Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1966/06.2BELSB |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 09/30/2020 |
Relator: | LURDES TOSCANO |
Descritores: | IVA – FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO |
Sumário: | I - A Administração Tributária limitou-se a proceder à correcção de valores declarados pela Impugnante, em sede de IVA, sem fundamentar tal decisão. II - Resultando provada a falta de fundamentação das liquidações impugnadas, devem as mesmas ser anuladas. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. RELATÓRIO
A Representante da Fazenda Pública, com os sinais nos autos, veio, em conformidade com o n.º 3, do artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou procedente a impugnação deduzida por M….., LDA., contra as liquidações adicionais de IVA do ano de 2003, com os números ….., ….., ….., ….., …..e as liquidações de juros compensatórios relativos a IVA de 2003, com os números ….., ….., ….., ….., ….., ….., ….., com fundamento na falta de fundamentação, tendo o processo o valor de € 27.832,77. Mais anulou, aquela sentença, os actos impugnados de liquidação de IVA e de juros compensatórios e determinou as custas pela Fazenda Pública (cfr n.ºs 1 e 2, do art. 527.º do CPC, aplicável ex vi alínea e), do art. 2.º, do CPPT).
A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes: “ A. A questão a decidir é, conforme estipula a sentença recorrida, a de saber se as liquidações impugnadas, referentes a IVA de 2003 e de juros compensatórios relativos ao mesmo imposto, padecem do alegado vício de falta de fundamentação.
B. A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo decidiu pela anulação das liquidações impugnadas atenta a falta de fundamentação das mesmas.
C. A Meritíssima Juiz limitou-se a “decompor” o conteúdo das Modelo 344 desvalorizado a restante prova documental presente nos autos, que se apresenta como extremamente relevante para a boa, digamos justa, decisão da causa.
D. As declarações Modelo 344 servem apenas para uso interno da própria Autoridade Tribiutária, tendo como finalidade o acerto da conta corrente do sujeito passivo.
E. Consubstanciando-se estas declarações em instrumentos de utilização interna por parte da Administração Tributária, a Merítissima Juiz decidiu erradamente ao concluir pela falta de fundamentação das liquidações impugnadas com base no conteúdo presente naquelas.
F. O facto de a sentença recorrida não ter atendido a todos os elementos probatórios constantes dos autos tendentes a demonstrar a efectiva fundamentação dos actos de liquidação em crise, designadamente a prova documental, constitui um erro de julgamento.
G. Conforme Ofício n.º ….. de 21-02-2006, elaborado pela Direcção de Serviços de Cobrança e notificado à impugnante, ora recorrida, do qual a própria faz menção nos artigos 8º e seguintes da sua petição inicial, observamos que a aquela foi devidamente informada da fundamentação da decisão que esteve na base da correcção dos valores por si declarados, tendo obtido assim a correcta percepção ndas razões que estão na base das liquidações impugnadas.
H. Esse Ofício informou o sujeito passivo da existência de anomalias nas declarações periódicas, que no caso em análise, se consubstanciam na utilização de excesso a reportar não coincidente.
I. Através desse mesmo Ofício o sujeito passivo teve pleno conhecimento dos períodos temporais em causa, do respectivo montante de imposto em causa e que “A existência desta anomalia origina um débito de €27.283,39 a favor do Estado, efectuando-se a seu tempo, a respectiva Liquidação Adicional e Juros compensatórios, de harmonia com o disposto nos art.ºs 82º e 89º, nº1 do Código do IVA, respectivamente.”
J. As notas de liquidação foram validamente notificadas e em todas as notificações existe um quadro relativo à fundamentação.
K. As referentes às liquidações adicionais de IVA contêm a referência de que a liquidação foi feita com base no apuramento correctivo efectuado na presença de todos os elementos constantes de registos informáticos aí existentes, fazendo ainda alusão às disposições legais aplicáveis, à natureza da dívida, ao período a que diz respeito e a data limite para pagamento voluntário.
L. Quanto às notificações de liquidação de juros compensatórios, existe também um quadro relativo à fundamentação onde está discriminado que estes se devem ao atraso na liquidação ou na entrega do imposto por facto imputável ao sujeito passivo, indicando ainda o período a que dizem respeito, os normativos legais ao abrigo dos quais foram efectuadas, a data de pagamento voluntário e a menção de que a demonstração de cálculo e outros fundamentos que suportam a liquidação podem ser solicitados junto do Serviço de Finanças competente.
M. Quanto à falta de fundamentação dos atos de liquidação de IVA e juros compensatórios impugnados, diremos, que a fundamentação dos atos administrativos em geral, constitui um imperativo constitucional, expressamente previsto no art.º 268.º n.º3 da CRP, cujo escopo imediato é esclarecer concretamente a motivação do ato, permitindo a reconstituição do iter cognoscitivo e valorativo que determinou a adoção do ato, com determinado conteúdo (na esteira das lições de Diogo Freitas do Amaral, “Curso de Direito Administrativo”, Almedina, 2001, Vol. II, pp. 351 e ss.).
N. A fundamentação de um ato de liquidação, situação em apreço, deve ser o suporte por que foi defectuada aquela concreta liquidação e não qualquer uma outra, de molde a permitir ao contribuinte apreender os concretos factos donde ela emerge e poder determinar-se pela sua aceitação ou impugná-la, se entender que a mesma se encontra eivada de qualquer um vício que a inquine de ilegal, variand assim, a densidade fundamentadora, consoante o tipo de ato em causa e a participação ou não do mesmo no procedimento da sua formação.
O. Em suma atento o todo o supra exposto, assim como toda a prova documental existente nos autos, conclui-se que os actos de liquidação de imposto e respectivos juros compensatórios, encontram-se devidamente fundamentados, inexistindo qualquer contradição ou obscuridade que não tenha permitido ao contribuinte decidir se com tais liquidações se deveria conformar, ou, ao invés, se deveria vir impugná-las como veio, demonstrando ter apreendido o seu conteúdo.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.”
**** A Impugnante, aqui Recorrida, apresentou contra-alegações, nas quais alcançou as conclusões seguintes: (...). A fundamentação tem, pois, de ser efectuada em termos tais que possibilite ao contribuinte ter os elementos mínimos que lhe permitam aferir da legalidade do acto. (...). É esta obrigatoriedade de fundamentar os actos que garante ao contribuinte a possibilidade de poder reagir contra os mesmos. Aliás, o vicio de ausência ou deficiente fundamentação do acto administrativo tributário é um vício perfeitamente autonomizado e distinto dos meros vícios formais - veja-se a alínea c) do artigo 99°do CPPT - uma vez que o mesmo afecta intrinsecamente o acto tributário quanto à sua validade interna, e não apenas a sua exteriorização. No fundo, o dever de fundamentação dos actos é o instituto que permite afastar a arbitrariedade, obrigando a Administração a dizer quais as razões da sua decisão, permitindo ao contribuinte reagir em caso de discordância. Repare-se que, se não impendesse sobre a Administração Tributária este dever, aliado ao poder intrínseco do Estado face aos cidadãos, não restaria a estes qualquer hipótese de defesa, uma vez que as decisões administrativas tornar-se-iam irrecorriveis, por indeterminadas. ”
Nestes termos e nos mais, que doutamente serão supridos, não ser concedido provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e, consequentemente, ser a sentença recorrida confirmada, mantendo-se assim a anulação dos actos de liquidação identificados nos autos, com base na falta de fundamentação, violando, assim a Administração Tributária, o artigo 77.º da LGT e o artigo 268.° da CRP.”
**** Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal. De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo. Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento ao dar por demonstrado o vício de falta de fundamentação das liquidações em causa nos autos.
**** II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. De facto
A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos: “
- fls 64 do PAT - “CC analisada com expurgo. Emitidas LAs e confirmadas RDs dado que a liquidação oficiosa de 99 foi anulada; Assim, o S.P. também, não tem direito à RC. Calculados JC nos termos do nº 89 do CIVA. Ver c.c. manual em anexo e também cáculco de juros. Nesta data feito 2 ofícios ao S.P.” – fls. 64 do PAT;
- fls. 65 –
-fls. 66-
Nem dos autos, nem do processo administrativo, apenso, constam outras indicações relativas aos procedimentos que conduziram às liquidações impugnadas.”
**** A convicção do Tribunal Tributário de Lisboa, nos seus dizeres, “foi adquirida pela análise dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso.”
**** Ao abrigo do art. 662º, nº 1, do CPC, adita-se ao probatório, o seguinte facto: K. Do Ofício n.º …..de 21-02-2006, elaborado pela Direcção de Serviços de Cobrança e notificado à impugnante, consta o seguinte (cfr. fls. 24, Doc. 13 junto com a p.i.): «Comunica-se a V.Exa. que após análise efectuada à conta-corrente dessa empresa, detectou este Serviço a anomalia de utilização de excesso a reportar não coincidente, relativa a vários períodos. (…) A existência desta anomalia origina um débito de €27.283,39 a favor do Estado, efectuando-se a seu tempo, a respectiva Liquidação adicional e Juros Compensatórios, de harmonia com o disposto nos arts. 82º e 89º, nº 1 do Código do IVA, respectivamente.»
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II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a impugnação procedente, anulando-se os actos impugnados de IVA e juros compensatórios. Para tanto, fundamentou da forma seguinte: «Ora, como resulta dos factos julgados provados, os Serviços da Administração Tributária emitiram dois documentos, através do preenchimento de dois impressos modelo 344, dos quais não consta a motivação das aparentes correcções que terão conduzido às liquidações adicionais de IVA impugnadas e, consequentemente, às, também impungadas, liquidações de juros compensatórios. Não consta, de tais documentos, a mínima referência a factos ou razões subjacentes à inscrição dos valores que aí foram inscritos, nem o modo como desses, ou doutros valores, resultaram as liquidações impugnadas. Não resulta tal informação dos documentos analisados, referidos no probatório, nem de qualquer outro documento constante do processo administrativo ou dos autos, sendo certo que, na Contestação e nas Alegações finais, é nos documentos referidos no probatório (declarações Mod. 344) que a Fazenda Pública defende constar a fundamentação das liquidações. Mas o que consta das declarações Mod. 344 é a indicação, em diferentes quadros, de números, valores e siglas cuja utilidade no procedimento que conduziu às liquidações impugnadas escapa à percecpção de um destinatário normal. Resulta, assim, que a Administração Tributária se limitou a proceder à correcção de valores declarados pela Impugnante, em sede de IVA do ano de 2003, sem fundamentar tal decisão, não sendo, portanto, apreensíveis as razões porque se decidiu proceder às liquidações impugnadas. Resultado provada a falta de fundamentação das liquidações impugnandas, devem as mesmas ser anuladas.»
Inconformada, a Fazenda Pública veio apresentar o presente recurso alegando [conclusões de recurso C. a L.] que A Meritíssima Juiz limitou-se a “decompor” o conteúdo das Modelo 344 desvalorizado a restante prova documental presente nos autos, que se apresenta como extremamente relevante para a boa, digamos justa, decisão da causa. O facto de a sentença recorrida não ter atendido a todos os elementos probatórios constantes dos autos tendentes a demonstrar a efectiva fundamentação dos actos de liquidação em crise, designadamente a prova documental, constitui um erro de julgamento. Julgamos, assim, que a recorrente alega que o Tribunal a quo se centrou no conteúdo das Modelo 344 e que não atendeu a todos os elementos probatórios constantes dos autos que, no seu entender, levariam a outra decisão da causa.
Vejamos. Está em causa a aplicação do artigo 88.º, nº 4, do CIVA[1], o qual estabelece, que a notificação do apuramento do imposto devido a rectificações a tributações oficiosas deverá indicar, sob pena de nulidade, os novos elementos e os actos através dos quais chegaram ao conhecimento da Administração Fiscal. Importa, pois, apreciar se as liquidações em apreço encerram as razões que sustentam a decisão nelas contida, de forma a que as mesmas sejam acessíveis a um destinatário médio, colocado na posição da impugnante. «É sabido que a falta ou insuficiência de fundamentação do acto, vício de natureza formal (e não substancial), se verifica quando o respectivo acto não exterioriza de modo claro, suficiente e congruente, as razões por que apresenta determinado conteúdo decisório. Sendo que a falta ou insuficiência de fundamentação não se confunde com o vício decorrente de erro sobre os pressupostos (este ocorre quando, apesar de o autor do acto ter dado a conhecer as razões em que suporta a decisão, tais razões não são, todavia, apropriadas ou suficientes ou demandavam diversa solução). Este direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, decorria já do art. 1º, nº 1, als. a) e c) do DL nº 256-A/77, de 17/6 e tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da parte 1ª da CRP - art. 268º (Vejam-se a abundante jurisprudência do STA atinente a esta matéria bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada», 1993, pp. 936 e Vieira de Andrade, «O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», 1990, pp. 53 e ss.) - tendo o respectivo princípio constitucional sido densificado nos arts. 124º e 125º do CPA, no art. 21.º do CPT (em vigor à data dos factos) e, posteriormente, nos arts. 77º nºs. 1 e 2 da LGT (acto administrativo tributário). E dado que este dever legal de fundamentação tem, «a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.» (ac. deste STA, de 2/2/2006, rec. nº 1114/05), então, essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto. Assim, utilizando a linguagem da jurisprudência, o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (Cfr. Vieira de Andrade – ob. cit. pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02.) Especificamente, também a decisão em matéria de procedimento tributário exige sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo essa fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os integrantes do relatório da fiscalização tributária, e devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. o art. 77º da LGT), tendo-se como constitucionalmente adequada a fundamentação que respeite os mencionados princípios da suficiência, da clareza, e da congruência e que, por outro lado, seja contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori (cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. n.º 01674/13 e de 23/4/2014, proc. n.º 01690/13). Retornando ao caso concreto, nas alíneas A. a J., consta o teor dos documentos que “fundamentam” as liquidações em causa. Vejamos o que se escreveu sobre esta questão na sentença recorrida: «Ora, como resulta dos factos julgados provados, os Serviços da Administração Tributária emitiram dois documentos, através do preenchimento de dois impressos modelo 344, dos quais não consta a motivação das aparentes correcções que terão conduzido às liquidações adicionais de IVA impugnadas e, consequentemente, às, também impungadas, liquidações de juros compensatórios. Não consta, de tais documentos, a mínima referência a factos ou razões subjacentes à inscrição dos valores que aí foram inscritos, nem o modo como desses, ou doutros valores, resultaram as liquidações impugnadas. Não resulta tal informação dos documentos analisados, referidos no probatório, nem de qualquer outro documento constante do processo administrativo ou dos autos, sendo certo que, na Contestação e nas Alegações finais, é nos documentos referidos no probatório (declarações Mod. 344) que a Fazenda Pública defende constar a fundamentação das liquidações. Mas o que consta das declarações Mod. 344 é a indicação, em diferentes quadros, de números, valores e siglas cuja utilidade no procedimento que conduziu às liquidações impugnadas escapa à percecpção de um destinatário normal. Resulta, assim, que a Administração Tributária se limitou a proceder à correcção de valores declarados pela Impugnante, em sede de IVA do ano de 2003, sem fundamentar tal decisão, não sendo, portanto, apreensíveis as razões porque se decidiu proceder às liquidações impugnadas. Resultado provada a falta de fundamentação das liquidações impugnandas, devem as mesmas ser anuladas.» Concorda-se inteiramente com o assim decidido. Pela Administração Fiscal foram emitidos dois documentos através do preenchimento de dois impressos Mod.344 dos quais não consta a motivação das correcções que terão levado às liquidações adicionais de IVA aqui impugnadas e respectivos juros compensatórios. Nos referidos documentos não constam quaisquer referências a factos ou razões subjacentes à inscrição dos valores que aí foram inscritos, nem o modo como desses, ou de outros valores resultaram as liquidações impugnadas. O que consta das referidas declarações Mod. 344 é a indicação, em diferentes quadros, de números, siglas e códigos que escapam à percepção de um destinatário normal.
Em sede de recurso vem, agora, a recorrente invocar que o Tribunal a quo limitou-se a decompor o conteúdo das Modelo 344 desvalorizando a restante prova documental presente nos autos. Em primeiro lugar, importa dizer que, a fls. 299 do PA, se encontra Parecer da Inspectora Tributária Principal, que teve despacho de concordância da Chefe de Divisão de Justiça Contenciosa – para a qual a contestação remete - onde se pode ler: «Após análise dos fundamentos constantes da petição inicial (p.i.) bem como dos elementos carreados para o Processo Administrativo, incluindo a informação do Mod. 344 da Direcção de Serviços de Cobrança do Imposto sobre o Valor Acrescentado, constata-se que se encontram devidamente fundamentados, quer os procedimentos quer as correcções técnicas que originaram as liquidações impugnadas.» Verifica-se, assim, que no referido parecer, foi a própria recorrente quem indicou a informação do Mod. 344 para dizer que os procedimentos e correcções técnicas que originaram as liquidações estavam fundamentados. Em segundo lugar, a recorrente invoca «a restante prova documental presente nos autos» mas na realidade não diz que prova é essa, limitando-se a fazer referência ao Ofício n.º ….. de 21-02-2006, elaborado pela Direcção de Serviços de Cobrança e notificado à impugnante. Ora, com o devido respeito, tal ofício junto aos autos como Doc. 13 junto com a p.i. (alínea K. do probatório), nada fundamenta, pois do mesmo consta o seguinte: «Comunica-se a V.Exa. que após análise efectuada à conta-corrente dessa empresa, detectou este Serviço a anomalia de utilização de excesso a reportar não coincidente, relativa a vários períodos. (…) A existência desta anomalia origina um débito de €27.283,39 a favor do Estado, efectuando-se a seu tempo, a respectiva Liquidação adicional e Juros Compensatórios, de harmonia com o disposto nos arts. 82º e 89º, nº 1 do Código do IVA, respectivamente.» Ora da leitura do referido ofício, ao contrário do que a recorrente invoca, não se descortinam quais as razões em que assentam as referidas correcções; o ofício não esclarece a razão de ser das anomalias detectadas; os motivos que estão na base das aludidas “anomalias” que não se mostram acessíveis a um destinatário médio, colocado na posição da impugnante. Deste modo, forçoso é concluir, como na sentença recorrida, que os elementos existentes nos autos não permitem discernir a fundamentação das liquidações impugnadas. Ao julgar no sentido da insuficiência e obscuridade da fundamentação do acto tributário, a sentença recorrida não merece censura, devendo ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
**** III – DECISÃO Termos em que, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 30 de Setembro de 2020
-------------------------------------- [Lurdes Toscano]
-------------------------------------- [Maria Cardoso]
___________________________ [Jorge Cortês] _______________________ [1] Na redacção anterior à revisão do articulado, efectuada pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20/06. [2] Acórdão do STA de 09/09/2015, Proc. 01173/14, disponível em www.dgsi.pt |