Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10/17.9BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:01/13/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:AUDIÇÃO PRÉVIA
SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO
Sumário:I. Tendo o sujeito passivo sido notificado da suspensão do procedimento inspetivo e do fim dessa mesma suspensão, num momento em que já fora notificado para o exercício do direito de audição, não tinha a AT de proceder a nova notificação para esse efeito.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 22.03.2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por A. – V. T. B., Lda (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto as liquidações de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), atinentes aos exercícios de 2010, 2011, 2012 e 2013.

Apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

I – Quanto ao facto não provado 43, dando como não provado que a administração tributária notificou as mandatárias da autora do deferimento da consulta presencial dos autos ou do indeferimento do pedido de obtenção de cópias da documentação apreendida no processo crime, refira-se que a competência para autorizar a consulta da documentação apreendida no processo crime, que é a mesma dos presentes autos, e sua comunicação aos arguidos, é do Ministério Público titular e quem dirige esse tipo de processo, não podendo a direcção de finanças competente para a investigação intervir para este efeito sem essa autorização.

II - Com efeito, no despacho de 12/04/2016, a que se refere o facto provado 27, proferido na sequência do requerimento dos gerentes da impugnante de 23/03/2016 a que se refere o facto provado 19, o MP, no exercício das suas competências exclusivas no âmbito do processo penal, não só autorizou a consulta dos autos pela impugnante e a passagem de cópias dos documentos apreendidos como também ordenou a notificação dos requerentes, gerentes da ora impugnante, cuja efectivação terá sido efectuada na mesma data de 19/04/2016 em que foi dado conhecimento à direcção de finanças competente (cfr. facto provado 28) e cuja cópia constará certamente do processo de inquérito 9/14.7TAALD a correr termos no DIAP do Fundão.

III - E no despacho de 03/05/2016, a que se referem os factos provados 32, 33 e 34, proferido na sequência do requerimento dos gerentes da impugnante como facto provado 25 e das dúvidas suscitadas pela direcção de finanças competente referentes aos factos provados 27 e 29, o MP, no exercício das mesmas competências, também autorizou a consulta dos documentos apreendidos e ordenou a notificação dos requerentes, efectivada em 12/05/2016, dando mero conhecimento do facto àquela direcção de finanças.

IV - Logo, a impugnante plausivelmente terá tido conhecimento da autorização para acesso aos autos em 19/04/2016 e com toda a certeza em 12/05/2016 para poder exercer legalmente o direito de audição, dado que o prazo para a conclusão do procedimento da inspecção tributária se encontrava suspenso nesta data e, como tal, também suspenso o prazo do direito de audição que naturalmente integra o procedimento inspectivo (cfr. factos provados 20 e 35).

V – Assim, tendo a impugnante acesso aos autos pelo menos numa das datas acima enunciadas e sabendo que dispunha de um prazo de 25 dias para exercer o direito de audição (cfr. factos provados 14 e 15), seria logo na primeira das datas que começaria a correr o termo inicial para o exercício do direito de audição cujo termo final ocorreria quando estivesse esgotado esse mesmo prazo, sem necessidade de despacho prévio da administração tributária (nº 3 do art. 121º do CPA), pois a suspensão do prazo de conclusão do procedimento inspectivo não suspendeu os actos a praticar pela entidade inspecionada no procedimento, antes pelo contrário, o procedimento foi suspenso precisamente para a impugnante poder vir a apresentar a sua defesa em audição prévia.

VI – Quanto ao probatório 44, dizendo que não se encontra provado que a administração tributária determinou a suspensão do prazo de conclusão do procedimento inspectivo cujo início e termo comunicou à impugnante pelos ofícios dos factos provados 20 e 35 até que fossem decididos os requerimentos de acesso aos autos constantes dos factos provados 16, 19 e 25, refira-se, como já se aflorou acima e consta do facto provado 20, a impugnante foi notificada no dia 04/04/2016 que o prazo para a conclusão do procedimento inspectivo se encontrava suspenso desde o dia 10/03/2016, referindo-se aqui ao prazo inicialmente comunicado e posteriormente prorrogado para 25 dias para o exercício do direito de audição prévia.

VII – Pelo que, encontrando-se suspenso o prazo para a conclusão do procedimento em causa, qualquer pessoa colocada no lugar dos gerentes da impugnante retira claramente que o prazo para o exercício do direito de audição prévia, prorrogado para de 25 dias e que antes lhe foi comunicado, se encontrava também suspenso desde o dia 10/03/2016.

VIII - E, como consta do facto provado 35, por mera cautela e em seu benefício, a impugnante foi notificada do reinício do prazo para a conclusão do procedimento inspectivo em 18/05/2016 e, como tal, integrando o direito de audição prévia e o respectivo prazo o procedimento inspectivo, qualquer pessoa colocada no lugar dos gerentes da impugnante retira claramente que o prazo para o exercício do direito de audição prévia, prorrogado para 25 dias e antes comunicado, se iria reiniciar em seu favor na mesma data de 18/05/2016, pelo que em virtude desta notificação a impugnante bem poderia exercer o direito de audição prévia até ao dia 12/06/2016, ou seja, o termo inicial ocorreu no dia 18/05/2016 e o termo final no dia 12/06/2016 (tendo-se em conta que o relatório final da inspecção tributária tem a data de 17/06/2016).

IX - Quanto ao facto alegadamente não provado 45, refira-se que o termo inicial do prazo para a audição prévia referido no despacho e ofício dos factos provados 14 e 15 antes comunicado à impugnante foi suspenso com a notificação à mesma constante do facto provado 20 e que a comunicação à impugnante do reinício do prazo para a conclusão do procedimento inspectivo constitui um termo inicial do prazo de 25 dias para o exercício do direito de audição.

X - Quanto ao facto alegadamente não provado 46, reitera-se que, nos termos dos arts. 37º e seguintes do RCPIT e arts. 36º e seguintes do CPPT, a notificação aos sujeitos passivo do relatório final da inspecção tributária sem que seja efectuada a notificação do mesmo aos mandatários não tem efeito invalidante da notificação, tanto mais que a impugnante veio a efectuar o pedido de revisão oficiosa da matéria tributável na sequência de tal notificação, pelo que, para tal, naturalmente terá contactado as suas mandatárias.

XI - Assim, a impugnante, bem sabendo que tanto por si própria como a Direcção de Finanças da Guarda se encontravam a aguardar o despacho do MP para autorizar o pleno acesso aos autos para efeitos de exercer o direito de audição prévia, optou por exercer o direito de audição por sua conta e risco na pendência do pedido de autorização logo no dia seguinte ao dia em que recebeu a notificação da suspensão do procedimento inspectivo em 04/04/2016, quando o poderia ter exercido muito mais tarde após o deferimento do pedido de acesso pleno aos autos.

XII - Aliás, como acima se disse, ainda teve dois momentos posteriores, ao dia em que inadvertidamente exerceu o direito de audição em 05/04/2016, em que poderia legalmente exercer novo direito de audição ou completar o exercício de tal direito no prazo de 25 dias que antes lhe tinha sido concedido: o primeiro momento, logo a partir do dia em que o MP lhe comunicou a primeira autorização do acesso, muito plausivelmente em 19/04/2016 ou, o mais tardar, com toda a certeza em 12/05/2016 e, o segundo momento, a partir do dia da notificação do reinício do procedimento inspectivo que ocorreu em 07/07/2016, termo inicial este que a administração tributária lhe concedeu com vista a acautelar precisamente o exercício de tal direito por parte da impugnante.

XIII - E é o próprio tribunal que admite que, nos termos do nº 3 do art. 121º do CPA, a conclusão do procedimento inspectivo (e naturalmente os prazos dos actos procedimentais, nos quais se inclui o prazo para o exercício da audição prévia) se suspendem automaticamente, i.e., sem necessidade de despacho prévio, enquanto estiver a decorrer o exercício do direito de audição prévia, que, de facto, estava.

XIV - Ora, quanto a nós, o que a impugnante pretendeu com as suas alegações foi usar as regras procedimentais com um formalismo interpretativo levado ao extremo para obter uma sentença favorável e foi por isso que, logo que no dia a seguir à notificação da suspensão do prazo para a conclusão do procedimento inspectivo, decidiu apresentar a audição prévia bem sabendo que ainda aguardava autorização para acesso aos autos e abstendo-se de apresentar nova audição prévia logo que lhe foi deferido o acesso aos mesmos, quando legalmente bem o poderia ter feito.

XV - Formalismo interpretativo extremo esse que foi, sem mais, sufragado pelo tribunal a quo, em prejuízo dos princípios basilares que informam todo o direito processual e procedimental da prevalência da apreciação da substancia e da verdade material sobre a forma e também do inquisitório, quanto à matéria dos autos, o que, quanto a nós, constitui um erro de julgamento.

XVI - Pelo exposto, deve ser revogada a sentença recorrida.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem julgar o recurso totalmente procedente, com as legais consequências.

Mais se requer, desde já, atendendo a que o valor da acção é superior a 275.000€, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6.º n.º 7 do Regulamento de Custas Processuais, tendo em consideração o valor e a natureza da causa”.

O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“1. O prazo de 25 dias para exercício de audiência prévia terminou no dia 05/04/2016;

2. A consulta da documentação apreendida à ordem do processo penal, que serviu de base à elaboração do projeto de relatório, foi autorizada por despacho do Ministério Público de 12/04/2016, mas apenas foi notificada por essa entidade aos legais representantes da Recorrida em data nunca anterior a 17/05/2016;

3. Em qualquer uma dessas datas já se encontrava ultrapassado o prazo de 25 dias para o exercício do direito de audição prévia;

4. Além disso, não se provou que a Recorrente tenha notificado a Recorrida para a consulta dos documentos, indicando, nomeadamente o prazo, local e horário para o efeito, para que se pudesse ter por cumprido o artigo 62.º, n.º 3, i), do RCPITA;

5. Assim, a Recorrida teve de apresentar audição prévia no último dia de prazo, sem prévio acesso à documentação necessária para se pronunciar convenientemente;

6. A Recorrente jamais comunicou à Recorrida a suspensão ou a interrupção do prazo de audição prévia;

7. A Recorrente limitou-se a informar a Recorrida da prorrogação do prazo de conclusão do procedimento de inspeção nos termos do artigo 36.º, n.º 4, do RCPIT, por despachos de 14/10/2015 e 14/01/2016, da suspensão desse mesmo prazo nos termos do artigo 60.º da LGT e do artigo 60.º do RCPITA, por notificação de 04/04/2016 e a informar o reinício do procedimento de inspeção, nos termos do artigo 53.º, n.º 3, do RCPITA, por ofício de 18/05/2016 (sem que antes lhe tenha sido comunicada a respetiva suspensão, que nem sequer está comprovada nos autos);

8. A suspensão do prazo de conclusão do procedimento de inspeção não implica a suspensão do prazo de audição prévia, nem a suspensão do próprio procedimento;

9. Dado o teor dos ofícios e notificações referidos, um destinatário normal não podia concluir que o prazo de audição prévia estava suspenso ou interrompido, mas apenas que teria de apresentar audição prévia no prazo de 25 dias que lhe havia sido concedido, a contar da notificação do projeto de decisão, como a Recorrida fez;

10. A Recorrente estava obrigada a notificar a Recorrida do prazo de que esta dispunha para exercer nova audiência prévia, após deferimento da consulta dos documentos, nos termos do artigo 60.º, n.º 4, da LGT;

11. A Recorrente não nega que a tal estivesse obrigada, dizendo apenas que o fez através do ofício a que se refere o facto provado 35;

12. Todavia esse ofício refere apenas a data de reinício do procedimento de inspeção, pelo que a Recorrida nunca ficou devidamente informada de que podia apresentar nova audiência prévia e do respetivo prazo, como era devido também por via do dever de cooperação previsto no artigo 9.º do RCPITA;

13. O direito de audição prévia da Recorrida foi violado, pelo que a sentença deve ser integralmente mantida.

Termos em que deve o recurso ser julgado improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, porquanto não foi preterido o direito de audição da Impugnante?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. A Autora e os respetivos gestores – L. M. A. B., A. R. C. B. e D. N. M. – foram constituídos arguidos pela suspeita da prática de crime de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais, no âmbito do processo de inquérito que se encontra a correr termos no DIAP do Fundão, sob o n. 9/14.7TAALD [artigo 10.º da petição inicial].

2. Por despacho proferido a 12.12.2014 no processo de n.º 9/14.7TAALD, foi determinada a apreensão de toda a documentação contabilística da Autora e outra que se encontrasse em suporte de papel, bem como em suporte digital, nos seus computadores e locais de trabalho dos respetivos colaboradores – cfr. o documento n.º 1 junto com a petição inicial [10.º e 11.º da petição inicial].

3. No seguimento do referido despacho, em 18.12.2014 o Procurador-Adjunto emitiu mandado de busca para a apreensão de toda essa documentação – cfr. o documento n.º 2 junto com a petição inicial [12.º da petição inicial].

4. No dia 14.01.2015, em cumprimento do mandado, a Inspeção Tributária apreendeu todos os elementos referidos no despacho supra, - cfr. a cópia de Auto de Apreensão junta como Doc. 3 com a petição inicial [13.º da petição inicial].

5. A partir dessa data, a Autora ficou privada do acesso a essa documentação [14.º da petição inicial].

6. Essa documentação passou a instruir o processo crime, que integra três volumes, treze anexos e dezenas de dossiês com diversa documentação contabilística da Autora [15.º e 16.º].

7. No dia 14-10-2015, a chefe da divisão de inspeção tributária da Direção de Finanças da Guarda determinou a prorrogação, em três meses, do prazo do procedimento de inspeção tributária com fundamento na alínea a) do n.º 3 do artigo 36.º do RCPIT e a seguinte fundamentação de facto – cfr. fls. 187 e 188 do processo instrutor [documento SITAF n.º 006679950]:

«(…) a presente ação inspetiva reveste-se de especial complexidade em virtude de um volume elevado e diversificado de informação que é necessário analisar, o que implica uma análise mais morosa».

8. No dia 14-01-2016, a chefe da divisão de inspeção tributária da Direção de Finanças da Guarda determinou nova prorrogação, em três meses, do prazo do procedimento de inspeção tributária com fundamento na alínea a) do n.º 3 do artigo 36.º do RCPIT e a seguinte fundamentação de facto – cfr. fls. 190 a 192 do processo instrutor [documento SITAF n.º 006679950]:

«(…) a presente ação inspetiva reveste-se de especial complexidade em virtude de um volume elevado e diversificado de informação que é necessário analisar, o que implica uma análise mais morosa».

9. Pelo oficio nº 30412, datado de 10.03.2016, dirigido a «Representante Legal de A. (…)» a Direção de Finanças da Guarda remeteu à Autora projeto de relatório da inspeção tributária, para efeitos de audição prévia – cfr. o ofício reproduzido a fls. 14 do processo instrutor [requerimento SITAF n.º 006679950] e a notificação da suspensão do procedimento inspetivo junta como documento n.º 6 com a petição inicial.

10. No referido ofício menciona-se que o prazo de exercício do direito de audição era de quinze dias – cfr. fls. 14 do processo instrutor [requerimento SITAF n.º 006679950].

11. O mesmo documento indicava que o direito de audição poderia ser exercido por escrito ou oralmente e que, caso a Requerente pretendesse exercer o direito oralmente, deveria comparecer, no prazo concedido, nos serviços da Direção de Finanças da Guarda – cfr. fls. 14 do processo instrutor [requerimento SITAF n.º 006679950].

12. No dia 11.03.2016, a Autora foi notificada do ofício acabado de referir [17.º da petição inicial].

13. No dia 15/03/2016 deu entrada no serviço de finanças do Fundão requerimento de L. M. A. B., invocando a qualidade de sócio-gerente da Autora, dirigido ao Diretor de Finanças da Guarda, requerendo «a prorrogação do prazo para exercer o direito de audição para 25 dias devido à complexidade da matéria (…)» e ao «(…) o volume elevado e diversificado de informação que é necessário analisar (…)» – cfr. o requerimento SITAF n.º 006678651 e fls. 193 [requerimento SITAF n.º 006679950] e 194 [requerimento SITAF n.º 006679952] do processo instrutor.

14. O pedido a que se refere o facto provado n.º 13 foi deferido por despacho de 17-03-2016, cujo teor é o seguinte [artigo 5.º da contestação] – cfr. fls. 193 [requerimento SITAF n.º 006679950]:

«Atendendo ao exposto pelo s.p., proceda-se à notificação do mesmo da prorrogação para o prazo para o exercício do direito de audição dos 25 dias, prazo máximo concedido pela LGT».

15. Pelo oficio nº 30441, datado de 18.03.2016, dirigido a «Representante Legal de A. (…)» a Direção de Finanças da Guarda comunicou à Autora o seguinte [artigo 5.º da contestação] – cfr. fls. 195 do processo instrutor [requerimento SITAF n.º 006679952] e o documento SITAF n.º 006678652:

Imagem: Original nos autos

16. No dia 21/03/2016, L. M. A. B., invocando a qualidade de sócio-gerente da Autora, remeteu por correio eletrónico ao Diretor de Finanças da Guarda, com conhecimento ao «Ministério Público DIAP Fundão» requerimento de «acesso a toda a documentação objeto do projeto de relatório relativamente aos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, com o fim de proceder ao exercício do direito de audição» - cfr. o documento n.º 4 e a segunda página do documento n.º 5 juntos com a petição inicial [18.º da petição inicial] e fls. 196 do processo instrutor [requerimento SITAF n.º 006679952].

17. A Autora comunicou entretanto ao Diretor de Finanças que pretendia fazer-se representar, na consulta dos documentos, pelo gerente L. M. A. B. e pelo contabilista certificado [19.º da petição inicial].

18. Em resposta, a Direção de Finanças informou a Autora de que, para que lhe fosse deferida a consulta dos autos pelo gerente L. M. A. B. e pelo contabilista certificado, teria de ser apresentado um outro requerimento pelo gerente L. M. A. B. [19.º da petição inicial].

19. Por isso, no dia 23-03-2016, L. M. A. B., em nome da Autora, remeteu por correio eletrónico ao Diretor de Finanças da Guarda, com conhecimento ao «Ministério Público DIAP Fundão» novo requerimento em que requer «o acesso a toda a documentação objeto do projeto de relatório relativamente aos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, com o fim de proceder ao exercício do direito de audição. O acesso deverá ser autorizado ao Sócio Gerente, L. M. A. B. e ao Contabilista Certificado, D. N. M., e individualmente ou com a presença de ambos» [19.º da petição inicial] – cfr. o documento n.º 5 junto com a petição inicial, o documento de fls. 282 do processo instrutor inicialmente entregue, em papel, e o documento de fls. 197 do processo instrutor entregue pelo requerimento SITAF n.º 006679952.

20. No dia 04-04-2016, a Autora foi notificada, na pessoas dos seus sócios-gerentes L. M. A. B. e A. R. C. B., do seguinte [20.º da petição inicial] – cfr. a cópia da notificação junta com a petição inicial como documento n.º 6:

«(…) nos termos e para os efeitos do disposto no n° 6 do artigo 36 do RCPIT, com a redacção que lhe foi introduzida pela Lei n° 75-A/2014, de 30 de Setembro, de que o prazo para conclusão do procedimento de inspecção que está a ser efectuado à sociedade supra identificada, credenciado pelas ordens de serviço n°s OI201500048/49/50/51, se encontra suspenso desde o dia 10 de Março de 2016, data em que foi remetido aos seus representantes legais, o projecto de relatório da inspecção Tributária, para efeitos do exercício do direito de audição, nos termos do artigo 60° da Lei Geral Tributária(LGT) e do artigo 60° do Regime Complementar do Procedimento de InspecçãoTributária e Aduaneira (RCPITA)».

21. No dia 5 de abril de 2016, a Autora apresentou, através de mandatárias forenses, pronúncia no procedimento inspetivo, a propósito do projeto de relatório de inspeção que lhe tinha sido notificado em 11-03-2016 para efeitos de audição prévia [22.º da petição inicial] – cfr. fls. 198 do processo instrutor.

22. No dia 5 de abril de 2016, não tinha sido dado acesso à Autora à documentação apreendida [22.º da petição inicial].

23. Na pronúncia que apresentou em sede de audiência prévia, a Autora arguiu a falta de acesso aos documentos como causadora de nulidade insanável do procedimento por impedir o exercício pleno do seu direito de defesa [23.º da petição inicial] – cfr. os artigos 6.º a 25.º da pronúncia apresentada em sede de audiência prévia, cujo teor é reproduzido a fls. 199 a 218 do processo instrutor [requerimento SITAF n.º 006679952].

24. Com a pronúncia apresentada em sede de audiência prévia, a Autora juntou procuração ao processo comprovativo da constituição de mandato forense, no procedimento, a favor das Sr.as Dr.as A. O. M. e T. T. F. [26.º da petição inicial] – cfr. fls. 234 do processo instrutor [requerimento SITAF n.º 006679952].

25. No dia 08-04-2016, deu entrada na Autoridade Tributária e Aduaneira requerimento subscrito por A. R. C. B., na qualidade de sócia-gerente da Autora, dirigido ao «Ministério Público DIAP Fundão» e com conhecimento ao Diretor de Finanças da Guarda, pedindo «Cópia da seguinte documentação, constante no processo supra identificado [9/14.7TAALD]:

1. Autos de inquirição de testemunhas no processo de Inquérito no 9/14.7TAALD — indicados na Página 13 do projeto de relatório da inspeção AT;

2. Cópia dos cheques e transferências identificadas nas folhas 26, 27, 29 e 32 do projeto de relatório da inspeção da administração tributária;

3. Cópia dos documentos de suporte à elaboração dos anexos II, III, IV, V, VI e VII, referidos no projeto de relatório da inspeção da administração tributária»

– cfr. fls. 267 e 269 do processo instrutor [requerimento SITAF n.º 006679952].

26. No dia 11/04/2016, a Direção de Finanças da Guarda submeteu à consideração do Ministério Público o requerimento a que se refere o facto provado n.º 25 – cfr. fls. 279 do processo instrutor [requerimento SITAF n.º 006679952].

27. No dia 12-04-2016, o Ministério Público deferiu «as requeridas consultas [a que se refere o facto provado n.º 19] e passagem de cópia dos documentos pretendidos [a que se refere o facto provado n.º 25], a fim de garantir o direito de defesa dos arguidos» – cfr. fls. 282 do processo instrutor [requerimento SITAF n.º 006679952].

28. No dia 19-04-2016, a Direção de Finanças da Guarda regista a entrada de comunicação via fax do despacho a que se refere o facto provado n.º 27 – cfr. fls. 280 do processo instrutor [requerimento SITAF n.º 006679952].

29. Pelo ofício n.º 16076, datado de 27-04-2016, cujo teor é em seguida reproduzido, o Diretor de Finanças da Guarda pediu ao Ministério Público orientações quanto à execução a dar ao despacho a que se refere o facto provado n.º 27, na parte respeitante ao pedido de cópias dos documentos na base dos anexos II, III, IV, V, VI e VII ao projeto de conclusões do relatório de inspeção, a que se refere o ponto 3 do requerimento a que se reporta o facto provado n.º 25 – cfr. fls. 272 a 275 do processo instrutor [requerimento SITAF n.º 006679952]:

Imagens: Originais nos autos

30. Pelo ofício n.º 16077, datado de 27-04-2016, dirigido a «Exmo. Senhor A. – V. T. B., Lda. Na pessoa dos seus legais representantes L. M. A. B. e A. R. C. B.», o Diretor de Finanças da Guarda respondeu ao requerimento a que se refere o facto provado n.º 25 nos seguintes termos –cfr. fls. 270 do processo instrutor [requerimento SITAF n.º 006679952]:

Imagem: Original nos autos

31. O ofício a que se refere o facto provado n.º 26 foi recebido no dia 29/04/2016 – cfr. fls. 271 do processo instrutor [requerimento SITAF n.º 006679952].

32. No dia 03-05-2016, o Ministério Público proferiu o seguinte despacho a propósito das questões que lhe foram colocadas pelo ofício a que se refere o facto privado n.º 29 – cfr. fls. 276 a 278 do processo instrutor [requerimento SITAF n.º 006679952]:

33. O despacho a que se refere o facto provado n.º 32 e o ofício a que se refere o facto provado n.º 29 foram notificados a L. M. A. B. através do ofício da secção de inquéritos do Ministério Público do Fundão com a referência 27584164, datado de 12-05-2016 – cfr. o documento n.º 4 junto com o requerimento da Autora de 25-11-2020 [documento SITAF n.º 006678654].

34. O despacho a que se refere o facto provado n.º 32 e o ofício a que se refere o facto provado n.º 29 foram notificados a A. R. C. B. através do ofício da secção de inquéritos do Ministério Público do Fundão com a referência 27584163, datado de 12-05-2016 – cfr. o documento n.º 4 junto com o requerimento da Autora de 25-11-2020 [documento SITAF n.º 006678654].

35. Pelo ofício da Direção de Finanças da Guarda com n.º 30673 e data de 18/05/2016, dirigido a «Representante Legal de A. (…)» a Autora foi notificada do seguinte [artigo 27.º da petição inicial e artigo 5.º da contestação] – cfr. fls. 283 do processo instrutor [requerimento SITAF n.º 006679952]:

Imagem: Original nos autos

36. Através do oficio nº 30849, datado de 06.07.2016, dirigido a «Representante Legal de A. (…)» a Direção de Finanças da Guarda remeteu à Autora cópia do relatório final do procedimento de inspeção tributária e do despacho de fixação da matéria coletável por métodos indiretos, aqui impugnado, que sobre ele recaiu [artigo 31.º da petição inicial] – cfr. fls. 284 do processo instrutor [documento SITAF n.º 006679952].

37. O ofício n.º 30849, a que se refere o facto provado n.º 36, foi entregue ao destinatário no dia 07-07-2016 – cfr. fls. 453 e 454 do processo instrutor [documento SITAF n.º 006679956].

38. No relatório de inspeção tributária refere-se, no que respeita à efetividade do exercício do direito de audição prévia pela Autora, o seguinte – cfr. páginas 51 e ss. do relatório de inspeção reproduzido a fls. 336 e 337 do processo instrutor [documento SITAF n.º 006679954]:

«Através do ofício n 30412 de 10-03-2016 foi o sujeito passivo notificado, nos termos do artigo 60º da LGT e artigo 60º do RCPIT, para, no prazo de 15 dias, querendo, exercer o direito de audição sobre o conteúdo do Projeto de Relatório.

Veio o sujeito passivo solicitar a prorrogação do prazo do exercício do direito de audição, tendo-lhe sido concedido um alargamento para o prazo máximo de 25 dias previsto no art.º 60 n.º 6 da Lei Geral Tributária.

Para o exercício desse direito solicitou o sujeito passivo o acesso à documentação que se encontrava apreendida no âmbito do processo de inquérito n. 9/147 TAALD.

Uma vez que esta decisão era da competência do Sr. Procurador do Ministério Público, foi o procedimento inspetivo suspenso desde o dia 10 de março de 2016 (data da remessa do projeto de relatório) até que fosse proferida decisão sobre o referido acesso. Este facto foi notificado ao sujeito passivo em 4 de abril de 2016.

O procedimento reiniciou-se em 18-05-2015, pelo que reiniciou nesta data a contagem do prazo de 25 dias que lhe tinha sido concedido para exercicio do direito de audição.

Em exposição que deu entrada nestes serviços em 06-04-2016 exerceu o sujeito passivo o direito de audição.

Nessa exposição. elaborada pelas advogadas detentoras de procuração para representarem o sujeito passivo, é alegada a impossibilidade do exercício de direito de defesa em virtude da apreensão da documentação contabilística e outra, que serviu de base às correções efetuadas no presente relatório, que impedia o acesso aos mesmos.

Efetivamente foi por este motivo que o procedimento inspetivo foi suspenso, a aguardar a decisão do Sr. Procurador do Ministério Publico para consulta de elementos. Essa decisão veio a permitir a consulta dos elementos, mas até à presente data não foi exercido novo direito de audição, pelo que passamos a apreciar a petição apresentada em 06-04-2016».

39. No dia 08-08-2016, a Autora apresentou, invocando o disposto no artigo 91.º da LGT, pedido de revisão da decisão de fixação, por métodos indiciários, da matéria coletável em IRC nos períodos de 2010, 2011, 2012 e 2013, tendo invocado erro nos pressupostos do recurso a métodos indiretos assim como erro na quantificação da matéria coletável – cfr. fls. 2 e 3 do processo instrutor relativo ao processo de revisão.

40. No requerimento inicial do processo de revisão, a Autora invocou, entre outras coisas, a violação do seu direito ao exercício pleno do direito de audição prévia no procedimento inspetivo, em virtude de não lhe ter sido facultado o acesso à documentação em que se baseou o projeto de conclusões da ação inspetiva antes de terminado o prazo de exercício de audição prévia; a ilegibilidade de alguns dos anexos ao relatório de inspeção; e impossibilidade de exercício pleno do direito à revisão da matéria coletável, em virtude da falta de notificação do relatório de inspeção às mandatárias da Autora, o que provocou o encurtamento do prazo para requerer a revisão, e em virtude da impossibilidade de análise da totalidade do processo em que assenta o relatório de inspeção fora dos serviços da administração tributária, por lhe ter sido vedado o direito de reprodução de uma série de elementos probatórios e apenas lhe ter sido facultado o acesso aos mesmos na modalidade de consulta presencial, nos serviços da administração tributária, em horário de expediente – cfr. artigos 1 a 78 do pedido de revisão da matéria coletável, a fls. 2 e ss. do processo instrutor relativo ao processo de revisão.

41. Iniciado o procedimento de revisão, realizaram-se, entre 05-09-2016 e 12-09-2016, reuniões entre os peritos designados pelo contribuinte e pela Fazenda Pública, no termo das quais o perito representante da Fazenda Pública subscreveu termo com o seguinte teor – cfr. fls. 59 do processo instrutor relativo ao processo de revisão:

Imagem: Original nos autos

42. No dia 20-09-2016, o Diretor de Finanças da Guarda proferiu a seguinte decisão:

Imagem : Original nos autos

”.

II.B. O Tribunal recorrido considerou não provada a seguinte matéria de facto:

“43. A administração tributária notificou a alguma das mandatárias da Autora o deferimento da consulta presencial e indeferimento do pedido de obtenção de cópias da documentação apreendida no processo crime [26.º da petição inicial].

44. A administração tributária determinou a suspensão do prazo de conclusão do procedimento inspetivo, cujo início e termo comunicou à Autora pelos ofícios a que se referem os factos provados n.os20 e 35, em virtude da entrada e até que fossem decididos os requerimentos de acesso a documentos a que se referem os factos provados n.os16, 19 e 25 [30.º e 31.º e 37.º e 44.º da petição inicial, artigo 5.º da contestação e ponto IX do relatório de inspeção].

45. A administração Tributária decidiu alterar, para momento diferente do dia seguinte à receção da notificação a que se referem os factos provados n.os 7 a 12, o termo inicial do prazo para o exercício do direito de audição no procedimento inspetivo, a que se referem os factos provados n.os 14 e 15 [30.º e 31.º e 37.º e 44.º da petição inicial, 5.º da contestação e ponto IX do relatório de inspeção].

46. A administração tributária notificou alguma das mandatárias da Autora do teor do relatório final do procedimento de inspeção tributária [32.º da petição inicial]”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos acima indicados com base na prova pontualmente indicada e na posição expressa pelas partes nos respetivos articulados”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se eliminar os factos não provados 44 e 45, porque conclusivos, devendo tal conclusão ser ou não extraída em termos de apreciação dos factos provados.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto, na sua perspetiva, não foi violado o direito de participação da Impugnante no procedimento inspetivo.

Vejamos então.

Antes de mais, refira-se que o alegado pela Recorrente, a propósito da factualidade não provada, não se revela pertinente apreciar. Com efeito, e não obstante considerarmos que dois dos factos não provados são, na verdade, conclusões, a decisão proferida sustentou-se exclusivamente na tramitação dada como provada, considerando que a mesma não era suficiente para se concluir pelo respeito pelo direito de audição, não sendo nunca controvertido que a Impugnante veio a ter acesso aos documentos conforme requerido. Portanto, centrando-se a questão, no fundo, em saber se a administração tributária (AT) deveria ter sido mais clara na sua atuação, é irrelevante tal factualidade. Da mesma forma, o alegado pela Recorrida, no sentido de que “não se provou que a Recorrente tenha notificado a Recorrida para a consulta dos documentos, indicando, nomeadamente o prazo, local e horário para o efeito, para que se pudesse ter por cumprido o artigo 62.º, n.º 3, i), do RCPITA”, carece de qualquer pertinência, não só porque nada tem a ver com a questão sob recurso, mas também por estamos perante documentos apreendidos no âmbito de um processo crime e que passaram a instruí-lo – daí que os pedidos de consulta e de certidões tenham sido apreciados e decididos pelo Ministério Público.

Prosseguindo.

O direito de audição prévia, ao nível tributário, encontra-se previsto no art.º 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), consagrando, ao nível ordinário, o desiderato constitucional consubstanciado no direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes disserem respeito, consagrado no art.º 267.°, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

“A audição prévia do contribuinte visa garantir a defesa dos interesses destes perante o Fisco e a valoração dos factos tributáveis de acordo com o princípio da verdade material. Consequentemente, o seu único pressuposto positivo é a previsão de uma decisão da Administração fiscal desfavorável aos interesses do contribuinte. Perante tal hipótese, quis o legislador que fosse dada ao contribuinte a possibilidade de criticar o entendimento já assumido pela Administração” (Pedro Machete, «A Audição Prévia do Contribuinte», Problemas fundamentais do Direito tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 322).

Nos termos do art.º 60.º da LGT:

“1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação”.

Por seu turno, o Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) também determina a obrigatoriedade de audição prévia, nos termos do seu art.º 60.º.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, em termos de factualidade pertinente para a apreciação do alegado, temos que:

a) A 12.12.2014, foi ordenada a apreensão de toda a documentação contabilística da Impugnante, no âmbito do processo de inquérito n.º 9/14.7TAALD, o que se concretizou a 14.01.2015 (cfr. factos 2 e 4);

b) A 11.03.2016, a Impugnante foi notificada, através de ofício datado de 10.03.2016, do projeto de relatório de inspeção tributária (RIT) elaborado, tendo sido igualmente notificada para efeitos de exercício do direito de audição, para o qual lhe foi conferido o prazo de quinze dias (cfr. factos 9 a 12);

c) A 15.03.2016, a Impugnante, na pessoa de um dos seus sócios-gerentes, apresentou, junto do serviço de finanças (SF) do Fundão, pedido de prorrogação de prazo para o exercício do direito de audição (cfr. facto 13);

d) O pedido mencionado em c) foi deferido a 17.03.2016, o que lhe foi comunicado por ofício datado de 18.03.2016 (cfr. factos 14 e 15);

e) A 21.03.2016, a Impugnante, na pessoa de um dos seus sócios-gerentes, remeteu mensagem de correio eletrónico, dirigida ao Diretor de Finanças da Guarda e com conhecimento ao “Ministério Público DIAP Fundão”, contendo requerimento de acesso a toda a documentação objeto do projeto de relatório, relativamente aos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, com o fim de proceder ao exercício do direito de audição, requerimento esse retificado a 23.03.2016 (cfr. factos 16 a 19);

f) A Impugnante foi notificada, a 04.04.2016, da suspensão do prazo para conclusão do procedimento de inspeção, ao abrigo do disposto no art.º 36.º, n.º 6, do RCPITA (cfr. facto 20);

g) A 08.04.2016, a Impugnante apresentou requerimento, junto dos serviços da AT, dirigido ao «Ministério Público DIAP Fundão» e com conhecimento ao Diretor de Finanças da Guarda, solicitando cópia da documentação referida no facto 25, requerimento reencaminhado ao MP a 11.04.2016 (cfr. factos 25 e 26);

h) O MP deferiu, a 12.04.2016, todas as consultas requeridas e passagem de cópias dos documentos (cfr. facto 27);

i) A 05.05.2016, a Impugnante apresentou documento de exercício do direito de audição (cfr. facto 21);

j) Pelo menos em maio de 2016, a Impugnante já dispunha dos elementos requeridos (cfr. factos 30 a 34);

k) Foi remetido ofício, pela direção de finanças da Guarda, datado de 18.05.2016, ao abrigo do art.º 53.º, n.º 3, do RCPITA, informando que reiniciara o procedimento de inspeção (cfr. facto 35);

l) Foi elaborado RIT, notificado à Impugnante a 07.07.2016 (cfr. facto 36 a 38).

Do que se trata aqui é de aferir se a atuação da AT foi ilegal, na medida em que não era possível à Impugnante ter cabal conhecimento de que podia apresentar o seu direito de audição em momento ulterior ao da consulta dos elementos que já referimos, devendo a AT ter informado a Recorrida dessa circunstância.

Como referimos, foi inicialmente concedido um prazo de 15 dias para a Impugnante exercer o direito de audição, que veio a ser prorrogado por mais 10 dias.

Entretanto, num período de cerca de dois meses, houve a apresentação de uma série de requerimentos com vista ao acesso a documentos, designadamente os que tinham sido apreendidos à ordem do processo de inquérito, acesso esse que veio a ser deferido.

É pacífico que não existe qualquer ofício remetido pela AT onde se diga, expressamente, que o prazo para o exercício do direito de audição estava suspenso até ao momento em que tais elementos estivessem na disponibilidade da Recorrida.

No entanto, o que há que aferir é se, com essa atuação, a AT atentou contra o exercício do direito de audição da Impugnante.

Cumpre, antes de mais, aferir da relevância ou não relevância dos ofícios mencionados na decisão proferida sobre a matéria de facto, concretamente nos seus pontos 20. e 35.

Para tal, há que, desde logo, ter em conta o disposto no art.º 36.º do RCPITA, o qual consagra o princípio geral da continuidade do procedimento de inspeção tributária.

Para além do prazo geral previsto no n.º 2 e das situações de prorrogação previstas no n.º 3, o n.º 5 deste art.º 36.º consagra expressamente situações de suspensão do procedimento de inspeção, que deverão ser notificadas ao sujeito passivo (cfr. n.º 6).

Por seu turno, o RCPITA prevê ainda, no art.º 53.º do RCPITA, situações de suspensão dos atos de inspeção, no seu n.º 1.

Estamos aqui perante dois conceitos distintos: o de procedimento de inspeção e o de atos de inspeção. Com efeito, o RCPITA distingue uns dos outros. Assim, é de sublinhar que o seu art.º 61.º, n.º 1, respeita expressamente à conclusão dos atos de inspeção, enquanto o art.º 62.º nos fala na conclusão do procedimento – que ocorre com a elaboração do relatório final.

É ainda de sublinhar que o n.º 3 do mesmo art.º 53.º do RCPITA, não obstante, do ponto de vista sistemático, estar inserido no título atinente aos Atos do procedimento de inspeção, prevê a obrigação de comunicação do fim da suspensão do procedimento (“Em caso de suspensão, deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário o reinício do procedimento” – sublinhado nosso).

No caso, a Impugnante foi notificada, a 04.04.2016, de que o “prazo para conclusão do procedimento de inspecção que está a ser efectuado à sociedade supra identificada, credenciado pelas ordens de serviço n°s OI201500048/49/50/51, se encontra suspenso desde o dia 10 de Março de 2016”, sustentando-se a AT para o efeito no n.º 6 do art.º 36.º do RCIPTA (inexistindo, pois, qualquer sustentação para se considerar tratar-se de suspensão com base no disposto no art.º 121.º, n.º 3, do Código do Procedimento Administrativo).

Portanto, mal ou bem (não é posto em causa se a AT tinha fundamento para suspender o procedimento ao abrigo do art.º 36.º do RCPITA, mas o certo é que o suspendeu), daqui resulta que o procedimento foi considerado suspenso. Nas exatas palavras, refere-se no ofício, como já mencionamos, que estava suspenso o “prazo para conclusão do procedimento de inspecção”. Ora, concluindo-se o procedimento de inspeção com a elaboração do RIT (cfr. o já citado n.º 1 do art.º 62.º do RCPITA), tal reflete que se ordenou uma suspensão do procedimento de inspeção.

Enquadrando-se o exercício do direito de participação no âmbito do procedimento, esta suspensão abrange necessariamente a suspensão do prazo para o referido exercício.

Posteriormente, é a Impugnante notificada da cessação da suspensão, nos termos exigidos no n.º 3 do art.º 53.º do RCPITA.

É certo, como refere o Tribunal a quo, que os art.ºs 36.º e 53.º do RCPITA tratam de realidades distintas. No entanto, como já referimos, apesar de sistematicamente se enquadrar no âmbito dos atos de inspeção, o n.º 3 do art.º 53.º do RCPITA expressamente consagra que o fim da suspensão do procedimento tem de ser notificado. E assim foi.

Portanto, consideramos que, atenta a tramitação efetuada pela AT, não foi obliterado o exercício do direito de audição por parte da Impugnante.

Veja-se que não se trata, in casu, de situação em que o sujeito passivo exerce o direito de audição após obter a documentação necessária e esse exercício não é aceite pela AT.

No caso, a AT notificou a Impugnante quer do prazo para o exercício do direito de audição quer da sua prorrogação e, bem assim, do início e do termo da suspensão do procedimento de inspeção.

Nunca a AT limitou a hipótese de apreciar o direito de audição a apresentar, mas a verdade é que a Impugnante nunca apresentou qualquer direito de audição depois de obter a documentação cujo acesso requerera.

Não competia à AT fazer mais do que fez, mesmo sob a perspetiva do dever de colaboração, como equaciona o Tribunal a quo, porquanto todas as vicissitudes do procedimento foram comunicadas à Impugnante.

Sublinhe-se que o argumento do Tribunal a quo, no sentido de a interrupção dos prazos prevista no art.º 37.º do CPPT ser aqui aplicável por interpretação extensiva, só reforça o nosso entendimento: uma coisa é a AT sonegar o exercício do direito de audição, outra coisa é aferir o prazo de que o administrado dispunha para tal exercício, dado tratar-se de uma consequência ope legis, que não depende de ato administrativo, e cuja pertinência é de aferir, sim, quando se põe em causa a tempestividade na apresentação do documento por parte do contribuinte.

Esse, como vimos, não é o caso dos autos.

Assim, in casu, considerando a suspensão ocorrida e respetivo levantamento, oportunamente notificadas, a Impugnante dispunha do prazo que integralmente lhe fora concedido para exercer o seu direito de audição, já num momento em que dispunha de todos os elementos para o efeito, o que não fez.

Portanto, não se tratando aqui de aferir se determinado documento visando o exercício do direito de audição é tempestivo, mas sim tratando-se de aferir se foi respeitado o direito de participação da Impugnante, nos termos já referidos, consideramos afirmativa a resposta.

Face ao exposto, assiste razão à Recorrente.

Considerando o decidido e uma vez que Tribunal a quo não conheceu as restantes questões invocadas pela Recorrida, cumpre aferir se se reúnem condições para passar ao seu conhecimento em substituição, atento o disposto no art.º 665.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, nos termos do qual “[s]e o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.

Com efeito, atenta a petição inicial, resultaram por apreciar as demais questões suscitadas, parte das quais se centra no erro sobre os pressupostos de aplicação de métodos indiretos e errónea quantificação da matéria coletável assim fixada.

Sucede, porém, que não constam dos autos todos os elementos de prova necessários à boa decisão da causa, uma vez que, das diligências requeridas, apenas foi levada a efeito a prova pericial, tendo o Tribunal a quo considerado que “[o] processo fornece todos os elementos necessários à decisão da causa, levando em conta a relação de subsidiariedade estabelecida entre as causas de pedir e o disposto no artigo 124.º do CPPT. Indefere-se, por isso, os pedidos de produção de prova testemunhal e por declarações de parte”.

Não obstante, considerando a causa de pedir, não se entende possível a fixação da matéria de facto pertinente sem a realização de tal diligência instrutória.

Como tal, devem os presentes autos regressar ao Tribunal a quo, onde deverão ser realizadas todas das diligências instrutórias que se apurem necessárias, designadamente as mencionadas supra, que permitam o conhecimento das questões ainda não apreciadas.

Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

No caso, considerando quer a conduta das partes, que se revelou sem mácula, quer a natureza da questão suscitada, entende-se dever haver lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal a quo, para eventual ampliação da matéria de facto, após a realização das pertinentes diligências de prova;

b) Custas pela Recorrida, porque contra-alegou, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 13 de janeiro de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)