 2008, no valor global de €70.514,99.
2.2.2. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença sob escrutínio, em relação os vícios do acto tributário seguintes:
i) erro na interpretação dos factos geradores de rendimento, dado que os recorrentes apenas procederam à alienação a terceiro de terreno para construção, pelo que não se comprovou o exercício por parte dos recorrentes de nenhuma actividade comercial ou industrial; por outras palavras, os rendimentos em causa constituem rendimentos da categoria G), IRS, e não como foi considerado, rendimentos da categoria B), IRS, sustentam;
ii) erro na quantificação; os recorrentes consideram que o modo de cálculo do rendimento colectável devia ter sido o seguinte: // a) no ano de 2007 ocorreu a valorização do prédio para o valor de €721.940,00, resultante da sua transformação e inerente avaliação pela AT, mas não tendo ocorrido alienação, esse incremento no património deve ser tributado considerando o coeficiente de 20%, resultando o rendimento colectável no valor de €144.388,00 (€721.940,00 x 20%); // b) no ano de 2008, tendo ocorrido a alienação por €800.000,00 do prédio que tinha advindo ao património dos recorrentes pelo valor de €721.940,00, então o rendimento colectável corresponde à diferença entre esses valores (€78.060.00). A falta de aplicação do método em apreço inquinaria o acto tributário de erro de direito.

Vejamos.
2.2.3. No que respeita ao vício relativo ao erro na qualificação do rendimento percebido pelos recorrentes referido em i), do número anterior.
Está em causa o acto tributário praticado na sequência de relatório inspectivo que imputa aos impugnantes a obtenção de rendimento de €160.000,00, relativo a rendimentos da categoria B.
O acto tributário em exame assenta na fundamentação seguinte (1)

«No caso em apreço, tendo em conta todas as operações conducentes à transformação do prédio em "terreno para construção" e consequente aprovação de licenciamento, indica não estarmos perante valorizações ocasionais, sendo que a venda do imóvel, apesar de celebrado contrato promessa de permuta, estaria dependente da aprovação pelas autoridades camarárias do licenciamento para construção, conforme ponto 1 do artigo sétimo do mesmo contrato.
Considera-se assim que todas as operações realizadas levaram à valorização do imóvel, com a consequente obtenção de lucro no momento da venda, ou seja, não se tratou de uma mera operação de administração ou fruição do prédio misto, mas sim de uma verdadeira operação comercial, não sendo de qualificar por isso como rendimentos da categoria G (Mais-valias) mas sim como da categoria B (Rendimentos empresariais).
Relativamente ao exercício de atividade empresarial, os sujeitos passivos, como já referido, passaram procuração, em 17/09/2007, ao sócio-gerente da empresa "Z.", Sr. J. M. S. V., conferindo-lhe poderes para "...os representar perante Repartições Públicas ou entidades privadas, em relação ao prédio misto sito em M., freguesia e concelho de A... nomeadamente Repartições de Finanças... pedir pareceres e autorização para o licenciamento de operações de loteamento e operações urbanísticas, autarquias locais e demais departamentos públicos, junto da Câmara Municipal de A., com vista à prática de quaisquer actos necessários ao licenciamento de operações de loteamento ...".
Contudo, foram desenvolvidas pelos sujeitos passivos, em seu nome, as seguintes operações conducentes à obtenção de licenciamento para construção:
-19/11/2007 - pedido de licença para execução de operações urbanísticas - Construção de edifício destinado a habitação, na Câmara Municipal de A.;
-12/02/2008 - entrega de declaração para inscrição ou atualização de prédios urbanos na matriz(modelo 1 ), no Serviço de Finanças de A.;
- 15/02/2008 - entrega de requerimento visando a autorização para execução de trabalhos de limpeza e preparação do terreno, montagem de estaleiro e execução de escavação.
A empresa "Z.” apenas entrega um pedido de averbamento em seu nome como novo proprietário do imóvel em 04/04/2008, após a celebração da escritura de permuta em 03/03/2008.
Todas estas diligências parecem atestar a intencionalidade objetiva dos proprietários em desenvolver uma atividade empresarial sujeita a tributação nos termos dos artigos 3.º e 4.º do CIRS, ou seja todas as operações materiais e jurídicas que culminaram na transformação do imóvel em "terreno para construção", e vendido nessa qualidade, conduziram a valorizações que não se podem considerar ocasionais, nem fruto do acaso ou da sorte, integrando-se no conceito de "acto de comércio"».
Vejamos.
Está em causa liquidação adicional de IRC de 2008, apurado através do acréscimo de €160.000,00 ao rendimento colectável do exercício em referência.
Para afastar a tese de que existe erro na imputação e qualificação dos rendimentos em apreço, sendo os mesmos de qualificar como rendimentos de categoria B dos recorrentes, a sentença recorrida estruturou a argumentação seguinte:
«Neste particular, importa ter presente que resulta assente que foi outorgado no Cartório Notarial de A., em 18 de setembro de 2006, escritura pública de partilha tendo sido adjudicados à Impugnante por óbito de seus pais M. S. C. e I. S. V., prédio misto, inscrito na matriz predial sob os artigos urbanos 1... e 3..., e o artigo rústico 0..., da seção T.
E, igualmente, que foi outorgada procuração, em 17 de setembro de 2007, na qual M. E. A. C. B. e J. C. B. C. C., constituíram seu bastante procurador J. M. S. V., para a prática, designadamente, dos seguintes atos: pedir pareceres e autorização para o licenciamento de operações urbanísticas, pedido de autorização de operações urbanísticas, licenciamento de construções, apresentando projetos para a aprovação de construções novas ou alteração e seus respetivos licenciamentos, bem como requerer vistorias, licenças, alvarás e certidões.
Sendo que, em 22 de setembro de 2007, foi outorgado contrato promessa de permuta entre os Impugnantes e a sociedade designada "Z. (P.) P. E C. C., LDA", tendo sido clausulado, designadamente, que a escritura notarial da permuta seria outorgada logo que concretizada a aprovação do projeto.
E bem assim que, em 19 de novembro de 2007, os Impugnantes apresentaram pedido de licença para execução de operações urbanísticas junto da Câmara Municipal de A., relativamente ao prédio misto com a área de 8520 m2, sito em M., correspondente ao artigo ...º da seção "T", tendo dado origem ao novo artigo matricial 22.0.., o qual mereceu despacho de aprovação, em 14 de dezembro de 2007.
Nessa sequência, a 12 de fevereiro de 2008, a Impugnante M. E. A. C. B. C. apresentou a competente declaração modelo 1 de IMI.
Mais resultando assente que, em 15 de fevereiro de 2008, os Impugnantes apresentaram requerimento junto do Presidente da Câmara Municipal de A. onde solicitaram autorização para executar trabalhos de limpeza e preparação do terreno, montagem de estaleiro e execução de escavação e contenção periférica.
Tendo, a final, em 03 de março de 2008, sido outorgado escritura pública de permuta entre os Impugnantes e a sociedade designada "Z. (P.) P. E C. C., LDA", relativamente ao novo artigo matricial 22.0...
Motivando, assim, a apresentação, em 4 de abril de 2008, pela sociedade designada "Z. (P.) P. E C. C., LDA" de um pedido de averbamento relativamente ao projeto de construção, o qual culminou com a obtenção do alvará de construção em 08 de agosto de 2008.
(…)
Conforme bem evidencia a AT no seu relatório de Inspeção Tributária "...[s]em os atos praticados pelos sujeitos praticados pelos sujeitos passivos, designadamente intervindo em atos jurídicos, a permuta do imóvel não se concretizaria, integrando-se os mesmos numa atividade comercial, ainda que ocasional, não sendo necessário que tal atividade tenha sido exercida por si, pessoalmente, e estando por isso os rendimentos obtidos sujeitos à categoria B de tributação em IRS, nos termos dos artigos e 4.º do CIRS"».
Contra o veredicto que fez vencimento na instância, os recorrentes alegam o seguinte:
(i) que o rendimento obtido com a venda das fracções em causa tenha sido por si gerado e (ii) que o facto tributável não ocorreu apenas em 2008, mas também em 2007.
A este propósito, cabe referir que os rendimentos da categoria B correspondem a rendimentos profissionais e empresariais imputáveis a actividades profissionais, comerciais, industriais, agrícolas, silvícolas e pecuárias. A matéria colectável apura-se, neste caso, «na conta de exploração da actividade, abatendo ao valor dos proveitos ou ganhos os custos ou perdas e apurando um valor residual, que é o lucro da exploração» (2)

«Os rendimentos referidos [no artigo 3.º do CIRS – Rendimentos da categoria B] ficam sujeitos a tributação desde o momento em que para efeitos de IVA seja obrigatória a emissão de factura ou documento equivalente ou, não sendo obrigatória a sua emissão, desde o momento do pagamento ou colocação à disposição dos respectivos titulares (…)» (3)

No caso, o que foi objecto de tributação foi a permuta realizada em 03.03.2008, entre os impugnantes/recorrentes e a empresa “Z. P., P. e C. C., Lda.”. Através da permuta, os recorrentes, em troca do terreno para construção, obtiveram sete fracções destinadas a habitação, construídas no lote de terreno em causa. (4)

Como se sabe, os actos isolados são aqueles que não assumem o carácter de profissionalidade ou de habitualidade. (5) No caso em exame, dos elementos coligidos nos autos, resulta que os impugnantes desenvolveram actividades no sentido da transformação do prédio, terreno para construção, que herdaram, em terreno apto à edificação, com vista à implantação de edifício composto por várias fracções, trocando o mesmo, por sete fracções edificações e cedidas pela empresa construtora “Z.”

A este propósito, este TCAS teve ocasião de sublinhar o seguinte: «O conceito jurídico de actividade comercial ou industrial, para efeitos de IRS, há-de ser determinado pelo conceito económico de actividade comercial ou industrial, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros”.(6)

Mais se refere que «[d]esde que exista um acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de uma actividade económica (mesmo que expressa em um só acto) traduzida em criação de uma utilidade económica, resultante de uma qualquer relação do agente/contribuinte com terceiro em que, satisfazendo-se necessidades económicas deste, saia aumentado o património daquele (mediação entre oferta e procura) haverá uma actividade comercial e, se existir a incorporação de novas utilidades no bem objecto da actividade em questão, haverá uma actividade industrial» (7)

No caso, em exame, dos elementos coligidos nos autos (8) resulta, em síntese, o seguinte:

«...[s]em os atos praticados pelos sujeitos passivos, designadamente intervindo em atos jurídicos, a permuta do imóvel não se concretizaria, integrando-se os mesmos numa actividade comercial, ainda que ocasional, não sendo necessário que tal actividade tenha sido exercida por si, pessoalmente, e estando por isso, os rendimentos obtidos sujeitos à categoria B de tributação em IRS, nos termos dos artigos 3.º e 4.º do CIRS» (9)

De onde se extrai que o acto tributário impugnado, ao imputar aos recorrentes o rendimento de €800,000,00, no exercício de 2008, a título de rendimentos categoria B, não enferma do apontado erro de qualificação que lhe é assacado.

Não sofre igualmente de erro de julgamento a sentença que assim decidiu, pelo que a mesma deve ser confirmada, nesta parte.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.4. No que respeita ao alegado erro de julgamento por referência à invocação de erro na quantificação da matéria colectável, referido no ponto (ii).
A este propósito, consignou-se na sentença recorrida o seguinte:
«In casu, não existindo uma opção pela contabilidade organizada, ter-se-ão de seguir as regras decorrentes do regime simplificado, em ordem ao consignado no artigo 28.º, nºl, alínea a), do CIRS.
Nessa medida, em face do consignado no artigo 31.º, nº1 e 2 do CIRS, o rendimento a englobar para efeitos de tributação em virtude de não terem ainda sido aprovados indicadores de base técnico-científica para os diversos sectores de atividade, é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 sobre o valor das vendas de mercadorias e produtos.
Sendo certo que, para efeitos de apuramento da base tributável, apenas podem ser consideradas as importâncias recebidas pelas vendas importando para o efeito atentarmos no teor da escritura de permuta, conforme disposições conjugadas das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 115.º e alínea a) do n.º 1 do artº 116.º do Código do IRS.
Assim, o rendimento coletável da Categoria B objeto de englobamento será o resultante do produto do coeficiente 0,20 sobre o valor das vendas de mercadorias e produtos.
Concretizando, em termos numéricos:
Rendimento coletável = 0,20 x Valor das vendas de mercadorias e produtos
Rc= 0,20x800.000,00€=160.000,00€
Ora, em face do exposto nenhuma incorreção pode ser apontada ao cálculo do rendimento coletável apurado pela AT, estribando-se o mesmo na letra da lei».
Compulsadas as presentes alegações de recurso, verifica-se que as mesmas partem de uma premissa que o regime de incidência sobre os rendimentos em causa não permite confirmar, a saber: que a formação do facto tributário pode ser dividida em dois momentos; o primeiro, aquando da realização da actividade que gera a incorporação de valor no prédio a transaccionar, o segundo, relativo à apropriação do valor gerado através da outorga do negócio jurídico translativo do prédio em causa.
A verdade é que o momento da exigibilidade do imposto (associado à formação do rendimento) não tem que coincidir com o lapso temporal relativo à actividade geradora do mesmo (como sucede no caso em exame, em que a intervenção transformativa do prédio por parte dos recorrentes ocorre em 2007 e a alienação (permuta) ocorre em 2008. A percepção do rendimento por parte dos recorrentes consuma-se em 03.03.2008, data da permuta, com o recebimento das fracções, no valor do terreno para construção, entregue, como contrapartida, pelo que a norma legal de incidência apenas é de aplicar nesta data, por referência ao valor das fracções recebidas, o qual corresponde ao valor do prédio entregue, como contrapartida, ou seja, €800.000,00.
Por conseguinte, não existe qualquer erro no cômputo dos valores apurados; como se decidiu na sentença recorrida. A qual, por esta razão, deve ser confirmada, nesta parte.
Termos em que se impõe julgar improcedentes as presentes conclusões de recurso.

DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)


(Cristina Flora - 1º. Adjunto)

(Ana Pinhol - 2º. Adjunto)

1) Ponto IX.2 do RIT.
2) José Guilherme Xavier de Basto, Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 174. Estatuía o artigo 3.º do CIRS (“Rendimentos da categoria B”): «1. Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais: // a) Os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária; // b) Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços, ainda que conexas com qualquer actividade mencionada na alínea anterior. (…) // 2. Consideram-se, ainda, rendimentos desta categoria: (…) // h) Os provenientes da prática de actos isolados referentes a actividade abrangida na alínea b), do n.º 1».
3) Artigo 3.º/6, do CIRS.
4) n.º 3.1. do RIT e alínea K) do probatório.
5) Artigo 3.º/3, do CIRS: «Para efeitos do disposto nas alíneas h) e i) do número anterior, consideram-se rendimentos provenientes de actos isolados os que, não representando mais de 50% dos restantes rendimentos do sujeito passivo, quando os houver, não resultem de uma prática previsível e reiterada».
6) Acórdão do TCAS, de 03.12.2015, P. 7639/14.
7) Acórdão do STA, de 24.02.2016, P. 0580/15.
8) V. fundamentação do acto tributário supra.
9) RIT, ponto IX.3 – Conclusões.