Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2972/16.4BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/01/2017
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:INTIMAÇÃO
INUTILIDADE DA LIDE
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
NULIDADE PROCESSUAL
Sumário:i) O princípio do contraditório implica que o juiz não deve decidir qualquer questão, de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre ela se pronunciar, destinando-se a evitar decisões-surpresa (art. 3.º, n.º 3, do CPC).

ii) A decisão de extinção da instância proferida pelo Tribunal a quo constitui uma decisão surpresa, violadora do princípio do contraditório, se o requerente não foi notificado de um documento onde era afirmado que o pedido de informação oportunamente formulado havido sido prestado e em que o Tribunal se baseou para concluir terem sido prestadas ao requerente as informações solicitadas.

iii) Influindo no exame e na decisão da causa, essa omissão consubstancia uma nulidade processual secundária (cfr. art. 195.º, n.º 1, do CPC), o que, nos termos do art. 195.º, n.º 2, do CPC implica a anulação de todo o processado a partir do momento em que a mesma se verificou, ou seja, imediatamente antes da decisão recorrida, o que tem como efeito a anulação desta.

iv) Tendo a Recorrente, no recurso interposto, tomado posição circunstanciada sobre a informação carreada nos autos pelo ora Recorrido, estando assim assegurado o seu direito ao contraditório, nada mais importando determinar, está este tribunal superior em condições de conhecer do mérito da causa.

v) Resultando provado que o direito à informação não se encontra integralmente satisfeito, faltando elementos cuja solicitação administrativa de referência abrangia, tem que proceder a intimação para a prestação da informação e passagem de certidão oportunamente requeridas
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Vanessa ………………………………… (Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença de 27.01.2017 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que, na presente acção de intimação para prestação de informações e passagem de certidões, por si requerida contra o Instituto Nacional de Emergência Médica, I.P. [INEM, I.P] (Recorrido), no sentido de obter cópia certificada do seu registo de assiduidade no período compreendido entre Janeiro de 2005 e 21 de Novembro de 2016, julgou a instância extinta, por inutilidade superveniente da lide.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

1. Através do presente processo, a A. (Requerente) veio requerer a intimação do Réu, INEM, I.P., na pessoa do Presidente do respectivo Conselho Directivo (Autoridade Requerida) no sentido de lhe certificar a sua assiduidade, através de fotocópias autenticadas do respectivo registo, no período de 2005 até 21 de novembro de 2016.

2. E fê-lo porque a Autoridade Requerida não respondeu no prazo legal ao pedido que nesse sentido a Requerente lhe dirigiu em 21 de novembro de 2016.

3. Regularmente citada, a Autoridade Requerida veio juntar aos autos o ofício a coberto do qual remeteu à Requerente o seu registo de assiduidade, assumindo ter-lhe enviado "o registo de assiduidade devidamente certificada no período de 2005 a 2006".

4. Mais informou o Tribunal que havia dado cumprimento aos presentes autos de intimação.

5. Porém, a Autoridade Requerida não juntou aos autos a documentação que disse ter enviado à Requerente.

6. O Douto Tribunal a quo não notificou a Requerente da apresentação daquela informação e do ofício que a acompanhou, não lhe tendo concedido a oportunidade de se pronunciar, querendo, sobre se considerava satisfeita a sua pretensão.

7. Omitindo, assim, a prática de acto que a lei prescreve e violando o princípio do contraditório.

8. A omissão de tal acto - e a consequente violação daquele princípio -, influiu decisivamente no exame e na decisão da causa, pois que se tivesse sido praticado teria permitido à Requerente esclarecer que a sua pretensão não se encontrava integralmente satisfeita e, assim, teria obstado à decisão ora recorrida, no sentido de considerar satisfeita a pretensão da Requerente e julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

9. O que implica a nulidade da decisão, nos termos do disposto na parte final do nº1 do artº195.° do CPC.

10. Acresce que ocorreu erro de julgamento, em virtude de o Douto Tribunal a quo ter considerado demonstrado o indemonstrado, pois que a Autoridade Requerida se limitou a informar que havia dado cumprimento aos presentes autos de intimação, juntando apenas o comprovativo de envio de ofício à Requerente, mas não juntando aos autos a documentação que afirmou ter-lhe enviado.

11. O que significa que a Requerente não viu a sua pretensão ser integralmente satisfeita, devendo a Autoridade Requerida ser intimada a cumprir o dever de lhe certificar o registo de assiduidade em falta.

Nestes termos, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a decisão recorrida, com as legais consequências.


O Recorrido apresentou contra-alegações, as quais foram desentranhadas, por intempestivas, conforme despacho de 24.03.2017 do Mmo. Juiz a quo.

Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso.


Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.



I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em saber se a sentença recorrida que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, incorreu em nulidade processual por violação do princípio do contraditório e se o Tribunal a quo errou ao ter julgado satisfeita a pretensão da Recorrente.



II. Fundamentação

II.1. De facto

A factualidade a ter em consideração no presente acórdão e com interesse para o conhecimento do objecto do recurso é a seguinte:

1) Em 21.12.2016, a requerente enviou, via mail, ao TAC de Lisboa a petição inicial da presente acção de intimação para prestação de informações e passagem de certidões, na qual pediu a intimação do Instituto Nacional de Emergência Médica, I.P.[INEM, I.P.], na pessoa do Seu Presidente, para, que lhe fosse certificada a sua assiduidade, no período que vai desde o ano de 2005 até 21 de Novembro de 2016 (cfr. p.i e documento anexo).

2) O Requerido foi citado para a acção e não contestou (cfr. ofício de citação, assinado em 29.12.2016).

3) Em 23.01.2017 o INEM remeteu informação aos autos de que “(…) no passado dia 9/01/2017, foi dado cumprimento aos supramencionados autos de intimação”, juntando cópia do ofício com a ref. 308-09/01/2017 que dirigiu à ora Recorrente, constando deste: “Na sequência do solicitado, remete-se o registo da assiduidade devidamente certificada no período de 2005 a 2016, dando-se, nesta data conhecimento ao tribunal do envio dos referidos elementos. // Mais se informa que os documentos constantes de fls. 1 a 72, correspondem a fotocópias autenticadas, tendo os elementos constantes de fls. 73 a 122 sido extraídos do sistema de controlo de assiduidade da instituição (cfr. ofício 0549, de 17.01.18, assinado pela Directora do Departamento de Gestão de Recursos Humanos).

4) Aberta conclusão ao Mmo. Juiz do Tribunal a quo em 19.01.2017, por este, após a incorporação do ofício referido em 3), foi proferida a sentença recorrida em 27.01.2017 que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (consulta do SITAF).

5) Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos documentos juntos aos autos pelo requerimento de recurso datado de 17.02.2017 e que é constituído por cópias do registo de assiduidade da requerente, certificadas pelos serviços do INEM, conforme carimbo aposto nos mesmos documentos e donde consta a menção: “INEM; Conforme original; 09 Jan. 2017”.



II.2. De direito

Como supra se deixou referido a questão prioritária que vem colocada no presente recurso é a de saber se o Tribunal a quo, ao por fim à acção por inutilidade superveniente da lide, infringiu o princípio do contraditório, tendo proferido uma decisão surpresa, por não ter dado oportunidade à Requerente de se pronunciar sobre se a Entidade Demandada e ora Recorrido havia satisfeito, ou não, e em que medida o seu pedido procedimental. Ou seja, não teve oportunidade de se pronunciar sobre o teor do ofício que por aquela lhe foi dirigido em 09.01.2017 e no qual se fundamentou a pronúncia judicial aqui em crise.

Pode já adiantar-se que o recurso é procedente.

Em situação similar se decidiu já neste TCAS, no recente acórdão de 16.03.2017, proc. n.º 297/16.4BEFUN, pelo que, aderindo ao seu discurso fundamentador, nos limitaremos, nos termos permitidos pela lei processual civil, a transcrever o mesmo na sua parte relevante. Assim, disse-se no citado acórdão:

“(…)

2.4 O princípio do contraditório é um princípio estruturante do processo, decorrendo expressamente do disposto no artigo 3º nº 3 do CPC novo (ap+rovado pela Lei nº 41/2013), aplicável aos processo nos tribunais administrativos ex vi do artigo 1º do CPTA, que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. Norma já colhida, em idêntico dispositivo, no anterior CPC.

A tal respeito José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil, Anotado, Volume 1º, 1999, págs. 7 a 9, referem, ainda no âmbito do anterior do CPC mas que mantém plena validade: «Os n.ºs 3 e 4, ambos introduzidos pelo DL 329-A/95 e aperfeiçoados pelo DL 120/96, consagram o princípio do contraditório, o primeiro em geral e na vertente proibitiva da decisão-surpresa e o segundo no aspeto da alegação dos factos da causa.

Resultam estes preceitos duma conceção moderna do princípio do contraditório, mais ampla do que a do direito anterior. Não se trata já apenas de, formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, ser dada à contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de, oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção. Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma conceção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.(…)

No plano das questões de direito, veio a revisão proibir a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes. Esta vertente do princípio tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado, pois as que estejam na disponibilidade exclusiva das partes, tal como as que sejam oficiosamente cognoscíveis mas na realidade tenham sido levantadas por uma das partes, são naturalmente objeto de discussão antes da decisão, sem que o facto de a parte que as não tenha levantado não ter exercido o direito de resposta (desde que este lhe tenha sido facultado) implique falta de contraditoriedade. Antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho-saneador, sentença, instância de recurso)”.

2.5 Numa relação instrumental com tal princípio, e visando assegurar que as partes têm conhecimento dos atos processuais praticados pela contraparte no processo, está a obrigação de notificação entre mandatários a que alude o artigo 221º do CPC novo, aplicável aos processos dos tribunais administrativos ex vi do artigo 25º do CPTA. Mas tal obrigação só existe para os atos praticados no processo “após a notificação da contestação do réu ao autor” (cfr. artigo 221º nº 1 do CPC).

Na situação presente o articulado de resposta, que é aquele pelo qual a entidade requerida contesta o pedido de intimação, não foi notificado ao requerente. E concluso que foi ao Mmº Juiz do Tribunal a quo este proferiu de imediato a sentença.

2.6 Nos termos do disposto no artigo 107º nº 2 do CPTA, no âmbito dos Processo de Intimação para Prestação de Informações, Consulta de processos ou Passagem de certidões, “apresentada a resposta ou decorrido o respetivo prazo e concluídas as diligências que se mostrem necessárias, o juiz profere decisão no prazo de cinco dias”.

A tramitação processual dos Processos de Intimação para Prestação de Informações, Consulta de processos ou Passagem de certidões, tal como se encontra gizada nos artigos 104º ss. do CPTA é efetivamente simples, o que se coaduna com o caráter urgente do processo e a tendencial reduzida complexidade das questões a dirimir – vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, pág. 533.

Mas a circunstância de no seu figurino processual se preverem apenas dois articulados (no caso dos Processos de Intimação para Prestação de Informações, Consulta de processos ou Passagem de certidões, o requerimento inicial, apresentado pelo requerente, e a resposta, a apresentar pela entidade requerida), não afasta a garantia de apresentação de um terceiro articulado pelo requerente quando tiver sido suscitada pelo requerido alguma questão relativamente à qual deva ser assegurado o direito de contraditório – vide, neste sentido, o acórdão deste TCA Sul de 20-11-2014, Proc. 11514/14. In, www.dgsi.pt/jtcas, de que fomos relatores.

2.7 Ora a decisão de extinção da instância proferida pelo Tribunal a quo constitui uma decisão surpresa, violadora do direito de contraditório, se o requerente não foi notificado nem do articulado de resposta, onde tal questão foi suscitada, nem do documento que com ele foi junto e em que o Tribunal se baseou para concluir terem sido prestadas ao requerente as informações solicitadas.

Sendo certo que, antes de tomar posição sobre a aventada inutilidade superveniente da lide, por entretanto a pretensão do requerente ter sido satisfeita, devia o Mmº Juiz do Tribunal a quo promover a audição do requerente quanto a tal questão, através da sua notificação para sobre ela se pronunciar.

2.8 E não se pode entender estar-se perante caso de manifesta desnecessidade, a que alude o artigo 3º nº 3 do CPC, e que o Mmº Juiz do Tribunal a quo invocou para justificar não ouvir o requerente, previamente à prolação da sentença, sendo designadamente múltiplos os pedidos de informação, formulados no requerimento administrativo e renovados no processo de intimação.

2.9 Omitida a notificação do articulado de resposta apresentado e bem assim a notificação do requerente para se pronunciar quanto à questão da inutilidade superveniente da lide que foi nela suscitada pela entidade requerida, estamos perante omissão de atos processuais suscetível de influir no exame e decisão da causa, pelo que ocorre nulidade processual, nos termos do artigo 195º nº 1 do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA.

Situação que se repete nos presentes autos e que determina a ocorrência da nulidade processual por violação do princípio do contraditório – a sentença recorrida consubstancia uma decisão surpresa, que a lei sanciona com a nulidade processual -, com a consequente anulação da sentença recorrida (v. também o ac. deste TCA Sul de 17.09.2015, proc. n.º 12444/15, por nós relatado).

Posto isto, é tempo de verificar se este tribunal de recurso está em condições de conhecer em substituição. E está.

Com efeito, por via da alegação recursória a ora Recorrente manifestou já a sua posição relativamente à resposta que obteve da Entidade Demandada e teve oportunidade de se pronunciar relativamente ao teor da mesma em face do pedido procedimental de referência, o que fez extensa e circunstanciadamente. Donde, estar devidamente assegurado um contraditório pleno, sendo que nada mais importa determinar e provar.

Neste ponto, tal como referido pelo Ministério Público, da análise dos documentos identificados em 5 do probatório supra fixado, constata-se a falta das folhas referidas pela requerente, ou seja de Janeiro a Junho de 2005, Dezembro de 2010, Janeiro, Fevereiro e Setembro de 2011, Junho de 2012 e Março, Dezembro de 2010, Janeiro, Fevereiro e Setembro de 2011, Junho de 2012 e Março, Abril e Maio de 2015. Sendo assim, considerando pedido formulado e confrontando-se com os elementos recebidos pela Requerente e ora Recorrente, resulta que o pedido não foi integralmente satisfeito.

Ora, dúvida não existe relativamente ao regime jurídico aqui em causa. Dispõe o n.º 1 do artigo 104.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) que quando não seja dada integral satisfação aos pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a correspondente intimação, sendo que, nos termos do artigo 105.º do CPTA, a intimação deve ser requerida ao tribunal competente no prazo de 20 dias, a contar da verificação de qualquer dos factos descritos nas três alíneas do mesmo preceito (decurso do prazo legalmente estabelecido, indeferimento do pedido ou satisfação parcial do pedido).

O direito que a ora Recorrente vem exercer com a presente intimação é, basicamente, o direito à informação, consagrado nos n.ºs 1 e 2 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa. Este direito pertence, no entendimento unânime da jurisprudência e da doutrina, ao catálogo dos direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, estando, dessa forma, sujeito ao regime do artigo 18.º da CRP (cfr. Mário Esteves de Oliveira e Outros, Código do Procedimento Administrativo comentado, 2.ª ed. Coimbra, 1997, p. 322; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 934).

Na situação objecto dos autos, que se insere no âmbito do direito à informação procedimental, verifica-se que, ao que aqui importa, a Demandada não deu satisfação à pretensão da Requerente no sentido de lhe ser prestada as informações e acervo documental que peticionara. Na verdade, na sequência do que se vem de dizer, do probatório nada consta que permita concluir pela efectiva satisfação integral do solicitado pela Requerente, sendo que nenhuma justificação foi avançada para as omissões referidas e por nós já identificadas. Ou seja, em suma, compulsados os autos, mormente os documentos identificados em 5. supra, conclui-se que a solicitação administrativa de referência se encontra por satisfazer, nada vindo alegado que a tal possa obstar

Concluindo, tudo visto, deve a Entidade Demandada, o INEM ora Recorrido, prestar a informação requerida em falta e objecto da presente intimação. Para tanto, julga-se como adequado, considerando as diligências administrativas que os serviços terão que desenvolver (pesquisas em arquivo, cópia e correspondente certificação dos elementos encontrados) a fixação de um prazo de 10 dias para o efeito.

Por outro lado, caso não exista registo da assiduidade da ora Recorrente nos períodos assinalados, não sendo assim possível produzir a certificação requerida (que é sempre de documentos existentes), de igual modo deverá a Entidade Requerida disso dar devida nota.


III. Conclusões

Sumariando:

i) O princípio do contraditório implica que o juiz não deve decidir qualquer questão, de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre ela se pronunciar, destinando-se a evitar decisões-surpresa (art. 3.º, n.º 3, do CPC).

ii) A decisão de extinção da instância proferida pelo Tribunal a quo constitui uma decisão surpresa, violadora do princípio do contraditório, se o requerente não foi notificado de um documento onde era afirmado que o pedido de informação oportunamente formulado havido sido prestado e em que o Tribunal se baseou para concluir terem sido prestadas ao requerente as informações solicitadas.

iii) Influindo no exame e na decisão da causa, essa omissão consubstancia uma nulidade processual secundária (cfr. art. 195.º, n.º 1, do CPC), o que, nos termos do art. 195.º, n.º 2, do CPC implica a anulação de todo o processado a partir do momento em que a mesma se verificou, ou seja, imediatamente antes da decisão recorrida, o que tem como efeito a anulação desta.

iv) Tendo a Recorrente, no recurso interposto, tomado posição circunstanciada sobre a informação carreada nos autos pelo ora Recorrido, estando assim assegurado o seu direito ao contraditório, nada mais importando determinar, está este tribunal superior em condições de conhecer do mérito da causa.

v) Resultando provado que o direito à informação não se encontra integralmente satisfeito, faltando elementos cuja solicitação administrativa de referência abrangia, tem que proceder a intimação para a prestação da informação e passagem de certidão oportunamente requeridas.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- Conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida; e, em substituição,

- Intimar a Entidade Demandada, o INEM, na pessoa do seu presidente, a prestar a informação solicitada, o que se concretiza pela certificação do registo de assiduidade em falta conforme supra explicitado, para o que se fixa um prazo de 10 dias.

Adverte-se que, em caso de incumprimento injustificado, poderá ser determinada a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias e o apuramento da responsabilidade civil, disciplinar e criminal a que haja lugar (art. 108.º, n.º 2, do CPTA).

Custas pelo Instituto Nacional de Emergência Médica, I.P. (INEM).

Lisboa, 1 de Junho de 2017



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Pedro Marchão Marques


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Helena Canelas


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Cristina Santos