Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03804/10
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/08/2015
Relator:ANA PINHOL
Descritores:PRINCÍPIO DA JUSTIÇA TRIBUTARIA
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTARIA
PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DO EXERCÍCIO
ARTIGO 266.º, N.º 2, DA CRP, ARTIGO 55º DA LGT, ARTIGO 3º DO CPA, ARTIGOS 17º E 18º DO CIRC
Sumário:1. O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram.
2. No caso, em momento algum a Administração Tributária e Aduaneira (ATA) colocou em causa o não recebimento da quantia de 150.000.000$00, razão pela qual, deveria ter considerado tal montante como provisões ao abrigo do artigo 23º, n.º1, al.h) do CIRC, ou seja, como custo do respectivo exercício.
3. Com efeito, o princípio da especialização não pode comprometer ou afrontar os valores gerais que serve, nem conduzir a uma solução materialmente injusta.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA, veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 15 de Maio de 2009, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por JOÃO........................... e SANDRA.................................. contra a liquidação adicional de IRS, relativa ao ano de 1998.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I.A douta sentença ora recorrida, anulou a liquidação de lRS n° ..................... com o fundamento em que a mesma não atentou que a tributação se faz pelo lucro real, nos termos do disposto no art. 104° da CRP;
II.A liquidação de lRS de 1998 controvertida nos presentes autos, foi emitida na sequência do procedimento interno de inspecção que detem1inou correcções ao rendimento declarado pele sujeitos passivos, tendo em vista a imputação dos rendimentos a cada um dos herdeiros e permitindo a cada um deles pronunciar-se sobre as correcções propostas exercendo o direito de audição;
III.As correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária (doravante 'SIT') respeitante à alienação de imóveis constituídos por lotes de terreno designados por "Quinta do Brandão" e da "Chemina" pertencentes à herança indivisa aberta por óbito de João............................, da qual o impugnante é co-herdeiro;

IV.Dos autos resulta provado que o autor da herança, João................................... exercia as actividades de compra e venda de sucatas e de revenda de prédios adquiridos para esse fim;
V.Em 21 de Dezembro de 1981 adquiriu para revenda a “Quinta do Brandão”. Posteriormente, em 1983, adquiriu o prédio misto “Casal da Chemina”, que foi igualmente adquirido para revenda, no âmbito da actividade de revenda de imóveis adquiridos para esse fim;
VI.A alienação dos prédios supra referidos (ocorrida em 1998/04/14), pertencentes ao estabelecimento comercial do autor da herança constituía actividade comercial enquadrável na categoria C; Assim, antes do seu falecimento, o apuramento do lucro tributável era feito nos termos do CIRC, por força do art. 31° do CIRS (na redacção vigente à data dos factos); E o mesmo ocorrerá após a abertura da herança: o lucro tributável deverá ser apurado de acordo com as regras do CIRC, devendo ser imputada a cada um dos herdeiros a parte correspondente, nos termos do disposto nos arts. 18° e 21° n°. 2, alínea a) do CIRS (que correspondem actualmente aos arts. 19º e 22° n'. 2, alínea a) daquele diploma);
VII.O lucro tributável da herança indivisa foi efectuado de acordo com as regras estabelecidas no CIRC;
VIII.Foi outorgada urna escritura pública de compra e venda onde constava o valor de 500.000.000$00, tendo sido recebido somente o montante de 350.000.000$00, sendo que, foi constituída uma reserva de propriedade a favor dos vendedores até o preço se encontrar pago na totalidade;
IX.O n°. 1 do art. 18° do CIRC estabelece que: "Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios."
X.E o n°. 4 daquela norma prevê expressamente a possibilidade de as partes terem estipulado cláusulas de reserva de propriedade nos negócios celebrados no âmbito do exercício da actividade comercial ou industrial, determinando aquele tipo de cláusulas são irrelevantes, pelo que os proveitos se consideram realizados na data da celebração da escritura ou da entrega dos bens, nos termos da alínea a) do n°. 3 do art. 18° do CIRC;
XI.Face ao disposto naquela alínea é indiscutível que o proveito resultante da venda é imputado ao exercício de 1998, quer por ter sido nesse exercício que foi outorgada a escritura, por força do n". 4 e da 2ª parte da alínea a) do n°. 3 do citado art. 18° do CIRC, quer pela 1ª parte da referida alínea: os proveitos relativos a vendas consideram-se realizados, e os correspondentes custos suportados, na data da entrega dos bens;
XII.Nos termos das disposições legais supra referidas, o facto de o preço não se encontrar pago não constitui motivo para não contabilizar a venda como proveito;
XIII.Foi feita uma correcta interpretação das normas legais e respeitada a forma de apuramento do lucro tributável, de acordo com o art. 17° do CIRC;
XIV.Pelo que, a douta sentença proferida pela Mma. Juiz a quo fez uma incorrecta interpretação da lei e violou os arts. 17º e 18º nºs. 1, 3 alínea a) e 4, ambos do CIRC.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA

Os Recorridos, não apresentaram contra-alegações.

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O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
No caso trazido a exame, a única questão a decidir consiste em saber:
- se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito por violar os artigos 17º e 18º, n.ºs 1 e 3 al.a) e 4 todos do CIRC. [Conclusões I a XIV]

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A) João.....................................exercia a actividade de compra e venda de sucatas e prédios revenda dos adquiridos para esse fim.
B) Em 1980, João.................................. apresentou na Câmara Municipal de Alenquer um projecto de loteamento da Quinta do Brandão e da Chemína, tendo resultado o processo de loteamento n.º ............, cuja licença foi titulada pelo alvará n.º ........
C) A Quinta do Brandão e da Chemína era composta por 237 lotes de terreno.
D) Em 24/03/1994 ocorreu o óbito de João ...................................
E) Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 14/04/1998 no 17º Cartório Notarial de Lisboa, os sucessores de João ..................................., venderam às sociedades "M............... - ................Lda" e "Q...................... - ........................... SA" os 237 lotes de terreno para construção urbana, pelo preço de 5000.000$00.
F) Da escritura pública mencionada na alínea anterior, na :parte com interesse para a decisão da causa, consta o seguinte:
a) Foram vendidos os 237 lotes de terreno para construção sitos na Quinta da Chemina e um prédio rústico, denominado "Quinta do Brandão " ou "Miratejo", "Vinha Velha " ou "Vinha do Carmo ou Cano", com a área de 253.295 m2, inscrito na matriz rústica da freguesia de ...................., concelho de ................., sob o art .....da secção......., pendente de rectificação e alteração, sem valor patrimonial;
b) Os herdeiros de João............................vendem à sociedade "M .....................- .........................Lda" pelo preço de 250.000.000$00, os lotes de terreno para construção urbana com os n. s 174, 175, 176, 185, 199, 200, 201, 202, 208, 209, 219, 220, 221, 224, 225, 226, 227;
c) Os herdeiros de João..........................................receberam por conta do preço mencionado na alínea anterior o montante de 100.000.000$00, devendo o remanescente ser pago nos seguintes termo: 50.000.000$00 até 25/07/1998; 50.000.000$00 ser pago até 25/11/1998 e 50.000.000$00 ser pago até 25/03/1999)
d) Os herdeiros de João..................................... vendem à sociedade "Q ..........................................SA" pelo preço de 250.000.000$00, os lotes, livres de ónus ou encargos, com os n. ºs 1 a 24 inclusive, 67 a 75 inclusive, 103 a 116 inclusive, 164 a 176 inclusive, 177 a 184 inclusive, 186 e 188, 189 e 190, 192 a 198 inclusive, 203 a 216 inclusive, 223, 228 a 237 inclusive;
e) Os herdeiros de João...............................constituíram na escritura de compra e venda celebrada reserva de propriedade. a favor dos vendedores do prédio rústico denominado "Quinta elo Brandão" e dos lotes n.º s 25 a 66 inclusive, 76 a 102 inclusive, 187, 191, 207 e 222;
f) Na cláusula 3.ª consta que "Que, por conta do preço, foi recebida, pelo falecido JOÃO ......................................., ao tempo co-titular dos imóveis vendidos, através de procuração conferida para o efeito, a quantia de CEM MILHÕES DE ESCUDOS, devendo o remanescente, de CENTO E CINQUENTA MILHÕES DE ESCUDOS, ser pago até ao dia catorze de Abril de mil novecentos e noventa e nove, podendo o prazo ser prorrogado por mais seis meses, (...) que o preço em dívida deverá ser pago à medida que a sociedade compradora efectue a venda dos lotes sujeitos a reserva de propriedade, mediante a entrega de cinquenta por cento de todas as quantias que receba das referidas vendas; Que a reserva de propriedade será cancelada à medida que C11da lote seja integralmente pago, e desde que a primeira outorgante, ILDA..............................................., a título de cabeça de casal, tenha recebido cinquenta por cento do preço; Que, sobre os lotes QUARENTA E TRÊS, a SESSENTA E SEIS, inclusive,- SETENTA E NOVE, a CENTRO E DOIS, inclusive, - CENTO E VINTE E OITO a CENTO E TRINTA E CINCO, inclusive, e CENTO E QUARENTA E UM, a CENTO E SESSENTA E TRÊS, inclusive, incide uma HIPOTECA, a favor da CÂMARA MUNICIPAL DE ALENQUER".
G) Na sequência de uma acção de inspecção realizada entre 18/03/2002 e 27/03/2002 à contabilidade da herança indivisa de João ..................................., por seu óbito, a qual se designou por "João ..................................Herdeiros", ao exercício de 1998, foi elaborado o respectivo relatório de inspecção no âmbito do qual foram efectuadas correcções à matéria tributável em sede de IRS com recurso a correcções técnicas, no montante de €362.349,55, a imputar aos herdeiros.
H) Os serviços de inspecção consideraram os seguintes elementos para proporem correcções:
a. O valor das vendas contabilizadas e declaradas pela cabeça de casal de João dos Santos Moura, no montante de 350.000.000$00 sendo o valor constante da escritura no montante de 500.000.000$00;
b. Os serviços de inspecção verificaram que a discrepância de valores mencionados na alínea anterior se deveu à sociedade “Q ......................... - ........................... SA" não ter pago o montante de 150.000.000$00;
c. Os serviços de inspecção não consideraram o montante de 150.000.000$00, com o fundamento de que o acto público não foi anulado, pelo que consideraram como proveitos o montante constante da escritura de 500.000.000$00.
I) Na sequência da fixação do lucro tributável nos termos na alínea anterior foi efectuada a
liquidação adicional de IRS n.º ...................... e respectivos juros compensatórios, referentes ao exercício de 1998, no montante de € 35.699,49.
J) Em 21/02/2003 os impugnantes deduziram reclamação graciosa que veio a ser indeferida.

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos no processo administrativo em apenso.
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face
das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.»

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B.DE DIREITO
A questão sob recurso é a de saber se a sentença recorrida enferma ou não de erro de julgamento por ter considerado ilegal a liquidação que foi levada a cabo pela Administração Tributária e Aduaneira (ATA) em virtude de ter considerado que constando na escritura de compra e venda ora em causa, o montante de 500.000.000$00, mas ter sido recebido somente o montante de 350.000.000$00, os serviços de inspecção teriam de considerar tal montante como provisões ao abrigo do artigo 23ª n.º 1 alínea h), ou seja, como custo do respectivo exercício.
A Fazenda Pública discorda do decidido. Não porque ponha em causa a factualidade que foi dada como assente - que as vendas contabilizadas e declaradas pela cabeça de casal de João ........................................ foram no montante de 350.000.000$00 sendo o valor da escritura no montante de 500.000.000$00, sendo que a divergência de valores se deveu ao facto de a sociedade "Q............................ - .........................SA" não ter pago o montante de 150.000.000$00 –, mas, se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, porque entende que o proveito resultante da venda é imputado ao exercício de 1998, por ter sido nesse exercício que foi outorgada a escritura publica, por força do artigo 18º, n.º 3, al.a) 2ª parte e n.º4 do CIRC.
Vejamos.
O artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) dispõe:
« 1 - A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
2 - Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé ».
Significa isto, desde logo, e como expressamente refere o artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos».
Como salientam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, referindo-se ao preceito citado: «Desta norma resulta que o princípio da legalidade, consubstanciando-se na obediência à lei e ao direito, não se limita ao dever de acatamento da lei em sentido estrito, abrangendo também a subordinação a todos os valores jurídicos, normativos ou não, como as normas e princípios de direito internacional e comunitário, as normas regulamentares, as situações definidas judicial ou administrativamente e as obrigações contratualmente assumidas.
Por outro lado, por força daquela norma constitucional a actuação da administração, para ser legal, terá de estar em sintonia com os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé que, tendo um conteúdo próprio, não deixam de fazem parte do bloco de legalidade que tal actuação deve respeitar .
Assim, o dever de actuar de harmonia com o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente prevêem a actuação da administração, abrangendo o dever de a administração ter em conta os reflexos práticos da actividade administrativa que levar a cabo.
Por isso, a administração tributária deverá abster-se de concretizar os comandos legais quando, em face das particularidades do caso, não se verifiquem as razões de interesse público que justificam a sua actuação ou quando se produza um resultado manifestamente injusto (...)». (in: Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 3.ª edição, nota 2 ao art. 55.º, pág. 236)
Em complemento do cotejo doutrinal e legal expendido, importa ainda, trazer à colação o a Lei Geral Tributária que no seu artigo 55.º determina: «A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários».
Nos termos do disposto no artigo 17º do CIRC, o lucro tributável é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidas nos termos do Código, o que equivale a dizer, em conjugação com o disposto no artigo 18º do mesmo Código que estabelece a periodização do lucro tributável, que este se reportará ao saldo revelado pela conta de resultados do exercício ou de ganhos e perdas, elaborada em obediência a sãos princípios de contabilidade, e consistirá na diferença entre todos os proveitos ou ganhos realizados no exercício anterior àquele a que o ano fiscal respeitar e os custos e perdas imputáveis ao mesmo exercício.
Sobre o princípio da especialização dos exercícios, na perspectiva que aqui interessa, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05.02.2003, recurso n.º 1648/02 - citado na sentença recorrida - que: « (…) Há nesta situação dois deveres a ponderar, ambos com cobertura legal: um é o de repor a verdade sobre a determinação da matéria colectável dos exercícios referidos, dando execução ao princípio da especialização, reposição essa que a administração fiscal deve efectuar mesmo que não lhe traga vantagem; outro é o de evitar que a actividade administrativa se traduza na criação de uma situação de injustiça. "Entre esses dois valores, designadamente nos casos em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte, deve optar-se por não efectuar a correcção, limitando aquele dever de correcção por (força do principio da justiça. "Por outro lado, é de notar que numa situação deste tipo não se verifica sequer qualquer interesse público na actuação da administração fiscal, pois não está em causa a obtenção de um imposto devido, pelo que, devendo toda a actividade administrativa ser norteada pela prossecução deste interesse, a administração deveria abster-se de actuar». (acessível no endereço http://www.dgsi.pt/ )
Como se pode ver desta transcrição a Administração Tributária e Aduaneira (ATA) não pode alhear-se dos resultados práticos da sua actuação, devendo abster-se da prática de actos que, embora lhe sejam impostos pelo princípio da legalidade, violem o princípio da justiça, que mereceu consagração constitucional no artigo 266.º, n.º 2, da CRP. O que equivale dizer que face aos princípios de direito enunciados, o princípio de especialização dos exercícios não pode comprometer ou afrontar os valores gerais que serve, nem conduzir a uma solução materialmente injusta.
Em abono de tal entendimento a doutrina e a jurisprudência têm recorrido ao princípio da justiça para obviar a que o princípio da especialização dos exercícios se transforme «numa armadilha que possibilite à Administração Tributária cobrar impostos que não são devidos» (Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de sousa, in Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 2.ª edição Revista e Aumentada, Vislis 2000, pág. 219).
No caso em apreço, resultou provado que no dia 14.04.1998, foi outorgada escritura pública de compra e venda sendo vendedores os herdeiros de João .................................. e compradores duas sociedades, no âmbito da qual se transmitiram vários lotes de terreno, pelo preço total de 500.000.000$00, sendo que foi pago 350.000.000$00, tendo ficado estabelecido um plano de pagamento uma vez que pela venda dos 237 lotes havia, no caso de não pagamento do remanescente, uma reserva de propriedade a favor dos vendedores. Naquele mesmo acto notarial ficou, ainda estabelecido que o remanescente no montante de 150.000.000$00 seria pago até 14.04.1999, sendo que a escritura foi realizada em 14/04/1998, podendo aquele prazo ser prorrogado por mais 6 meses e, o preço em dívida seria pago à medida que a sociedade "Q........................." efectuasse a venda dos Iotes sujeitos a reserva de propriedade, mediante a entrega de 50% de todas as quantias recebidas das vendas, sendo a reserva de propriedade cancelada quando a cabeça de casal tivesse recebido 50% do preço.
Ora, dúvidas não há que, com a celebração da referenciada escritura pública (14.04.1998), operou a transmissão do imóvel para efeitos fiscais, pelo que, bem andou a Fazenda Pública ao considerar tal ganho ou proveito como uma variação patrimonial positiva no exercício de 1998. (O momento da realização é considerado fundamental para a imputação temporal dos proveitos, sendo que a mesma deverá coincidir com o momento em que se adquire o direito à contraprestação, ao pagamento, o que nem sempre coincide com a data do recebimento. Para maiores desenvolvimentos, cfr. MANUEL H.F. PEREIRA, ob. cit., pp.113 ss.),
Todavia, não tendo, em momento algum a Administração Tributária e Aduaneira (ATA) colocado em causa o não recebimento da quantia de 150.000.000$00, deveria ter considerado, tal montante como provisões ao abrigo do artigo 23º, n.º1, al.h) do CIRC, ou seja, como custo do respectivo exercício.
Assim, como bem considerou a Mmª Juiz a quo « (…) cumpria aos serviços de inspecção fazer correcções não apenas a nível dos proveitos, mas de igual forma no que se refere aos custos, uma vez que dispunham de elementos para o efeito.».
Improcedem assim, todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.

IV.DECISÃO
Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida que, em consequência, se mantem na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 8 de Janeiro de 2015.

[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Lurdes Toscano]