Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03630/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/13/2010
Relator:LUCAS MARTINS
Descritores: COMPENSAÇÃO
RECONSTITUIÇÃO DA SITUAÇÃO ACTUAL HIPOTÉTICA
Sumário:1. A decisão judicial de um acto de compensação praticado pela AT, mostra-se parcialmente acatada se o produto dessa anulação for afecto à compensação de outra dívida tributária, nos precisos termos do art.º 89.º, do CPPT;
2. Sem embargo, a reintegração da situação actual hipotética da exequente implica a sua compensação pela indisponibilidade a que se viu, ilegalmente, votada, nos termos daquela decisão judicial, a título de juros, tanto indemnizatórios, como moratórios, que se mostrem legalmente devidos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- O Director-Geral dos Impostos, por se não conformar com a decisão documentada de fls. 153 a 171, inclusive, dos autos em que deferiu parcialmente o pedido de execução de sentença judicial ordenando à DGImpostos a devolução da quantia de € 77.307,46, de contribuição autárquica, e o pagamento de juros indemnizatórios e moratórios, dela veio interpor o presente recurso apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões;

I. A Entidade Recorrente não pode concordar com a sentença notificada, nomeadamente na parte da Decisão, que decide; “Face a tudo o que ficou dito, decide-se, em execução da decisão exequenda, deferir parcialmente o requerimento de execução, determinando o Tribunal à entidade requerida, que, no prazo de 30 dias:
- efectue o reembolso à requerente de € 77.307,46.
- efectue o pagamento à requerente de juros indemnizatórios calculados sobre a importância de € 77.307,46, contados desde a data do pagamento da prestação (ou da compensação indevida, no caso) até ao termo do prazo de execução espontânea da sentença proferida nos autos de recurso contencioso n.º 10/02, atendendo às taxas de 7% e 4% conforme períodos assinalados supra; (…)
- efectue o pagamento de juros de mora à requerente calculados sobre a quantia de €77.307,46, à taxa de 4% ao ano, desde 16/08/03 e até à data do reembolso da quantia indevidamente compensada; (…)”

II. Ora, a douta sentença ao condenar a AF nestes termos e com os fundamentos invocados incorre no erro de julgamento por errada apreciação da prova e por incorrer em violação do artigo art.º 89º do CPPT ao fazer uma errada aplicação e interpretação da legislação aplicável, pelo que se pugna pela sua revogação na parte recorrida.

III. Em primeiro lugar, cumpre salientar que a sentença em execução se refere a um Recurso Contencioso de Anulação em que foi decidida a anulação de duas compensações tituladas pelos documentos 1998 289123002 e 1998 289123102, cfr. Ponto 1 e 4 dos factos provados da douta sentença recorrida.

IV. De facto, as compensações visadas no Recurso Contencioso nº 10/02 foram efectivamente anuladas, conforme documentos juntos aos autos, e por essa razão, a entidade ora recorrente defende que a sentença recorrida errou ao não dar como provada essas anulações.

V. Donde nessa parte a AF cumpriu o determinado na sentença de 23/2(0)6/2003.

VI. Aliás, a douta sentença recorrida deu como provado no ponto 8 dos “factos provados” que foram efectivamente pagos juros indemnizatórios em 19/04/2006. No entanto, a douta sentença recorrida não aceita que esse pagamento resulta do cumprimento da sentença de 26/06/2003 ou seja, da anulação dos actos de compensação.

VII. Na sequência, das anulações das compensações, foram criados os respectivos direitos de crédito do sujeito passivo.

VIII. A sentença recorrida decidiu que, a entidade executada pôs em causa o decidido na sentença de 23/06/2003; contudo a AF limitou-se a obedecer ao disposto no artigo 89.º do CPPT.

IX. De facto, ao serem anuladas as compensações, foram criados direitos de crédito ao contribuinte, os quais, entram numa conta corrente automática, que nos termos do artigo 89.º supra referido são imediatamente disponibilizados para pagamento de outras dívidas do contribuinte.

X. A douta sentença recorrida defende que a sentença de 23/06/2003 está por cumprir, mas não tem razão, pois os montantes em causa foram restituídos à Exequente, por via, da compensação em matéria tributária.

XI. Tal como dispõe o artigo 89º do CPPT, a AF è “obrigada” – para usar a expressão do artigo 89º - a aplicar quaisquer créditos resultantes de reembolso na compensação de outras dívidas à mesma Administração Fiscal.

XII. Pelo que, os créditos criados pela anulação das compensações, apesar de não terem sido de imediato restituídos ao contribuinte, foram utilizados no pagamento de outros processos de execução tributários em que o contribuinte é executado.

XIII. Ora, tal actuação não pode ser interpretada como um não cumprimento da sentença judicial, por parte da Administração Fiscal.

XIV. Na verdade, o contribuinte já obteve uma vantagem patrimonial ao ver aqueles montantes serem utilizados no pagamento de outras dívidas exigidas noutros processos de execução. (Proc. Exec. 1910200201021818 e Proc. Exec. 1910200201500171).

XV. É que, por via desse pagamento o Sujeito Passivo vê a sua outra dívida extinguir-se.

XVI. Além do mas, a douta sentença recorrida dá como provado no ponto 8, o seguinte; «Na sequência do despacho a que se refere o ponto precedente foi ordenada a restituição à ora exequente do valor de € 24.778,56 o qual foi compensado no pagamento da dívida constante do documento nº 2000/307434003 (cfr. fls. 99 a 104 e 118 a 120 dos autos)».

XVII. Não se compreende, que a sentença recorrida dê como provado que a Administração Fiscal compensou/utilizou o referido montante no pagamento de outra dívida da referida sociedade, com todas as consequências que daí resultam, e depois, decida que a Entidade Requerida tenha de restituir esse mesmo montante à Requerente.

XVIII. E o mesmo sucedeu com os montantes de € 38.653,73 e de € 13.875,17 que, apesar de a douta sentença recorrida não dar como provado, também foram utilizados no pagamento de outras dívidas executivas da Requerente. (Proc. exec. 1910200201500171).

XIX. Pelo supra exposto, se conclui que a AF actuou nos termos do estritamente determinado na lei, sendo que as compensações objecto de anulação, não operaram nas notas de cobrança a que foram inicialmente adstritas; e que os montantes foram utilizados no pagamento de outros processos de execução fiscal da ora Requerente, tendo por essa via sido dado cumprimento ao determinado na sentença de 26/06/2003.

XX. Pelo que, a Entidade Recorrida pugna pela anulação da douta sentença na parte de que se recorre, dado que a douta sentença errou ao entender que a Administração Fiscal deve restituir os montantes que comprovou terem sido legitimamente utilizados noutras dívidas executivas da aqui Recorrida.

XXI. É de salientar que o estado ficará muito penalizado por via do cumprimento da douta sentença, sendo proporcional o benefício que a Exequente obtém com a execução nos termos definidos, pois já obteve a anulação/extinção de outras dívidas que tinha para com a Administração Fiscal. Sendo que, no caso de os processos de execução já se encontrarem extintos, não existe outra via de o Estado reaver essas quantias.

XXII. Decorre do que ficou expresso, que também a condenação do Sr. Director-Geral dos Impostos “no pagamento de juros indemnizatórios, além dos já pagos, e dos juros moratórios”, também enferma de erro de julgamento, devendo a sentença recorrida ser revogada nessa parte.

XXIII. Por tudo o supra exposto, entende a Entidade ora Recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento na interpretação das disposições legais aplicáveis e na aplicação que fez da lei aos factos, pelo que não pode ser mantida na parte em que se recorre.

- Conclui que, pela procedência do recurso, se revogue a decisão recorrida com as legais consequências.

- Contra-alegou a recorrida “A...” pugnando, em primeira linha, pela não admissão do recurso ou, quando assim não venha a ser entendido, pela manutenção do julgado, de acordo com o seguinte quadro conclusivo;

25. A Executada, ao recusar o cumprimento de uma decisão judicial transitada em julgado, viola a obrigatoriedade das decisões judicias, consagrada, entre outros, no artigo 158.º do CPTA.

26. Nos termos do artigo 159º do CPTA, a inexecução ilícita das decisões judiciais envolve responsabilidade civil, responsabilidade disciplinar e responsabilidade criminal.

Posto isto,

27. A Executada não deduziu oposição, nem contestou, a presente execução, dentro do respectivo prazo legal, de 20 dias contados da sua notificação inicial (artigos 171º nº 1 e 177º nº 1 do CPTA).

28. A Executada não invocou qualquer causa legítima de inexecução, dentro do respectivo prazo legal, de 20 dias contados da sua notificação inicial (artigos 171º nº 1 e 177º nº 1 do CPTA).

29. Do disposto no artigo 142º nº 2 do CPTA resulta, “a contrario”, que apenas seria admissível recurso jurisdicional da douta Sentença de 30.06.2009, proferida na presente execução, se aquela decisão judicial tivesse: (i) declarado a existência de causa legítima de inexecução; ou (ii) pronunciado a invalidade dos actos desconformes com a decisão ou título executado; ou (iii) fixado indemnizações fundadas na existência de outra causa legítima de inexecução.

30. Conforme resulta do teor da douta Sentença recorrida, nenhuma destas situações se verifica.

31. Logo, o recurso interposto pela Executada não é legitimamente admissível.

Sem prejuízo,

32. A douta Sentença recorrida não padece de qualquer censura.

33. A Executada não cumpriu a douta Sentença exequenda, de 26.06.2003.

34. Pois a Exequente ainda não recebeu a CA que lhe deveria ter sido restituída, tão pouco os juros de mora que lhe são devidos.

35. E a Executada não demonstrou oportunamente que restituiu esse imposto à Executada, ou que lhe pagou esses juros de mora.

- O EMMP, junto deste Tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 234 pronunciando-se, a final, pela improcedência do recurso.

*****


- Colhidos os vistos legais cabe decidir.

- A decisão recorrida, para além de ter dado por reproduzida a totalidade da matéria de facto tida por assente no recurso contencioso n.º 10/02, deu, por provada, segundo alíneas da nossa iniciativa, a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -


A). Por sentença proferida, em 26 de Junho de 2003, nos autos de recurso contencioso nº 10/02, do 3º juízo, 2ª secção, do ex-Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, foi julgado procedente o recurso contencioso interposto contra os actos de compensação constantes dos documentos nºs 1998 289123002 e 1998 289123102, tendo, em consequência, sido ordenada a restituição á recorrente do montante de € 77.307,46, acrescido de juros indemnizatórios (cfr. fls. 96 a 98 dos autos de recurso contencioso nº 10/02);

B). A sentença proferida foi notificada às partes através de carta registada datada de 30/06/03, dia que correspondeu a uma segunda-feira (cfr. fls. 99 e 100 dos autos de recurso contencioso nº 10/02);

C). De tal sentença não foi interposto recurso (cfr. autos de recurso contencioso nº 10/02);

D). Os documentos nºs 1998 289123002 e 1998 289123102 foram emitidos em 16/01/02 (cfr. fls. 7 e 9 dos autos de recurso contencioso nº 10/02);

E). Os documentos nºs 1998 289123002 e 1998 289123102 fazem expressa remessa á compensação dos créditos de € 38.653,73 (cada um deles) com as dívidas de, respectivamente, € 38.653,73 (constante do documento de cobrança nºs 69/1503/0500210160/44) e de € 13.875,17 e € 24.77856 (constantes dos documentos de cobrança nºs 69/1503/0500210160/44 e 1996 272010403) – cfr. fls. 7 e 9 dos autos de recurso contencioso nº 10/02;

F). Em 19/04/06, na sequência da decisão proferida no processo nº 10/02, foram emitidos, a favor da ora exequente, os cheques nºs 4901673955 e 4001673956, nos montantes de, respectivamente, € 896,98 e de € 321,98, respeitantes a juros indemnizatórios (cfr. fls. 61, 70 e 71 dos autos);

G). A nota de cobrança nº 1996 272010403 foi objecto de reclamação graciosa, sobre a qual foi proferido despacho de deferimento, de 31/08/05 (cfr. fls. 115 dos autos);

H). na sequência do despacho a que se refere o ponto(1) precedente foi ordenada a restituição á ora exequente do valor de € 24.778,56, o qual foi compensado no pagamento da dívida constante do documento nº 2000/307434003 (cfr. fls. 99 a 104 e 118 a 120 dos autos).

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- Mais se deu, como não provada, a seguinte factualidade;

«- O constante do ponto 16º do articulado de fls. 94 a 97 dos autos, a saber, que as compensações objecto de anulação não operaram nas notas de cobrança a que foram inicialmente adstritas, isto é, nos documentos de cobrança nºs 69/1503/0500210160/44 e 1996 272010403.
Com efeito, apesar de tal afirmação por parte da Administração Tributária, ora executada, a verdade é que o teor dos documentos constantes de fls. 7 e 9 dos autos de recurso contencioso, ao mencionarem expressamente tais documentos, põem em causa tal facto.
Para mais, os documentos de fls. 105 e 106 dos autos, corresponde a prints do sistema de compensação, emitidos em 26/10/2005, referem expressamente a compensação dos valores constantes dos documentos nºs 1998 289123002 e 1998 289123102, de € 38.653,7 (em cada um deles), com as dívidas de, respectivamente, € 38.653,73 (constante do documento de cobrança nº 69/1503/0500210160/44) e de € 13.875,17 e € 24.778,56 (constantes dos documentos de cobrança nºs 69/1503/0500210160/44 e 1996 272010403).».

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- Em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto consignou-se, expressamente, na decisão recorrida que “A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos não impugnados, que constam dos autos, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”.

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- Por se considerar relevante á decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito, e se encontrar documentalmente demonstrada, adita-se, ao probatório e a coberto do preceituado no art.º 712.º/1, do CPC, a seguinte factualidade;

I). O reembolso da quantia de € 24.778,56, a que se faz alusão na precedente alínea, foi constituído em 2005OUT24 – cfr. fls. 100, 109 e 115, dos autos, as quais, aqui, se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais;

J). Em 2005NOV01 a AT procedeu à compensação a que, de igual forma, se faz alusão na al. H). que antecede, referente a CA de 2000 e em situação de cobrança coerciva através do processo de execução fiscal n.º 1910200201021818 – cfr. fls. 100, 101, 103, 109 e 110, dos autos, as quais, aqui, se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais.

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- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -


- Como se salienta na decisão recorrida, a exequente, A..., obteve decisão judicial, no recurso contencioso identificado na primeira alínea do probatório, transitada em julgado, que determinou a anulação de actos de compensação, que deu por concretizados, através do documentos n.ºs 1998 289123002 e 1998 289123102, de dois créditos seus, de € 38.653,73 cada, com dívidas tributárias de € 38.653,73, € 13.875,17 e € 24.778,56, correspondendo, às duas primeiras, o documento de cobrança n.º 96/1503/ 500210160/44 e, à última, o n.º 1996 272010403.

- Considerando-se com direito ao recebimento daquelas importâncias, no total de € 77.307,46, bem como dos juros indemnizatórios e moratórios, a exequente veio intentar o presente meio de execução de julgado, no qual, sendo certo que a AT, na pessoa do Sr. Director-Geral dos Impostos, apesar de não ter deduzido qualquer oposição, nos termos do art.º 171.º, do CPTA (cfr. fls. 33/34) dos autos veio, subsequentemente, a manifestar nos autos ter devolvido, à exequente, as quantias de € 896,98 e € 321,98, a título de juros indemnizatórios, nada mais tendo a cumprir na consideração de que as importâncias referentes àqueles aludidos créditos de € 77.307,46, na sua globalidade, por um lado e no que diz respeito à quantia de € 52.528,90 [correspondente à soma das parcelas de € 38.653,73 e de € 13.875,17], não chegou a ser compensada, já que o processo executivo referente à dívida a compensar se encontra(va) suspenso e, no que concerne aos remanescentes € 24.778,56, porque, não tendo, também sido objecto de compensação, fazem, no entanto, parte da quantia global de € 28.334,72, anulada, em OUT2005, na sequência de reclamação graciosa tendo, então, a mesma, sido utilizada na compensação de outra dívida da exequente, perante a AF e diligenciando cobrança coerciva no proc. de exec. fiscal n.º 1910200201021818 (cfr. fls. 60, 61 e 94 a 115 dos autos, para as quais se faz expressa remessa).

- A Mm.ª Juiz recorrida, por seu turno, decidiu como decidiu no essencial, no entendimento de que a AT se encontra vinculada ao cumprimento do determinado naquela decisão judicial, proferida no rec. contencioso, pelo que não pode deixar de restituir as quantias pedidas nos presentes autos, nos precisos termos do determinado na decisão em crise.

- E, na exposição do seu discurso jurídico, fundamentador do sentido decisório tomado, cindiu a sua análise em duas partes distintas, dedicando, uma delas, à quantia de € 52.528,90 e, a outra, à importância de € 24.778,56, ambas acima referenciadas.

- Assim, quanto à primeira de tais quantias (€ 52.528,90), pode ler-se na decisão recorrida;

«Com efeito, vir agora, em sede de execução de julgado, defender que, contrariamente ao que consta da sentença, não foi efectuada a compensação no valor de € 52.528,90, correspondente à nota de cobrança n.º 96/1503/500210160/44, por o processo estar suspenso, é argumento que, de todo, não colhe.
Como se disse, existe uma decisão judicial que determinou a anulação da compensação efectuada em relação á dívida constante do aludido documento de cobrança – 96/1503/50021 0160/44 -, decisão esta que, não tendo sido objecto de recurso, se tornou de cumprimento obrigatório para a Administração Fiscal.
Note-se que o documento contestado, a que corresponde o n.º 1998 289123002 (…) não foi impugnado, sendo claro que é o mesmo que refere expressamente que a compensação do crédito é operada com respeito à dívida titulada pelo documento n.º 96/1503/500210160/44. Foi esta compensação, com a dívida resultante deste documento, que o Tribunal apreciou e relativamente à qual decidiu pela sua ilegalidade, donde resultou, aliás, a decisão de restituição do crédito apurado.
Assim sendo, e tendo sido com base nestes factos que a sentença decidiu, é evidente que a mesma está por cumprir e tem que ser cumprida.
[…]
Portando, quanto à compensação que operou com respeito à dívida constante do documento de cobrança n.º 96/1503/500210160/44, não há dúvidas que a sentença está por cumprir e que o seu cumprimento é obrigatório. Estão, pois, aqui, incluídos, os montantes de € 38.653,73 e 13.875,17.
[…].»

- Trata-se de entendimento que, refira-se desde já, se sufraga em absoluto;

- De facto as decisões judiciais apenas podem ser contestadas pelos meios de reacção cominados na lei, sob pena de, por força do instituto do caso julgado, se firmarem na ordem jurídica e não poderem deixar de ser, independentemente da sua justiça substancial, acatadas e cumpridas por todas e quaisquer entidades, públicas ou privadas, designadamente, por quaisquer autoridades públicas, às quais se imponham, nos termos do determinado, desde logo pela CRPortuguesa (cfr. art.º 205.º, n.º 2) e, também e ao que aqui, agora nos importa, pelo art.º 158.º, do CPTA.

- Ora essa é, crê-se, precisamente a situação que, no caso, se verifica, no que concerne àquelas referidas quantias de € 38.653,73 e de € 13.875,17.

- Ou seja, decidido que foi, em termos que não podem, mais, ser colocados em crise, que a Administração Fiscal compensou tais valores, correspondentes a créditos da exequente, com dívida tributária titulada pelo documento identificado pelo n.º 96/1503/ 500210160/44, é absolutamente inócuo, para efeitos do determinado na sentença proferida no recurso contencioso n.º 10/02, que, efectivamente e como alega o demandado em 7.º, de fls. 95, tal compensação não tivesse tido lugar em virtude do processo executivo se encontrar suspenso.

- O certo é que, na linha aliás da documentação de suporte referida, aquela sentença passada em julgado decidiu em contrário, por um lado e, por outro, que o respectivo acto de compensação tinha de ser anulado com a restituição da quantia respectiva, ademais acrescida de juros indemnizatórios, restituída à exequente.

- Por outro lado não importa, aqui, sequer, abordar a matéria constante do art.º 9.º, de fls. 95 dos autos e onde o executado refere que aquela mesma quantia veio a ser aplicada no pagamento de uma outra nota de cobrança, identificada com o n.º 2000/307434203, com correspondência no processo de execução fiscal n.º 1910200201500171, desde logo e se outros motivos não existissem, porque se não demonstra tal utilização uma vez que o documento a que se ancora o executado, naquele referido art.º 9.º (doc. n.º 3 junto com o requerimento respectivo), para retirar tal extrapolação, não o parece permitir, limitando-se, ali, a afirmar-se que “(…) presume-se que a mesma(2) está directamente relacionada com a compensação que inicialmente se previa viesse a ser efectuada na nota de cobrança n.º 1996/1503/44” (cfr. seu n.º 5, a fls. 104); Acresce que o próprio executado confessa não saber se o afirmado em 10.º, a fls. 95, por referência à aludida quantia de € 52.528,90 corresponde à quantia que a sentença proferida no rec. contencioso n.º 10/02 deu por compensada com a dívida titulada pelo n.º 96/1503/500210160/44 afirmando que se encontrava, então “(…) a diligenciar no sentido de confirmar, se se trata do mesmo valor inicialmente atribuído para compensação da dívida n.º 96/1503/500210160/44 (€ 52.528,90 = € 38.653,73+€13.875,17)”.

- Por outro lado, quanto à quantia de € 27.778,56, considerou-se na decisão recorrida;

«à mesma conclusão se chega relativamente ao valor de € 24.778,56, a que corresponde a compensação operada com respeito ao documento de cobrança n.º 1996 272010403.
Vem, agora, em sede de execução de sentença, a Administração Fiscal sustentar que tal valor foi anulado em processo de reclamação graciosa, por despacho de Agosto de 2005, sendo que o valor anulado foi utilizado numa compensação posterior. (…).
Mais uma vez, esta posição da Administração Fiscal é inaceitável e denota alguma confusão quanto aos termos em que a Administração está obrigada a cumprir as decisões judiciais.
Aqui, como quanto aos montantes atrás referidos, relembra-se que o acto impugnado, em sede de recurso contencioso, fazia expressa menção à compensação do crédito com a dívida titulada pelo documento de cobrança n.º 1996 272010403. Foi a compensação do crédito com a correspondente dívida, de e 24.778,56, que o Tribunal anulou, sem oposição da Fazenda Pública.
Vir agora, nesta sede, defender que, apesar de ter sido assim, a verdade é que não existiu tal compensação e que, afinal, o valor foi anulado em sede de reclamação graciosa, parece, uma vez mais, inoportuno, tanto mais que foi, precisamente, por não estarem preenchidos os requisitos legais da compensação que a mesma foi anulada.
Por outro lado, e como está bem de ver, a sentença ora em execução é de 2003, sendo o acto impugnado de 2002, ao passo que a decisão de deferimento da aludida reclamação é de 2005, donde resulta que tal decisão, até pelo momento em que teve lugar, nunca poderia interferir com o sentido da decisão judicial em execução.
[…]
À Administração Fiscal não é permitido não cumprir os termos em que uma decisão judicial é proferida (a menos que exista causa legítima para a inexecução, o que não é o caso) e contornar, com base nos seus interesses e critérios, os termos, os prazos e a oportunidade de que cumprir os que os Tribunais, órgãos de soberania, determinam.
No caso, o que o Tribunal determinou foi a anulação da compensação no valor de € 24.778,56, correspondente à dívida constante do documento n.º 1996 272010403, com a consequente restituição do valor compensado e com o pagamento de juros indemnizatórios. É isto que está por cumprir, independentemente de a Administração Fiscal vir, agora, dizer que tal valor já foi objecto de compensação efectuada cerca de 3 anos mais tarde. Isto é, repete-se, inaceitável.
[…]».

- Ora, afirmando, desde logo e na linha do que acima referimos, a nosso concordância com as considerações expendidas na decisão recorrida, e que se acabam de transcrever, no que concerne à imperatividade, para a Administração Fiscal, no acatamento de todas as decisões judiciais, firmadas na ordem jurídica, nos precisos termos em que decidiram, já se não acompanha a decisão recorrida na subsunção que faz, a este enquadramento jurídico, quanto ao determinado na sentença proferida no recurso contencioso n.º 10/02, no que concerne àquela referida quantia de € 24.778,56.

- É inquestionável que tal sentença judicial, ao determinar a anulação da compensação operada com o crédito da exequente, da dívida titulada pelo documento n.º 1996 272010403, traz implícita uma imposição para a AF de recolocar aquela exequente, na situação em que se encontraria se tal compensação não tivesse sido concretizada, designada e particularmente, pela sua restituição monetária, acrescida dos devidos juros indemnizatórios.

- Digamos, portanto e ainda que um pouco “grosseiramente”, que o que se pretendeu, com a referida decisão judicial foi que a AF “pagasse” à exequente, a referida importância de €24.778,56, acrescida de juros indemnizatórios, entendido, aqui, pagamento, como o cumprimento integral e eficaz da anulação do acto de compensação em que, ela, fora utilizada.

- Ou seja, o acatamento da referida decisão judicial proferida no recurso contencioso n.º 10/02, no que concerne á quantia que, ora, nos ocupa de € 24.7778,56, acrescida dos juros indemnizatórios, reconduz-se á reintegração patrimonial da exequente, nessa mesma medida.

- Citando a doutrina do Cons. JLSousa(3) “O STA tem vindo a entender que, como efeito, da anulação judicial do acto administrativo, a Administração fica obrigada a reintegrar a ordem jurídica violada pelo acto considerado ilegal, reconstituindo a situação actual hipotética que presumivelmente existiria se a ilegalidade não tivesse sido praticada.
Esta jurisprudência tem suporte no (…) art. 100.º da LGT e, actualmente, no art. 173.º, n.º 1, do CPTA em que estabelece que «sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado.».
Assim, nas situações em que foi cobrada uma quantia através de um acto de liquidação de um tributo que enferme de vício de violação de lei, está ínsita no julgado anulatório uma ordem de devolução ao interessado da quantia paga, desde que não possa ser praticado um novo acto de liquidação que não enferme do vício que justificou a anulação”.

- Ora, no que concerne à referida quantia de € 24.778,56, a actuação da AT, no caso vertente, não deixa de se integrar nesta doutrina, isto é, não deixa de consubstanciar, no que à devolução de tal crédito diz respeito, um acatamento do decidido pela sentença proferida no recurso contencioso n.º 10/02.

- Para assim se concluir há que ter presente o estatuído no art.º 89.º, do CPPT, como refere o executado e nos termos do qual quaisquer créditos de um demandado em processo de execução fiscal, na medida em que resultantes de um acto tributário, não podem deixar de ser aplicados na satisfação de dívidas que tenha perante a mesma administração tributária, salvo se estiver pendente uma qualquer das espécies processuais elencadas no n.º 1 do preceito, ou a dívida exequenda a ser paga em prestações e, em qualquer caso, esta mesma dívida esteja garantida nos termos do mesmo diploma legal.

- Por consequência, se esse crédito resultar de uma anulação de um acto de compensação, ele não pode deixar de ser afecto à compensação de uma qualquer outra dívida tributária, através de um novo e diferente acto tributário de tal natureza, desde que verificados os restantes pressupostos legais decorrentes do referido art.º 89.º, do CPPT.

- Ora, no caso, o direito de crédito do exequente à referida importância de € 24.778,56, resulta da anulação de um outro acto tributário de compensação e do qual é devedora a AT, do mesmo passo que aquele exequente é(ra) simultaneamente devedor à AT de uma outra dívida da mesma natureza, para cobrança da qual se encontrava instaurado em 2002, sendo certo que se não dá conta nem ninguém o refere que, por referência a esta última dívida se encontrasse instaurada uma daquelas formas processuais, ou que estivesse a ser paga em prestações e que se encontrasse garantida nos termos do CPPT.

- Por consequência e à luz dos elementos dos autos, afigura-se-nos como legal a actuação da AT ao utilizar aquele referido crédito, logo que ele se constituiu por força da anulação do anterior acto de compensação, na compensação de uma outra dívida, da mesma natureza e perante a AT, de constituição muito anterior, sendo certo que, face ao dever da exequente ao pagamento desta última, tal compensação não deixa de reintegrar a sua situação patrimonial pela inerente extinção da dívida exequenda na medida da compensação.

- Refere a decisão recorrida na sustentação do seu entendimento, de que a AT não pode contornar, com base nos seus interesses e critérios, os termos, os prazos e a oportunidade de cumprir o que lhe for determinado pelos tribunais.

- Não podemos estar mais de acordo.

- Contudo tal não colide, a nosso ver, com que acima sustentámos.

- De facto, a AT, pela simples utilização da importância de € 24.778,56, não podia nunca considerar ter dado acatamento integral ao decidido na referida sentença judicial, ainda que por referência à medida em que, a mesma, se reporta à importância ora em causa; É que aquela decisão condenou, ainda, a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do art.º 43.º/3/b da LGT, pelo que esses juros, calculados nos termos do assim decidido, na medida em que não tenham sido utilizados na referida compensação, não podem deixar de ser pagos à exequente.

- E não só; Como decorre do probatório aditado, o processo de execução fiscal pendente com vista à cobrança coerciva da dívida compensada pela AT, nos termos mencionados nas três últimas alíneas, foi instaurado em 2002, isto é, muito antes quer da prolação da decisão no recurso contencioso n.º 10/02, quer da constituição do reembolso, circunstâncias ocorridas em 2003JUN26 e 2005OUT24.

- Significa isto que a reintegração da situação actual hipotética da exequente pressupõe a sua compensação pela indisponibilidade a que se viu, ilegalmente (nos termos do definitivamente decidido no recurso contencioso) votada, daquela importância de € 24.778,56 desde o trigésimo dia posterior à decisão que anulou o tributo de que resultou a primeira compensação ilegal, até ao termo do prazo do cumprimento espontâneo da decisão proferida no recurso contencioso n.º 10/02, a título de juros indemnizatórios, subtraídas das importâncias que, a tal título, lhe foram, já, pagas, e desde este último momento (termo do prazo para cumprimento espontâneo daquela decisão judicial proferida no recurso contencioso n.º 10/02) até à data do efectivo pagamento, leia-se, de acordo com o acima referido, a data da compensação referida na al. H). do probatório, isto é, 2005NOV01 (cfr. al. J).) de acordo com o regime jurídico mais desenvolvidamente referido na decisão recorrida e que, aqui, igualmente se acolhe como discurso fundamentador, a título de juros moratórios.

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- D E C I S Ã O -


- Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCASul, em;
1) Conceder parcial provimento ao recurso, assim revogando a decisão recorrida, na parte em considerou que a AT não acatou, parcialmente, o decidido no recurso contencioso n.º 10/02, ao compensar a dívida exequenda do processo executivo n.º 1910200201021818, instaurado contra a exequente, o crédito desta última no montante de € 24.778,56 e, nessa estrita e precisa medida, julgar improcedente a presente execução de julgado;
2) Negar provimento, no remanescente, ao presente recurso, nessa medida se mantendo, na ordem jurídica, a decisão recorrida.
- Custas, em ambas as instâncias, a cargo da recorrente e da recorrida, na proporção na proporção em que decaíram.


1 - Leia-se a correspondente alínea.
2 - Isto é anulação do pagamento da quantia de € 52.528,90.
3- Cfr. CPPT, anotado e comentado, 2006, Vol. I, 1045.