Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04384/10
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/05/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IRC. RELAÇÕES ESPECIAIS. FUNDAMENTAÇÃO. DÚVIDA FUNDADA
Sumário:1.Para que a AT possa corrigir o lucro tributável ao abrigo do disposto no hoje art.º 58.º do CIRC (anterior art.º 57.º), em virtude de relações especiais entre o contribuinte e outra entidade, necessário se torna que tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes e que o lucro apurado na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações;

2. Tais pressupostos são de verificação cumulativa, cabendo à Administração Fiscal fundamentar em que consistem tais relações especiais, o que acontece quanto as duas empresas que obedeciam a uma estratégia comum, de uma única pessoa;

3. A fundamentação da existência de relações especiais relativas ao IRC de 2002, é aferida pela norma do n.º3 do art.º 77.º da LGT, na sua redacção posterior à original, introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, e que é aplicável a períodos de tributação iniciados de 1 de Janeiro de 2002, em diante (cfr. art.º 7.º desta Lei e art.º 3º do Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho);

4. Na falta de modelo de comparação para idêntica operação entre sujeitos independentes, dada a especificidade da venda de fracções autónomas em empreendimento hoteleiro, parte delas já vendidas em regime de time sharing, a adopção pela AT de um critério que teve por base os valores dos montantes das fracções inscritos na matriz, revela-se apto para determinar o preço total da venda dessas fracções, quando nenhum outro foi invocado como mais adequado para o efeito e este, ir gerar uma liquidação abaixo da que seria apurada por um critério mais próximo da realidade de mercado;
Inexiste a fundada dúvida sobre a existência e a quantificação do facto tributável, quando a AT escora a liquidação adicional em factos precisos e objectivos, não infirmados pela parte contrária, ainda que conduzam a uma liquidação inferior à que poderia ser obtida por um critério mais próximo da realidade de mercado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. V……….. Investments Limited, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A. Vem o presente recurso jurisdicional interposto da Douta Sentença proferida pela Mmª. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé em 12 de Agosto de 2010, a fls. 230 e seguintes dos autos, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela impugnante, ora Recorrente, do acto de liquidação de IRC relativa ao exercício do ano de 2002 e dos respectivos juros compensatórios, no montante total de 594.003,98 Euros.
B. Entendeu aquele Tribunal a quo julgar por provadas as relações especiais existentes entre a Recorrente e a empresa E………., Lda., deste modo, legitimando a Administração Fiscal, ora Recorrida a proceder às correcções à determinação do lucro tributável ao abrigo do disposto no artigo 58.º do CIRC,
C. Por entender terem sido estabelecidas condições diferentes das que normalmente seriam acordadas com pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade fosse diverso do que se apuraria na ausência dessas relações.
D. Considerando ainda que da prova produzida não resultou a fundada dúvida da quantificação do facto tributário já que os valores das correcções efectuadas pela Recorrida se encontravam muito abaixo dos valores de mercado. Concluindo pela legalidade do acto de liquidação impugnado.
E. Entende a Recorrente que da prova produzida nos autos não resultou provada a influência significativa do seu legal representante no caso em apreço, Joaquim Palminha nas decisões de gestão da Sociedade E………, Lda., que fundamentasse a alegada existência relações especiais entre ambas as sociedades - as quais, refira-se não existir!
F. Não sendo aplicável o disposto no n.º 7 do artigo 58.º do CIRC, nos termos do qual o sujeito passivo se encontra obrigado na sua declaração anual de informação contabilística e fiscal, a declarar a existência ou não de transacções comerciais com entidades relacionadas.
G. Padecendo de fundamento legal as correcções de valores efectuadas pela Recorrida para determinação do lucro tributável que originou a liquidação impugnada.
H. Não logrou ainda a Recorrida alegar os termos em que normalmente decorrem as operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, o que permitiria assegurar uma análise isenta e fiável da realidade de mercado, aliás, como se encontrava adstrita.
I. Ao invés consta do relatório de inspecção tributária que devido á dificuldade de encontrar uma amostra significativa de preços que incluísse todos os condicionalismos inerentes ao tipo de operação em causa, a Recorrida optou por considerar como preços de referência, os valores patrimoniais actualizados constantes da matriz à data da venda.
J. Sendo de concluir que o facto tributário que conduziu ás correcções efectuadas ao resultado fiscal declarado não se mostra devidamente fundamentado, em primeiro lugar por inexistir as alegadas relações especiais que justificam essas correcções, e em segundo lugar por não descrever os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias.
K. Tal facto resultou incorrectamente julgado, porquanto o facto tributário que originou a liquidação impugnada com a consequente correcção à matéria colectável da Recorrente não se encontrar devidamente fundamentado,
L. Impondo-se a anulação do acto de liquidação impugnado, por inverificados todos os pressupostos em que a Administração Fiscal, ora Recorrida fundamentou aquele acto, e que estiveram na base de todo o procedimento de apuramento do imposto com as correcções á matéria tributável.
M. Sem prejuízo, sempre se diga - atenta a dificuldade de encontrar uma amostra significativa de preços que incluísse todos os condicionalismos inerentes ao tipo de operação em causa - ser aplicável ao caso dos autos o disposto no artigo 100.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, nos termos do qual sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.
N. Não obstante, e ainda que assim não se entendesse - o que apenas por mera cautela de patrocínio se cogita, sem contudo se conceder - sempre se dirá que o valor da transmissão (realizado) corrigido apurado de acordo com os valores patrimoniais deduzida a parte comercializada em time share se encontra incorrectamente determinado.
O. Não pode proceder o método utilizado pela Recorrida para efeitos de apuramento da matéria tributável, isto porque, ao fazer uso deste critério na determinação dos preços de transferência nas circunstâncias descritas e tendo presentes todos os condicionalismos inerentes à operação em causa, conduzir necessariamente a resultados que seriam (e são) falaciosos e desconexos com a realidade.
P. Em primeiro lugar por o valor patrimonial não reflectir as condicionantes decorrentes da sua constituição em regime de habitação periódica - tidas em consideração pelas partes contratantes na determinação do valor da venda do imóvel aquando a realização da transacção. E,
Q. Por o valor atribuído pela Recorrida às semanas vendidas após o ano de 1993, para efeito de dedução do valor comercializado em time share não se encontrar correctamente calculado ao avaliar a comercialização das semanas de forma indistinta para qualquer época do ano, à margem da realidade das operações semelhantes.
R. Devendo ser anulado o valor da transmissão (realização) corrigido apurado nos termos do artigo 58.º do CIRC, e que originou a liquidação de IRC impugnada.
S. Termos em que deve ser revogada a Douta sentença recorrida, julgando-se procedente a impugnação judicial apresentada, com a consequente anulação do acto de liquidação de IRC impugnado.

Nestes termos e no mais de Direito, que V. Exas., Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, Requer-se seja o presente recurso julgado procedente e, em consequência:
Julgada procedente a impugnação judicial deduzida e, anulado o acto de liquidação de IRC impugnado, com as demais consequências legais, porque só assim é de DIREITO E JUSTIÇA!


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a sentença recorrida ter feito uma correcta análise da matéria de facto a que aplicou o direito devido.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se entre a ora recorrente e a compradora das fracções em causa, existiam relações especiais; Se a AT, enquanto fundamentação formal do acto de liquidação, pela lei então vigente em 2002, teria de descrever os termos em que decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes; Se na impossibilidade da obtenção do termo de comparação em iguais circunstâncias dos valores das fracções autónomas, o critério da escolha pela AT, dos valores patrimoniais inscritos na matriz, é apto para o fim em causa; E se ocorre fundada dúvida na existência ou na quantificação do facto tributário, consistente na liquidação adicional em causa.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Em 23 de Julho de 1993, no Cartório Notaria da Lagoa foi celebrada a escritura de constituição de propriedade horizontal, compra e venda e direito real de habitação periódica (fls 13 a 20, dos autos);
B) Através da escritura pública referida em A) a E……….- Empresa …………, Limitada representada por José …………., na qualidade de procurador constitui em regime de propriedade horizontal o prédio urbano sito nas Areias ……….., freguesia e concelho de …….., integrado no empreendimento turístico denominado "O ………..", descrito na Conservatória de Registo Predial de ………. sob o n° …….., dividindo-o em 189 fracções autónomas (fls 15 e 16, dos autos);
C) Pela escritura referida em A) a E……… - Empresa de …………, Limitada representada por José ………, na qualidade de procurador vende à V………. Investments, Limited, representada no acto pelo Engº Joaquim ……………… na qualidade de procurador e em representação da sociedade, pelo preço global de 274.000.244$00, 109 fracções do Tipo 0, pelo preço unitário de um milhão de escudos, totalizando cento e nove milhões de escudos e 79 fracções Tipo 1, ao preço de um milhão e oitocentos mil escudos, cada totalizando cento e quarenta e dois milhões e duzentos mil escudos e a fracção "HE", destinada a fins comerciais pelo preço de vinte e três milhões e quarenta e quatro mil escudos (fls 13 a 17, dos autos);
D) Na mesma escritura ficou consignado que "as fracções habitacionais vão ser sujeitas ao regime de habitação periódica, pela segunda outorgante, obrigando-se esta a emitir os títulos dos períodos já vendidos e entregá-los aos portadores dos contratos de promessa e venda e assinados pela primeira outorgante" (fls 17 e 18, dos autos);
E) Pela ordem de serviço n° 16868, de 10/12/03 foi realizada inspecção tributária à impugnante com início em 05/02/04 e concluída em 15/07/04 (fls 54, dos autos);
F) A fiscalização foi de âmbito geral e relativa aos anos de 2000, 2001 e 2002 (fls 54, dos autos);
G) Em 29 de Julho de 2004 foi efectuado o relatório de inspecção e de onde consta (fls 51 a 54, dos autos):
(...)
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
No decurso da presente acção de inspecção e após terem sido analisados todos os elementos da sua contabilidade, verificou-se que:
1- O contribuinte desenvolvia a actividade hoteleira em imóvel da sua propriedade denominado Hotel Apartamentos D. P………. e no Hotel Apartamento ………., propriedade da empresa A………, através de contrato de cessão de exploração.
2- Em 2020, iniciou um processo de desactivação, com a venda do seu imobilizado, do qual se destaca a transmissão do Hotel Apartamentos D. …….. para uma empresa denominada E………. - Empresa de …………., Lda.
3- Existem relações especiais entre a V………. e a empresa compradora, as quais são geridas e controladas por uma pessoa.
4- Os preços de venda declarados e contabilizados nas referidas transacções são inferiores aos preços de mercado normalmente praticados entre empresas independentes.
5- Relativamente ao referido negócio não existe registo na contabilidade de quaisquer movimentos financeiros que lhe estejam subjacentes, embora a escritura de venda refira que a importância já se encontrava recebida.
6- Em face do exposto, sou da opinião que haverá que proceder à determinação da matéria colectável de acordo com o disposto no artº 58° do CIRC, com base nos seguintes fundamentos:
Definição das relações especiais:
A V………. é uma empresa com sede num off Shore, com representação em Portugal, da qual é procurador o senhor Joaquim …………….., com poderes entre outros para comprar e vender, abrir e movimentar contas bancárias e agir em nome da sociedade, etc.
A empresa compradora E…….o - Empresa de …………., Lda, NIPC ……………é por si gerida e é propriedade de Maria ……………. e de José ………………… (sua mulher e filho).
Embora de acordo com certidão de teor da conservatória o gerente seja o seu filho atrás referenciado, o senhor Joaquim é gerente de facto e controla a referida empresa, tendo procuração deste.
No processo de evidência de trabalho constam os documentos que fundamentam as relações especiais antes expostas.
De acordo com a alínea d) do artº 58º do CIRC, entende-se haver relações especiais, sempre que em ambas as entidades a maioria dos membros da administração, gerência e fiscalização sejam as mesmas pessoas ou estejam ligadas por parentesco em linha recta, situação que se verifica ao relacionamento entre as empresas V………… e E………….
Método de Aplicação das regras dos Preços de Transferência
No termo operações referido no n° 1 do artº 58° do CIRC, refere-se a venda de bens que constem do imobilizado das empresas, sendo as referidas transacções efectuadas entre uma entidade residente em território português e outra sujeito a IRC nos termos do n° 3 do artº 4° do referido diploma, encontrando-se preenchidos os princípios de incidência objectiva e subjectiva a que se refere o imposto.
Haveria assim que se proceder à apresentação de um método onde fosse definido o preço de plena concorrência a revelar na contabilidade e nas declarações fiscais apresentadas, situação que não foi cumprida, conforme resposta a pedido de esclarecimento efectuado - ver documento n° 1.
Cumpre, assim, à administração fiscal proceder às correcções necessárias para a determinação do lucro tributável.
Definição do preço de Concorrência
Transmissão do Hotel Apartamentos D. P………
Trata-se de um hotel apartamento localizado na zona turística de Arreias ………….., em …….., que dista a 900 metros da Praia, composto de diversas infra-estruturas como restaurantes, bares, sala de jogos, sala de reuniões e conferências, Health Club, piscina interior semi-olímpica, para crianças, piscina interior aquecida, dois cortes de ténis, conforme se observa em folheto publicitário junto ao processo de evidência de trabalho.
Consultados os elementos disponíveis nos serviços concluímos que os preços de mercado, relativamente a imóveis desta natureza, rondariam os 70.000€ para os T0 e 90.000€ para os T1.
Reconhece-se no entanto as particularidades deste prédio, nomeadamente o facto de se tratar de apartamentos, parte destes já terem sido comercializados em time share, bem como das condições em que o negócio foi realizado, nomeadamente a necessidade de retirar imobilizado da off shore para a empresa nacional.
Devido à dificuldade de encontrar uma amostra Significativa dos preços que inclua esses condicionalismos, optou-se por considerar como preços de referência, os valores patrimoniais actualizados constantes da matriz.
Constatou-se que os apartamentos vendidos já se encontram parcialmente transmitidos em time share, situação que na maioria dos casos, já existia aquando da sua aquisição, e como tal já se encontrava reflectida no valor dos mesmos.
Não deixamos no entanto de considerar a possível desvalorização ocorrida no período em que a V………… esteve na sua posse, isto é entre 1993 e 2002, período durante o qual de acordo com a resposta a pedido de esclarecimento efectuado, documento n° 1 em anexo, a empresa indicou o n° de semanas vendidas.
Com base no mapa a que se refere o documento n° 2 anexo apurou-se o número de semanas de time share vendidas durante esse período e a percentagem que esse valor representa na totalidade do ano.
De acordo com mapas em anexo - documento n° 3 - apura-se o valor da transmissão corrigido de acordo com os valores patrimoniais, ao qual deduziremos a parte comercializada em time share, de acordo com a percentagem antes referida, de onde se conclui que:
Valor patrimonial fracções vendidas ....3.798.329,71
Valor da venda imputado no time share ...103.442,91
Valor da transmissão (realização) corrigido ...3.694.886,90
Apuramento dos resultados corrigidos
1. Regularizações das mais valias contabilizadas pelo contribuinte relativo a esta operação
De acordo com o documento n° 4 anexo verificou-se que esta operação foi registada na contabilidade na conta resultado extraordinário, onde registou uma mais valia contabilística no valor de €425.242,88.
O contribuinte preencheu o mapa de mais valias, embora não o reflicta no apuramento dos resultados. Não procedeu ao preenchimento do quadro 07 da declaração de rendimentos, nomeadamente os campos 229 e 216, relativo ao registo de mais valias contabilísticas e fiscais. Haverá, assim, que proceder à regularização do valor das mais valias contabilísticas declaradas nos resultados extraordinários no valor de 425.242,88 acima referido.
2 - Acréscimo aos resultados do valor da mais valia fiscal apurada com base ao valor da realização corrigido
De acordo com o mapa a que se refere o documento nº5 em anexo procedemos ao apuramento da mais valia corrigida.
Valor de realização corrigido ...3.694.886,90€
Valor do imobilizado líquido actualizado...1.265.798,55€
Valor da mais valia fiscal corrigida ...2.429.088,35€
3- Apuramento dos resultados fiscais corrigidos
Resultados fiscais declarados .......91.599,70€
A deduzir o valor da mais valia contabilística declarada
nos resultados extraordinários .....425.242,88€­
A acrescer mais valia fiscal corrigida ...2.429.088,35€
Total das correcções .................2.003.845,47€
Resultado fiscal corrigido .... 1.912.245,77€
(...)
IX - Direito de Audição
O contribuinte exerceu o direito de audição o qual foi por nós analisado, sendo de concluir o seguinte:
1- Reconhece-se que, aquando da aquisição do imóvel a V………… ter procedido à sua constituição em direito real de habitação periódica, sendo obrigada a emitir os títulos dos períodos já vendidos, conforme consta da escritura de aquisição.
Verificou-se no entanto que, antes da aquisição, já haviam semanas vendidas, das quais a V……….. tinha conhecimento e nos confirmou em resposta a notificação que lhe foi efectuada. As referidas semanas transmitidas antes de 1993, já se encontravam reflectidas no valor dos apartamentos aquando da aquisição pela V……….. e se estas foram desvalorizadas foram só em relação às semanas vendidas a partir de 1993, razão pela qual é de manter o critério utilizado no relatório.
O facto de a V………….. ainda manter a propriedade dos títulos do time share e os imóveis não podem ser vendidos pela E…………, é uma situação que pode ser perfeitamente alterada face às relações especiais existentes entre as duas empresas.
De notar que de acordo com a análise da contabilidade a V………. tem vindo a alienar a totalidade do seu património, encontrando-se praticamente inactiva.
Relativamente ao imóvel o mesmo não necessita de ser vendido para se dar continuidade à actividade hoteleira que vinha sendo desenvolvida pela V………., não constituindo o facto de haver cerca de 1500 semanas de time share vendidas, num total de 9724 por vender, factor impeditivo do desenvolvimento dessa actividade, bem como de uma possível venda dos imóveis, de notar que aquando da aquisição pela V…….. já haviam títulos comercializados e o negócio não deixou de se realizar.
Não podemos esquecer inclusive a reduzida capacidade negocial dos adquirentes traduzida nas elevadas taxas de manutenção que estão sujeitos, levando parte significativa deles a desistir dos títulos e outros a entregar a gestão das semanas de forma a compensar o valor dessas taxas.
Atendeu-se no entanto à pretensão do contribuinte em utilizar na determinação do preço a corrigir o valor patrimonial correspondente ao ano da venda e não ao valor patrimonial actualizado, mantendo-se as restantes condições constantes do projecto de relatório, isto é a dedução do valor da venda imputado ao time share relativo às semanas vendidas após 1993, conforme consta do documento n° 3 em anexo."
Sobre o relatório incidiu parecer datado de 29 de Junho de 2004 (fls 51 e 52, dos autos):
"Feita a inspecção externa de âmbito geral verificou-se uma situação de relações especiais de acordo com o estabelecido no artº 58° do CIRC, pelo que, se fez correcção ao resultado fiscal declarado no exercício de 2002, no montante de €2.003.845,47.
Notificado o sujeito passivo nos termos do artº 60º da LGT para exercer o direito de audição, veio exercê-lo por escrito, conforme se encontra comentado no ponto IX do presente relatório. De salientar que foi tido em conta o referido nos pontos 15 e 16 do documento apresentado no exercício do direito de audição, pelo que, os cálculos constantes do projecto de relatório foram alterados nesse sentido.
(...)".
H) Sobre o parecer referido no ponto anterior incidiu despacho de concordância datado de 30 de Março de 2006 (fls 51, dos autos);
I) Dão-se por inteiramente reproduzidos os anexos constantes de fls 64 a 168, dos autos que fazem parte integrante do relatório, designadamente:
1) Anexo 1:
- Relação de semanas de time share (fls 64 a 84, dos autos);
- Preços das fracções vendidas: T0 – 5000€; T1 9000€
- Escritura de Procuração celebrada em 6 de Setembro de 1999, na Cidade ………….., segundo a qual (fls 94 a 97, dos autos):
John …………. e Diane ………., na qualidade de Director e Secretária da Sociedade Anónima denominada V……… Investments Limited, com sede em The ………, Ilha de Man IM2 4AS, constituíram seus bastantes procuradores, pelo período de três anos, José …………, Joaquim ……………, José ………………. e Maria …………., podendo substabelecer em uma ou mais pessoas ou a sociedades e a quem entenderem, sendo necessária e suficiente uma assinatura de qualquer um deles para obrigar a sociedade, os seguintes poderes: (...) d) Para comprar, vender, permutar, hipotecar, fazer e cancelar registos, contratos promessa de compra e venda, doar, ceder e realizar outros actos semelhantes a estes, relativos a bens imóveis ou móveis, trespassar estabelecimentos comerciais, comprar ou vender empresas na totalidade ou parcialmente, quotas das empresas ou acções de quaisquer empresas e bem assim a proceder à assinatura de todos os documentos que se mostrem necessários à prossecução destes fins e para a representar a sociedade perante todas e quaisquer entidades. ( . . .
2) Anexo 3
- Certidão da constituição da sociedade "E………. - empresa de investimentos agro­-pecuários, Ldª e da qual consta como seus sócios e gerentes (fls 102 a 108, dos autos):
Á data da constituição: Joaquim ………… (gerente), José …………. (gerente) e Rosalino …………;
Alteração parcial do contrato social registado pela Ap 15/931008: Joaquim ……………., Rosalino ……….., Maria ……………………..;
Alteração total do contrato social registado pela Ap 18/931008: Joaquim ………………….. (gerente) e José ………………. (gerente); Reforço do capital e alteração parcial do contrato social registado pela Ap ………/081109: Maria ………………, José ……………… e Curzon ………………, Limited; gerência exercida pelo não sócio Joaquim António ……………..;
Alteração Parcial do contrato com reforço de capital, registado pela Ap ……../990618: Maria ………….., José ……………….. (gerente), Quinta da ………………. - Sociedade Agrícola, Ldª;
Redominação do capital e alteração do contrato registado pela Ap ……./20011018 : Maria ……………….., José ….. ……………………., Quinta da ………….; gerência exercida pelo não sócio Joaquim …………..
- Escritura Pública de compra e venda, celebrada a 16 de Dezembro de 2000, no Cartório Notarial de ………., onde foi declarado que (fls 119 a 122, dos autos):
Pelo primeiro outorgante Ilda ……….., procuradora substabelecida com poderes para o acto de V……… Investiments Limited (V……. Investiments Limite - Sucursal em Portugal da Sociedade Britânica) declarou vender pelo preço global de um milhão e quatrocentos e seis mil euros à segunda E………. - Empresa ………….., Lda, representada por procurador com poderes para o acto por José ………….., as fracções autónomas identificadas no documento complementar que estão integradas no prédio urbano, sito em Corcovada ou ……….., Freguesia e concelho de ………….., descrito na Conservatória do registo Predial de …………sob o n° d……………….. e inscrito na matriz predial sob o artº………, com o valor patrimonial total de 3.798.329,71€.
- Foi instaurado o inquérito n° ………/03TAABF, onde (fls 109 a 118, dos autos):
Constituição como arguido de Joaquim ……….. e, em auto de interrogatório disse:
"Ser gerente da sociedade E……., Ldª, que a 16 de Dezembro de 2000, comprou o imóvel Hotel ………… à sociedade de direito estrangeiro V…….. Investments, Limited, na qual é procurador; o valor de venda das fracções T0 de 5000€ e TI a 9000€ deveu-se ao facto de serem apartamentos que se encontram em regime de time share, com semanas vendidas, sendo, por isso de valor inferior ao de um imóvel devoluto, tendo o valor da escritura sido o acordado entre as duas empresas";
Inquirida I1da ………….., que disse:
A sua participação na escritura pública, pela qual a V…………. Investments, LTD, sua representada vende as fracções do Hotel ………. à sociedade E……….., Lda, "se deveu a um pedido do dono da empresa onde trabalha, o Sr. Palminha, o qual na altura se encontrava ausente e lhe emitiu uma procuração para o efeito. Que a sociedade V…….. Investments, LTD, era a sociedade que anteriormente explorava o Hotel ……….., presentemente é a sociedade Conforhotéis quem explora o hotel e a E………… sua proprietária. O dono de todas as empresas é o Sr. ………., Joaquim …………..".
Foi inquirido José ……….., com a actividade de solicitador que disse:
"tem como cliente o Sr. Eng. Palminha, tendo com a procuração deste seu cliente celebrado, nessa qualidade escritura de compra e venda de um hotel que era propriedade da V……….. para outra empresa de nome E………, Ldª e, ambas as empresas são propriedade do Eng. Palminha, ……………".
Escritura pública de compra e venda, celebrada em 16 de Dezembro de 2002, de todas as fracções integrada no prédio urbano sito em Corcovada ou …….., freguesia e concelho de ………, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira, sob o número ………./061087 e inscrito na respectiva matriz sob o artº …….., com o valor patrimonial de €3.798.329,71 e na qual ficou consignado que (fls 119 a 122, dos autos):
Primeira: Ilda ………. (. . .) que outorga na qualidade de procuradora substabelecida com poderes para o acto de V……… Investments Limited, mudou a denominação para V…….. Investments Limited- Sucursal em Portugal da Sociedade, pessoa colectiva n° ……….., com sede em The Poplars Victoria Road, Douglas, Ilha de Man IM2 4AS e com sede da representação em Hotel Apartamento …….., ……… (...) "que vende a Segundo: José ……….., procurador com poderes para o acto de E…….. - Empresa …………., Ldª, pessoa colectiva n° …….., com sede na Praça Dr. ………….., n° 5, 4° dtº, Lisboa que compra pelo preço de €1.406,00 (. . .)"
J) Dá-se por inteiramente reproduzido o documento complementar relativo às fracções autónomas que foram transmitidas através da escritura pública referida no ponto anterior, de fls 123 a 154, e do qual consta que as fracções A a "U", "X", "AS" a "BP", "BR", "CN" a "DJ", "DM", "EH" a "FE", "FG", "FX" a "GT", "GV", num total de 109, são T0 com valor patrimonial de 15.319,33/16.272,06/17.240,79 e as fracções "V", "Z" a " AR", "BQ", "BS" a "CM", "DL ", "DN" a "EG", "FF", "FH" a "FV", "GU", "GX" a "HD", num total de 79, são T1 é de 18.068,95/19.090,24/20.032,97 e uma fracção "HE", com valor patrimonial de 518.500,41, localizada no rés-do-chão;
Do documento complementar referido no ponto anterior a V……….. Limited vendeu cada fracção com tipologia T0, por 5000€ e por €9000 as fracções com tipologia T1 (fls 123 a 154, dos autos);
K) Da fixação resultante da acção inspectiva resultou a liquidação de IRC n° ………….., de 2004-11-12, no montante de €594.003,98, com data limite de pagamento em 2005-05-16 (processo apenso);
L) Não tendo o imposto sido pago foi extraída certidão de dívida a qual deu origem ao processo de execução fiscal n° 1007200501075128 (processo apenso);
M) A impugnante foi citada em 2005-07-12 (processo apenso);
A impugnação deu entrada em 1 de Agosto de 2005 (carimbo aposto no rosto de fls 3, dos autos).

A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos juntos em cada ponto dos factos provados e no depoimento das testemunhas reproduzido em audiência. Do depoimento das testemunhas sobressai o seguinte:
Maria ……………..- conhece a sociedade V……… Investiments, Limited por já lá ter trabalhado, desde 90 a 95/96. Cessou funções com a V………. e passou a ser empregada da Co…………, por uma questão de estratégia da empresa. O escritório das duas empresas – V……. e Co…….. era no mesmo espaço. Todas as fracções do imóvel se encontram registadas em DRHP, abrange a totalidade do imóvel.
Em Dezembro de 2002 a administração da V…….. decidiu vender o imóvel à sociedade que estava mais vocacionada para a exploração do empreendimento. Há títulos emitidos e registado, mas não estão todos endossados, continuam em nome da V………. Estão 1500 títulos prometidos vender e endossados à volta de 400. Quem explora é a Co…………. que era quem explorava também em 2002. Nas semanas vendidas os titulares têm de pagar uma taxa de manutenção. O bar foi cedido em exploração e têm uma percentagem sobre a facturação.
Luís …………………., é inspector tributário, conhece a sociedade por ter feito uma inspecção. A E………. adquiriu o empreendimento à sociedade. Existem relações especiais. Quem representava a E………. e a V………. era o Engº Palminha. Foi ele que me facultou os elementos contabilísticos. Sempre se arrogou ser o representante da V…….. Existe uma relação familiar entre os gerentes/sócios da E…….. com o procurador da Vermont. E em relação à V…….. foi o Engº Palminha quem facultou todos os elementos daí concluir haverem relações especiais. Não referenciaram como fosse uma relação especial. Foi tratado como se fosse um negócio normal e a FP corrigiu. O empreendimento é turístico. Os preços utilizados nas vendas – T0 – 5000€; T1 : 9000€ - são preços irrealistas. Critério utilizado: tendo consciência que as avaliações patrimoniais se encontravam abaixo da realidade e face à dificuldade de avaliar o tipo de imóvel com estas características (por exemplo a rentabilidade dos apartamentos turísticos, a proximidade da praia), não havendo termo de comparação aceitámos os valores patrimoniais à data da venda (2002), tendo consciência que os valores estavam abaixo (foi antes da alteração das avaliações patrimoniais). As semanas vendidas foram tidas em consideração. Aquando da aquisição em 93 o imóvel já se encontrava nessa situação. 1200 semanas foram vendidas em 93 e 300 e tal depois. Considerou-se no relatório que o facto de o empreendimento ter sido comercializado em time sharing não existia uma menos valia. Seja uma menos ou mais valia parte desse time sharing já se encontrava comercializado em 93. Na sua maioria são semanas flexíveis, sem carácter perpétuo e não foi por causa delas que a empresa alterou a sua actividade comercial .... empresa hoteleira. As semanas vendidas em relação ao universo das semanas é de cerca de 15%. Pôde manter-se para além das semanas vendidas a exploração turísticas. As próprias taxas de manutenção cobradas aos proprietários da semana não estimula a sua utilização. A empresa não deu continuidade ao time sharing. Foram considerados os valores à data da venda e só 15% está em DRHT que foi o valor a ter em conta na desvalorização. O negócio permitiu que a actividade desenvolvida pela V………. fosse desenvolvida posteriormente.
Ilda ……….., trabalha para a Co……….. desde 2001, como secretária e antes trabalhava para a V……… desde 98. Foi representante da V……… na escritura porque o Sr. Engº Palminha não estava. Era ele que geria a V………….. Foi por ele não estar que representou a V………... Conhecia o empreendimento e não se recorda porque valor as fracções foram vendidas. O Sr. Palminha era o administrador da E………... O Sr. Palminha dava-lhe ordens na V……, era o patrão. Quem a contratou para a V……….. foi o Sr. Palminha. Uma das razões da venda foi por motivos fiscais. Queria acabar com a Off Shore.

Factos não provados
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.


4. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do tribunal “a quo”, em síntese, que entre as duas entre – a ora recorrente e a E……….. – existiam relações especiais por terem em comum o mesmo titular – o Eng. Palminha – o qual de resto sempre se assumia como titular ou como “patrão” das pessoas que para ambas trabalhavam, tendo as fracções autónomas sido vendidas à segunda empresa, por um preço bem abaixo do seu valor patrimonial, mesmo antes de ser actualizado em 2004, e este ser, normalmente, abaixo do preço de mercado, dadas as dificuldades em obter um modelo de comparação para um empreendimento com estas características em situação de funcionamento de pleno mercado de livre concorrência, tendo sido tomada em consideração o facto de parte dessas fracções se encontrarem vendidas em regime de time sharing, na percentagem de 15%, pelo que a matéria colectável, se encontra, seguramente, bastante abaixo do valor de mercado, não enfermando de erro ou vício conducente à anulação da liquidação.

Para a impugnante e ora recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta fundamentação (e outra) que continua a esgrimir argumentos tendentes à revogação da sentença recorrida e à anulação da liquidação em causa, não aceitando a existência de relações especiais entre as duas empresas, que não se mostram descritas as circunstâncias como decorreriam as mesmas operações entre entidades independentes em situação de livre concorrência, que se mostra mal calculado a percentagem das fracções vendidas em time sharing e que, no mínimo, existe a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário.

Vejamos então.
A presente impugnação judicial tem por objecto a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2002 onde, mercê da existência de relações especiais entre a compradora e a vendedora (ora impugnante), esta vendeu à referida E…………… – Empresa de …………., Lda, o citado imóvel (Hotel Apartamentos D………….), em que as respectivas fracções foram vendidas por preços muito abaixo do seu preço de mercado (no entender da AT), mercê da existência dessas relações, sem que, sequer, os proveitos dessa operação tivessem sido lançados na contabilidade da mesma ora recorrente, como foi apurado no mesmo relatório do exame à escrita.

A lei anterior, na norma do art.º 57.º do CIRC, não definia e nem elencava quaisquer índices para qualificar a existência das chamadas relações especiais, tendo deixado tal tarefa para a doutrina e a jurisprudência preencherem, ao contrário do que acontecia já no exercício a que se reporta a presente liquidação – 2002 – mercê da alteração vigente e introduzida pelo Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, no seguimento da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, com aplicação aos períodos de tributação iniciados depois de 1.1.2002 – cfr. art.º 7.º desta mesma Lei - em que, ainda que a título exemplificativo, formula nas diversas alíneas do n.º4 do mesmo art.º 57.º (que na redacção deste Dec-Lei passou a ser o seu art.º 58.º), um elenco de situações susceptíveis de enquadrarem a existência dessas relações especiais, subsumíveis, no fundo sempre que ...uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra ..., como se proclama no corpo do n.º4 desse artigo, o que no caso, nos parece manifesto existir, pelos vários arrimos que no procedimento de fiscalização foram inventariados e que são ... A V……….. é uma empresa com sede num off Shore, com representação em Portugal, da qual é procurador o senhor Joaquim …………, com poderes entre outros para comprar e vender, abrir e movimentar contas bancárias e agir em nome da sociedade, etc.
A empresa compradora E……. - Empresa de …………, Lda, NIPC ………… é por si gerida e é propriedade de Maria …………….. e de José ………………… (sua mulher e filho).
Embora de acordo com certidão de teor da conservatória o gerente seja o seu filho atrás referenciado, o senhor Joaquim é gerente de facto e controla a referida empresa, tendo procuração deste.
No processo de evidência de trabalho constam os documentos que fundamentam as relações especiais antes expostas.
De acordo com a alínea d) do artº 58º do CIRC, entende-se haver relações especiais, sempre que em ambas as entidades a maioria dos membros da administração, gerência e fiscalização sejam as mesmas pessoas ou estejam ligadas por parentesco em linha recta, situação que se verifica ao relacionamento entre as empresas V………. e E………….
(...)
Sendo também ilustrativo da existência dessas relações especiais as declarações prestadas pela pessoa física que se encontra à cabeça dessas duas sociedades ou, pelo menos, alega ter poderes de as influenciar, onde no citado inquérito declarou ser gerente da E…………., Lda, ser considerado o dono da ora recorrente pelos que aqueles com esta estabeleceram relações de trabalho, designadamente o próprio solicitador que foi inquirido e confirmou que “ambas as empresas são propriedade do Eng. Palminha, Joaquim ………………..”, a V………… e a E…………), bem como, perante o inspector que procedeu à inspecção foi o mesmo Eng. Palminha que se intitulou a representar as duas empresas e que sempre como tal se arrogou, desta forma, dúvidas não podem existir da existência deste tipo de relações.

Aliás, a ora recorrente limita-se, na matéria da sua conclusão E., a contraditar a existência de tais relações especiais, sem contudo contraditar as razões apuradas em sede de exame à escrita e acobertadas pela sentença recorrida no entendimento da sua existência, limitando-se a argumentar que não resultou provada a influência significativa do seu legal representante no caso em apreço, o que dos factos apurados e não contraditados com qualquer prova em contrário, antes o contrário impõem, pelo que não pode deixar de improceder o invocado vício do acto de liquidação.

Na matéria das suas conclusões H) e segs, continua a ora recorrente a esgrimir, tal como fizera na matéria dos artigos 13.º a 19.º da sua petição inicial de impugnação, que a AT não descrevera, como sua fundamentação (formal), os termos em que decorrem normalmente operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, certamente por pretender que a AT, em termos de fundamentação formal, a tanto se encontrava obrigada, por força do disposto no art.º 77.º, n.º3, alínea b) da LGT, que o dispunha, sem ter presente que tal redacção se não encontrava já em vigor para esse exercício de 2002, havendo a mesma sido substituída pela introduzida pela citada Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, e que totalmente alterou esse n.º3, quer no seu corpo, quer em todas as suas alíneas, tendo tal específico requisito deixado de fazer parte dessa fundamentação formal, cuja alínea b) passou a mencionar “Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo”, em vez da anteriormente existente(1).

E isto, ainda que, nos termos do disposto no n.º1 do (actual) art.º 58.º do CIRC, os sujeitos passivos, em caso da existência de relações especiais da entidade com quem contratam devem, ser praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, explicitando o seu n.º2 como tal deve ser conseguido, sendo que, quando o contribuinte adopte estes critérios, as suas declarações gozam da presunção de boa fé e de serem verdadeiras – cfr. art.º 75.º da LGT – cabendo à AT, a partir daí, para as infirmar, vir nos termos gerais do art.º 74.º, n.º1, da mesma LGT, vir invocar e provar os fundamentos que a levam a desconsiderar tais elementos declarados, enquanto pressupostos do seu direito a tal liquidação.

Em suma, da análise dos normativos citados parece resultar, ter deixado de existir a cargo da AT, o referido pressuposto da descrição dos termos em que decorrem as operações da mesma natureza entre pessoas independentes em idênticas circunstâncias, enquanto pressuposto formal para o direito à liquidação poder ser exercido, para tal matéria ser submetida ao regime regra (declarativo), sabido que o preenchimento de tais requisitos comportavam uma fundamentação exigentíssima, como vinha sendo reconhecido (2).

No caso, não tendo a ora recorrente estabelecido qualquer método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, como o n.º2 do citado art.º 58.º lhe impunha, não tendo sequer, feito registar na sua contabilidade quaisquer movimentos financeiros subjacentes a tal venda, como foi apurado no mesmo relatório de exame à escrita e não infirmado por qualquer outra prova, tendo a AT invocado como preços de mercado para tais fracções, valores bem mais elevados para cada uma das tipologias de tais fracções do que os declarados na escritura pública respectiva, tendo mesmo vindo a fazer a liquidação adicional com base nos valores patrimoniais inscritos na matriz e antes da actualização operada pelo CIMT (3) [ao contrário do invocado pela ora recorrente, na matéria da sua conclusão I), tendo em conta a matéria provada constante na alínea G) do probatório fixado na mesma sentença], tendo tomado em conta também em termos de desvalorização a percentagem de 15%, correspondente às semanas vendidas em time sharing, para além de ter feito sentir as dificuldades de avaliação da venda daquele empreendimento edificado, em termos de livre concorrência de mercado, por falta de termo de comparação ou de situação paralela, e onde em cerca de 15% já haviam sido vendidos em sistema de time sharing.

Porém, sabido que os valores inscritos na matrizes se encontravam totalmente desajustados da realidade, para menos, como o próprio legislador expressamente o reconheceu no preâmbulo do Código do IMI ...desajustada subtributação dos prédios antigos, a liquidação adicional enquanto assente em tais valores patrimoniais, só pode pecar para menos do que para mais, o que de resto, nem a ora recorrente, verdadeiramente coloca em causa, e nem indica outro critério que, mais perto da realidade pudesse estar, pelo que o presente recurso não pode deixar de improceder também, enquanto abrigado nesta questão.

Como se pode ler do preâmbulo do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas...Em qualquer caso, procura-se sempre tributar o rendimento real efectivo, que, para o caso das empresas, é mesmo um imperativo constitucional. Como corolário desse princípio, é a declaração do contribuinte, controlada pela administração fiscal, que constitui a base da determinação da matéria colectável.
A determinação do lucro tributável por métodos indiciários é, consequentemente, circunscrita aos casos expressamente enumerados na lei, que são reduzidos ao mínimo possível, apenas se verificando quando tenha lugar em resultado de anomalias e incorrecções da contabilidade, se não for de todo possível efectuar esse cálculo com base nesta. Por outro lado, enunciam-se os critérios técnicos que a administração deve, em princípio, seguir para efectuar a determinação do lucro tributável por métodos indiciários, garantindo-se ao contribuinte os adequados meios de defesa...
Dado que a tributação incide sobre a realidade económica constituída pelo lucro, é natural que a contabilidade, como instrumento de medida e informação dessa realidade, desempenhe um papel essencial como suporte da determinação do lucro tributável.
...
Resulta assim claro, que a determinação do lucro tributável com recurso a métodos indiciários, tem uma feição excepcional e apenas a lei a autoriza, para aqueles casos em que não seja possível tal apuramento tendo por base a contabilidade do sujeito passivo, como diz a norma do art.º 51.º n.º2 do CIRC.
Por outro lado, o apuramento do lucro tributável com o recurso a métodos indiciários não se encontra estabelecido em benefício do sujeito passivo do imposto, e para colmatar eventual resultado injusto para este se tal lucro fosse apurado com o recurso aos elementos da sua contabilidade, ainda que eventualmente corrigidos.

Mas desde que se verifiquem os requisitos de tal norma, não sendo possível apurar, directamente, através da contabilidade do sujeito passivo a matéria colectável desse exercício, legitimada fica pela Administração Fiscal o lançar mão dos métodos indiciários, hoje chamados de indirectos, para determinação desse lucro, em que a AF se poderá basear em todos os elementos de que disponha, nos termos do disposto no art.º 52.º do CIRC e 87.º a 89.º da LGT, designadamente em quaisquer elementos existentes na contabilidade do sujeito passivo, quer relativos a esse exercício, quer relativos a qualquer um outro, para os extrapolar e valorar para o exercício em causa.

E o apuramento do lucro tributável com o recurso à norma hoje do art.º 58.º do CIRC, como no caso ocorreu, constitui, ele próprio, também, uma forma de apuramento do mesmo com o recurso a métodos semelhantes aos métodos indirectos, em que o lucro tributável apurado pelo contribuinte na sua declaração de rendimentos, é desconsiderado pela AT, por não expressar a exacta quantificação que poderia ter alcançado, em condições normais de mercado, mercê dessas tais relações especiais com aquele concreto operador.

Que assim é resulta desde logo da inserção sistemática de tal norma, ao lado das demais formas de apuramento da matéria colectável, todas elas pertencentes ao Capítulo III do Código, sob a epígrafe, Determinação da matéria colectável, Disposições gerais, em que a Secção V tem por epígrafe, Determinação do Lucro Tributável por Métodos Indirectos (redacção actual) - art.º 52.º e segs - e a Secção VI, tem por epígrafe, Disposições comuns e diversas, Subsecção I, Correcções para efeitos da determinação da matéria colectável - art.º 58.º - em que se afasta o lucro tributável resultante da sua escrita comercial, apurado pelo contribuinte na sua declaração de rendimentos, e se apura um outro, extrapolado de uma situação que lhe é exterior e que serve de termo de comparação, por entre ambos existir uma verosimilhança ou parecença, tomado por modelo ou padrão, e que é o que seria obtido em condições normais de mercado, entre dois operadores independentes.

Dispõe a norma do art.º 58.º do CIRC:
1 – Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratos, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
...

E havendo de trazer também à colação a norma do art.º 77.º, n.º3 da LGT (4), que veio substituir a norma do art.º 80.º do CPT, encontrando-se aquela então vigente à data a que se reporta o lucro tributável corrigido (2002), a qual reza assim:
Em caso de existência de operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, ou de operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo de imposto sobre o rendimento e qualquer outra entidade, sujeita ou não a imposto sobre o rendimento, com a qual aquele esteja em situação de relações especiais, e sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei para essa situação, a fundamentação da determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar os seguintes requisitos:
a) Descrição das relações especiais;
b) Descrição das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo;
c) Aplicação dos métodos previstos na lei, podendo a Direcção-Geral dos Impostos utilizar quaisquer elementos de que disponha e considerando-se o seu dever de fundamentação dos elementos de comparação adequadamente observado ainda que de tais elementos sejam expurgados os dados susceptíveis de identificar as entidades a quem dizem respeito;
4 - ...
5 - ...
6 - ...

Tal norma (do art.º 58.º do CIRC) tem um campo de aplicação semelhante ao anteriormente previsto no art.º 138.º do Código da Contribuição Industrial, em que terá em vista aqueles casos em que a lei atribua ao Fisco um poder discricionário, ainda que de ordem técnica, de mensuração reflexiva no apuramento do lucro tributável dos factos declarados pelo contribuinte na sua declaração de rendimentos.
Só nestes casos se justifica - e isto encarna a teleologia da norma - o apelo ao poder de controlo da actividade dos agentes intermédios da administração fiscal radicado no seu superior hierárquico (5).

O exercício do poder discricionário, ainda que de ordem técnica, faculta diferentes leituras da realidade económico-fiscal pela ausência de uma pré-definição dos critérios legais de avaliação.
O agente é remetido para regras extra-jurídicas, no sentido da sua definição não constar do direito legislado, mas jurídicas enquanto o sistema reconhece os resultados da sua adopção, que sejam aptas para satisfazer as necessidades apontadas pela lei fiscal.
Dito de uma forma mais sintética: o agente é remetido para regras de boa administração.
Impõe-se por isso, aqui, que o resultado do uso dessas regras seja controlado pelo órgão máximo da administração fiscal que é o Ministro das Finanças (6).

No caso, a existência das relações especiais entre a ora recorrente e a citada E…………- Empresa ……………………, Lda, que a sentença recorrida deu por verificadas, tendo em conta, sobretudo, o facto de ambas terem no seu topo, uma direcção, uma estratégia, assente numa única pessoa, que nelas punha e dispunha como entendia – o citado Eng. Palminha – como exuberantemente acima foi descrito, pelo que o preenchimento desse pressuposto da alínea a) do n.º3 do art.º 77.º da LGT, não pode deixar de dar por verificado, desta forma não se podendo deixar de concluir que a transacção estabelecida e ocorrida ente a ora recorrente e aquela outra empresa, é diferente das que seriam normalmente efectuadas entre pessoas independentes colocadas nas mesmas circunstâncias, nos termos supra citados.

Como constitui jurisprudência corrente (7), cabe à AT o ónus da prova dessas relações especiais, bem como os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, que mais não é do que a emanação do corolário geral previsto no art.º 342.º do Código Civil, de que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, hoje também com assento expresso na norma do art.º 74.º n.º1 da LGT. Ora, se a AT desconsidera a declaração de rendimentos do contribuinte, por haver apurado que a dimensão do lucro tributável declarado é inferior à que poderia ser obtida em condições normais de mercado entre dois sujeitos independentes, em idênticos negócios, onde alicerça os pressupostos para a correcção do lucro tributável e consequente liquidação, é natural que seja ela a efectuar a prova desses pressupostos constitutivos do direito invocado que é a existência desse concreto facto tributário e que no caso não deixou de, nos temos supra, de efectuar.

A ora recorrente continua ainda a esgrimir na matéria das conclusões das alegações do seu recurso – cfr. matéria da sua conclusão M) – que sempre seria caso de aplicação da norma do n.º1 do art.º 100.º do CPPT (8) - por entender existir a fundada dúvida sobre a existência e a quantificação do facto tributável, norma que, na realidade, tem aplicação mesmo quando a matéria tributável é apurada por métodos indirectos ou por outras normas especiais do CIRC (com excepção das situações subsumíveis no seu n.º2, o que, manifestamente, não é o caso dos autos), podendo por isso ter aplicação no caso sub judice.

Porém, como igualmente bem se decidiu na sentença recorrida, e que aqui se subscreve enquanto discurso fundamentador deste, se quanto à existência do facto tributário, tendo em conta as circunstâncias envolventes do negócio da venda de tais fracções do citado Hotel Apartamentos D. Pancho pela ora recorrente, por montantes muito abaixo do seu preço de mercado em iguais circunstâncias, em condições normais de plena concorrência, mercê das relações de interesses estabelecidas entre as duas sociedades, nenhuma dúvida envolve, muito menos dúvida envolve o termo de comparação adoptado pela AT, na impossibilidade da obtenção de um outro mais próximo da realidade em causa, que a ora recorrente também o não veio sequer a enunciar, limitando-se a colocar em dúvida o critério que foi seguido, e este, como acima já se fundamentou, não se afigura susceptível de produzir um excesso de quantificação, mas sim pelo contrário, de produzir uma quantificação bem menor da que poderia ser obtida com um critério comparativo assente em realidade homóloga, mas que a AT, mercê das dificuldades em o obter, enveredou por uma atitude de prudência e de contenção, tributando por menor valor mas assente em um dado mais certo e objectivo, o do valor patrimonial das citadas fracções e ainda assim, antes da sua actualização em 2004 (da chamada reforma da tributação do património) e com a dedução correspondente às vendas de time sharing já então verificadas, na data em causa, pelo que também este fundamento não pode deixar de improceder.


Improcede assim, toda a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa,5 de Julho de 2011
Eugénio Sequeira
Aníbal Ferraz
Lucas Martins


(1) A propósito de tal questão, cfr. o acórdão deste Tribunal proferido no recurso n.º 3.383/09.
(2) Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 29-11-2006, proferido no recurso n.º 401/06.
(3) Aprovado pelo art.º 2.º do Dec-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, com entrada em vigor em 1-1-2004, nos termos do seu art.º 32.º, n.º3.
(4) Na redacção introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, já aplicável a este período de tributação do ano de 2002.
(5) Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 5.2.1997, recurso n.º 21 176.
(6) Trata-se da transcrição de trechos do acórdão supra citado.
(7) Cfr. entre muitos outros, os recentes acórdãos do STA de 21.1.2003 e de 12.3.2003, recursos n.ºs 21 240 e 1.508/02-30, respectivamente.
(8) Na redacção introduzida pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril – Orçamento do Estado para 2000.