Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2360/10.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:IRS – NOTIFICAÇÃO
LIQUIDAÇÃO
DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS
Sumário:A demonstração de liquidação de IRS não pode ser vista desassociada do documento da demonstração de acerto de contas, pois que não se trata de actos de diferente natureza.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
O Representante da Fazenda Pública veio, em conformidade com o n.º 3, do artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 10 de dezembro de 2018, a qual julgou procedente a oposição deduzida por A..... e L....., com os sinais nos autos, ao processo de execução fiscal n.º ....., contra os mesmos instaurado para cobrança de dívida de IRS do ano de 2006, no valor de 4.208,86 EUR, com consequente extinção do sobredito processo de execução. Mais, aquela sentença, fixou à causa o valor da dívida exequenda: 4.208,86 EUR (artigo 97.º-A, n.º 1, alínea e), do CPPT). e condenou a Fazenda Pública nas custas.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:
I - O(s) OPONENTE(s) deduziu/ram a presente impugnação judicial, alegando em síntese:
- Falta de notificação da liquidação do tributo, tendo somente sido notificados de um estorno e de um acerto de liquidação relativo a IRS de 2006;
Solicitam a final a extinção da execução ou, em alternativa, a declaração de nulidade da citação.
II - O Tribunal delimitou a questão decidenda à verificação da falta de notificação da liquidação do tributo, pelo que dando como provado que tendo os ora oponentes somente sido notificados de um estorno e de um acerto de liquidação relativo a IRS de 2006, se verificaria a inexigibilidade da dívida (fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art.° 204,° do CPPT).
III - Ora, nessa sequência a decisão recorrida deu como não provado que:
“1. Que a Administração Tributária tenha remetido ao ora Oponente, ou este tenha recebido, a notificação da liquidação identificada na alínea B) do probatório supra. (...)”
De exposto resulta desde já que não nos podemos conformar com a decisão recorrida, pois como consta do ponto F) do probatório, em 07/01/2010, o mandatário dos oponentes remeteu email dirigido à DSIRS, com o seguinte teor:
….
Contudo enquanto o contribuinte esteve de férias, durante o mês de Dezembro de 2009, o mesmo recebeu 3 cartas registadas enviadas pelas finanças com os seguintes n.°s de registo:
- ..... - .....- .....
As quais não foram levantadas dado não se encontrar em Lisboa.”
IV - Ora o comprovativo do envio de tais registos encontra-se junto aos autos peio próprio oponente: documento 1 da petição inicial.
E a correspondência dos registos com o seu conteúdo encontra-se também junto aos autos, conforme consta a fls.(...) dos mesmos.
Ou seja, o ....., corresponde e regista o envio da demonstração de liquidação.
V - E a correspondência dos registos com o seu conteúdo, como referimos, encontra-se também junto aos autos, a fls. (...) dos dos mesmos.
VI - Portanto, o ....., regista o envio da demonstração de liquidação, facto que não se encontra devidamente dado como provado embora conste do probatório a menção a esse registo.
VII - Portanto e, como se pode concluir desde já, a AT emitiu a demonstração de liquidação, enviou--a ao(s) contribuinte(s) e este(s) recepcionou/ram o aviso para levantamento da mesma, o qual foi junto aos autos pelos oponentes.
VIII - Ou seja, verifica-se erro no julgamento.
IX - Deste modo, o registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se de uma presunção legal destinada a facilitar à administração tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando.”
X - Ora, apesar de já não fazer sentido essa presunção, demonstrado que está que a demonstração da liquidação foi enviada para a caixa postal dos Oponentes, apesar de alegadamente a não terem recebido, a sua devolução em ordem a demonstrar que a notificação não foi validamente efectuada, não tem qualquer acolhimento legal.
XI - Isto porque, essa devolução apenas ocorreu porque o destinatário, apesar de lhe ter sido deixado aviso para o efeito, não a foi levantar na estação dos correios onde a carta ficou depositada.
XII - O não recebimento da correspondência é, pois, imputável ao destinatário.
XIII - Tal decorre do disposto no n.° 5 e 6 do art. 39.° do CPPT que estabelecem, os n°s 5 e 6 do artigo 39.° do CPPT nesse sentido que: n.° 5-“ Em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.’’; N.° 6-“No caso de recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.° dia útil posterior ao do registo ou no 1.° dia útil seguinte a esse , quando esse dia não seja útil.”
Tal é o entendimento, entre outros do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo:0130/10, Data do Acordão - 05/12/2010, em que foi relator MIRANDA DE PACHECO.
XIV - Termos em que se deve determinar a revogação da sentença recorrida conforme conclusões abaixo reproduzidas.
Porém, com melhor entendimento V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”
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Os Oponentes, aqui Recorridos, notificados, não apresentaram contra-alegações.
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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por ter considerado que não se encontrava demonstrado nos autos a válida notificação da liquidação de IRS.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:
A) Em 26.07.2007, a Administração Tributária procedeu à emissão, em nome dos ora Oponentes, da liquidação de IRS n.º ....., relativa ao ano de 2006, no valor de 656,88 EUR (cfr. documentos de fls. 101, 112 e 113 dos autos);
B) Em 30.11.2009, a Administração Tributária procedeu à emissão, em nome dos ora Oponentes, da liquidação de IRS n.º ....., relativa ao ano de 2006, no valor de 4.865,74 EUR (cfr. documentos de fls. 101, 113 e 114 dos autos);
C) No seguimento da emissão da liquidação mencionada na alínea anterior, em 07.12.2009, foi emitida pela Administração Tributária a compensação n.º ....., na qual é apurado um montante a pagar de 4.208,86 EUR, com data limite de pagamento voluntário fixada em 13.01.2010 (cfr. documento de fls. 23 dos autos);
D) A Administração Tributária remeteu, por carta registada, com registo de 11.12.2009, ofício dirigido aos Oponentes, do qual consta a demonstração de acerto de contas de IRS do ano de 2006, com o seguinte teor:


(cfr. documentos de fls. 23 e 55 dos autos);
E) A carta mencionada em D) supra foi recepcionada pelos Oponentes (facto não controvertido: reconhecido pelos Oponentes no artigo 2º da petição inicial);
F) Em 07.01.2010, o mandatário dos Oponentes remeteu e-mail dirigido à Direcção de Serviços do IRS, com o seguinte teor:
“(…)
O Contribuinte A....., com o NIF ....., foi notificado da demonstração de acerto de contas (Doc. Nº .....) relativamente ao ano de 2006 – IRS, resultando a mesma de uma demonstração de compensação junta à referida notificação.
Contudo a referida notificação não vem acompanhada de qualquer demonstração de compensação.
Contudo, enquanto o contribuinte esteve de férias, durante o mês de Dezembro de 2009, o mesmo recebeu 3 cartas registadas enviadas pelas finanças com os seguintes Nºs de registo:

- .....
- .....
- .....

As quais não foram levantadas, dado não se encontrar em Lisboa.
Após o seu regresso de férias, de imediato se deslocou ao serviço de finanças, no sentido de apurar a justificação de tal acerto de contas, contudo, os serviços do Lumiar não souberam esclarecer o contribuinte, tendo-o aconselhado a dirigir um mail a estes serviços, no sentido de, com a maior URGÊNCIA possível, solicitar justificação para o referido acerto, razão pela qual se procede ao envio do presente e-mail, de forma a que seja esclarecido qual a razão do dito acerto, que originou uma suposta dívida de €4.208,86.

(…)” (cfr. documentos de fls. 3, 36 e 37 dos autos);
G) Em resposta ao pedido de informação mencionado na alínea anterior, em 05.05.2010, a Direcção de Serviços do IRS remeteu e-mail dirigido ao mandatário dos Oponentes, com o seguinte teor:
“(…)

Reportando-se ao e-mail infra relativo ao IRS do ano de 2006 do sujeito passivo A..... NIF ....., informo que o valor da nota de cobrança de 4.865,74, foi originado pela reliquidação da declaração daquele ano, em consequência da correcção oficiosa efectuada à declaração do ano de 2004 (efectuada em 30.11.2009).
Verificando-se que tinha sido declarado no anexo G da declaração de IRS do ano de 2004 uma alineação de imóvel, cuja data de aquisição é de 1973 (alienação excluída de tributação nos termos do artigo 5º do Decreto-lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro), foi solicitada à Direcção de Finanças a correspondente correcção oficiosa, cuja liquidação foi efectuada em 30.11.2009, no sentido de ser declarada no anexo G1 a alienação do imóvel em causa.
Em consequência da correcção efectuada à declaração do ano de 2004, as perdas a recuperar consideradas na 1ª liquidação do ano de 2006, provenientes da menos valia apurada, foram retiradas na reliquidação efectuada em 30.11.2009, uma vez que a alienação do imóvel está excluída de tributação, de acordo com o anteriormente referido, estando correcta, por isso, a liquidação nº ....., de 30.11.2009.
Com os melhores cumprimentos
DSIRS/DL_MG

(…)” (cfr. documento de fls. e 37 dos autos);
H) Para cobrança do montante mencionado em C) supra, em 04.02.2010, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 11, contra os Oponentes, o processo de execução fiscal n.º ..... (cfr. documentos de fls. 3, 36 e 37 dos autos);
I) No âmbito do processo de execução mencionado em H), foi remetido ofício aos ora Oponentes, datado de 10.02.2010, designado de “citação”, através de correio postal registado, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)




(cfr. documentos de fls. 29 dos autos);
J) O ofício mencionado em G) que antecede foi recepcionado pelos Oponentes em 15.02.2010 (cfr. documento de fls. 57 dos autos);
K) Em 18.03.2010, deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 11 a presente oposição (cfr. fls. 4 dos autos).
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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte:
Dá-se como não provado o seguinte facto, com interesse para a decisão:
1. Que a Administração Tributária tenha remetido ao ora Oponente, ou este tenha recebido, a notificação da liquidação de IRS identificada na alínea B) do probatório supra.
Não foi apresentada prova deste facto. Na verdade, não foi junto aos autos qualquer comprovativo do efectivo envio aos ora Oponentes do ofício de notificação da liquidação, designadamente comprovativos emitidos pelos CTT, não tendo sido junto sequer cópia desse eventual ofício.
Com efeito, dos autos resulta somente a remessa aos Oponentes da demonstração de acerto de contas de IRS do ano de 2006, da qual consta o movimento de compensação e estorno resultante da emissão da nova liquidação relativa ao ano de 2006. Contudo, esta demonstração de acerto de contas não constitui a liquidação exequenda, mas antes uma sua posterior decorrência material [cfr. alíneas C) e D) do probatório]. Ou seja, não está em causa a liquidação, demonstrativa de todos os passos do apuramento da colecta a pagar.”
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A convicção do Tribunal assentou “no exame dos documentos constantes dos presentes autos, não impugnados, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

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Ao abrigo do art. 662º do CPC, por se encontrar provado documentalmente, e poder se revelar útil à boa decisão da causa, adita-se o seguinte facto:

M) Na demonstração de acerto de contas de IRS do ano de 2006, referida a na alínea D), consta que o montante da quantia a pagar é de €4.208,86, e que o termo do prazo de pagamento voluntário é 2010-01-13, cfr. Doc.2 junto com a p.i., fls. 23 dos autos.
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II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou procedente a presente oposição, com a consequente extinção do processo de execução nº ...... Para tal, apresentou a seguinte fundamentação, em síntese:
«No caso dos autos, como decorre da factualidade assente, não houve lugar a acto de notificação da liquidação exequenda, tendo apenas ocorrido a comunicação aos contribuintes, oponentes nos autos, da demonstração de acerto de contas operada na sequência da referida liquidação.
Com efeito, dos autos não consta qualquer comprovativo do efectivo envio aos ora Oponentes do ofício de notificação da liquidação, não tendo sido junto sequer o ofício de remessa da notificação da liquidação, onde é obrigatoriamente aposta a informação dos valores que levaram ao apuramento do imposto, o prazo de pagamento voluntário, as garantias dos contribuintes e o prazo para o seu exercício.
Também não consta dos autos qualquer registo ou aviso de recepção referente à notificação da liquidação, ou outro comprovativo, designadamente comprovativos emitidos pelos CTT.
Na verdade, o que resulta dos autos [cfr. alíneas C) e D) do probatório] e decorre da própria alegação da Fazenda Pública, é somente que foi efectuada a remessa aos Oponentes da demonstração de acerto de contas relativa ao IRS do ano de 2006, da qual consta o movimento de compensação e estorno resultante da emissão da nova liquidação relativa ao ano de 2006.
Contudo, esta demonstração de acerto de contas não constitui a liquidação do imposto em cobrança, demonstrativa de todos os passos do apuramento da colecta a pagar, mas antes um apuramento de saldo face à emissão sucessiva de duas liquidações relativas ao mesmo período de tributação, prevalecendo o apuramento efectuado na segunda liquidação, tendo que se considerar, contudo, o valor já pago apurado pela primeira liquidação, num movimento de estorno e compensação. É mesmo isso, como o seu nome indica, um simples acerto de contas.
Refira-se, de resto, que tendo a notificação da demonstração de acerto de contas referido que o saldo foi apurado “de acordo com a demonstração de compensação junta”, não consta dos autos tal demonstração de compensação.
Não podendo entender-se, como parece fazer a Fazenda Pública, que a notificação da demonstração de acerto de contas corresponde à notificação da liquidação.
Desde logo, porque, como supra se explicitou, estamos perante realidades distintas, sendo que é somente a notificação da liquidação que confere exigibilidade ao tributo em cobrança.
(…)
Dito isto, não se tendo demonstrado nos autos ter sido efectuada a valida notificação aos Oponente da liquidação de IRS em execução previamente à citação dos mesmos para a execução, terá que se concluir pela ineficácia da mesma relativamente aos Oponente, que impede que produza efeitos em relação a estes e, por isso, que a dívida seja exigida (cfr. artigo 36.º, n.º 1, do CPPT).»

Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso da referida decisão alegando erro de julgamento.
Na conclusão de recurso III, vem a recorrente invocar a alínea F) do probatório, que tem o seguinte teor:
Em 07.01.2010, o mandatário dos Oponentes remeteu e-mail dirigido à Direcção de Serviços do IRS, com o seguinte teor:
“(…)
O Contribuinte A....., com o NIF ....., foi notificado da demonstração de acerto de contas (Doc. Nº .....) relativamente ao ano de 2006 – IRS, resultando a mesma de uma demonstração de compensação junta à referida notificação.
Contudo a referida notificação não veio acompanhada de qualquer demonstração de compensação.
Contudo, enquanto o contribuinte esteve de férias, durante o mês de Dezembro de 2009, o mesmo recebeu 3 cartas registadas enviadas pelas finanças com os seguintes Nºs de registo:

- .....
- .....
- .....

As quais não foram levantadas, dado não se encontrar em Lisboa.
Após o seu regresso de férias, de imediato se deslocou ao serviço de finanças, no sentido de apurar a justificação de tal acerto de contas, contudo, os serviços do Lumiar não souberam esclarecer o contribuinte, tendo-o aconselhado a dirigir um mail a estes serviços, no sentido de, com a maior URGÊNCIA possível, solicitar justificação para o referido acerto, razão pela qual se procede ao envio do presente e-mail, de forma a que seja esclarecido qual a razão do dito acerto, que originou uma suposta dívida de €4.208,86.
(…)” (cfr. documentos de fls. 3, 36 e 37 dos autos);

Alega a recorrente que o comprovativo do envio de tais registos se encontra junto aos autos pelo próprio oponente e que a correspondência dos registos com o seu conteúdo também se encontra junto aos autos, ou seja o ..... corresponde e regista o envio de demonstração de liquidação, facto que não se encontra dado como provado embora conste a menção a esse registo, concluindo que a AT emitiu a demonstração de liquidação e enviou-a ao contribuinte e este recepcionou o aviso para levantamento da mesma, o qual foi junto pelos oponentes [conclusões de recurso IV a VIII]
Vejamos.
Foi dado como provado que a AT remeteu, por carta registada, com registo de 11.12.2009, ofício dirigido aos oponentes, do qual consta a demonstração de acerto de contas de IRS do ano de 2006 e que a mencionada carta foi recepcionada pelos oponentes [alíneas D) e E) do probatório], pelo que não são factos controvertidos.
A notificação da liquidação não se encontra provada nos autos uma vez que o Doc. 1 junto com a p.i. nada prova – pois desconhece-se qual o conteúdo das notificações a que correspondem tais registos -, não constando dos autos qualquer comprovativo do efectivo envio da notificação da liquidação.
A recorrente entende que se a referida notificação veio devolvida, a sua devolução em ordem a demonstrar que a notificação não foi validamente efectuada, não tem acolhimento legal, pois o não recebimento da correspondência é imputável ao destinatário, invocando o disposto no nº 5 e 6 do art. 39º do CPPT [conclusões de recurso XX a XIII]
Ora, com o devido respeito, não se compreende tal alegação, pois não consta nos autos qualquer comprovativo do efectivo envio aos ora Oponentes do ofício de notificação da liquidação, não tendo sido junto sequer o ofício de remessa da notificação da liquidação, nem qualquer registo ou aviso de recepção referente à notificação da liquidação, ou outro comprovativo, designadamente comprovativos emitidos pelos CTT. E nem, tão pouco, a notificação devolvida se encontra junto aos autos.

Na sentença recorrida, com base na factualidade assente, decidiu-se que não houve lugar a acto de notificação da liquidação exequenda, tendo apenas ocorrido a comunicação aos contribuintes, oponentes nos autos, da demonstração de acerto de contas operada na sequência da referida liquidação.
Mais se escreveu na sentença recorrida, que não consta qualquer comprovativo do efectivo envio aos ora Oponentes do ofício de notificação da liquidação, não tendo sido junto sequer o ofício de remessa da notificação da liquidação, onde é obrigatoriamente aposta a informação dos valores que levaram ao apuramento do imposto, o prazo de pagamento voluntário, as garantias dos contribuintes e o prazo para o seu exercício. Também não consta dos autos qualquer registo ou aviso de recepção referente à notificação da liquidação, ou outro comprovativo, designadamente comprovativos emitidos pelos CTT.
Mais se escreveu na sentença recorrida que esta demonstração de acerto de contas não constitui a liquidação do imposto em cobrança, demonstrativa de todos os passos do apuramento da colecta a pagar, mas antes um apuramento de saldo face à emissão sucessiva de duas liquidações relativas ao mesmo período de tributação, prevalecendo o apuramento efectuado na segunda liquidação, tendo que se considerar, contudo, o valor já pago apurado pela primeira liquidação, num movimento de estorno e compensação. É mesmo isso, como o seu nome indica, um simples acerto de contas.
Pelo que, concluiu que não pode entender-se que a notificação da demonstração de acerto de contas corresponde à notificação da liquidação, porque estamos perante realidades distintas, sendo que é somente a notificação da liquidação que confere exigibilidade ao tributo em cobrança.

Não concordamos, nesta parte, com a sentença recorrida.
Resultando imposto a pagar, por força da indicada liquidação, não se descortina justificação para decompor tal liquidação num denominado documento de demonstração da liquidação de IRS e num denominado documento da demonstração de acerto de contas.
Não se acompanha tal artificial separação que não encontra suporte ou justificação legal.
Assim, a distinção entre o documento de demonstração da liquidação de IRS e o documento da demonstração de acerto de contas é meramente de forma.
No mesmo sentido, veja-se o Acórdão do STA de 30/05/2018, Proc.01431/17, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler:
«3.3. Sustenta a recorrente que a distinção entre o documento de demonstração da liquidação de IRC e o documento da demonstração de acerto de contas é meramente de forma, pois não existe qualquer impedimento legal a que o acerto de contas, que contem a indicação do montante a pagar, respetivo prazo e referências de pagamento, conste do próprio documento da demonstração da liquidação.
Concorda-se com tal afirmação e acompanha-se, ainda, a recorrente quando refere que a opção da AT de criar documentos distintos, ainda que não proibida, não resulta de nenhuma imposição legal ou regulamentar pelo que não se trata de atos de diferente natureza.
Acrescenta a recorrente que a tese da sentença recorrida leva a consequências ilógicas e sem sentido pois que o documento de demonstração da liquidação de IRC deve ser visto de forma integrada e em conjunto com a demonstração de acerto de contas pelo que se resulta imposto a pagar, então o prazo conta-se, no caso do IRC, a partir do fim do prazo de pagamento do imposto.
Resultando imposto a pagar, por força da indicada liquidação adicional, não se descortina justificação para decompor tal liquidação adicional num denominado documento de demonstração da liquidação de IRC e num denominado documento da demonstração de acerto de contas.

Não se acompanha tal artificial separação que não encontra suporte ou justificação legal.»

Ainda no mesmo sentido, veja-se o Acórdão deste TCAS de 22/10/2020, Proc. 801/10.1BESNT, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler:

«Importa realçar que a nota de demonstração não é um acto desgarrado da liquidação, mas sim o resultado dos fluxos financeiros associados à mesma e que, no caso em particular, resultou no apuramento de montante de imposto a pagar.

A opção da A. Fiscal de criar documentos distintos, ainda que não proibida, não resulta de nenhuma imposição legal ou regulamentar, pelo que não estamos perante actos de diferente natureza. Tal artificial separação não encontra suporte ou justificação legal. Mais, o documento de demonstração da liquidação adicional de I.R.C. deve ser visto de forma integrada e em conjunto com a demonstração de acerto de contas, assim resultando imposto a pagar pelo sujeito passivo (…)»

Assim, e na esteira da Jurisprudência supra citada, ao contrário do decidido na sentença recorrida, entendemos que a demonstração de liquidação de IRS não pode ser vista desassociada do documento da demonstração de acerto de contas, pois que não se trata de actos de diferente natureza.

E ainda que a notificação da demonstração do acerto de contas contivesse alguma irregularidade, por falta de comunicação dos fundamentos que a motivam, não resultaria a inexigibilidade da dívida, se daquele acto de notificação constar o montante da quantia liquidada e o termo do prazo de pagamento voluntário, momento a partir do qual a respectiva dívida se torna coercivamente exigível (cfr. art. 88.º, n.º 1, do CPPT), conforme Jurisprudência reiterada e uniforme de que são exemplos, os Acórdãos do STA de 7 de Outubro de 2009, proferido no processo n.º 128/09, bem como o proferido em 08/02/2017, Proc. 01018/16, ambos disponíveis em www.dgsi.pt

Ora, compulsada a demonstração de acerto de contas, verificamos que da mesma consta o montante da quantia a pagar: €4.208,86, bem como o termo do prazo de pagamento voluntário: 2010-01-13, conforme alínea M) do probatório.

Deste modo, tendo a comunicação efectuada aptidão para informar o destinatário sobre o montante da quantia liquidada e o prazo de pagamento voluntário e não sendo afastada por lei a relevância da notificação para este fim, quando ocorrer omissão de indicação da fundamentação de facto e de direito, tem de se concluir que a notificação produz o seu efeito útil que lhes está legalmente associado de tornar eficaz o acto de liquidação em relação ao destinatário.

Face ao exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, e julgando improcedente a presente oposição.


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III – DECISÃO
Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, e em consequência, revogar a sentença recorrida, julgando a oposição improcedente.

Custas pelo recorrido em ambas as instâncias, sendo que nesta se encontra dispensado da taxa de justiça por não ter contra-alegado.

Registe e notifique.

Lisboa, 25 de Março de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Maria Cardoso e Catarina Almeida e Sousa]


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[Lurdes Toscano]

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[Maria Cardoso]

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[Catarina Almeida e Sousa]