Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:493/11.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IVA;
LOCAÇÃO DE IMOVÉIS.
Sumário:I. O conceito de «locação de bens imóveis», constante do artigo 135.o, n.o 1, alínea l), da Diretiva IVA foi definido pelo Tribunal de Justiça como o direito conferido pelo proprietário de um imóvel ao locatário de, mediante remuneração e por um período acordado, ocupar esse imóvel como se fosse o proprietário e de excluir qualquer outra pessoa do benefício desse direito.

II. No caso dos autos, estamos perante a cedência de um espaço e já não na presença de uma locação de “paredes nulas” porquanto a referida locação foi acompanhada por bens de equipamento instalados no imóvel, que o compõem indispensáveis ao seu funcionamento.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO
SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DO MONTIJO, com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra os actos de liquidação adicional de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) referente aos períodos de 06/03, 08/12 e 09/12, no valor total de 19.553,77 €.

Tendo alegado, formulou, a final, as conclusões que infra se reproduzem:
«A) A recorrente nunca explorou diretamente a Praça de Touros (facto provado n.° 16), o que, desde logo, denota que não podia ceder aquilo que nunca deteve: a exploração;
B) Com efeito, para que possa haver cedência de exploração, o cedente tem, primeiro, que se demitir do exercício da atividade comercial, temporariamente, para esta passar a ser assumida pelo cessionário;
C) A “Praça de Touros” só pode ser vista como “unidade” ou “universalidade” (de facto ou de direito) organizada pelo comerciante - o que a Santa Casa da Misericórdia do Montijo não é -, com vista ao exercício do comércio próprio da empresa de espetáculos tauromáquicos (cfr. artigo 230.°, n.° 4, do Código Comercial), se e quando puder entrar em funcionamento de harmonia com o supra mencionado “Regulamento”;
D) A “Praça de Touros” não tinha, à data dos “contratos”, aptidão suficiente para nele se realizarem espetáculos tauromáquicos, tal como eles se encontram previstos no “Regulamento do Espetáculo Tauromáquico” publicado em Anexo ao Decreto-Regulamentar n.° 62/91, de 29 de novembro; Pois,
E) os vínculos contratuais que devem ser estabelecidos para que o comércio dos espetáculos tauromáquicos pudessem ter lugar naquela Praça não existiam por a recorrente Santa Casa da Misericórdia do Montijo nunca ter explorado, diretamente, a Praça de Touros;
F) Os empresários - as sociedades “B......., Lda.” e “L......., Lda.”, é que constituíram, no prédio arrendado, o estabelecimento comercial, de que são proprietários, e que era inexistente à data do contrato;
G) O que a Santa Casa da Misericórdia do Montijo cedeu foi o gozo do prédio, do imóvel, não o estabelecimento. Por tal razão. o contrato só pode ser qualificado como contrato de arrendamento (artigos 1022.° e 1023.° do Código Civil);
H) Consequentemente, a operação não está sujeita a I.V.A. por se enquadrar no n.° 27 do artigo 9° do C.I.V.A.;
I) As normas legais acima referidas foram erradamente interpretadas e aplicadas pela sentença recorrida.

Termos em que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por sentença que dê provimento à acção como é de JUSTIÇA!»

**

Não foram apresentadas contra-alegações.

**


Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público que se pronunciou pela improcedência do recurso interposto.

**


Colhidos os «Vistos» dos Ex.mos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir, submetendo-se para o efeito os autos à Conferência.

**

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e, considerando as conclusões formuladas, a questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida fez errada aplicação e interpretação do disposto no n.° 27 do artigo 9.° do CIVA.

**


III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«1. Em 1/1/1986, a Santa Casa da Misericórdia do Montijo, ora Impugnante, iniciou a atividade de "Apoio Social para pessoas idosas, com alojamento” com o "CAE 087301”, e o estatuto de instituição particular de solidariedade social, tendo como presidente J....... (cf. Síntese cadastral do contribuinte a fls. 53 do PAT).
2. Fiscalmente, a Impugnante está enquadrada em IRC, segundo as regras do Regime Geral e em IVA enquadrado no Regime Normal de Periodicidade Trimestral (cf. Síntese cadastral do contribuinte a fls. 53 do PAT).
3. No artigo 14.° do "Compromisso da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Montijo” consta a enumeração das receitas da Impugnante nos seguintes termos (cf. compromisso a fls. 20 a fls. 29 do PAT):
"n.° 2 - Constituem receitas ordinárias: a) os rendimentos dos bens próprios; b) o produto das quotas dos Irmãos; c) as pensões e percentagens de compensação pagas pelos utentes nas diversas valências das Misericórdias; d) outros rendimentos de serviços e ações sociais e e) os subsídios, comparticipações e compensações pagos pelo Estado e Autarquias Locais, com caráter de regularidade ou permanência em troca de serviços prestados.
n.° 3 - Constituem receitas extraordinárias: a ) os legados, heranças e doações; b) o produto dos empréstimos; c) o produto da alienação de bens; d) o produto de cortejos de oferendas e de donativos particulares; e) os subsídios do Estado e das Autarquias Locais, de carácter eventual, f) outros quaisquer rendimentos que por sua natureza não devam normalmente repetir-se em anos económicos sucessivos; g) os espólios dos utentes, que não forem legitimamente reclamados pelos respetivos interessados no prazo legal. ”
4. No artigo 14.° do “Compromisso da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Montijo” consta a enumeração das despesas da Impugnante nos seguintes termos (cf. compromisso a fls. 20 a fls. 29 do PAT):
“n.° 2. - Constituem despesas ordinárias: a) as que resultam da execução do presente compromisso; b) as que resultam de encargos da responsabilidade da Misericórdia; c) as que asseguram a conservação e a reparação dos bens e a manutenção dos serviços, incluindo vencimentos de pessoal e os respectivos encargos; d) as devidas por impostos, contribuições e taxas que oneram bens e serviços; e) as quotizações devidas a Uniões ou Federações em que a Misericórdia estiver inscrita ou filiada; í) as que resultam da deslocação de utentes, dos Corpos Sociais e de pessoal em serviço da Misericórdia; g) quaisquer outras que tenham caracter de continuidade e permanência e estiverem de harmonia com a Lei e com os objectivos estatutários.
n.° 3. - Constituem despesas extraordinárias: a) as despesas de construção e equipamento de novos edifícios ou serviços, ou da ampliação dos já existentes; b) as despesas de aquisição de terrenos para a construção de prédios rústicos e ou urbanos; c) as despesas que constituírem auxílios imperiosos e extraordinários a indivíduos que dele necessitem com urgência, quer moradores no âmbito territorial da Misericórdia, quer aos que nele acidentalmente se encontrem; d) outras despesas que se justifiquem pela sua utilidade ou necessidade e que forem previamente deliberadas e autorizadas pela Mesa Administrativa e pela Assembleia Geral. ”
5. Em 13/01/2006, foi celebrado entre a Santa Casa da Misericórdia de Montijo na qualidade de primeiro outorgante e a L......., Lda., na qualidade de segundo outorgante o “CONTRATO” nos termos do qual a primeira outorgante cede à segunda a exploração nos anos civis de 2006, 2007 e 2008 da Praça de Toiros Amadeu Augusto dos Santos sita no Montijo e que é propriedade da primeira outorgante, sendo a cedência no valor de € 100.000,00 como consta do contrato de fls. 67 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual consta em síntese, o seguinte:
“(...) Considerando que:
1. A Primeira Outorgante pôs a concurso a cedência de exploração, pelo prazo de três anos (anos civis de 2006, 2007, 2008), da Praça de Toiros Amadeu Augusto Santos, no Montijo de que é proprietária.
2. O concurso atrás mencionado foi efectuado de acordo com o Regulamento e Bases Contratuais que se anexa ao presente contrato, sob anexo I e que faz parte integrante do mesmo.
3. A proposta apresentada pela Segunda Outorgante que se junta sob anexo II e que fica a fazer parte integrante do presente contrato foi aprovada, em Sessão da Mesa Administrativa, realizada em 03/01/2006.
4. Na proposta referida no antecedente número, a Segunda Outorgante propôs pagar pela cedência, relativa aos três anos, a quantia de 100.000,00 €, a liquidar integralmente no acto de assinatura do presente contrato.
5. A Segunda Outorgante garantiu que, em cada um dos três anos de cedência de exploração, realizaria a corrida TV da RTP, sendo que a corrida TV da RTP, no ano de 2006, tem o n° 42°.
6. O sócio gerente da Segunda Outorgante, Sr. M......., declarou que se responsabilizava pelo cumprimento integral do clausulado do Anexo I.
É celebrado o contrato que se rege pelas seguintes cláusulas:



Cláusula 1.ª
Pelo presente contrato a Primeira Outorgante cede à Segunda Outorgante a exploração, nos anos civis de 2006, 2007 e 2008, da Praça de Toiros Amadeu Augusto dos Santos, sita no Montijo e que é propriedade da Primeira Outorgante.
Cláusula 2.ª
A Primeira e a Segunda Outorgantes obrigam-se a cumprir, na integra, o Regulamento e Bases Contratuais que constitui o Anexo I do presente contrato, dele fazendo parte integrante, com as especificidades que constam das cláusulas 3a, 4a e 5a.
Cláusula 3.ª
1. Pela cedência de exploração da Praça de Touros, nos anos de 2006, 2007 e 2008, a Segunda Outorgante paga, na presente data, à Primeira Outorgante a quantia de 100.000,00 € (cem mil euros), quantia que esta declara receber.
2. Face ao pagamento atrás referido não há lugar à aplicação da cláusula quinta, 5.1,5.2 e 5.3 do Anexo I.
Cláusula 4.ª
A Segunda Outorgante obriga-se a realizar, nos anos de 2006, 2007 e 2008, a corrida de Toiros, denominada corrida RTP e que no ano de 2006 é a 42a corrida de Toiros RTP.
Cláusula 5.ª
A Segunda Outorgante indica o sèu legal representante, Senhor M......., para os efeitos da cláusula segunda alínea e) do Anexo I.
(…)"
6. Em 05/12/2008 foi celebrado contrato denominado “ CONTRATO DE CESSÃO EXPLORAÇÃO PRAÇA DE TOUROS AMADEU AUGUSTO DOS SANTOS” entre a Santa Casa da Misericórdia de Montijo na qualidade de primeiro outorgante e a “B......., Lda., na qualidade de segundo outorgante nos termos do qual a primeira outorgante cede à segunda, a exploração nos anos civis de 2009, 2010 e 2011 ,da Praça de Toiros Amadeu Augusto dos Santos sita no Montijo e que é propriedade da primeira outorgante, sendo a cedência no valor anual de € 27.500,00 como consta do contrato de fls. 68 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, do qual consta em síntese:
“(…)
CLÁUSULA PRIMEIRA
1 - Pelo presente contrato a Primeira Contraente cede à Segunda Contraente a exploração, nos anos civis de 2009, 2010 e 2011, da Praça de Toiros Amadeu Augusto dos Santos, sita no Montijo, e que é propriedade da Primeira Contraente.
2- O presente contrato poderá ser renovado por períodos de 1, 2 ou 3 anos, por acordo entre as partes.
CLÁUSULA SEGUNDA
A Primeira e a Segunda Contraentes obrigam-se a cumprir, na íntegra, o Regulamento e Bases Contratuais que constitui o Anexo II do presente contrato, dele fazendo parte integrante, com as especificidades que constam das Cláusulas 3ª, 4ª e 5ª.
CLÁUSULA TERCEIRA
1. Pela cedência de exploração da Praça de Touros, nos anos de 2009, 2010 e 2011, a Segunda Contraente paga, à Primeira Contraente, a quantia global de 82.500,00 € (oitenta e dois mil e quinhentos euros), nos seguintes moldes: na presente data a quantia de 27.500,00€ (vinte e sete mi! e quinhentos euros), relativa ao ano de 2009, quantia que esta declara receber; Em Dezembro de 2009 a quantia de 27.500,00 € (vinte e sete mil e quinhentos euros), relativa ao ano de 2010; Em Dezembro de 2010, a quantia de 27.500,00 € (vinte e sete mil e quinhentos euros), relativa ao ano de 2011.
2. O Segundo Contraente pagará, também à Primeira Contraente o valor correspondente a 10% da receita de publicidade que realizar, nos painéis de publicidade colocados no exterior da Praça de Toiros até Dezembro do ano a que diz respeito.
CLÁUSULA QUARTA
A segunda Contraente obriga-se a realizar, nos anos de 2009, 2010 e 2011,6 Corridas de Toiros de acordo com a Clausula Sexta do Regulamento e Bases Contratuais.
CLAUSULA QUINTA
A B......., Lda., pode ceder a realização dos espetáculos taurinos á empresa Aplaudir, Lda., e esta á A......., Lda.
(…)"
7. Entre 11/11/2010 e 22/12/2010 a Divisão de Inspeção tributária da Direção de Finanças de Setúbal realizou uma inspeção externa à Impugnante em sede de IVA dos anos de 2006 a 2010 e em IRC dos anos de 2006 a 2009, desencadeado pelas ordens de serviço OI201003136, OI201003497 E OI201003503, motivadas pela “Análise das Restituições de IVA conforme DL 20/90, selecionadas por Entidade com mais de três restituições nos últimos 3 anos > 5.000,00 e não fiscalizadas, e por Fornecedor Nacional sem Declaração Periódica de IVA” (cf. ordens de serviço e relatório de inspeção a fls. 35 e seguintes do PAT).
8. Em 24/1/2011, a Divisão de Inspeção tributária da Direção de Finanças de Setúbal emitiu o projeto de relatório inspectivo constante de fls. 35 a fls. 52 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e do qual consta em síntese o seguinte:
“(...)
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
111.1 - Correcções às restituições solicitadas, nos exercícios de 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010
111.1.1 - Aquisição de bens e serviços, destinados a prédios arrendados
De acordo com os elementos constantes do anexo 02, entre os exercícios de 2006 a 2010, o sujeito passivo solicitou 15 pedidos de restituição de IVA, ao abrigo do Decreto-lei 20/90 de 13 de Janeiro.
Analisadas as referidas restituições, verificou-se que em 9 delas, foi requerido IVA respeitante à aquisição de bens e serviços destinados a prédios arrendados pelo sujeito passivo, conforme consta dos contratos de arrendamento, e do auto de declarações que constituem o anexo 03, e IVA referente à aquisição de bens e serviços utilizados na Praça de Touros do Montijo, da qual a Santa Casa da Misericórdia é proprietária, encontrando-se a exploração cedida a terceiros, de acordo com os contratos que constituem o anexo 04.
(...)
Após consulta aos fins estatutários da Instituição, constantes do anexo 05, nomeadamente aos artigos 1.° e 3.°, verifica-se que "...o objectivo fundamental é o de praticar actos de solidariedade social e de culto católico...”, constituindo o objecto fundamental da Misericórdia o “desenvolvimento das suas acções em especial nos campos da Terceira Idade, de Infância, de Habitação Social e bem ainda da Saúde, da Educação e dos Desadaptados Sociais, para cujos fins, sem quebra da sua autonomia, da sua independência e dos princípios que a criaram e orientam, cooperará com outras entidades públicas ou particulares ...”
Embora se encontre definido nos fins estatuários, o desenvolvimento da habitação social, cujo regime é regulado através do Decreto-lei 166/93 de 7 de Maio, os arrendamentos efectuados pela Instituição não se enquadram no referido diploma legal, conforme consta dos contratos realizados, sendo dois deles destinados à actividade comercial.
Assim, verifica-se que os arrendamentos de imóveis, que não cumpram as normas que regem a atribuição de habitação social, estão fora dos fins estatutários da Santa Casa da Misericórdia do Montijo.
111.1.2 - Aquisição de bens e serviços destinados à cedência de exploração
Também a cedência de exploração da Praça de Touros, efectuada pelo sujeito passivo à sociedade “L....... Lda. NIPC…….” nos anos de 2006 a 2008, e à “B....... Lda. NIPC……….”, nos anos de 2009 a 2011, não se enquadra dentro dos fins estatutários, pelas mesmas razões de facto e de direito referidas no arrendamento de imóveis. Pelo exposto o IVA suportado na aquisição de bens ou serviços destinados aos imóveis arrendados, e à Praça de Touros, não pode ser restituído, por não se enquadrar no artigo 2. ° n.° 1 alíneas a) e b) do Decreto-lei 20/90, originando as seguintes correcções:
(…)
111.2 - Falta de liquidação de IVA em operações tributáveis
Conforme descrito no ponto anterior, o sujeito passivo é proprietário da Praça da Praça de Touros Amadeu Augusto dos Santos, sita no Montijo.
Através dos contratos que fazem parte integrante do anexo 04, o sujeito passivo cedeu a exploração da mesma, à sociedade “L....... Lda. NIPC ………… durante os anos de 2006 a 2008, e à sociedade “B....... Lda. NIPC ………..", nos anos de 2009 a 2011.
No contrato realizado com a “L.......”, foi fixado o valor de € 100.000,00 pela cedência de exploração, a vigorar durante os três anos, tendo o sujeito passivo recebido a totalidade do valor, na data da assinatura do contrato, ou seja, em 13 de janeiro de 2006, de acordo com a cláusula 3a do contrato, e dos elementos que constam do anexo 08.
Quanto ao contrato assinado, com a “B.......”, foi acordado o valor de € 82.500,00, pela cedência de exploração dos três anos, cujos recebimentos no valor de € 27.500,00 cada, devem ocorrer no mês de dezembro dos anos de 2008, 2009 e 2010, para os anos de 2009, 2010 e 2011, de acordo com o ponto 1 da cláusula 3a do contrato, e dos elementos que constam do anexo 09.
Há a salientar que embora o recebimento referente a 2010, tenha ocorrido apenas em 21/01/2010 (folha 02 do anexo 09), a exigibilidade do IVA ocorreu em Dezembro de 2009, uma vez- que corresponde à data acordada no contrato de cedência de exploração.
Nas referidas operações o sujeito passivo, não procedeu à liquidação do IVA.
Refere o artigo 9.° n.° 29 alínea C) do CIVA “ Estão isentas do imposto; A locação de bens imóveis. Esta isenção não abrange: A locação de máquinas e outros equipamentos de instalação fixa, bem como qualquer outra locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial”
Na situação em análise estamos perante a cedência de um espaço que reúne inequivocamente condições para o exercício de uma actividade comercial, tendo, aliás, sido concebido pára esse mesmo objectivo - a realização de espectáculos tauromáquicos, afastando-se desde logo a figura de mera locação de imóveis, já que não estamos na presença de uma locação de simples "paredes nuas”, uma vez que a referida locação é acompanhada por bens de equipamento instalados no imóvel, que nos termos do Decreto Regulamentar 62/91 de 29 de Novembro têm de obrigatoriamente de existir numa Praça de Touros de 1.a categoria (balanças de pesagem das reses, equipamentos cirúrgicos), como é o caso da Praça de Touros do Montijo.
Além dos mencionados equipamentos, existem outros bens afectos à Praça de Touros, propriedade do sujeito passivo, e que acompanharam a referida locação, de acordo com os elementos disponíveis no anexo 10.
Neste sentido, estamos na presença de uma cedência de determinado espaço preparado para o exercício de uma actividade económica, encontrando-se tais operações fora do campo da isenção, do artigo 9.° n.° 29.° do CIVA e, nesta conformidade, sujeitas a imposto e dele não isentas, nos termos do artigo 4.° do mesmo código, sendo tributadas à taxa prevista no artigo 18.° n.° 1 alínea c), do mesmo diploma legal, consubstanciando-se nas seguintes correcções:





Os valores inscritos no C24, referem-se a IVA suportado na aquisição de bens e serviços destinados à Praça de Touros, que o sujeito passivo não deduziu, uma vez que até 2010/11/16, encontrava-se enquadrado no artigo 9.° do CIVA, de acordo com os elementos que constituem o anexo 11, tendo sido enquadrado no regime normal trimestral retroactivamente a 2006/01/01.
No entanto, o IVA a deduzir nas declarações, foi restituído ao sujeito passivo ao abrigo do Decreto-lei 20/90, constando as correcções propostas do ponto III.1 do presente relatório/conclusões.
O valor tributável das operações activas, foi determinado de acordo com o disposto no artigo 16.° n.° 1 do CIVA.
Não foi possível determinar os valores das operações isentas sem direito à dedução à dedução, que deveriam ter sido inscritas no C) das declarações de IVA, referentes a 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010, uma vez que quando solicitados, o sujeito passivo não os facultou.
Os cálculos alusivos ao IVA dedutível, bem como os respetivos documentos de suporte, encontram-se integrados no anexo 12.
(...)
IX. - DIREITO DE AUDIÇÃO
Através do nosso oficio n.° 43885 de 2010/12/31, foi o sujeito passivo notificado, nos termos do art. 60.° da Lei Geral Tributária e no art.° 60.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, para, no prazo de 10 dias, querendo exercer o direito de audição (anexo 16).
O referido direito foi exercido em 2011/01/13 (anexo 17)
(...)
IX.3 - Cedência de exploração
Quanto à discordância da qualificação dos contratos, que a Santa Casa da Misericórdia do Montijo, celebrou com a sociedade “L....... Lda”, e “B....... Lda”, refira-se que só se encontra isenta de IVA a locação de bens imóveis para fins habitacionais ou para fins não habitacionais - comerciais, industriais ou agrícolas - quando for efectuada “paredes nuas”, no caso de prédios urbanos ou de parte urbana em prédios mistos, ou “apenas o solo”, no caso de prédios rústicos.
Este conceito permite desde logo limitar a isenção de locação de imóveis às situações em que a cedência do gozo do imóvel não é acompanhada de quaisquer bens de equipamento instalados no imóvel, ou acompanhada do fornecimento de mobiliário e/ou outros utensílios.
No entanto, o conceito de “paredes nuas” não se limita aí. Mais do que isso deve ser interpretado à luz da ideia de diferenciação entre o conceito civilístico de locação de bens imóveis - nos termos do artigo 1022.° do Código Civil, o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição - e o conceito de cedência temporária de estabelecimento ou cessão de exploração de estabelecimento - nos termos do artigo 1109.° do Código Civil - transferência temporária e onerosa do gozo do prédio ou de parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado.
Assim, o conceito de “paredes nuas”, não se limita ao facto de a locação ser acompanhada ou não de determinados bens de equipamento, mobiliário ou utensílios, está intrinsecamente relacionada com a aptidão produtiva do imóvel, ou melhor para a preparação para o exercício de uma actividade comercial.
Tal como descrito no ponto III.2 do presente relatório, não foi apenas a balança para a pesagem das reses e o equipamento cirúrgico, que o sujeito passivo refere no direito de audição, que acompanharam a locação, mas também os bens descritos no anexo 10.
A Praça de Touros Amadeu Augusto dos Santos, no Montijo, encontra-se apetrechada com um mínimo de condições que vão para além do conceito, necessariamente restrito de "paredes nuas”, e não é pelo facto de faltarem alguns elementos para a realização dos espectáculos, conforme invoca o sujeito passivo no ponto 22 do direito de audição, que lhe é retirado o conceito de estabelecimento comercial, uma vez que existe estabelecimento comercial sempre que se possa afirmar que um determinado conjunto de bens e direitos "serve", essencialmente, para desenvolver uma certa actividade económica, sem prejuízo de ser ainda necessário juntar-lhe outros meios acessórios (ac. STJ 24.05.2005, Processo n.° 1321, www.dqsi.pt).
Podemos então afirmar que a Praça de Touros Amadeu Augusto do Santos, tem aptidão funcional, uma vez que a sua construção foi concebida para a realização de espectáculos tauromáquicos, constituindo a base para a realização dos mesmos.
As sociedades "B.......”, e “L....... Lda.”, não constituíram o estabelecimento comercial, uma vez que o mesmo já existia, limitando-se apenas a completá-lo, com os elementos acessórios, necessários à realização de corridas de touros.
Quanto ao IVA suportado na aquisição de bens e serviços destinados à Praça de Touros, não tem o sujeito passivo direito à sua restituição nos termos do Decreto-lei 20/90, mas poderá exercer o direito à dedução nas declarações periódicas, uma vez que se destina a uma actividade tributada. Em conclusão: O direito de audição não altera o entendimento expresso no projecto de relatório, mantendo-se as correcções descritas no ponto III, do presente relatório/conclusões.
(…)"
9. Nos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010, a Impugnante pediu a restituição de IVA, relativamente às seguintes despesas que efetuou com a Praça de Touros do Montijo:
- “Plano de evacuação da Praça de Touros do Montijo”, “Remodelação da iluminação da Praça de Touros do Montijo”, “Execução de pavimento na entrada na Praça de Touros”, “Execução da saída de emergência na Praça de Touros”, “Execução da vedação na zona das cavalariças”, “Substituição do quadro elétrico da Praça de Touros”, “Obras efetuadas na praça de touros no Montijo”, “Tintas aplicadas na praça de touros” “Execução de rampas na Praça de Touros” “Prestação de Serviço na obra da Praça de Touros no Montijo”, “Aquisição de material de detecção de incêndios, para a Praça de Touros do Montijo” , “Plantas de emergência para a Praça de Touros”, “Reparação das trincheiras e das portas dos curros da Praça de Touros do Montijo, “Aquisição de Gerador para a Praça de Touros do Montijo (cf. relatório de inspeção tributária a fls. 46 e 47, auto de declarações a fls. 64 e fls. 65 do PAT, faturas constantes de fls. 76 a fls. 141, todas do PAT)
10. Em 27/1/2011, o Diretor de Finanças Adjunto, no âmbito de delegação de competências do Diretor de Finanças, emitiu o despacho de concordância com o Relatório de Inspecção Tributária e respetivas correcções em sede de IVA e IRC, nos termos constantes de fls. 35 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
11. Em 27/1/2011, a Direção de Finanças de Setúbal enviou à Impugnante, por carta postal registada com aviso de receção, o oficio n.° 43885, constante de fls. 14 do PAT, com o assunto: “RELATÓRIO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA - ART.° 77 DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA (LGT) E ARTIGO 62.° DO REGIME COMPLEMENTAR DO PROCEDIMENTO DE INSPEÇÃO TRIBUTARIA (RCPIT)”
12. Em 1/3/2011, a Direção Geral dos Impostos emitiu em nome da Impugnante as seguintes liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, com data imite fe pagamento de 30/4/2011 (cf. liquidações a fls. 8 a fls. 13 do PAT):
- Liquidação adicional de IVA n.° ......., no valor de EUR 6.827,56, relativa ao período de 0603;
- Liquidação de juros compensatórios n.° ......., no valor de EUR 1.283,21, relativa ao valor de EUR 6.827,56, no período de 15/5/2006 a 24/1/2011;
- Liquidação adicional de IVA n.° ......., no valor de EUR 5.500,00, relativa ao período de 0812;
- Liquidação de juros compensatórios n.° ......., no valor de EUR 426,14, relativa ao valor de EUR 5.500,00, no período de 16/2/2009 a 24/1/2011;
- Liquidação adicional de IVA n.° ......., no valor de EUR 5.317,00, relativa ao período de 0912;
- Liquidação de juros compensatórios n.° ......., no valor de EUR 199,86, relativa ao valor de EUR 5.317,00, no período de 15/2/2010 a 24/1/2011;
13. A Santa Casa da Misericórdia do Montijo, tem um lar/centro de dia e apoio domiciliário, tem infantários e uma cantina social de apoio a sem-abrigo (cf. depoimento das testemunhas L....... e H.......).
14. As receitas têm origem nas comparticipações dos utentes e familiares, das comparticipações da segurança social, dos bens de rendimento (casa doadas, praça de touros, igreja e hospital), e das quotas dos irmãos (cf. depoimento da testemunha L.......)
15. A Santa Casa da Misericórdia do Montijo tem imóveis que foram doados, casas de habitação, que depois arrenda a pessoas carenciadas (cf. depoimento das testemunhas L....... e H.......).
16. A Santa Casa da Misericórdia do Montijo nunca explorou diretamente a Praça de Touros (cf. depoimento das testemunhas L....... e H.......).
17. A Praça de Touros é explorada por empresários mediante um pagamento anual ou por triénio (cf. depoimento das testemunhas L....... e H.......).
18. A receita desses contratos é depois aplicada no lar e nos infantários (cf. depoimento da testemunha L.......).
19. Há uma avença paga pela Santa Casa para uma pessoa guardar a Praça de Touros (cf. depoimento das testemunhas L....... e H.......).
*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada, no depoimento da testemunha L......., funcionária administrativa na Impugnante, desde 2001 a 2011, que respondeu com rigor, de forma verosímil e coerente às perguntas que lhe foram formuladas e da testemunha H....... diretora financeira na Impugnante, desde Maio de 2006, a qual também prestou um depoimento credível, seguro e com conhecimento dos factos.

Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.»
**


B. DO DIREITO

O Tribunal recorrido, depois de discorrer sobre o enquadramento legal e doutrinal das figuras do contrato de locação de imóveis e contrato de cessão de exploração, considerou que que perante a factualidade provada os contratos questionados nos autos só poderão ser qualificados de contratos de cessão de exploração, tal como, de resto, foram designados aquando da respectiva outorga.

No entender da Impugnante (doravante recorrente), a sentença sob recurso fez errada interpretação e aplicação da norma contida no n.° 27 do artigo 9.° do CIVA, na medida em que o que foi cedido não foi o estabelecimento, mas sim gozo do imóvel. Por isso, defende que os contratos questionados nos autos só podem ser qualificados como contratos de arrendamento (cfr. artigos 1022.° e 1023.° do Código Civil).

Nesta perspectiva, como deixamos dito, a questão a decidir no presente recurso prende-se em saber se os contratos celebrados entre a recorrente, na qualidade de primeiro outorgante, e as sociedades «L......., Lda.» e «B......., Lda.», na qualidade de segundo outorgante, assumem a natureza de contratos de cessão de exploração, como entendeu o Tribunal «a quo» ou ao invés como reitera a recorrente, em sede recursória, devem ser qualificados como contratos de arrendamento e por conseguinte a mesma não tinha que liquidar IVA.

Vejamos se tal dissídio assenta em fundamentos fácticos e jurídicos que possam ser sufragados.

Como é sabido, a qualificação jurídica de determinado contrato não depende da que lhe for atribuída pelas partes, antes havendo que o qualificar em face da lei, o que significa que temos então de apurar se os contratos em causa nos autos constituem meros contratos de arrendamento de imóvel ou contratos de cessão de exploração de estabelecimento comercial.

Vejamos, então.

Mediante os contratos elencados nos pontos 5 e 6 do probatório, a recorrente cedeu a exploração da Praça de Toiros Amadeu Augusto Santos, sita no Montijo pelo prazo de três anos (anos civis de 2006, 2007, 2008), da Praça de Toiros Amadeu Augusto Santos, no Montijo de que é proprietária à «L......., Lda» e nos anos de 2009, 2010 e 2011 à «B......., Lda».

Mais ficou convencionado que a «L......., Lda» se obrigou a realizar, naqueles anos a corrida de Toiros, denominada corrida RTP e que no ano de 2006 é a 42ª corrida de “Toiros RTP” e a «B......., Lda», a realizar seis Corridas de Toiros de acordo com a Clausula Sexta do Regulamento e Bases Contratuais.

O conceito de «locação de bens imóveis», constante do artigo 135.o, n.o 1, alínea l), da Diretiva IVA foi definido pelo Tribunal de Justiça como o direito conferido pelo proprietário de um imóvel ao locatário de, mediante remuneração e por um período acordado, ocupar esse imóvel como se fosse o proprietário e de excluir qualquer outra pessoa do benefício desse direito. (Acórdão de 19 de dezembro de 2018 - Virgil Mailat, Delia Elena Mailat/Apcom Select SA, processo C-17/18)

https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=209350&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=2990267

O Tribunal de Justiça também precisou que a isenção prevista naquela disposição se explica pelo facto de a locação de bens imóveis, embora sendo uma atividade económica, constituir habitualmente uma atividade relativamente passiva, que não gera um valor acrescentado significativo.

Assim, conforme o Tribunal de Justiça já declarou, não pode beneficiar desta isenção uma actividade que implique não só a colocação à disposição passiva de um bem imóvel mas também um certo número de atividades comerciais, como a supervisão, a gestão e a manutenção constante pelo proprietário, bem como a colocação à disposição de outras instalações, de modo que, não se verificando circunstâncias absolutamente especiais, a locação deste bem não pode constituir a prestação preponderante (Acórdão de 2 de julho de 2020 -Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö/Oy, processo C-215/19).

https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=228041&pageIndex=0&doclang=pt&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=7592054

No que concerne ao contrato de cessão de exploração de estabelecimento, expressa a lei que não é havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado (artigo 111º, n.º 1 do RAU).

Donde, «[a] usualmente denominada cessão de exploração ou concessão de exploração de estabelecimento comercial não é senão um contrato de locação do estabelecimento como unidade jurídica, isto é, um negócio jurídico pelo qual o titular do estabelecimento proporciona a outrem, temporariamente e mediante retribuição, o gozo e fruição do estabelecimento, ou seja, a sua exploração mercantil. O cedente ou locador demite-se temporariamente do exercício da actividade comercial e quem o assume é o cessionário ou locatário» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de abril de 2012, proferido no processo n.º 5527/04.2TBLRA.C1.S1, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

No plano do direito a cessão de exploração do estabelecimento comercial pressupõe, nos termos do n.º 2 do artigo 111.º remissivo ao n.º 2 do artigo 115.º do RAU (DL n.º 321-B/90 de 15 de Outubro), que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos:

a) - Acordo entre o detentor de um estabelecimento comercial e um outro sujeito, tendo por objecto a transferência para este da exploração de um estabelecimento comercial ou industrial, englobando a transmissão de instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento;

b) - Feita juntamente com o gozo do prédio, continuando a exercer-se nele o mesmo ramo de comércio ou indústria, não podendo ser-lhe dado destino diferente;

c) - Tendo essa transferência um carácter ou uma duração temporariamente delimitada ou fixada;

d) - E feita a título oneroso, ou seja, mediante o pagamento de uma contraprestação.

Em traços gerais, podemos afirmar que o objecto da cessão de exploração não é o imóvel em si, mas sim o estabelecimento como um bem unitário, compreendendo a globalidade dos elementos que o integram e a sua destinação ao prosseguimento de uma dada actividade mercantil.

Sobre a diferenciação entre contrato de arrendamento comercial e o contrato de cessão de exploração (ou de locação de estabelecimento) pode ler-se no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de junho de 2012, proferido no processo n.º 1289/09.5TBFUN.L1-6: «I. O contrato de arrendamento comercial e o contrato de cessão de exploração (ou de locação de estabelecimento) são diferentes, na medida em que o primeiro consiste na cedência temporária do gozo de um imóvel mediante retribuição, com o fim de aí ser exercida uma qualquer actividade comercial ou industrial, enquanto o segundo consiste na cedência temporária, mediante retribuição, da unidade económica constituída por um determinado estabelecimento comercial, do qual faz parte a fruição do imóvel onde ele está instalado. 2. Para que o contrato seja qualificado como de cessão de exploração, é essencial que se pretenda a manutenção pelo cessionário da exploração do estabelecimento no respectivo ramo de actividade e que a transmissão seja acompanhada de elementos que integram o estabelecimento, mas não é necessário que o estabelecimento já tenha funcionado antes ou já esteja completo.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Mais esclarece Clotilde Celorico Palma que, a isenção do pagamento de IVA relativamente a locação de imóveis no sentido que lhe é dado pelo artigo 1022º do CC “(…) no caso de prédios urbanos, só se aplica a isenção caso se trate de paredes nuas, seja para fins habitacionais, comerciais, industriais ou agrícolas” (Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, nº 1, pág. 162-163).

Volvendo ao caso concreto em análise, verifica-se que para além de constar expressamente nos contratos que as partes pretenderam celebrar um contrato de cessão de exploração, a actividade que a cessionária veio efectivamente a desenvolver na Praça de Touros foi a actividade que se pretendeu transmitir acompanhada de bens ligados a tal actividade.

Acresce, como aliás bem se refere na sentença recorrida, que se a recorrente não estivesse a ceder a exploração de um estabelecimento comercial de realização de touradas, mas apenas um imóvel com certas características arquitetónicas que poderia ser usado pelo locatário de outras maneiras, então não tinha que instalar balanças de pesagem de animais e equipamento cirúrgico.

E, ainda que faltassem alguns elementos para a realização de espetáculos, conforme alegou a recorrente na sua petição inicial, nem por isso deixa de ser um estabelecimento comercial, na medida em que « Existe estabelecimento comercial sempre que um determinado conjunto de bens e direitos “sirva” essencialmente para desenvolver uma certa actividade económica, sem prejuízo de ser ainda necessário juntar-lhe outros meios acessórios(Acórdão de Supremo Tribunal de Justiça de 20 de maio de 2005, proferido no processo n.º 05B1321, disponível em texto integra em www.dgsi.pt).

Estes últimos têm na verdade de ser meramente acessórios, pois senão seriam eles que integravam a noção de estabelecimento.

Como resulta do acima exposto estamos perante a cedência de um espaço e já não na presença de uma locação de “ paredes nulas” porquanto a referida locação foi acompanhada por bens de equipamento instalados no imóvel, que nos termos do Decreto Regulamentar 62/91 de 29 de Novembro têm de obrigatoriamente de existir numa Praça de Touros de 1.ª categoria (balanças de pesagem das reses, equipamentos cirúrgicos), como é o caso da Praça de Touros do Montijo, o que não vem colocado em causa pela recorrente.

Por conseguinte, bem decidiu o Tribunal «a quo» ao qualificar os contratos celebrados pela recorrente como contratos de cessão de exploração, tal como foram designados aquando da sua outorga, encontrando-se tais operações fora do campo da isenção, do artigo 9.° n.° 29.° do CIVA e, nesta conformidade, sujeitas a imposto e dele não isentas, nos termos do artigo 4.° do mesmo código.

IV.CONCLUSÕES

I. O conceito de «locação de bens imóveis», constante do artigo 135.o, n.o 1, alínea l), da Diretiva IVA foi definido pelo Tribunal de Justiça como o direito conferido pelo proprietário de um imóvel ao locatário de, mediante remuneração e por um período acordado, ocupar esse imóvel como se fosse o proprietário e de excluir qualquer outra pessoa do benefício desse direito.

II. No caso dos autos, estamos perante a cedência de um espaço e já não na presença de uma locação de “paredes nulas” porquanto a referida locação foi acompanhada por bens de equipamento instalados no imóvel, que o compõem indispensáveis ao seu funcionamento.

V. DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os juízes que integram a 1.ª da Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.




Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 13 de Maio de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Isabel Fernandes e Jorge Cortês].

(Ana Pinhol)