Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03602/09
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2015
Relator:CREMILDE MIRANDA
Descritores:IRC; REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO; INACTIVIDADE; APRESENTAÇÃO DE DECLARAÇÃO MODELO 22;
Sumário:I - Não se demonstrando nos autos a obtenção de rendimentos pelo sujeito passivo, não há lugar à determinação do lucro tributável por aplicação do n.º 4 do artigo 53.º do Código do IRC (regime simplificado), pois que não se verifica o pressuposto do imposto (artigo 1.º do Código do IRC), inexistindo facto tributário.

II – Não pode considerar-se demonstrada a obtenção de rendimentos se o sujeito passivo apresentou a respectiva declaração de rendimentos sem proveitos e o sistema informático assumiu a existência de um mínimo de rendimento, quando foi feita prova da inexistência de actividade durante o período a que respeita a declaração.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

A FAZENDA PÚBLICA, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M…………… – Divisórias ………….., Lda., na sequência do indeferimento das reclamações graciosas que apresentou contra os actos de liquidação de IRC e derrama dos anos 2001, 2002 e 2003, vem dela interpor recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:

A) As liquidações impugnadas referem-se a IRC dos anos de 2001 a 2003, no valor total de €3.797,19, tendo resultado da aplicação das regras do regime simplificado de determinação do lucro tributável regulado no art.53° do CIRC.

B) Tal como resulta provado pelos elementos documentais que integram o Apenso relativo aos autos de reclamação graciosa autuados sob os n°s 46/2005, 47/2005 e 48/2005, a sociedade impugnante, cessada em termos de IVA desde 31.12.1995, apenas cessou a sua actividade em sede de IRC em 15.12.2004, aquando do registo do encerramento da liquidação.

C) Sendo esta a data relevante para efeitos da cessação de actividade em IRC por via do disposto no n°5 do art. 8° do Código respectivo.

D) Nos termos do art.53° do Código do I.R.C., na redacção atribuída pela Lei n°109-B/2001, de 27/12, a integração no regime simplificado de apuramento do lucro tributável ocorre sempre que, cumulativamente, se verifiquem as seguintes condições: os sujeitos passivos exerçam, a título principal, actividade comercial, industrial ou agrícola; não estejam isentos de IRC; não se encontrem sujeitos à revisão legal de contas; apresentem, no exercício anterior, um volume total de proveitos inferior a € 149.639,37 e não optem pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável.

E) Os autos evidenciam que não foi efectuada a opção pelo regime geral, nos termos do n°7 do art. 53° do CIRC.

F) Ora, encontrando-se reunidos os demais pressupostos, no triénio 2001 a 2003, a sociedade encontrava-se legalmente sujeita ao regime simplificado de determinação do lucro tributável, havendo que considerar-se o montante mínimo de lucro tributável fixado no n°4 daquele preceito legal.

G) E a este enquadramento legal não obsta a alegada inactividade da sociedade impugnante, uma vez que deve ver considerado como montante mínimo do lucro tributável o valor a que se refere o n.°4 do 53° do CIRC quanto a todas as entidades abrangidas pelo regime simplificado, independentemente do exercício efectivo da actividade e do lucro tributável efectivamente auferido.

H) Neste sentido, o Parecer n°58/06, de 2006.06.01, do Centro de Estudos Fiscais, o qual mereceu o sancionamento, proferido em 2006.06.06, do Sr. Director-Geral dos Impostos, espelhando, nesta matéria, o entendimento perfilhado pela Administração Fiscal.

l) Também não logra proceder o argumento de que a aplicação do regime simplificado e do montante mínimo do lucro tributável para o exercício colide com as garantias dos contribuintes ou com os princípios constitucionais da tributação das empresas pelo seu lucro real, porquanto estas têm sempre a possibilidade legal de optar pelo regime geral de tributação.

J) Nesse estrito sentido, com a devida vénia, os entendimentos acolhidos nos Acórdãos do TCAS, de 9/5/2006, proferido no processo 01096/06 e do TCAN, de 06.11.2008, processo 01069/05.9 BEBRG.

K) E neste enfoque, a actuação da Administração Fiscal não pode merecer qualquer reparo, porquanto seguiu estritamente o quadro legal aplicável à situação vertente.

L) A sentença sob recurso ao estabelecer em défice o quadro factual pertinente não consagrou no probatório factos relevantes e, em consequência, não se pronunciou quanto a matéria que devia conhecer, padecendo de nulidade por omissão de pronúncia, tal como decorre do art.125° do CPPT e do art. 668°/1-d) do CPC, aplicável "ex vi" o art. 2° do CPPT.

M) E igualmente fez errada aplicação dos artigos 8°/5 e 53° do CIRC e do art. 160° do CSC.

Contra-alegou a Recorrida, M…………. – Divisórias ………………………, Lda, concluindo nos seguintes termos:

1- Não existe relação jurídica tributária sem a ocorrência do respectivo facto tributário, pois este, mais do que "simples" elemento da relação jurídica tributária, é, afinal, gerador de tal relação;

2- Encontrando-se uma sociedade comercial completamente inactiva durante um determinado exercício fiscal, não existe facto tributário, para efeitos de IRC, por não ter ocorrido qualquer facto gerador deste imposto;

3- A sociedade recorrida esteve completamente inactiva nos exercícios em que foram efectuadas as liquidações de IRC impugnadas, a saber, os exercícios de 2001, 2002 e 2003;

4- Donde decorre a ilegalidade de tais liquidações, por inexistência de factos geradores do imposto em causa - art.36, n°1, da LGT;

5- Ilegalidade esta que constitui fundamento para a sua anulação - art. 99, al. a), do CPPT;

6- Assim, decidiu bem o tribunal recorrido ao determinar a anulação de tais liquidações;

7- Também não se verifica qualquer fundamento de nulidade da sentença recorrida;

8- A sentença recorrida fez correcta interpretação e aplicação da lei, devendo manter-se inalterada e, consequentemente, devendo ser julgado improcedente o recurso apresentado pela recorrente.

Neste Tribunal, o Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.


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As questões a decidir são as seguintes:

- Se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia nos termos do art. 125º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do art. 668º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil;
- Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação do disposto nos art. 8º, nº 5, e 53º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e do art. 160º do Código das Sociedades Comerciais, ao anular as liquidações de IRC dos anos de 2001, 2002 e 2003, com fundamento na inexistência de facto tributário.

Colhidos os vistos legais, há que apreciar e decidir.

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Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:


A) Em 02/01/96, a impugnante apresentou a declaração de cessação de actividade, para efeitos de IVA, reportando a data daquela cessação a 31/12/95, de fls. 30, que se dá por integralmente reproduzida.

B) No dia 20/09/2004, foram recebidas as declarações de IRC, apresentadas pela impugnante para os exercícios de 2001, 2002 e 2003, conforme declarações de fls. 84 a 87, 88 a 91 e 92 a 95, respectivamente, que se dão por integralmente reproduzidas.

C) Nas declarações referidas na alínea antecedente, a impugnante declarou que, nos exercícios em questão, teve proveitos nos montantes de, respectivamente, 23.393,60, 24.360,00€ e 31.250,00€.

D) Os montantes do volume de negócios para cada um daqueles anos, corresponde ao mínimo legal, uma vez que a impugnante estava enquadrada no regime simplificado e eram os assumidos automaticamente pelo sistema informático, que não permitia a entrega de declaração com proveitos no valor de zero.

E) Consequentemente, foram, emitidas as liquidações n° ………………, ……………… e ………………., de fls. 24, 44 e 64, que se dão por integralmente reproduzidas.

F) Contra as liquidações referidas na alínea anterior, a impugnante deduziu reclamações graciosas, que correram os seus termos sob os n.°s 46/2005, 47/2005 e 48/2005 - fls.1 dos processos de reclamação graciosa apensos.

G) No âmbito daquelas reclamações foram proferidos as Informações / Pareceres de fls. 23 dos apensos, que se dão por integralmente reproduzidas e das quais se destaca o seguinte:
«(…)
Invoca como fundamento do seu pedido que:
- não exerceu a actividade;
- que cessou a actividade; e que
- não houve audição prévia.
Porque nada obsta ao conhecimento do pedido, cumpre-me equacionar:
1° A liquidação reclamada foi feita com base na declaração do contribuinte, razão pela qual não havia lugar a direito de audição, por força do n° 2 do artigo 60° da Lei Geral Tributária;
2° A liquidação foi feita tendo em conta o regime simplificado de determinação do lucro tributável a que se refere o artigo 53° do Código do IRC, dado que não cessou a actividade, cuja definição se encontra ali tipificada na alínea a) do n°5 do artigo 8° do Código do IRC, enquanto não for feito o encerramento da liquidação na Conservatória do Registo Comercial.
3° A cessação para iva, tem efeitos apenas para IVA, e não para IRC, por força daquele n°5 do artº8 do Código do IRC.
4° O reclamante:
I) é uma sociedade por quotas;
II) encontra-se em cadastro com a actividade CAE : 051471 COMERCIO POR GROSSO DE ARTIGOS DE PAPELARIA
III) Exerce a título principal uma actividade de natureza comercial, enquanto não cessar a actividade
5° Não lhe assiste razão no pedido. (...).»

H) As referidas reclamações graciosas foram indeferidas por despachos de fls. 24 dos apensos.

I) No ano de 1996, a impugnante já não exercia actividade.



Quanto à decisão da matéria de facto, diz-se, ainda, na sentença recorrida:
Com interesse para a decisão não se provaram outros factos.
A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes, bem como nos depoimentos das testemunhas inquiridas, que se revelaram coerentes e credíveis.
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Quanto à alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Alega a Recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 125º do CPPT e 68º, nº 1, alínea d), do CPC, por não ter consagrado no probatório factos relevantes e, em consequência, não se ter pronunciado quanto a matéria que devia conhecer.

Nos termos dos, pela Recorrente invocados, artigos 125º do CPPT e 668º, nº 1, al. d) do CPC, em vigor à data da sentença recorrida, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia ocorre quando a decisão não conhece de todas as questões submetidas à apreciação do tribunal. Mas, nem nas conclusões das alegações, nem nas alegações, identifica a Recorrente a questão cujo conhecimento considera omitido, pelo que, incumprido, pela Recorrente, relativamente a esta matéria, o ónus de alegar e formular conclusões, previsto no art. 685º-A do CPC, na redacção em vigor à data do recurso, e não se vislumbrando questão de conhecimento oficioso de que a sentença recorrida não tenha conhecido, rejeita-se o recurso na parte em que vem arguida a nulidade da sentença.

Quanto a saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao anular as liquidações de IRC da Recorrida dos anos de 2001, 2002 e 2003

Alega a Recorrente que as liquidações impugnadas resultam da aplicação à Recorrida das regras de tributação pelo lucro simplificado, nos termos do art. 53º do CIRC, na redacção dada pela Lei nº 109-B/2001, por não ter sido feita a opção pelo regime geral, nos termos do nº 7 da mesma norma legal, pelo que ao decidir anular tais liquidações, fez a sentença recorrida errada aplicação dos artigos 8º, nº 5, e 53º do CIRC, e do art. 160º do Código das Sociedades Comerciais.

No art. 8º, nº 5, do CIRC, com a epígrafe Período de tributação, lê-se:

Para efeitos deste Código, a cessação da actividade ocorre:
a) Relativamente às entidades com sede ou direcção efectiva em território português, na data do encerramento da liquidação, ou na data da fusão ou cisão, quanto às sociedades extintas em consequência destas, ou na data em que a sede e a direcção efectiva deixem de se situar em território português, ou na data em que se verificar a aceitação da herança jacente ou em que tiver lugar a declaração de que esta se encontra vaga a favor do Estado, ou ainda na data em que deixarem de verificar-se as condições de sujeição a imposto;
b) Relativamente às entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português, na data em que cessarem totalmente o exercício da sua actividade através de estabelecimento estável ou deixarem de obter rendimentos em território português.

No art. 53º do CIRC, na redacção em vigor nas datas a que se reportam as liquidações impugnadas, definia-se quem ficava abrangido pelo regime simplificado de determinação do lucro tributário.

Os termos do invocado art. 160º do Código das Sociedades Comerciais são os seguintes:

1- Os liquidatários devem requerer o registo do encerramento da liquidação.
2- A sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto no art. 162º a 164º, pelo registo do encerramento da liquidação.
No art. 162ºdo CSC prevê-se a continuação das acções em que a sociedade seja parte, depois da extinção e, no art. 164º, regula-se a cobrança de créditos e a partilha, entre os sócios, de bens que existam, ainda, no património da sociedade depois de encerrada a liquidação.

Contra-alegando, defende a Recorrida a bondade da sentença recorrida, com fundamento no entendimento de que, estando a sociedade inactiva durante os anos a que respeitam as liquidações impugnadas, não há factos geradores de imposto pelo que, nos termos do art. 36º n º 1, da LGT, são ilegais as liquidações impugnadas.

Como resulta dos factos julgados provados pela sentença recorrida, a sociedade Recorrida não exerceu actividade durante os anos de 2001, 2002 e 2003, mas, porque o sistema informático assumiu, automaticamente, a existência de volume de negócios, em cada um dos referidos anos, pelo mínimo legal, as declarações de rendimentos foram apresentadas com menção de proveitos no montante de €23393,60, €24 360,00, e 31 250,00, respectivamente, o que motivou as liquidações aqui em causa, das quais deduziu a ora Recorrida Reclamação Graciosa cujo indeferimento determinou a Impugnação julgada procedente pela sentença recorrida.

Se a ora Recorrida não tivesse apresentado as declarações que estão na base das liquidações impugnadas, não tendo exercido actividade durante os períodos a que tais declarações se reportam, como foi julgado provado, ser-lhe-ia aplicável o artº 90º, al. b), do CIRC: na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada.

E, como, ainda recentemente, foi decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão de 22 de Abril de 2015, no processo nº 0826/13, o montante assim fixado seria, necessariamente, provisório uma vez que ficaria sujeito a uma eventual correcção posterior pela AF, de acordo com o que viesse a ser demonstrado

Ora, se quem omitiu a declaração periódica de rendimentos, e viu tais rendimentos oficiosamente fixados, pode fazer prova de que não exerceu actividade, não tendo, consequentemente, obtido rendimentos, durante o período ou períodos a que respeita a fixação dos mesmos, com a consequente não liquidação de imposto, ou anulação da liquidação, se já efectuada, só por absurdo, podia o mesmo direito ser negado a quem, tendo cumprido a obrigação declarativa, se viu obrigado, por imposição do sistema informático, a, nela, ver inscrito um rendimento que não auferiu.

O princípio ínsito no art. 104º da Constituição da República Portuguesa, e concretizado no CIRC, de que a tributação deve incidir sobre o lucro real das empresas, tem, aliás, sempre, norteado as decisões dos tribunais no sentido de que, provada a inactividade de uma empresa, durante um determinado período de tempo, é ilegal a liquidação de IRC que incida sobre lucro fixado relativamente ao mesmo período de tempo.

É o sentido do Acórdão acima citado onde se concluiu: Inexistindo facto tributário em resultado da inactividade do sujeito passivo e consequente não demonstração da obtenção de receitas no ano a que respeita a tributação, não se verifica o pressuposto do imposto.

No mesmo sentido, ainda, os Acórdão, também do STA, de 01-06-1988, processo nº 005241, citado na sentença recorrida, de 05.07.2012, processo 474/11, de 02.03.2011, processo 1039/10, e de 04.11.2009, processo 533/09.

Do exposto, é de concluir que a sentença recorrida não violou nenhum dos preceitos legais referidos nas conclusões das alegações da Recorrente, tendo, antes, ao anular as liquidações impugnadas, feito correcta aplicação do direito aplicável, pelo que deve ser confirmada sendo de julgar improcedentes todas as conclusões das alegações de recurso.


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Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

10 de Julho de 2015


Cremilde Abreu Miranda

Joaquim Condesso

Catarina Almeida e Sousa