Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07768/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/26/2014
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:ANULAÇÃO DA VENDA/ ANÚNCIOS E EDITAIS/ ERRO SOBRE O OBJECTO
Sumário:I. Se é certo que a Administração Fiscal não está obrigada a efectuar uma descrição exaustiva do bem a vender, bastando que faça uma descrição sumária do mesmo, há que verificar, caso a caso, se os elementos divulgados nos anúncios e editais são suficientes para que o potencial interessado forme uma exacta e correcta ideia sobre o mesmo bem, nos seus aspectos quantitativos e qualitativos, ou seja, que tais elementos são susceptíveis de proporcionar aos potenciais compradores toda a informação relevante sobre as características do bem a vender, que não seja possível obter através do exame dos próprios bens.
II. Considerando que, no caso em apreço, do edital e dos anúncios de publicitação da venda consta a identificação do bem, ou seja, a fracção autónoma, número de matriz, a data de inscrição na matriz e freguesia, o seu destino, bem como o número de assoalhadas e a localização, não constando porém, qualquer referência à ampliação de um piso e à existência de dois anexos sem o respectivo licenciamento camarário, factos estes que, naturalmente, não são apreensíveis pelo exame do bem imóvel, tal omissão consubstancia uma desconformidade entre o bem anunciado e o real que não pode deixar de ser relevante para efeitos de anulação da venda, nos termos previstos no artigo 257º, nº1, alínea a) do CPPT,
III. A tal não obsta o disposto no artigo 905º, nº6 do CPC (actual 833º, nº6 do NCPC), segundo o qual a venda de imóvel em que tenha sido, ou esteja sendo, feita construção urbana, ou de fracção dele, pode efectuar-se no estado em que se encontre, com dispensa da licença de utilização ou de construção. Uma coisa é a venda poder ter lugar nessas circunstâncias; outra, bem diferente, é dar a conhecer aos potenciais interessados na aquisição essas mesmas circunstâncias (de falta de licenciamento) em que o bem se encontra.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a reclamação deduzida, ao abrigo do artigo 276º do CPPT, ex vi artigo 257, nº7 do mesmo CPPT, pela sociedade ... , LDA., na qualidade de adquirente, contra o despacho da Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças de Setúbal, que indeferiu o pedido de anulação de venda da fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao R/C Esq., destinado a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... ... , n° 28, Corroios, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4234, da Freguesia de Corroios, Concelho de Seixal, levada a efeito no âmbito a execução fiscal nº369720010101029940 e apensos, e que, em consequência determinou a anulação de todo o processado e da venda do referido prédio urbano, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

“a) Salvo o devido respeito, que é muito, a Meritíssima Juiz não deveria ter concluído como concluiu, porquanto, com a devida vénia, a alegada factualidade não é subsumível no artigo 257º, nºs l alínea a) e 2 do CPPT, nem nas restantes alíneas do nº l do mesmo preceito legal;

b) O pedido de anulação da venda não se enquadra em ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado, nem em erro sobre o objecto transmitido, nem sequer em erro sobre as qualidades do objecto transmitido, por falta de conformidade com o que foi anunciado;

c) Consequentemente, a falta de licenciamento de um piso e anexos não constitui, atento o entendimento que colhemos da lei, uma nulidade determinante da anulação da venda;

d) Não podendo assim deixar de se estar mais de acordo com o argumento avançado pelo contra-interessado ... , SA, em como a Reclamante deveria ter visualizado o bem antes da sua aquisição e, em consequência, discordando-se, em absoluto, de que tal argumentação assenta num juízo de valorização ético e de censura, bem como que tal característica não tem a ver com o exame físico do bem;

e) A alegada factualidade não é, de todo, subsumível no artigo 257º, nºs l alínea a) e 2 do CPPT, nem nas restantes alíneas do n.º1 do mesmo preceito legal;

f) Decorrendo do artigo 257º do CPPT, sob a epígrafe “Anulação da venda”:

1 - A anulação da venda só poderá ser requerida dentro dos prazos seguintes:

a) De 90 dias, no caso de a anulação se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado;

b) De 30 dias, quando for invocado fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo da alínea a) do nº1 do artigo 203º;

c) De 15 dias, nos restantes casos previstos no Código de Processo Civil.

2 - O prazo contar-se-á da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento, ou do trânsito em julgado da acção referida no nº3;

g) Resultando do citado preceito legal, que o prazo mais dilatado para requerer a anulação de venda, é o de 90 dias nos casos previstos no nº l;

h) Tratando-se, o que não se concede, de pedido de anulação fundado na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado;

i) Além do mais, o estatuído no nº 6, do artigo 833º do Novo Código do Processo Civil (NCPC), aplicável ex vi alínea e), do artigo 2º, do CPPT, permite a venda de imóvel ou de fracção (autónoma) dele, ainda que tenha construção urbana em curso, no estado em que se encontre, com dispensa de licença de utilização ou de construção, devendo contudo a venda realizar-se no âmbito de um processo executivo;

j) O que foi ocaso;

k) Estatuindo ainda, a supra citada disposição legal, que sobre o adquirente recai o ónus de legalização da respectiva construção urbana licenciada;

l) Estamos, assim, perante uma excepção à regra geral de obrigatoriedade da existência e apresentação da licença de construção ou de utilização na venda de prédios urbanos, cujo regime jurídico vem regulado pelo Decreto-Lei nº 281/99, de 26 de Julho;

m) Como referido na douta sentença, a páginas 6, decorre do anúncio que se trata de (...) Fracção autónoma designada pela letra B, correspondente ao R/C Esq., destinado a habitação, do prédio urbano em regime de Prop. Horiz., sito na Rua ... ... , Nº28, Corroios, 2855-032, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4234, da Freguesia de Corroios, Concelho do Seixal (...)";

n) Estamos assim perante um imóvel destinado à habitação, tout court, logo inexistindo o alegado vício, cabendo assim ao Reclamante provar o erro sobre o objecto;

o) Por conseguinte, não é verdade que exista desconformidade entre o que foi anunciado e o que foi vendido;

p) Sinalizando-se como contraproducente a inclusão nos anúncios de elementos ou de informações, de algum modo susceptíveis de induzir, nos interessados, o desinteresse pelo indispensável dever de examinar os próprios bens, que sobre eles, e no seu próprio interesse, impende;

q) Isto é, sinaliza-se (Perdoe-se-nos a imodéstia) como contraproducente, toda e qualquer tentativa de abarcamento, pelos anúncios, de elementos ou de informações que somente o exame aos próprios bens permite recolher;

r) Daí a nossa concordância quanto à irrelevância, para efeitos de anulação, do entendimento subjectivo do comprador sobre as qualidades do objecto;

s) Daí também a nossa discordância com a douta sentença, ora recorrida, por dela não se alcançar que o objecto transmitido não tinha as características anunciadas;

t) O Tribunal “a quo” ao julgar a Reclamação procedente, está, a nosso ver, infundadamente, a acreditar na alegada tese da existência do alegado erro sobre o objecto, carreado, para os autos, pela ora Impugnante, não obstante o anúncio não deixar margem para dúvidas quanto à identificação do bem, designadamente quanto ao reconhecimento da fracção autónoma em si, ao seu número de matriz, à respectiva freguesia e destino;

u) A requerida anulação da venda, designadamente nos termos - em que é pedida na douta sentença - do disposto no artigo 257º, nº1, alínea a), e 2 do CPPT, ou seja, dentro do prazo de 90 dias a contar da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamentação à anulação, só tem lugar com fundamento na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado;

v) Como já dissemos, e com a devida vénia por melhor opinião não é, de todo, o caso;

w) Nem o Acórdão citado, vide, sff, página 21, do aresto, lhe pode ser aplicável, dada a inexistência de dúvidas quanto ao destino da venda anunciada;

x) Situação que, como já dissemos, e igualmente com a devida vénia, não é comparável com o caso que nos ocupa;

y) Como estatuído pelo Acórdão de TCA Sul, de 15-09-2010, processo 04008/10 - IV) -No domínio da venda em processo executivo, o erro sobre as qualidades do objecto só releva se ocorrer falta de conformidade com o anunciado, como resulta do preceituado na parte final da alínea a) do nº1 do art.257.° do C.P.P.T., irrelevando, para efeitos de anulação, o entendimento subjectivo do comprador sobre as qualidades do objecto, só podendo a venda ser anulada se for de entender que o objecto transmitido não tinha as características que foram anunciadas;

z) No caso que nos ocupa é por demais evidente que se trata de fracção autónoma para habitação;

aa) A ora Impugnante sempre poderia contactar o fiel depositário do bem imóvel em questão;

bb) Não advindo dos autos nada que indicie que o fiel depositário se, contactado, se haja mostrado indisponível para facultar o exame do próprio bem;

cc) In casu, fica provado que, na decisão da compra, os legais representantes da interessada e ora Impugnante, não consideraram relevante, para a formação da sua vontade, o exame do próprio bem;

dd) Em matéria de publicidade da venda, no nº5 do artigo 249º, do CPPT, não se inclui entre os requisitos dos editais e anúncios a indicação prevista no nº4, do artigo 817º do Novo Código do Processo Civil (NCPC);

ee) Como sublinhado por Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª Edição 2011, IV Volume, Página 121, “(...) sendo os anúncios e editais aqui referidos os únicos meios previstos para proporcionar aos potenciais compradores informação sobre as características do bem a vender, é de entender que daqueles deverá constar toda a informação relevante para formação da vontade dos compradores que não seja possível obter através do exame dos próprios bens” Sublinhado nosso.

ff) Não se tratou de anunciar um bem livre e arrematar um bem litigioso, face designadamente à existência de algum ónus real que, à data da venda, não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado, como estatuído pela alínea a), do nº l, do artigo 257º, do CPPT.

gg) Ao invés da douta sentença que determina a anulação do acto reclamado por se julgar verificado o erro sobre o objecto transmitido, ordenando a anulação de todo o processado, e consequentemente da venda da fracção;

hh) Do que se tratou, com o devido respeito por opinião melhor fundamentada, foi que, como referido, os legais representantes da interessada e ora Impugnante, não consideraram relevante, para a formação da sua vontade, o exame do próprio bem;

ii) Assim sendo, tanto quanto cremos, o Estado não incorreu em qualquer responsabilidade, nem objectiva, nem subjectiva;

jj) Feita a publicação da venda, o Estado não influenciou, nem podia, nem devia, a compra em questão, sem o exame do próprio bem;

kk) É público e notório que ninguém influiu na formação da vontade dos representantes legais da adquirente e ora Reclamante;

ll) Ainda que se estivesse perante uma situação de incumprimento, imputável ao fiel depositário, tudo aconselhava que o interessado procurasse, no mínimo, localizar o prédio onde se integrava a fracção por que se interessou, sendo suficiente, para o efeito, aceder ao denominado número de polícia;

mm) Impunha-se efectivamente diligenciar antes da compra;

nn) Decorre do artigo 487.º do Código Civil, sempre “É ao «lesado» que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.”;

oo) Como estatuído ainda pelo nº 2, desta disposição legal, “A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso."”;

pp) Como decorre também do artigo 818º do NCPC, ninguém nega que o depositário está obrigado a mostrar os bens a quem pretenda examiná-los;

qq) Se, no caso concreto, o fiel depositário não foi convocado para o efeito, isso não poderá significar que o Estado tenha que responder pela negligência dos legais representantes da interessada;

rr) Não tendo, também não seria juridicamente aceitável se tal ónus lhe viesse alguma vez a ser imputado, o que extravasaria, a nosso ver, desde logo e manifestamente os limites impostos pela boa fé;

ss) Na verdade, tal como estatuído no Acórdão de 26/05/2004, do tribunal da Relação de Guimarães, processo 257/2002, do 3º Juízo Cível - "I - Para efeitos do disposto no artº 334º C Civ., o conceito de boa fé coincide com o princípio da confiança; por sua vez, este princípio da confiança tende para a preservação da posição do confiante; no conteúdo material da boa fé surge, como segundo princípio, o da materialidade da regulação jurídica, historicamente detectável na luta contra o formalismo.

II - Os quatro pressupostos de protecção da confiança através do venire contra factum proprium são: lº - uma situação de confiança; 2º- uma justificação para essa confiança; 3° - um investimento de confiança, por parte do confiante; 4º - uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante.

III - Demonstrando as respostas à matéria de facto o existência de um acordo de cedência de terrenos, nulo por falta de forma, mas também que se verificou uma situação de confiança, originada pelo contrato e nas relações de amizade e familiares que as partes mantinham, um investimento de confiança no que concerne a efectiva utilização dos tractos de terreno, reciprocamente cedidos, pelas partes, ao longo de cerca de onze anos, bem como a imputação aos AA. da confiança na estabilidade do factum proprium, já que eles AA. viram integrada no seu prédio a parcela cedida pelos RR., agem em abuso de direito os AA., ao proporem contra os RR. uma acção de reivindicação tendo por objecto a parcela que eles M. cederam aos RR., enquanto tal acção deixa incólume o benefício obtido com o negócio nulo. IV - A paralização dos efeitos da nulidade do negócio leva a que se considere, pelo menos no contexto da presente acção, operante o efeito de transmissão da propriedade, efectuada a favor dos RR., ainda que afectada pelo vício da nulidade".

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue improcedente a presente Reclamação, tudo com as devidas e legais consequências”.


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A Recorrida apresentou contra-alegações que rematou nos seguintes termos:

l - O presente recurso versa sobre uma única questão central: saber se o tribunal a quo decidiu correctamente ao anular a venda efectuada, nos termos do artº 257°, n° l do CPPT, em face do erro sobre as qualidades do objecto transmitido em face das divergências da realidade jurídica - e respectiva legalidade - e do teor dos editais ou anúncios.

2 - Não está em causa - nem nunca esteve em - a realidade física do imóvel ser consentânea com a realidade descrita no anúncio da venda e que consta igualmente da informação matricial da caderneta predial urbana.

3 - Está, isso sim, a ilegalidade da construção de um piso e anexos, algo que a "... , Lda." não tinha conhecimento pois a venda foi feita sem necessidade de licença de utilização porque feita através de título de adjudicação.

4 - Ora, logo que a reclamante, ora recorrida, pediu a licença e a edilidade informou da existência de obras ilegais "mais um piso que não se encontra licenciado, e anexos que deverão ser demolidos", e então tomou conhecimento que a sua decisão de adquirir o imóvel laborou em erro, o qual, aliás, não lhe pode ser assacado a qualquer título.

5 - Aliás, isso mesmo resultou inequivocamente provado:

"C) Foram emitidos pelo Serviço de Finanças do Seixal 2 "Edital de Venda e Convocação de Credores", e Anúncios de publicitação da venda constando quanto à identificação do bem o seguinte:

"IDENTIFICAÇÃO DO(S) BEM (NS)

N.° da Venda: 3697.2012.275 Fracção Autónoma designada pela letra "B", correspondente ao R/c Esq., destinado a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... ... , n°28, Corroios, 2855-032 Corroios, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4234, da freguesia de Corroios, concelho do Seixal.

Tipologia/Divisões: T3, com sala, 3 quartos, cozinha, instalação sanitária, corredor, varanda e garagem no logradouro comum, destina-se a habitação. Ampliado com 3 assoalhadas, cozinha, ... de banho, vestiário e despensa. N.º de pisos da Fracção: 2; Área do terreno integrante: 54,400 m2, Área bruta privativa: 187,7100 m2, Área bruta dependente: 23,4900m2. (...)

D) Foi emitida por ... , Técnico da Administração Tributária Adjunto, do quadro da Direcção Geral dos Impostos a desempenhar funções no Serviço de Finanças do Seixal, certidão de afixação de três editais de teor igual ao referido na alínea antecedente nos lugares públicos determinados na Lei.

(…)

I) Em face da emissão da certidão referida na alínea antecedente e tendo a Reclamante tomado conhecimento, nessa data, da falta de licenciamento camarário da fracção autónoma adquirida apresentou, em 11 de Junho de 2013, requerimento de anulação de venda junto do Serviço de Finanças do Seixal 2 (...) " (negritos da peça)

6 - Por outro lado, e como se deixou escrito supra, mesmo que não tivesse examinado o imóvel - e fê-lo - o que é certo é que o que poderia constatar é que a edificação visualizada estava, de facto, conforme com o que constava plasmado do anúncio de venda e da caderneta predial urbana.

7 - Vale a pena transcrever o que a decisão recorrida analisara já e correctamente decidira: “Assim, contrariamente ao que refere a Entidade Reclamada tal normativo não a desonera, pelo contrário, de fazer constar nos Editais e nos Anúncios de publicitação que o imóvel tem um piso superior e anexos que não se encontram licenciados.

8 – “Trata-se de um elemento que deveria constar dos editais e anúncios, porquanto influencia o valor do bem a vender e não tem a ver com as características físicas do objecto, apreensíveis pelo seu exame externo, mas sim com características jurídicas.”

9 – “E isto porque sendo os anúncios e editais o único meio previsto para proporcionar aos potenciais compradores informação sobre as características do bem a vender, deverá entender-se que daqueles deverá constar toda a informação relevante para formação da vontade do comprador, logo todos os elementos que possam influenciar o valor do bem a vender.”

10 – “Ademais, e conforme reconhece o Serviço de Finanças do Seixal 2, esses elementos constavam do processo de avaliação e, portanto, deveriam ter sido reflectidos nos anúncios e editais de venda.”

11 – “Note-se que o aludido Serviço de Finanças refere expressamente que "Este facto, devendo ser conhecido deste SF pois constava do processo de avaliação, não constava da descrição da matriz, que se encontra incorrecta, o veio a reflectir-se no anúncio da venda do imóvel, que também ficou com a descrição incorrecta. (...)”

12 – “De sublinhar, ainda, que não colhe o argumento avançado pelo contra-interessado ... , SA de que a Reclamante deveria ter visualizado o bem antes da sua aquisição. (...) Acresce, outrossim, que tal característica não tem a ver com o exame físico do bem, mas com uma questão jurídica.”

13 - A falta de licenciamento na construção de um piso e anexos constitui um exemplo típico de erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado, conforme preceitua o artº 257°, n° l, alínea a) do CPPT.

14 - Não estando anunciado que o piso superior e os anexos eram construções ilegais - e ainda por cima sendo tal informação do conhecimento do próprio Serviço de Finanças que efectuou o anúncio, é evidente que o imóvel transmitido não tem as características jurídicas que foram anunciadas.

15 - A sentença recorrida não merece, pois, qualquer reparo e deve ser mantida.».


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Notificada da admissão do recurso, veio a sociedade ... , S.A., na qualidade de credora reclamante, a fls. 292 dos autos, aderir, sem reservas à posição assumida pelo Recorrente e ao teor das respectivas alegações, requerendo a anulação da douta decisão recorrida, com o consequente prosseguimento do processo de execução fiscal.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Aderindo à fundamentação da sentença recorrida, o Ilustre Magistrado fez realçar o “recente acórdão do Pleno da secção do Contencioso Tributário do ST A de 26-03-2014 proc. n° 01716/13 (consultável in www.dgsi.pt) com o seguinte sumário: «I - Ainda que a Administração Fiscal não esteja obrigada a efectuar uma descrição exaustiva do bem a vender, bastando que sumarie a mesma, há que verificar caso a caso se os elementos divulgados são suficientes para que o potencial interessado forme uma exacta e correcta ideia sobre o mesmo bem, nos seus aspectos quantitativos e qualitativos. II - Para Justificar a anulação basta o mero erro incidental e será indiferente que o comprador tenha culpa na ocorrência desse mesmo erro, podendo esta, no entanto, relevar a nível da indemnização prevista no art. 838° do novo CPC».


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Foram dispensados os vistos, atenta a natureza urgente do processo.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

A) No âmbito do processo de execução fiscal nº369720010101029940 e apensos do Serviço de Finanças do Seixal 2, instaurado contra "... , SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA", revertida contra ... ... e ... ... ... ... , foi penhorada, em 31 de Março de 2009, a fracção autónoma designada pela letra "B", correspondente ao R/C Esq, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... ... , n°28, Corroios, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4234, da Freguesia de Corroios, Concelho de Seixal (documento fls. 36, 42, 47 e 151 do processo de execução fiscal (PEF) apenso; fls. 28 e 31 do PEF apenso);

B) A 7 de Abril de 2009, foi efectuada a inscrição Ap. 2153 de 2009/04/07, na Conservatória do Registo Predial de Amora, da penhora referida em A) (documento junto a fls. 151 do PEF apenso);

C) Foram emitidos pelo Serviço de Finanças do Seixal 2 "Edital de Venda e Convocação de credores", e Anúncios de publicitação da venda constando quanto à identificação do bem o seguinte:

"IDENTIFICAÇÃO DO (S) BEM(NS)

N° da Venda: 3697.2012.275 Fracção Autónoma designada pela letra B, correspondente ao R/C Esq., destinado a habitação, do prédio urbano em regime de Prop. Horiz., sito na Rua ... ... , N°28, Corroios, 2855-032 Corroios, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4234, da Freguesia de Corroios, Concelho de Seixal Tipologia/Divisões: T3, com sala, 3 quartos, cozinha, instalação sanitária, corredor, varanda e garagem no logradouro comum, destina-se a habitação. Ampliado com 3 assoalhadas, cozinha, ... de banho, vestiário e despensa. N° de pisos da Fracção: 2, Área do terreno integrante:54,400 m2, Área bruta privativa:187,7100m2, Área bruta privativa: 187,7100m2, Área bruta dependente:23,4900m2. O bem penhorado encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o número 4880/20070619-B, da Freguesia de Corroios. Tem o valor patrimonial de €157.883,25" (cfr. fls. 207 e seguintes do PEF apenso; facto não controvertido-facto que se extrai dos factos descritos na informação instrutora a fls. 364 a 374 dos autos; facto que se extrai da informação do órgão periférico local a fls. 380 do PEF apenso);

D) Foi emitida por ... , Técnico da Administração Tributária Adjunto, do quadro da Direcção Geral dos Impostos a desempenhar Funções no Serviço de Finanças do Seixal certidão de afixação de três editais de teor igual ao referido na alínea antecedente nos lugares públicos determinados na Lei. (cfr. fls. 207 verso do PEF apenso);

E) A 4 de Março de 2013, o Chefe do Serviço de Finanças de Seixal 2, procedeu à abertura das propostas em carta fechada, do bem imóvel penhorado e descrito em C) (cfr. fls. 236 do PEF apenso);

F) A Reclamante adquiriu, através de venda judicial por proposta em carta fechada, referida na alínea antecedente, a fracção autónoma designada pela letra "B", correspondente ao R/C Esq, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... ... , n°28, Corroios, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4234, da Freguesia de Corroios, Concelho de Seixal, pelo preço de € 81.699,99 (cfr. título de adjudicação de bens imóveis-fls. 244 do PEF apenso);

G) A 6 de Maio de 2013, foi proferido despacho pela Chefe do Serviço de Finanças do Seixal 2 de cancelamento dos registos dos direitos reais que incidem sobre a fracção penhorada e vendida do qual consta, designadamente, o seguinte:

" Despacho

Da informação que antecede e da informação dos autos, constata-se que já foi paga a totalidade do valor devido pelo adquirente do bem vendido no processo de execução fiscal acima indicado, através da Proposta em Carta Fechada.

Face à competência que me é conferida pelo artigo 260.° do CPPT, ordeno o levantamento das penhoras e o cancelamento dos direitos reais que incidem sobre a fracção B do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Corroios, sob o artigo 4234, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n° 4880/20070619-B (...)" (cfr. despacho a fls. 283 do PEF apenso);

H) A 7 de Junho de 2013, e na sequência de requerimento da Reclamante, o Município do Seixal emitiu Certidão com o seguinte teor:


Requerimento Nº 29001
CERTIDÃO

... , Assistente Técnico na Divisão Administrativa de Urbanismo, de acordo com o solicitado no requerimento n°29001 de 23/05/2013 por ... , LDA., contribuinte nº... , e depois de compulsado o processo de obras 203/B/75, certifica que:------------------------------------------------------------------------------------

------Para o prédio construído na Rua ... ... , nº28 (fração direita), 28-A (fração esquerda), ... , freguesia de Corroios deste município, foi emitida a licença de utilização n°331 em 19 de julho de 1985.-------------------------------------------------------------------------------

----Mais se certifica que para a fração “B” referente ao lado esquerdo existe mais um piso que não se encontra licenciado, e anexos que deverão ser demolidos.------------------------------------------------------------------------

------Por ser verdade e ter sido requerida passo a presente certidão, que assino e autêntico com o selo branco em uso nesta Câmara Municipal.----------------------------------------------------------------------------

----- Divisão Administrativa de Urbanismo, ao sétimo dia do mês de junho de dois mil e treze.-----


DIVISÃO ADMINISTRATIVA DO URBANISMO

(Assinatura)”


(cfr. certidão a fls. 318 do PEF apenso);

I) Em face da emissão da certidão referida na alínea antecedente e tendo a Reclamante tomado conhecimento, nessa data, da falta de licenciamento camarário da fracção autónoma adquirida apresentou, em 11 de Junho de 2013, requerimento de anulação de venda junto do Serviço de Finanças do Seixal 2, com o seguinte teor:


Exmo Sr(a) Chefe de Finanças do Seixal 2

A ... , LDA., contribuinte nº... , vêm pelo presente requerer que seja anulada a venda nº3697.2013.33, e que nos seja devolvido a totalidade do valor pago e o respectivo imposto de selo liquidado.

Este pedido resulta do facto de o imóvel em causa carecer de licenciamento camarário no que se refere ao 1º piso, e em anexos também existentes no logradouro do mesmo.

Segundo informação transmitida pela respectiva câmara do Seixal, é ILEGAL A CONSTRUÇÃO DO PRIMEIRO PISO QUE SE ENCONTRA EFECTUADA, assim como dos anexos instalados no logradouro que deverão ser demolidos.

Uma vez que esta se trata de uma informação de elevada importância e de todo crucial pois impossibilita futura venda ou arrendamento e que nunca foi indicada pelo vosso serviço de finanças nem estava presente no anúncio de venda, vimos solicitar a restituição da totalidade do valor da compra e impostos pagos.

Sem outro assunto de momento, com os meus cordiais cumprimentos,

Seixal, 11 de Junho de 2013

(cfr. requerimento a fls. 317 do PEF apenso; facto não controvertido-facto alegado nos artigos n.°, 12.° 13.° e 14.º da p.i. e não impugnado; facto que se extrai da informação do Serviço de Finanças a fls. 380 do PEF apenso);

J) Em 20 de Junho de 2013, foi emitida informação pela Chefe do Serviço de Finanças do Seixal 2 onde consta, designadamente, o seguinte:

“INFORMAÇÃO

O Artigo matricial n° 4234 da freguesia de Corroios foi participado à matriz em 19/07/1985 tendo sido avaliado para efeitos de IMI em 11/08/2006. No processo do imóvel (IMI) e dos documentos apresentados para avaliação, emitidos pelo Município do Seixal, consta que embora exista projecto de arquitectura de ampliação em mais um piso, para a fracção B (rés do chão esquerdo) este não se encontrava licenciado (certidão emitida em 4/08/2006).

Este facto, devendo ser conhecido deste SF pois constava do processo de avaliação, não constava da descrição da matriz, que se encontra incorrecta, o veio a reflectir-se no anúncio da venda do imóvel, que também ficou com a descrição incorrecta.

O adjudicatário ao solicitar certidão actualizada das licenças vigentes no município, verificou que na mesma constava que o piso superior do imóvel que adquiriu não se encontra licenciado e terá de ser demolido (certidão emitida a 7/06/2013).

O preço foi depositado e pago o IMT e o I. Selo.

O procedimento da reclamação de créditos não se concluiu e encontra-se suspenso.

O executado foi considerado insolvente em 27/05/2013 Pº n° 2952/13.1 TBSXL-2º Juízo-

Por tudo o referido sou do parecer de que deverá ser dado provimento ao adjudicatário no pedido de anulação da venda.

Remeta-se à Direcção de Finanças de Setúbal para os efeitos do n°4 do art° 257.° do CPPT. Juntando-se as cópias dos documentos processuais relevantes” (cfr. informação a fls. 380 do PEF apenso);

K) De Ofício n° 1412, datado de 20 de Junho de 2013, a Chefe do Serviço de Finanças do Seixal 2, remeteu à consideração superior o requerimento de anulação de venda, juntamente com a informação referida na alínea antecedente (cfr. ofício a fls. 375 do PEF apenso);

L) A 7 de Agosto de 2013, foi proferida informação pelo Inspector Tributário da Direcção de Finanças de Setúbal, relativamente ao pedido de anulação de venda referido na alínea l), constando do seu teor, designadamente, o seguinte:

" (...) II - OS FACTOS

A)A execução fiscal n° 3697200101029940 Aps,, instaurada contra ... -... , SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA LDA, nif ... , foi revertida contra (i) ... ... , nif ... e (ii) ... ... ... ... , nif ... .

B) Na execução fiscal referida em A) foi penhorada a fracção autónoma B do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia do Corroios, no concelho do Seixal, sob o artigo 4234 (penhora nº3697.2009.955), composta por 2 pisos (piso térreo, e ampliação com piso superior) com a descrição tal como consta da matriz.

C) Em 2009-04-07, foi registada na CRP a penhora do imóvel a favor da FP.

D) Frustrada a venda por leilão electrónico (venda nº3697.2012.275), realizou-se a 28 (sic) tentativa de venda que se processou na modalidade de venda por propostas em carta fechada, cuja abertura ocorreu no dia 04 de Março de 2013 (venda n.° 3697.2013.33).

E) A venda foi publicitada na Internet e por editais, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, onde consta que o imóvel tem a composição referida na matriz para que se remeteu em B), onde não há referência à existência de anexos nem ao licenciamento camarário ou falta dele.

F) A ... apresentou uma proposta aquisitiva do imóvel identificado em B) no valor de € 81.699,99, que foi aceite pelo SF, tendo aquele valor sido depositado em 2013-05-02.

G) A ... pagou ainda € 653,60 de I.Selo, tendo ficado isento de IMT.

H) Em 2013-05-17, foi lavrado o Auto de Adjudicação do imóvel

I) Na Informação de 2013-06-20, o SF entende que o imóvel está incorrectamente descrito quer na matriz quer na publicitação da venda, referindo que tanto do processo matricial como do processo de avaliação consta uma certidão emitida pela C.M. Seixal em 410812006 que atesta que «existe projecto de arquitectura de ampliação para a fracção esquerda [fracção B referente ao lado esquerdo) em mais um piso que não se encontra licenciado»;

J) Em 2013-06-11, o ora Requerente apresentou o pedido de anulação da venda, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, juntando certidão emitida pela C.M . Seixal em 7/06/2013 que atesta que «para a fracção B referente ao lado esquerdo existe mais um piso que não se encontra licenciado, e anexos que deverão ser demolidos»;

K) Foram os interessados notificados para se pronunciarem sobre o pedido referido em G), vindo somente o credor ... SA pronunciar-se pelo indeferimento nos termos de requerimento entrado em 15/07/2013 cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.

L) Em 2013-05-28, no âmbito do processo n.° 2952/13. 1TBSXL, a tramitar no Tribunal de F.M.C, do Seixal - 2° Juízo Cível, foi proferida sentença de declaração da insolvência dos executados por reversão identificados em A). (. . .)

3.2.3. Análise da tempestividade do pedido

O Adquirente, com base nos fundamentos legais previstos no n.° l -a do art 257.° do CPPT, pode requerer a anulação da venda no prazo de 90 dias, contados da data da venda ou da data em que o requerente comprovadamente teve conhecimento do facto, conforme estatuído no n° 2 conjugado com a cit. disposição legal.

Tendo-se verificado que o preço foi depositado em 2013-05-02, seguido do Auto de Adjudicação lavrado em 2013-05-17;

Afigure-se tempestivo o Pedido de Anulação de Venda apresentado em 2013-06-11.

3.2.4. Análise dos fundamentos invocados

No caso em apreço verifica-se que a FP vendeu determinado imóvel (fracção B do artigo 4234, melhor id. nos autos), cuja construção urbana é composta por 2 pisos com a descrição tal como consta da matriz, e nesta não há qualquer referência à existência de anexos nem ao licenciamento camarário ou falta dele (vendeu-se, pois, um imóvel com 2 pisos, sem anexos).

O Requerente alega que o imóvel tem l piso [piso superior] e anexos que carecem de licenciamento camarário, sem que tal facto constasse da publicitação da venda .

A certidão camarária que o Requerente juntou refere que «existe mais um piso que não se encontra licenciado, e anexos que deverão ser demolidos», ou seja, temos l piso não licenciado, temos ainda anexos (que não foram vendidos) não licenciados e só estes deverão ser demolidos.

Ora, o fundamento invocado (falta de licenciamento de construção urbana, no caso, o piso superior e anexos) não configura qualquer dos fundamentos do nº1-a do art 257.° do CPPT.

Ou seja, não se enquadra em «ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado», nem em «erro sobre o objecto transmitido», nem sequer em «erro sobre as qualidades do objecto transmitido] por falta de conformidade com o que foi anunciado».

Assim, a falta de licenciamento de um piso e anexos não constitui uma nulidade determinante da anulação da venda, nos termos do nº l-a do art..° 257.° do CPPT.

Efectivamente, o disposto no n.° 6 do artigo 905.° do CPC permite a venda de imóvel ou de fracção (autónoma) dele, ainda que tenha construção urbana em curso, no estado em que se encontre, com dispensa da licença de utilização ou de construção, devendo, contudo, a venda realizar-se no âmbito de um processo executivo.

A citada disposição legal estatui ainda que sobre o Adquirente recai o ónus de legalização da respectiva construção urbana não licenciada.

Este normativo constitui uma excepção à regra geral de obrigatoriedade da existência e apresentação da licença de construção ou de utilização na venda de prédios urbanos, cujo regime jurídico vem regulado pelo Decreto-Lei nº281/99 de 26/07.

IV - CONCLUSÃO

Face ao exposto, com base na factualidade enunciada e nas disposições legais supra, designadamente a norma habilitante de venda executiva de prédio urbano não licenciado, é nosso parecer que o presente pedido de anulação de venda deve ser indeferido.

Aproveita-se para informar/esclarecer o SF que o Tribunal Tributário de 1ª instância é o tribunal normalmente competente, cabendo somente a este aferir de que é eventualmente incompetente face ao Tribunal de Insolvência .

Assim sendo, da notificação da decisão aos interessados deve constar a menção de que aqueles podem reclamar da decisão, querendo, para Tribunal Tributário de 1ª instância nos termos dos art°s 276.° e segs. do CPPT, sendo a petição entregue no SF.

À consideração superior.

Setúbal, em 07-08-2013.” (cfr. informação instrutora a fls. 364 a 374 do PEF apenso);

M) Em 9 de Agosto de 2013, foi proferido parecer pelo Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária, com o seguinte teor "Parecer. Confirmo. Parecendo-me que o presente pedido de anulação de venda, deve ser indeferido, tal como vem proposto, nesta informação. À consideração superior " (cfr. fls. 364 do PEF apenso);

N) Por despacho da Directora de Finanças Adjunta da Direcção de Finanças de Setúbal, datado de 12 de Agosto de 2013 e de acordo com a fundamentação constante na alínea L), o pedido de anulação de venda foi indeferido, constando do seu teor o seguinte:

" Concordo.

Com os fundamentos invocados na informação prestado, indefiro o pedido de anulação de venda infra identificado.

Devolva-se ao SF de Seixal 2 para diligências subsequentes"

A Directora de Finanças (em substituição)" (fls. 364 do PEF apenso);

O) De ofício n° 16933, do Serviço de Finanças do Seixal 2, datado de 4 de Setembro de 2013, expedido para a sede da Reclamante por carta registada com aviso de recepção com indicação alfanumérica RO926396711 PT, foi a Reclamante notificada, em 10 de Setembro de 2013, do despacho de indeferimento expresso do pedido de anulação de venda e da informação instrutora referidos nas alíneas L) e N) (cfr. ofício a fls. 37 e 38 dos autos; facto que se confirma da consulta ao site oficial dos CTT mediante inserção do Código Alfanumérico na pesquisa de objectos; facto expressamente reconhecido pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública no artigo 3.° da contestação a fls. 161 dos autos);

P) Em 20 de Setembro de 2013, deu entrada, via fax, junto do Serviço de Finanças do Seixal 2, a presente reclamação (fls-54 do PEF apenso; facto expressamente reconhecendo pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública no artigo 3.° da contestação a fls. 161 dos autos e doc 1 a fls. 165 dos autos; cfr. quanto à remessa dos originais -expedição postal registada a fls. 56 dos autos);

Q) Em 27 de Julho de 2006, foi emitido pelo Município de Seixal, certidão com o seguinte teor:

" ... , Assistente Administrativo Principal na Secção de Licenciamento de Obras Particulares, compulsado o processo de obras número 203/B/75, certifica que para o prédio construído na Rua ... ... , n°28 (fracção direita), 28-A (fracção esquerda), ... , freguesia de Corroios deste município, foi emitida a licença de utilização n° 331, em 19 de Julho de 1985.

Obs: Existe projecto de arquitectura de ampliação, para a fracção esquerda em mais um piso que não se encontra licenciado. 2006-08-04" (cfr. fls. 389 e verso do PEF apenso);

R) Em 28 de Maio de 2013, foi proferida sentença de insolvência do Executado revertido ... ... e ... ... ... , pelo Tribunal de Família e Menores e de Comarca do Seixal, no âmbito do processo n° 2952/13.1 TBSXL, tendo sido nomeado Administrador de Insolvência ... (cfr.fls. 425 do PEF apenso);


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Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.

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A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos, e do processo de execução fiscal apenso, nomeadamente das informações oficiais e dos documentos juntos, não impugnados”.

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2.2. De direito

Entrando na análise do recurso, importa apreciar e decidir se o Tribunal a quo julgou acertadamente ao julgar procedente a reclamação apresentada e, em consequência, ao determinar a anulação da venda do bem imóvel adquirido pela ... , Lda, no âmbito do processo de execução fiscal nº nº369720010101029940 e apensos.

Vimos já as posições da Recorrente e da Recorrida, devidamente sintetizadas nas conclusões supra transcritas, importando agora focarmo-nos na sentença objecto de recurso, na qual, aliás, se procedeu a uma análise aturada da questão que foi colocada ao Tribunal, cujo sentido – adiantamos, desde já – nos merece concordância. Por conseguinte, passamos a transcrever, nos trechos que se nos afiguram mais relevantes, o que a Mma. Juíza ali deixou dito.

Assim:

“(…)

Vejamos, ora, se procede a existência de erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o anunciado.

No caso vertente não é controvertido que no teor dos editais e dos anúncios de publicitação de venda " não há referência à existência de anexos nem ao licenciamento camarário ou falta dele", conforme reconhece expressamente a Entidade Reclamada e resulta dos factos descritos na informação instrutora (alínea L da factualidade assente), logo o que importa aferir é se tais informações tinham de constar nos mesmos, e em caso afirmativo, se tal determina a anulação da venda por erro sobre o objecto transmitido.

Nos termos do art.° 257.°, n.°1, al. a), do CPPT, "... [a] anulação da venda só poderá ser requerida (...) no caso de (...) se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado".

In casu, a Reclamante alega que o imóvel se encontrava em situação ilegal, sendo que tal realidade não se encontrava descrita no anúncio de venda.

Portanto, sendo a configuração do imóvel e a sua legalidade determinantes na decisão de contratar e da avaliação e proposta efectuadas pela Reclamante a venda tem de ser anulada uma vez que a aquisição teve por base um erro sobre o objecto transmitido uma vez que julgava estar a adquirir um imóvel com uma realidade física e jurídica diferente daquela que, efectivamente, adquiriu.

Ademais, o próprio Serviço de Finanças reconheceu que o imóvel se encontrava incorrectamente descrito, quer na matriz, quer na publicitação da venda.

Dissente a Fazenda Pública, chamando à colação o disposto no artigo 905.°, n°6, do CPC, actual 833.° do CPC.

Cumpre, pois, aferir se existe erro sobre as qualidades, por falta de conformidade com o que foi anunciado, da fracção autónoma objecto da venda.

De acordo com o art.° 249.°, n.° 5, do CPPT os meios de publicitação da venda deverão conter as seguintes indicações:

"a) Designação do órgão por onde corre o processo;

b) Nome ou firma do executado;

c) Identificação sumária dos bens;

d) Local, prazo e horas em que os bens podem ser examinados;

e) Valor base da venda;

f) Designação e endereço do órgão a quem devem ser entregues ou enviadas as propostas;

g) Data e hora limites para recepção das propostas;

h) Data, hora e local de abertura das propostas.

i) Qualquer condição prevista em lei especial para a aquisição, detenção ou comercialização dos bens".

Da identificação sumária dos bens, devem constar não só a sua identificação, mas também as suas qualidades.

"... [S]endo os anúncios e editais aqui referidos os únicos meios previstos para proporcionar aos potenciais compradores informação sobre as características do bem a vender, deverá entender-se que daqueles deverá constar toda a informação relevante para formação da vontade do comprador que não seja possível obter através do exame dos próprios bens. Trata-se de um exigência manifestamente imposta pelas regras da boa fé que deve caracterizar a generalidade das relações contratuais (art . 227.°, n.° l, do Código Civil) e toda a actividade da administração pública (arts. 266.°, n.° 2, da CRP). (...) Pela mesma razão, deverão constar dos anúncios e editais todos os elementos que possam influenciar o valor do bem a vender (...) Por outro lado, da alínea a) do n.° l do art. 257.° deste Código. (...). deduz-se que as qualidades do objecto a vender, e não apenas a sua identificação, devem ser anunciados" (Jorge Lopes de Sousa-Códígo de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, vol IV, 6ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 121 e 122 - sublinhados nossos).

In casu, do edital e dos anúncios de publicitação da venda consta a identificação do bem, ou seja, a fracção autónoma, número de matriz, a data de inscrição na matriz e freguesia, o seu destino, bem como o número de assoalhadas e a localização, porém não consta, como já referido anteriormente e não é controvertido, qualquer " referência à existência de anexos nem ao licenciamento camarário ou falta dele".

Não obstante constar do processo de avaliação, conforme reconhece a Chefe do Serviço de Finanças do Seixal 2, que o piso superior do imóvel não se encontrava licenciado, tal não foi objecto de publicitação.

A Direcção de Finanças de Setúbal chama à colação o artigo 905.°, n°6, do CPC, em vigor à data da realização da venda, dizendo que o citado normativo permite a venda de imóvel ou de fracção (autónoma) dele, ainda que tenha construção urbana em curso, no estado em que se encontre, com dispensa da licença de utilização ou de construção, devendo, contudo, a venda realizar-se no âmbito de um processo executivo.

Vejamos o teor da letra do citado normativo:

6. A venda de imóvel em que tenha sido, ou esteja sendo, feita a construção urbana, ou de fracção dele, pode efectuar-se no estado em que se encontre, com dispensa da licença de utilização ou de construção, cuja falta de apresentação a entidade com competência para a formalização do acto faz consignar no documento, constituindo ónus do adquirente a respectiva legalização".

Do teor do normativo legal citado resulta que, de facto, a venda executiva pode ser efectuada com dispensa de licença de utilização competindo ao adquirente o ónus de legalização. A verdade, porém, é que não resulta do seu teor que tais informações não careçam de ser publicitadas. Bem pelo contrário.

Dito de outro modo, a venda pode ser efectuada com dispensa de licença de utilização, porém o adquirente tem de estar na posse de todos esses elementos, ou seja, tem de ser prevenido de que o imóvel carece de licença de utilização. E isto para, desde logo, poder decidir se pretende ou não avançar com a compra e com a subsequente legalização do bem.

Uma coisa é a venda executiva poder ser realizada com dispensa de licença de utilização, outra bem distinta são os elementos de que devem constar dos anúncios e editais para efeitos de aquisição do bem imóvel.

Veja-se neste sentido, a anotação ao artigo 905.°, n°6, do CPC de Lebre de Freitas e outros- Código de Processo Civil anotado, Almedina:edição de 2003, vol.III, p.603, que claramente doutrinam que:

"O n .° 6 visa viabilizar a venda no caso (frequente) de penhora de prédio urbano ainda não acabado, ou não legalizado apesar do acabamento .

Trata-se de equiparar o formalismo da venda por negociação particular ao da venda por propostas em carta fechada, quando, inclusivamente, a tentativa desta deva ser seguida por aquela, nos termos do art 904° do CPC, Passa assim para o adquirente dos bens o ónus da legalização do prédio que adquire, do qual deve ser prevenido. Podem, porém, os interessados preferir legalizar primeiro e vender depois, pelo que a norma é permissiva." (sublinhado nosso)

Assim, contrariamente ao que refere a Entidade Reclamada tal normativo não a desonera, pelo contrário, de fazer constar nos Editais e nos Anúncios de publicitação que o imóvel tem um piso superior e anexos que não se encontram licenciados.

Trata-se de um elemento que deveria constar dos editais e anúncios, porquanto influencia o valor do bem a vender e não tem a ver com as características físicas do objecto, apreensíveis pelo seu exame externo, mas sim com características jurídicas.

E isto porque sendo os anúncios e editais o único meio previsto para proporcionar aos potenciais compradores informação sobre as características do bem a vender, deverá entender-se que daqueles deverá constar toda a informação relevante para formação da vontade do comprador, logo todos os elementos que possam influenciar o valor do bem a vender.

Ademais, e conforme reconhece o Serviço de Finanças do Seixal 2, esses elementos constavam do processo de avaliação e, portanto, deveriam ter sido reflectidos nos anúncios e editais de venda.

Note-se que o aludido Serviço de Finanças refere expressamente que " Este facto, devendo ser conhecido deste SF pois constava do processo de avaliação, não constava da descrição da matriz, que se encontra incorrecta, o veio a reflectir-se no anúncio da venda do imóvel, que também ficou com a descrição incorrecta.", pugnando, a final, pela anulação da venda.

De sublinhar, ainda, que não colhe o argumento avançado pelo contra-interessado ... , SA de que a Reclamante deveria ter visualizado o bem antes da sua aquisição, desde logo porque tal argumentação assenta no juízo de valoração ético e de censura, o qual não releva para efeitos de anulação de venda. Acresce, outrossim, que tal característica não tem a ver com o exame físico do bem, mas com uma questão jurídica.

"O erro sobre as qualidades que releva para efeitos de anulação (...) tem de se consubstanciar em divergência entre as qualidades do objecto e o teor dos editais ou anúncios. (...) [T]ambém em qualquer destes casos de erro, para justificar a anulação não será necessário que o erro seja essencial, bastando o mero erro incidental (se não fosse o erro, a compra não teria sido efectuada pelo preço que foi) e será indiferente que o comprador tenha culpa na ocorrência do erro", podendo esta, no entanto, relevar a nível da indemnização prevista no artigo 908.° do CPC. (Jorge Lopes de Sousa, ob. citada, p.179).

In casu, a omissão, no edital e no anúncio, da falta de licenciamento camarário do piso superior da fracção autónoma e anexos levou a uma situação de erro sobre as qualidades do objecto, porquanto a Reclamante não teria feito a proposta pelo preço que fez se tivesse pleno conhecimento de todos os elementos relevantes, dado que o elemento omitido, como é facto notório, influencia o preço de mercado do bem imóvel e inviabiliza a sua venda e arrendamento a terceiros.

Acresce sublinhar, a final, que a ratio da anulação com base em erro sobre o objecto transmitido, por falta de conformidade com o anunciado, se coaduna com a protecção do comprador e com a segurança, certeza e boa fé que devem nortear os negócios jurídicos.

Note-se que se trata de venda em processo judicial, logo com uma segurança acrescida.

Compreensivelmente, à luz dos princípios da segurança, da confiança e da boa fé que há-de reger a actuação do alienante, deposita-se uma superior confiança na identificação correcta e totalmente transparente do bem objecto da venda.

Ora, não constando dos editais e dos anúncios de publicitação da venda todas as características evidenciadas anteriormente resulta, assim, que a Reclamante foi induzida a formar uma convicção errada sobre a fracção autónoma que adquiriu. Conclui-se, portanto, que a Reclamante foi prejudicada, por estar em erro sobre o objecto transmitido, por desconformidade entre o que foi anunciado e o adquirido.

Adquiriu, portanto, um imóvel com características diferentes daquelas para o qual se propôs comprar, e ao qual era alheia quando efectuou a compra.

(…)”

O assim decidido, como já dissemos, merece a nossa concordância.

Vejamos, desde já se antecipando que pouco acrescentaremos àquilo que ficou dito na sentença recorrida que, como dissemos, analisou, face ao que lhe era pedido, o que tinha que apreciar e decidiu com acerto a requerida anulação da venda.

Importa realçar, a propósito das indicações que devem conter os diferentes meios de publicitação da venda (cfr. artigo 249º do CPPT) que, como é aceite, embora não se exija da Administração Tributária uma descrição exaustiva do bem a vender, bastando que esta proceda a uma identificação sumária do mesmo (cfr. al. c) do nº5 do artigo 249º do CPPT), há que analisar, casuisticamente, se os elementos dados a conhecer são os bastantes para que os eventuais interessados possam formar uma ideia rigorosa e acertada sobre o bem em causa, quer em termos qualitativos, quer quantitativos (cfr. acórdão do Pleno da Secção de CT do STA, de 26/03/14, proc. nº 1716/13). Ademais, será esta ideia rigorosa do bem, e das sua características, que mais aproximará o interessado na compra do valor que está disposto a oferecer para adquirir o bem em venda.

Daí que, como salientou a sentença, citando J. Lopes de Sousa, deverão constar dos anúncios e editais todos os elementos que possam influenciar o valor do bem a vender (...) Por outro lado, (…) as qualidades do objecto a vender, e não apenas a sua identificação, devem ser anunciados.

A este propósito, vale a pena lembrar o acórdão do STA, de 07/12/11 (processo nº 598/10) segundo o qual “não podemos esquecer que, cada vez mais, vivemos numa sociedade de informação onde as aquisições de bens e outros negócios se apresentam e fazem à velocidade da vida moderna e dos actuais meios de comunicação o que é compreensível e universalmente aceite. Daí, o maior rigor que se deve exigir na publicitação a quem apresenta para venda bens em tais meios de comunicação, incluindo os Jornais e a Internet”.

Nesta linha de entendimento não podemos aceitar a argumentação da Recorrente no sentido de ser “contraproducente a inclusão nos anúncios de elementos ou de informações, de algum modo susceptíveis de induzir, nos interessados, o desinteresse pelo indispensável dever de examinar os próprios bens, que sobre eles, e no seu próprio interesse, impende”; isto é, seria “contraproducente, toda e qualquer tentativa de abarcamento, pelos anúncios, de elementos ou de informações que somente o exame aos próprios bens permite recolher”.

Desde logo, e no caso, porque o que está em causa é a verificação de que a ampliação de um piso da fracção vendida e a construção de dois anexos não estavam licenciadas/legalizadas (ou, conforme consta da certidão emitida pela Câmara Municipal do Seixal, “para a fração “B” referente ao lado esquerdo existe mais um piso que não se encontra licenciado, e anexos que deverão ser demolidos”) factos estes que, naturalmente, não são apreensíveis pelo exame do bem imóvel (de resto, tão-pouco, como é óbvio, faz aqui sentido, falar em “entendimento subjectivo do comprador sobre as qualidades do objecto”, como refere a Fazenda Pública).

Por outro lado, e salvo o devido respeito pela Recorrente, aquele seu argumento é, no mínimo, temerário, já que tem subjacente o pressuposto de que a Recorrida negligenciou os seus deveres, já que “deveria ter visualizado o bem antes da sua aquisição”. Ora, não se percebe em que se apoia a Fazenda para afirmar que o bem não foi visualizado, sendo certo, de resto, que a Recorrida contraria essa afirmação, dizendo que, além de ter examinado o bem, “o que é certo é que o que poderia constatar é que a edificação visualizada estava, de facto, conforme com o que constava plasmado do anúncio de venda e da caderneta predial urbana”.

Assume aqui primordial importância que, desde 2006, a Administração Tributária tinha conhecimento, através da Câmara Municipal do Seixal, de que, relativamente à fracção em causa “Existe projecto de arquitectura de ampliação, para a fracção esquerda em mais um piso que não se encontra licenciado” (cfr. ponto Q dos factos provados), sendo que, como foi evidenciado pelo próprio Chefe do Serviço de Finanças do Seixal 2 “Este facto, devendo ser conhecido deste SF pois constava do processo de avaliação, não constava da descrição da matriz, que se encontra incorrecta, o veio a reflectir-se no anúncio da venda do imóvel, que também ficou com a descrição incorrecta” (cfr. ponto J dos factos provados).

Ora, esta informação, na posse do SF, deveria ter sido transmitida no anúncio da venda, pois trata-se de uma informação essencial para quem pondera adquirir o bem em causa, para cálculo do valor da proposta, podendo determinar, até, o desinteresse pelo negócio, face às limitações inerentes a um bem em tais circunstâncias, sem que a tal se oponha o disposto no artigo 905º, nº6 do CPC (actual 833º, nº6 do NCPC), segundo o qual a venda de imóvel em que tenha sido, ou esteja sendo, feita construção urbana, ou de fracção dele, pode efectuar-se no estado em que se encontre, com dispensa da licença de utilização ou de construção. Uma coisa é a venda poder ter lugar nessas circunstâncias; outra, bem diferente, é dar a conhecer aos potenciais interessados na aquisição essas mesmas circunstâncias (de falta de licenciamento) em que o bem se encontra.

Em suma, há que concluir que, não obstante a descrição do bem poder estar conforme com a matriz, a verdade é que a mesma, como o SF competente expressamente reconheceu, não se mostrava correcta, o que veio a reflectir-se no anúncio de venda do imóvel, que também ficou com descrição incorrecta.

Por conseguinte, e contrariamente ao que defende a Fazenda Pública, aqui Recorrente, isto é, que o circunstancialismo em causa não é passível de ser incluído em qualquer dos casos previstos no artigo 257º, nº1, alínea a) do CPPT, verifica-se, efectivamente, a existência de uma desconformidade entre o bem anunciado e o real (imóvel que, afinal, era composto por um 1º andar e dois anexos não licenciados), desconformidade esta que não pode deixar de ser relevante para efeitos de anulação da venda.

Nestes termos, e em face do exposto, improcedem todas as conclusões da alegação do recurso, negando-se provimento ao mesmo e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 26 de Junho de 2014


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Pereira Gameiro)

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(Jorge Cortês)