Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12073/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:05/14/2015
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; VÍCIOS DO ACTO IMPUGNADO; ANULABILIDADE; PRAZO; EXTINÇÃO DO PROCESSO CAUTELAR; INUTILIDADE
Sumário:i) Sendo invocados pelo requerente de uma providência cautelar vícios que apenas podem conduzir à anulabilidade do acto impugnado, a acção principal tem de ser intentada no prazo de três meses após o seu conhecimento (cfr. artigo 58.º, n.º 2, alínea b), do CPTA).

ii) A falta da apresentação da acção principal no prazo legal importa a extinção da acção cautelar, por inutilidade superveniente da lide, por falta de utilidade da providência, por o processo principal do qual depende não ter sido apresentado atempadamente
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Maria …………………. (Recorrente) interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou extinta a instância cautelar por inutilidade superveniente da lide por não ter sido intentada a acção principal no prazo de 3 meses.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

101º) O raciocínio do tribunal a quo está errado.

102º) Estão cm causa a violação de princípios constitucionais previstos nos art. 266º /2 e 268º/3 da Constituição da República.

103º) Violação essa que se traduz na nulidade do acto administrativo praticado.

104º) Devendo ser incluída no regime do art. 133°/2/alínea D) do CPA.

105º) Neste sentido Mário Esteves de Oliveira/ Pedro Costa Gonçalves/J. Pacheco Amorim. Código do Procedimento Administrativo comentado. 2ª edição, Coimbra. 1997. págs. 646.647.

106º) É esta a nossa posição.

107º) O novo CPA que vai entrar em vigor dentro de dias vem robustecer os valores constitucionais da Igualdade, Imparcialidade, Justiça.

108º) Há uma intenção clara do CPA em robustecer estes valores constitucionais, visando o respeito profundo pela Nossa Constituição da República.

109º) Não estamos perante um vício de incompetência absoluta.

110º ) O único despacho que o Recorrente tem conhecimento, diz respeito tão-só à subida de escalão na Carreira de Inspeção e Fiscalização.

111º ) O Recorrente desconheceu por completo o convite para Subdirector da DR LVTA.

112º ) A Recorrente sempre foi a pessoa mais habilitada para o cargo e com mais antiguidade na carreira. cf. art. 23 e doc. 11 junto à P I.

113 º) O DN do SEF sempre preferiu contactos pré-selecionados, sem qualquer critério de legalidade.

114º ) A Recorrente somente vem a saber de vaga através de terceiros.

115º) A Recorrente foi literalmente excluída do pré-convite e nomeação subsequente.

116º) O R equerido SEF não junta aos autos qualquer prova segura em sentido contrário.

117º) Não existe nos autos uma única prova de contato feito à Autora, aqui Recorrnte ou por carta, ou até telefonicamente.

118º) O comportamento do SEF é grave porque viola claramente regras básicas de um Estado de Direito.

119º) Não há igualdade de tratamento relativamente à Autora, aqui Recorrente.

120º) Solicitou uma audição em juízo a qual foi -lhe negada.

121º) Não está em causa uma mera falta de fundamentação de um acto praticado.

122º) É algo mais grave.

123º) O acto de proposta, nomeação traduz um comportamento despótico do Director Nacional do SEF.

124º) Do processo instrutório resulta que não existe qualquer tipo de respeito pelos critérios de Justiça, Imparcialidade, Igualdade, plasmados nos art.s 13º e 266º 2 todos da Lei Máxima.

125º) O gabinete Jurídico refere que os Inspectores Superiores são potenciais candidatos.

126º') A nomeação traduz uma denegação, em absoluto, das regras fundamentais da Constituição da República, do Estado de Direito.

127°) A Autora, aqui Recorrente, não tem possibilidade de concorrer sequer.

128º') É por demais evidente a Desigualdade, Parcialidade, Injustiça na nomeação.

129º) Mais do que anulabilidade, existe nulidade do acto praticado.

130º) Estão cm causa valores constitucionais.

131º') Há erro na fundamentação da sentença.

132º) A violação de princípios constitucionais produz o mesmo efeito que a violação de direitos fundamentais para efeitos de art. 133º/2/D ) do C PA.

133º ) É o entendimento de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, Pacheco Amorim.

134º) A falta de fundamentação cai no regime da nulidade previsto no arte 133/2/D do CPA, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República anotada.

135º) Interpretação contrária padece de inconstitucionalidade.

136º) O tribunal o quo incorreu em erro de julgamento.

137º) Pois foi imputada, por várias vezes, a nulidade do acto praticado.

138º) Tendo a Recorrente imputado ao acto impugnado a violação do disposto na alínea D) do nº 2 . art. 133º CPA, não pode proceder a exceção do direito à caducidade.

139º) Existe uma violação Grave do princípio da igualdade.

140º ) A Recorrente é literalmente ignorada, afastada ab initio de todo o processo.

141º) A Recorrente solicitou o seu depoimento de parte para esclarecer factos.

142º) Todas as pessoas têm a mesma dignidade humana e social.

143") O princípio da igualdade é um guarda flanco dos direitos sociais.

144º) A Recorrente nem sequer foi contactada telefonicamente ao contrário dos seus Colegas Inspetores Superiores.

145º) A Recorrente está pagar um preço altíssimo por ter sempre recusado compactuar com Injustiças.

146º) A Autora é um dos elementos mais activos no SEF para desempenhar cargos de chefia.

147) O acto de nomeação obrigatoriamente deve ser enquadrado no regime da nulidade por violação de direitos constitucionais.

148º) A ação principal deve se intentada depois do desfecho da presente providência cautelar.

149º) E no prazo de três meses a contar o trânsito em julgado.

150º) Aplica-se o regime previsto no nº 2 do art. 123º CPTA.

151º) Admitimos alguma ambiguidade na interpretação, ou acto anulável, ou nulo.

152º) A Recorrente teria sempre até um ano para intentar a ação principal por via do n.º 4, alínea b) do art.º 58° do CPTA.

153º) Lamentável que o tribunal a quo não tenha dada a oportunidade à Recorrente para depôr.

154º) Encontram-se violados os artigos 13º. 266º.2, 268º.3 todos da Constituição da República, bem como os artigos 133º, 134º, todos do CPA.

Termos em que

A) Deve ser revogada a sentença do Tribunal a quo.

B) Deve ser procedente e por provada a presente providência cautelar.

C) Deve ser decretado a nulidade do acto administrativo praticado.

D) Por consequência dever ser dada a possibilidade à ora Recorrente de interposição da acção principal à posteriori e no prazo de três meses a contar do trânsito em julgado da mesma nos termos do art. 123.º/2 do CPTA.

E) À cautela e dado o carácter ambíguo do acto praticado até um ano de prazo para interposição da ação principal nos termos do art. 58º/4/B do CPTA.

F) A Recorrente deverá ser admitida a depor em juízo.

Assim se fará Justiça!



O Ministério da Administração Interna (Recorrido) contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.


Neste Tribunal Central Administrativo, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.


Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao ter concluído ter ocorrido a causa de caducidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 123.º do CPTA, no decurso do processo cautelar, o que inviabilizaria o futuro decretamento da providência cautelar requerida, com a consequente inutilidade superveniente da lide.



II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

A. Em 30/07/2014, A Requerente enviou e-mail à Entidade Requerida com o seguinte teor:

“ Imagem”

(cfr. Doc. junto com o R.I. que ora se dá por integralmente reproduzido);

B. Em 31/07/2014, a Entidade Requerida respondeu por e-mail ao indicado na alínea anterior, do qual consta o seguinte:

“ Imagem”

(cfr. Doc. junto com o R.I. que ora se dá por integralmente reproduzido);

C. Em 05/08/2014, pelo Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras foi proferido despacho n.º 27/2014, com o seguinte teor:

“ Imagem”

(cfr. Doc. junto com o R.I. que ora se dá por integralmente reproduzido);

D. A Requerente dirigiu requerimento ao Sr. Director Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras requerer informação nos termos do art.º 61º do C. P. A e o seu provimento para o cargo de Subdirectora Regional de Lisboa e Vale do Tejo do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (cfr. Doc. junto com o R.I. que ora se dá por integralmente reproduzido);

E. Em 25/08/2014, a Requerente dirigiu exposição a S. Ex.ª. o Ministro da Administração Interna, da qual consta, nomeadamente, o seguinte:

“ Imagem”


(cfr. Doc. junto com o R.I. que ora se dá por integralmente reproduzido);

F. Em 03/09/2014, a Entidade Requerida dirigiu ofício n.º 947/GRH/2014 com o seguinte teor:


“ Imagem”

(cfr. Doc. junto com o R.I. que ora se dá por integralmente reproduzido);

G. 08/08/2014 pelo Secretário de Estado da Administração Interna

H. foi proferido despacho n.º 11220/2014, publicado n Diário da República, 2ª série, n.º 171, de 5 de Setembro com o seguinte teor:


“ Imagem”
(cfr. Doc. junto com o R.I., que ora se dá por integralmente reproduzido);

I. Em 11/09/2014, pelo Coordenador do Gabinete de Recursos Humanos, foi enviado à Ilustre Mandatária da Requerente, ofício n.º 975/GRH /2014, com o seguinte teor: “Incumbe-me o Sr. Director Nacional, em resposta ao solicitado, de informar que a fundamentação à nomeação para o cargo de Subdirector Regional da DRLVTA e que recaiu na Inspectora Superior Paula ……………., de acordo com o regime legal que lhe é aplicado, se encontra publicitado e fundamentado conforme despacho n.º 11220/2014, do Exm.º Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, publicado em Diário da República, 2ª série, n.º 171 de 5 de Setembro.” (cfr. P.A apenso, a fls. 16, que ora se dá por integralmente reproduzido);

J. Em 18/09/2014, foi assinado o aviso de recepção para notificação da Requerente do despacho referido na alínea precedente (cfr. P.A apenso, a fls. 18, que ora se dá por integralmente reproduzido);

K. Os presentes autos foram apresentados neste Tribunal em 14/10/2014 por e-mail (cfr. fls. 3 dos autos em suporte de papel);

L. Até à presente data, a ora Requerente não intentou a acção administrativa especial de impugnação do despacho referido em G) – cfr. SITAF e informação de fls. 481 dos autos em suporte de papel.



Não foram fixados factos não provados com interesse para a discussão da causa.

II.2. De direito

A Recorrente, não discutindo a factualidade que vem fixada, insurge-se contra a sentença do TAC de Lisboa que, classificando os vícios imputados ao acto suspendendo cuja providência cautelar foi requerida como meramente geradores de anulabilidade e considerando que a Requerente não havia interposto, dentro do prazo de três meses, a acção administrativa especial para anulação desse acto, julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide.

Para assim decidir, a Mma. Juiz a quo exarou o seguinte discurso fundamentador que aqui transcrevemos nas partes relevantes:

À instrumentalidade é associada a provisoriedade, que se traduz na precariedade dos efeitos da decisão cautelar, que sempre se encontram dependentes do julgamento do processo principal.

In casu, de uma leitura atenta do R.I., resulta que a Requerente invoca que o acto ora sindicado padece do vício de incompetência absoluta, sendo por essa razão nulo e, bem assim, do vício de falta de fundamentação, sendo, por esse motivo, anulável.

Vejamos.

No que ao alegado vício de incompetência absoluta diz respeito, invoca a Requerente que:

-“foi colocada por despacho Senhor Director Nacional do SEF na Direcção Regional de Lisboa, Vale do Tejo e Alentejo aquando da conclusão da sua missão de serviço como Oficial de Ligação de Imigração em Cabo Verde, com início em 01/11/2013.

-Em Agosto de 2014 o cargo de Subdirector da DRLVTA ficou vago com a cessação de funções de uma Inspectora Superior, não tendo sido tornada pública a existência da vaga, nem tendo sido tornado público o convite para preenchimento da mesma, optando o Director Nacional do SEF por contactos selectivos, amiúde e sem critérios, junto de alguns –inspectores Superiores que terão recusado essas fases.

-A aqui R. foi excluída de ambas as fases, do pré-convite e do convite e nomeação subsequentes.

-Tendo, ainda assim, a Requerente tido conhecimento da existência da vaga, questionou o Coordenador do Gabinete de Recursos Humanos do SEF, sobre a existência de critérios de escolha e se o convite seria difundido.

-Não obteve a aqui R. resposta alguma, a não ser que haveria uma nomeação pelo Exm.º Secretário de Estado da Administração Interna, omitindo o facto que antecede essa nomeação, i.e, uma escolha sob proposta fundamentada pelo Director Nacional do SEF.

(…)

A incompetência traduz-se na prática de acto por órgão que, para efeito, não dispõe de poder legal (cfr. Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, 1999, pág. 105 e 180; Prof. Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, vol. 1º, pág. 376)

Contudo, a incompetência pode ser absoluta ou relativa. A incompetência absoluta consubstancia-se na prática por um órgão de uma pessoa colectiva pública de um acto incluído nas atribuições de outra pessoa colectiva pública ou de um ministério, no caso da pessoa colectiva Estado. Se é um órgão que pratica um acto administrativo da competência de outro órgão da mesma pessoa colectiva estamos perante a hipótese de incompetência relativa (Prof. João Caupers, Direito Administrativo. 186).

A incompetência absoluta (ou por falta de atribuições) é a mais grave, visto que traduz uma actuação que se não prende com os fins postos a cargo da pessoa colectiva pública cujo órgão ou agente praticou o acto; a incompetência relativa (ou incompetência por falta de competência) significa que, muito embora o acto se prenda com a prossecução de atribuições da pessoa colectiva, a lei não confere tal poder de agir ao órgão que o praticou (Prof. Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, Vol. 1º, pág. 377).

Assim, o artigo 133º nº 2 al. b) do CPA fere de nulidade os atos praticados com o vício de incompetência absoluta; todavia, os atos praticados com o vício de incompetência relativa são meramente anuláveis (art.º 135º do CPA).

Ora, tem sido adoptado entre nós um conceito de causa de pedir conforme à teoria da substanciação, devendo entender-se como tal o facto jurídico concreto, devidamente consubstanciado no espaço e no tempo, de que procede o efeito que se pretende fazer valer com a acção – art.º 581º, n.º 4 do C.P.C.

Assim, a Requerente tem o ónus de alegar os factos que consubstanciam os vícios arguidos, sob pena de o Tribunal não os poder conhecer por carência de causa de pedir.

Por outro lado, nem tão pouco constitui forma atendível de efectuar a arguição de um vício de violação de lei, a mera invocação do preceito legal pretensamente violado, desacompanhada da especificação das razões pelas quais a Requerente sustenta que o acto impugnado violou essa disposição legal.

Nessa medida, de uma leitura atenta da P.I. não se vislumbram as razões de facto em que assenta a arguição do vício de incompetência absoluta, aduzido pela Requerente.

Com efeito, a Requerente não invoca factos consubstanciadores do aduzido vício de incompetência absoluta.

Ao invés, alega a Requerente que o Sr. Coordenador do Gabinete de Recursos Humanos do SEF omite que o “Exm.º Sr. Secretário de Estado da Administração Interna profere despachos de nomeação de quadros dirigentes apenas e mediante proposta do Director Nacional do SEF (…)”, sendo que a presente instância cautelar é apresentada “previamente à instauração do processo principal, o qual consistirá na impugnação da escolha feita por convite por parte do Sr. Director Nacional do SEF (…)” (cfr. art.º 1. do ponto I e art.º 10º do ponto II. Do R.I. aperfeiçoado).

Donde, se conclui que a Requerente assaca a prática do acto impugnado a quem invoca ter competência para tanto, incorrendo em contradição com o vício por si arguido.

Ainda que assim não se entendesse, sempre se dirá que, a verificar-se o aduzido vício de incompetência, esta sempre seria relativa e não absoluta, porquanto estarmos perante um acto administrativo praticado no âmbito da mesma pessoa colectiva pública, sendo consequentemente, anulável, nos termos do art.º 135º do C.P.T.A.

Por outra banda, imputa a Requerente o vício de falta de fundamentação ao acto suspendendo.

(…)

Os normativos ora reproduzidos correspondem ao cumprimento da directiva constitucional decorrente do actual art.º 268.º, n.º 3 da CRP no qual se consagra o dever de uma fundamentação “expressa” e “acessível”.

A fundamentação deve ser tal que permita a um destinatário médio do acto em presença “a reconstituição do iter cognoscitivo e valorativo” do órgão decisor, de forma a que se perceba os motivos que o levaram a decidir como decidiu – “um acto estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão e das razões que a sustentam, permitindo-lhe apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, e optar conscientemente entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação” - Acórdão do STA de 02/12/2010, recurso nº 0554/10, disponível in www.dgsi.pt.

Na mesma linha leia-se ainda o Acórdão de 15.11.1990, do Pleno do STA, in AD 364, pág. 517 do qual se transcreve o ponto III do sumário: ¯ “(...) Não há ausência de fundamentação de facto e de direito da decisão quando da construção lógica desta se depreende a motivação do decidido – al. b) do nº 1 do art. 668º do Código de Processo Civil “.

Também no mesmo sentido, afirma Vieira de Andrade in “O Dever de Fundamentação dos Actos Administrativos, Almedina, 1991, pág. 232 e seguintes que “muito embora se saiba que a fundamentação é um conceito relativo, e que varia com o tipo legal de acto, além de poder ser remissiva, também é certo que a mesma deve ser clara, suficiente e congruente, traduzindo-se num discurso justificativo isento de formulações ambíguas, imprecisas ou meramente conclusivas”.

Nos presentes autos, assaca a Requerente a falta de fundamentação ao acto suspendendo.

Ora, a verificar-se o sobredito vício, qual a consequência jurídica a extrair de tal facto?

Em primeiro lugar, será de referir que a nulidade dos actos administrativos só se verifica nos casos expressamente determinados na lei – vide artº 133º do CPA – , sendo a sanção referente à invalidade do acto administrativo, em regra, a anulabilidade.

Sustenta o Acórdão do TCA Sul, de 2005.03.31, rec. nº 00634/05, in www.dgsi.pt que “conforme preceituado no artigo 133° do CPA, a sanção da invalidade do acto administrativo é, em regra, geradora de anulabilidade, e não de nulidade. Esta só se verifica nos casos expressamente previstos na lei, ou resultantes dos princípios gerais, não se podendo permitir o alargamento do seu regime. No mesmo sentido, vide, entre outros, o A. do T.C.A. Norte de 09/06/2010, in rec. 00007/09.2 BEMDL, o Ac. do S.T.A. de 07/11/2012, in rec. 0824/12 e o A. do T.C.A. Norte de 25/02/2011, in rec. 02382/07, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

De igual modo, segundo Freitas do Amaral in Curso de Direito Administrativo, Vol II, Almedina, 2001 “a regra no Direito Administrativo português é de que todo o acto administrativo inválido é anulável; só excepcionalmente é que o acto inválido é nulo”.

Por outro lado, também Vieira de Andrade, in “O dever de fundamentação dos actos administrativos” justifica a solução da anulabilidade, decorrente da falta de fundamentação. Anulabilidade essa, que a Requerente afirma pretender (cfr. art.º 145º a 153º do seu R.I. aperfeiçoado).

Assim, os vícios imputados ao acto suspendendo suja providência cautelar vem requerida, a existirem, serão meramente geradores de anulabilidade (cfr. art. 135º do Código do Procedimento Administrativo).

Ora, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de três meses, o qual corre a partir da data da notificação ao seu destinatário (cfr. n.º 1 do artigo 59.º do CPTA).

Ora, resulta da factualidade indiciariamente assente que em 11/09/2014, a Entidade Requerida enviou à Ilustre Mandatária da Requerente, por carta registada com aviso de recepção, ofício n.º 975/GRH /2014, para notificação do acto suspendendo, tendo o aviso de recepção sido assinado em 18/09/2014.

Pelo que, nos termos do art.º 70º n.º 1, al. a) do C.P.A., a Requerente se considera notificada na data de assinatura do aviso de recepção, ou seja, em 18/09/2014.

Pelo que, até à presente data e após ter sido efectuada consulta ao SITAF, na sequência da informação prestada pela Unidade Orgânica onde se verificou que não foi interposta a acção principal de que depende o presente processo cautelar, considerando os vícios invocados em sede de requerimento inicial, já se encontra decorrido o prazo de três meses para intentar a respectiva acção administrativa especial de impugnação.

Dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 123.º do CPTA que as providências cautelares caducam se o requerente não fizer uso, no respectivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adopção de providência cautelar se destinou.

Assim, se a providência cautelar requerida – suspensão de eficácia de acto administrativo - já tivesse sido decretada caducaria porque a Requerente não interpôs, dentro do prazo de três meses, a acção administrativa especial para anulação desse acto.

Concomitantemente, no caso sub judice a questão que cumpre apreciar é a de saber que consequência tem a verificação de uma causa de caducidade da providência no decurso do processo cautelar.

O Código do Processo Civil, no seu artigo 373.º, prevê expressamente, a par da previsão da extinção do procedimento cautelar, a caducidade da providência cautelar. Como refere António Santos Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, Almedina, 2000, pág. 270. “ Embora fundadas nos mesmos pressupostos, reflectem uma clara distinção que o legislador pretendeu fazer. Com efeito, enquanto a primeira se dirige à instância procedimental, como relação jurídico-processual integrada por um complexo de actos interligados entre si e obedecendo a uma determinada ordem sequencial, já a segunda respeita à medida concretamente decretada no âmbito do procedimento, como forma de tutela imediata do direito substantivo emergente da relação jurídica invocada”.

Esta consagração expressa, da extinção do procedimento cautelar, tem, contudo, somente “o sentido útil de expressar a evidência de que, mesmo que a providência não tenha sido decretada, a ocorrência da causa de caducidade, inviabilizando o seu futuro decretamento, designadamente em recurso pendente da decisão que a haja recusado, torna inútil o procedimento cautelar ainda em curso, o qual, por isso, sempre se extinguiria nos termos do art. 287-e.” do CPC – José Lebre de Freitas e Outros in Código do Processo Civil Anotado, Volume 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 51.

Em conclusão, a ocorrência da causa de caducidade, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 123.º do CPTA, no decurso do processo cautelar, inviabilizará o futuro decretamento da providência cautelar requerida, o que a torna inútil.

Termos em que se decide julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do Código do Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 1.º do CPTA.

E o assim decidido é de manter.

Com efeito, sendo invocados pelo requerente de uma providência cautelar vícios que apenas conduzem à anulabilidade do acto impugnado, como é o caso, a acção principal tem de ser intentada no prazo de três meses após o seu conhecimento (cfr. artigo 58.º, n.º 2, alínea b), do CPTA). É certo que a Recorrente vem defender que os vícios que alegadamente afectam o acto suspendendo conduzem à sua nulidade e que portanto a situação se deverá enquadrar no n.º 2 do artigo 123.º do CPTA. Mas não tem razão.

Verificado o requerimento inicial verificamos que a ora Recorrente alegou que “o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo é apresentado previamente à instauração do processo principal, o qual consistirá na impugnação da escolhe por convite, sem respeito pelos critérios de antiguidade, categoria e experiência profissional, para preenchimento da vaga do cargo de Subdirector da Direcção Regional de Lisboa e Vale do Tejo, publicada através do despacho n.º 11220/2014, DR 2.ª Série, de 5 de Setembro de 2014”. Mais esclarecendo, na sequência de notificação judicial para aperfeiçoamento da petição, que “a acção que se pretende intentar, nos termos e para o disposto na alínea no n.º 3 alínea e) no art. 114.º, é uma ação administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos, ou seja pretende-se anular em acção administrativa especial o acto administrativo praticado pelo DN de nomeação da atual Subdirectora junto à DRLVTA [sublinhado nosso]” (cfr. fls. 282).

Como fundamentos da impugnação, a Recorrente alegou que “no caso em apreço, é possível formular um juízo de prognose, afigura-se como muito provável que o acto administrativo em causa possa vir a ser anulado por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito” (cfr. art. 96º do r.i.); que “a nomeação da actual subdirectora está viciada de raiz ab initio devendo ser declarada nula, cfr. art. 133º do CPA” (idem, art. 116.º); que há “nulidade do ato por incompetência absoluta” (idem, art. 126.º); que “a falta de fundamentação de um acto que implica a revogação de acto administrativo anterior e que afecta interesses legalmente protegidos, consubstancia uma violação de lei” (idem, art. 147.º); que “o acto em causa ofende princípios e normas jurídicas fundamentais, estando inquinado de vícios que conduzem à sua anulabilidade nos termos do previsto no art. 135.º do CPA” (idem, art. 148.º), e que “o acto cuja suspensão se requer, requer-se precisamente porque o Exmo. Senhor Director Nacional do SEF, corporizando na sua pessoa/função a Administração Pública, ofendendo claramente o princípio da igualdade a que a Administração Pública está obrigada, vd art. 5º do CPA.// Pelo que deve ser nos termos do art. 135º do CPA, anulada” (idem, art.s 152-153).

Ora, independentemente da confusão de conceitos jurídicos que o requerimento inicial espelha, o que se retira da alegação da ora Recorrente vertida no requerimento inicial, é que, para si, o acto suspendendo/impugnado é inválido porque não está fundamentado, padece de incompetência absoluta, está afectado por erro nos pressupostos de facto e viola o princípio da igualdade e da confiança. E relativamente a esta matéria, isto é, da classificação dos vícios alegados como susceptíveis de afectar a validade do acto suspendendo, entendemos que o Tribunal a quo deu resposta adequada e suficiente (v. supra), nada mais havendo a acrescentar.

E apesar de no articulado de fls. 517 e s., a ora Recorrente ter defendido que a violação de princípios constitucionais tem a mesma consequência jurídica que a ofensa de direitos constitucionais, o que reitera no presente recurso, certo é que não vem minimamente demonstrado que o acto suspendendo ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental – no caso, seria o de acesso à função pública. É que, como ensinam Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco Amorim (in Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª ed., 1997, p. 646): “Para que o acto administrativo que os viole [os direitos, liberdades e garantias] sofra de nulidade exige-se, no entanto, que essa violação ponha em causa o «conteúdo essencial», o «núcleo duro» do respectivo direito. Caso contrário a sanção adequada será a da anulabilidade”. Na verdade, perscrutando a alegação que sobre esta matéria é efectuada no requerimento inicial, o que se observa é que a Recorrente repousou a sua arguição numa alegada e profusa ofensa de direitos e/ou princípios constitucionais – igualdade, imparcialidade, justiça, dever de fundamentação, tutela da confiança – mas tal não basta para gerar a nulidade do acto administrativo, em face da previsão normativa contida nas diversas alíneas do art. 133.º do CPA (na redacção então vigente).

Neste ponto, tem inteiro cabimento o referido pelo Ministério Público na sua pronúncia, concluindo que em caso de nulidade assacada ao acto que não é manifesta, não se pode aplicar o n.º 2 do art. 123.º do CPTA. Como aí se advoga, competia à Recorrente demonstrar a manifesta nulidade do acto suspendendo, o que não aconteceu. Sendo que, ao invés, como demonstrado na sentença recorrida, o acto em causa será meramente anulável – aliás, o regime regra –, atendendo a que é sim manifesto que não existe incompetência absoluta do Autor do acto para a sua prática (falta de atribuições – art. 133.º, n.º 2, al. b) do CPA), que a falta de fundamentação só em casos de total ausência da mesma poderá consubstanciar a violação do núcleo essencial deste direito fundamental. Para além de que, quanto aos demais princípios constitucionais invocados, a Recorrente quedou-se por generalidades e por apresentação de posições doutrinais, sem ancorar devidamente a meramente alegada violação desses princípios fundamentais no seu caso particular.

Consequentemente, a acção principal tinha de ter sido intentada no prazo de três meses após o conhecimento do acto suspendendo, o que como provado não se verificou (cfr. art. 58.º, n.º 2, alínea b), do CPTA).

Vejamos agora, estabelecida esta primeira conclusão, do acerto da sentença recorrida quanto aos efeitos a tirar para o processo desta inacção da Requerente da providência, que, como se viu, não intentou a acção principal no prazo legalmente previsto de 3 meses. E também aqui a decisão recorrida é acertada.

A previsão da al. a) do n.º 1 do artigo 123.º do CPTA, da caducidade da providência cautelar, pressupõe que a providência requerida já tenha sido decretada, pois, caso esta ainda não tenha sido decretada, como é o caso, a verificação da situação prevista nesta al. a) antes conduzirá à extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.

Com efeito, e conforme se escreveu no Ac. do STA de 24.8.2011, proc. n.º 646/11:

“(…) no caso sub judice (…) não foi decretada qualquer providência cautelar, motivo por que não pode colocar-se a questão da caducidade da mesma. Concedemos que o campo de aplicação do art. 123.° do CPTA se restringe às providências já decretadas, ou seja, não pode declarar-se a caducidade de uma providência que ainda não foi decretada. Mas nada obsta e, pelo contrário, impõe-se que o tribunal, quando da apreciação do processo cautelar, verifique se caducou já o direito de acção relativamente ao pedido a formular na acção principal. Na verdade, verificada que esteja a falta do «uso, no respectivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adopção de providência cautelar se destinou», a apreciação do processo cautelar deixará de revestir qualquer utilidade pois, mesmo que eventualmente viesse a ser decretada a providência, de imediato teria que se declarar a sua caducidade nos termos da alínea a) do n.° 1 do art. 123.° do CPTA.

Nessa situação, o procedimento cautelar extingue-se, a nosso ver, por inutilidade superveniente da lide (cfr. art. 287.°, alínea e), do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA) (É certo que no art. 123.°, n.° 1, do CPTA («As providências cautelares caducam»), contrariamente ao que sucede no n.° 1 do art. 387.(1) do CPC («O procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca»), não se alude à extinção do procedimento cautelar, mas apenas à caducidade da providência. A nosso ver, não pode retirar-se dessa diferença de redacções qualquer argumento no sentido de que o processo cautelar regulado pelo CPTA não haja de se extinguir nos casos em que, verificadas as circunstâncias previstas no n.° 1 do art. 123.° do CPTA, a providência não tenha ainda sido decretada. Essa diferença justifica-se porque no CPTA o legislador terá entendido que não era exigível referência expressa à extinção do processo para as situações em que a providência não tinha sido ainda decretada porque essa extinção resulta já das regras gerais da extinção da instância por inutilidade superveniente.).

Assim, sempre haverá o tribunal que averiguar da verificação dos pressupostos que determinariam a caducidade da providência cautelar cujo decretamento é pedido, designadamente os da citada alínea a) do n.° 1 do art. 123.° do CPTA.” Na verdade, não fará sentido que o tribunal prossiga os autos cautelares para prolação de uma decisão de mérito em termos cautelares, quando, na hipótese de ela vir a ser favorável à requerente, haveria que a declarar logo caduca, precisamente por então não existir obstáculo algum a que operasse a caducidade da providência. Trata-se, como se afirmou no ac. do TCAN de 1.10.2009, proc. n.º 761/08.9BEPNF, manifestamente de situação geradora de inutilidade superveniente da lide (cfr. Acs. do STA de 09.08.2006 - Proc. n.º 0528/06, de 03.10.2006 - Proc. n.º 0598/06, de 12.12.2006 (Pleno) - Proc. n.º 0528/06, de 06.02.2007 (Pleno) - Proc. n.º 0598/06; Ac. do TCAN de 14.04.2005 - Proc. n.º 01214/04.0BEVIS; na vigência do anterior contencioso vide também neste sentido Acs. do STA de 09.07.1996 - Proc. n.º 40484, de 04.03.1997 - Proc. n.º 41769 in: Ap. DR de 25/02/1999, p. 1739 e segs.) . Neste sentido, também os acórdãos deste TCAS de 5.06.2014, proc. n.º 11101/14, e de 20.03.2014, proc. n.º 10804/14, apenas para citar os mais recentes.

Perante o que se vem de dizer facilmente se alcança que não faz sentido a alegação da Recorrente de que lhe deve ser dada a possibilidade de interposição da acção principal a posteriori e no prazo de três meses nos termos do art. 123.º, n.º 2, do CPTA. O n.º 2 deste artigo 123.º prevê um regime que impõe a quem tenha obtido uma providência cautelar o dever de intentar o processo principal dentro de um prazo, que fixa em três meses, contados desde o trânsito em julgado da decisão que concedeu a providência cautelar. Ora, se no caso que nos ocupa não foi concedida qualquer providência, não é possível, por não ser aplicável, convocar a disciplina jurídica prevista no apontado preceito.

Certamente por estar ciente da fragilidade da sua argumentação, vem a Recorrente por fim alegar que o acto praticado é ambíguo e que como ainda não expirou o prazo de um ano, a impugnação seria admitida, para além do prazo de três meses da alínea b) do n.º 2 do art. 58.º do CPTA.

A norma em questão do CPTA dispõe o seguinte:


ARTIGO 58 .°
Prazos

(…)

4 - Desde que ainda não tenha expirado o prazo de um ano, a impugnação será admitida, para além do prazo de três meses da alínea b) do n.º 2, caso se demonstre, com respeito pelo princípio do contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, por:

a) A conduta da Administração ter induzido o interessado em erro;

b) O atraso dever ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do acto impugnável, ou à sua qualificação como acto administrativo ou como norma;

c) Se ter verificado uma situação de justo impedimento.

(…)”

A alínea b), que foi aquela invocada pela Recorrente, reporta-se a uma situação de desculpabilidade que poderá ter por base três diferentes motivações: (i) ambiguidade do quadro normativo aplicável; (ii) existência de dificuldades quanto à identificação do acto impugnável; (iii) ou ainda quanto à qualificação jurídica desse acto.

No primeiro caso, como ensinam Mário Esteves de Oliveira e Carlos Cadilha (in Comentário ao código de processo nos tribunais Administrativos, 3.ª ed., 2010, p. 390) “estamos perante dificuldades que se prendem com a interpretação do regime legal que rege a situação sub judicio. Não basta que a questão jurídica se apresente de grande complexidade; exige-se que o próprio complexo normativo à luz do qual a questão deva ser analisada, pela sua ambiguidade, dificulte ou impeça a tomada, em tempo útil, de posição esclarecida, por parte do interessado, no sentido de concordância ou discordância com a decisão administrativa.

Desde logo a Recorrente nem sequer procura demonstrar que se verifica a ambiguidade que alega, limitando-se a afirmar que: “Admitimos alguma ambiguidade na interpretação, ou acto anulável, ou nulo.//A Recorrente teria sempre até um ano para intentar a ação principal por via do n.º 4, alínea b) do art.º 58° do CPTA”. Necessário era portanto que tivesse alegado e demonstrado que se verificava a circunstância da alínea b) do n.º 4 daquele art. 58.º e que, também em função dela, o atraso verificado não era desproporcionado; o que não fez e que, por si só, leva à improcedência da alegação.

Ora, no caso dos autos a petição inicial é omissa nesta matéria de alegação de matéria de facto susceptível de subsunção na previsão de qualquer das alíneas do art. 58.º, n.º 4, al.s a), b) c) do CPTA, que vem suscitada apenas em sede de recurso, pelo que em momento adjectivamente inadmissível na medida em que a lei é clara no sentido de que se trata de incidente a deduzir pelo Autor no próprio articulado da petição, ou seja, aquando do início da fase dos articulados (cfr., neste exacto sentido e em situação similar, o recente ac. deste TCAS de 12.02.2015, proc. n.º 11765/14).

Acresce que, e independentemente da admissibilidade da discussão desta questão nesta sede, como referem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (in Código de Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, vol. I, 2004, p. 385), ficam abrangidas pelo conceito legal as dificuldades que existam quer na busca e fixação das leis aplicáveis, quer na sua interpretação e aplicação (na subsunção dos factos na previsão legal, por exemplo), o que aqui não ocorre. Não só não se denota nenhuma dificuldade na definição do quadro normativo de referência – constitucional e ordinário – que a Recorrente entendeu como aplicável, como a aplicação do mesmo à situação concreta foi efectuada sem vislumbre de hesitação.

Razões que determinam a improcedência das conclusões de recurso e, consequentemente, do mesmo na sua totalidade.



III. Conclusões

Sumariando:

i) Sendo invocados pelo requerente de uma providência cautelar vícios que apenas podem conduzir à anulabilidade do acto impugnado, a acção principal tem de ser intentada no prazo de três meses após o seu conhecimento (cfr. artigo 58.º, n.º 2, alínea b), do CPTA).

ii) A falta da apresentação da acção principal no prazo legal importa a extinção da acção cautelar, por inutilidade superveniente da lide, por falta de utilidade da providência, por o processo principal do qual depende não ter sido apresentado atempadamente.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 14 de Maio de 2015

Pedro Marchão Marques

Conceição Silvestre

Cristina Santos