Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1325/06.7 BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/24/2022
Relator: ISABEL FERNANDES
Descritores:IVA
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ISENÇÃO
CESSÃO DE EXPLORAÇÃO
Sumário:Nas situações em que o arrendamento se cingiu à locação do imóvel não é devido IVA, por força da isenção prevista no nº 29º do artigo 9º do CIVA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO


M… - SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, LDA., melhor identificada nos autos, impugnou judicialmente a liquidação adicional de IVA e Juros Compensatórios do exercício de 2004, no valor total de 5.335,97€.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 29 de Novembro de 2019, julgou a impugnação procedente.

Não concordando com a decisão, a Fazenda Pública, aqui Recorrente, veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta Sentença a quo, julgou procedente a impugnação, com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que foi produzida prova suficiente por parte da Impugnante que habilita a considerar que os contratos denominados de “arrendamento comercial” celebrados entre esta e as sociedades “P…, Lda.” e “I…”, tendo por objeto os locados identificados no probatório, consistiu numa mera disponibilidade dos imóveis pela Impugnante, sem inclusão de quaisquer equipamentos neles instalados, pelo que estavam preenchidos os requisitos legais previstos no art.º 9º/30 do CIVA para que a Impugnante se encontrasse isenta de IVA quanto às rendas percebidas.

II – Com a ressalva da devida vénia, dissente esta RFP do assim doutamente Julgado, porquanto e desde logo, foi determinado pela anulação da globalidade das liquidações adicionais de IVA sindicadas, quando havia que distinguir entre aquelas que tiveram por fundamento o contrato celebrado com a sociedade “P…, Lda.” e aquelas cujo fundamento foi o contrato celebrado com a sociedade “I…” (Cfr. quadros 1 e 2 do ponto J) do probatório.

III – Com efeito, resulta do teor da PI que relativamente ao contrato celebrado com a sociedade “I…” a Impugnante não fez ali constar qualquer fundamento que sustentasse o respetivo pedido de anulação; nem alegou quaisquer fatos constitutivos do direito que peticionou, isto é, que integrassem a causa de pedir, motivo pelo qual, verificada a falta desta, não podia o Douto Tribunal conhecer desta parte do pedido.

IV – Tendo-o feito, isto é, conhecendo de questões de que não poderia tomar conhecimento, as quais também não são de conhecimento oficioso, incorreu a douta Sentença a quo em excesso de pronúncia, violando assim o disposto no artº.125º, nº.1, do CPPT e art.º 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 2º, al. e) do CPPT.

V – Deve assim considerar-se a douta Sentença a quo nula, por vício de “Ultra petita”, posto que invocou como razão de decidir um título; uma causa ou fato jurídico, diverso daquele que a Impugnante colocou na base (causa de pedir) do seu pedido, que, no caso, até se traduziu na omissão completa de fundamentos que sustentassem o pedido.

VI – Quanto ao demais e sempre com a ressalva da devida vénia, entende esta RFP que a douta Sentença a quo também padece de vício de erro julgamento, de fato e de direito, porquanto e desde logo, errou quanto à fixação da repartição do ónus da prova entre a AT e a Impugnante, ao considerar que àquela cabia a demonstração de que para além da prova da disponibilidade dos imóveis pela Impugnante – o que considera contratualmente demonstrado - ainda lhe cabia a demonstração de que com o contrato também foram alugados outros bens e equipamentos que preenchessem o conceito de transmissão da exploração de um estabelecimento comercial.

VII – Porém, tal prova não cabia à AT mas antes á Impugnante, porquanto, em sede de procedimento inspetivo e na sequência de um pedido de reembolso de IVA por esta efetuado, foi a mesma notificada para justificar documentalmente as operações subjacentes ao referido pedido, mormente cópias dos contratos celebrados com os seus fornecedores e/ou prestadores de serviços, tendo-se, após análise do teor dos dois contratos supra identificados, formulado o entendimento de que os mesmos não consubstanciavam uma mera cedência de espaço, mas, outrossim, uma cedência de áreas equipadas, conforme resultava do teor da alínea a) da cláusula oitava dos ditos contratos, nos quais se faz referência expressa a equipamento cujo uso é conferido ás sociedades que tomaram os imóveis de arrendamento.

VIII – Em função desta realidade, é manifesto que a AT apontou a matéria factual que suportou a sua atuação, a qual se consubstanciou na análise de documentos que constavam da contabilidade da Impugnante, pelo que passou a recair sobre esta última o ónus da prova de afastar a realidade apontada pela AT, no sentido de demonstrar que a sua declaração reflete a situação de facto a considerar, nos termos previstos no art.º 75º nº 1 da LGT.

IX – E assim invertido o ónus da prova, o certo é que a Impugnante, quer em sede de audição prévia no âmbito do procedimento; quer no âmbito da presente Impugnação, para abalar o fundamento da emissão das liquidações oficiosas de IVA, apenas se limitou a invocar como argumento, a “infelicidade” na redação da dita cláusula oitava do contrato estabelecido com a sociedade “P…, Lda.” e a afirmação de que não houve qualquer intenção em ceder a exploração do estabelecimento.

X – Ora, afirmações não são provas, sendo que do probatório fixado pela douta Sentença a quo não resulta verificada outra prova que seja demonstrativa de que por efeito do arrendamento comercial outorgado à sociedade “P…, Lda.”, não foi também dado em exploração o estabelecimento comercial.

XI – Assim, na ausência de prova bastante por parte da Impugnante de que o sobredito contrato de arrendamento consubstanciou uma mera cedência temporária do espaço, ao invés da realidade revelada pelo clausulado do contrato, não podia a douta Sentença a quo dar aquela realidade por provada como o fez.

XII – Ademais, avultando como único elemento probatório os contratos de arrendamento comercial identificados nos autos e tendo presente o teor da cláusula oitava dos mesmos, afigura-se que sempre seria aqui aplicável a jurisprudência expressa no já mencionado Acórdão TCAN de 14-06-2006, (proce. nº 06375/13), nos termos do qual deve considerar-se como locação de estabelecimento comercial a locação temporária de um imóvel devidamente equipado para funcionar como estabelecimento, já que existe estabelecimento comercial sempre que se possa afirmar que um determinado conjunto de bens e direitos “serve”, essencialmente, para desenvolver uma certa atividade económica, constituindo um contrato de prestação de serviços sujeito a IVA, por interpretação do art.º 9º, nº 30, alínea c) do CIVA.

XIII – Sendo que no caso em apreço, pré-existia o dito estabelecimento no imóvel locado, dado que após o arrendamento celebrado, foi aquele dado de trespasse à sociedade locatária “P…, Lda.”, motivo pelo qual e á mingua de outra prova carreada pela Impugnante, sempre se deveria ter por verificada uma situação de locação de estabelecimento comercial, com base na realidade revelada pelo contrato de arrendamento comercial celebrado.

VII – Decidindo em sentido diverso, incorreu o douto Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, tendo sido violados, entre outros, o disposto nos art.º 9º, nº 30, alínea c) do CIVA e 74º e 75º da LGT, revelando-se ainda nula a sentença por vício de excesso de pronúncia, na parte que respeita à anulação das liquidações adicionais de IVA que tiveram por fundamento o contrato celebrado entre a Impugnante e a sociedade “I…”, por violação, neste caso, entre outros, do disposto no artº.125º, nº.1, do CPPT e art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.

Termos em que,

Concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por Acórdão que:

A) - Declare a nulidade da douta Sentença a quo na parte em julgou a impugnação procedente e determinou pela anulação das liquidações adicionais de IVA que tiveram por fundamento o contrato celebrado entre a Impugnante e a sociedade “I... & A...”, nos termos supra preditos; e quanto ao demais,

B) Julgue a impugnação totalmente improcedente, tudo com as legais e devidas consequências.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»


*




A Recorrida apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:


«1. A Sentença recorrida efectuou um exame crítico às provas constantes dos autos e do processo administrativo apenso ao mesmo, sendo que quer a motivação de facto, quer a motivação de direito foram plenamente respeitadas e não merece censura;


2. Assim e contrariamente ao alegado pelo recorrente não se poderá falar em qualquer nulidade, quer em qualquer erro;


3. Sendo que, quer a motivação de facto, quer a motivação de direito foram plenamente respeitadas e valorados na decisão;


4. Haverá de conclui-se não assistir razão à entidade recorrente;


5. Pelo exposto, o recurso deverá ser considerado improcedente, na medida em que a sentença recorrida não merece qualquer censura, pois bem ajuizou a prova produzida nos autos, fez uma correcta e adequada ponderação dos factos e aplicou correctamente o direito, não padecendo, assim, de qualquer vício.


Por tudo o exposto,


Deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais.


Assim decidindo, far-se-á JUSTIÇA !»

*
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
*

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



*

II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

« Compulsados os Autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

A) A Impugnante é uma sociedade por quotas que exerce a actividade de "Arrendamento de Bens Imobiliários'", inscrita com o CAE 70200, estando enquadrada em sede de IVA no regime normal com periodicidade mensal - cfr. fls. 35 do Processo de Administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

B) Em 1/06/2002, foi outorgado entre a Impugnante e a sociedade “P…, Lda. ” o instrumento junto a fls. 59 a 64 do PA apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, intitulado “Contrato de Arrendamento Comercial", ali identificados, respectivamente, como Primeiro Outorgante e Segundo Outorgante;

C) Pelo instrumento referido na alínea anterior, as partes clausularam o seguinte: « (-)

CLÁUSULA PRIMEIRA

UM. Pelo presente instrumento, a PRIMEIRA CONTRATANTE dá de arrendamento à SEGUNDA CONTRATANTE a LOJA que tem o número de polícia 1…, na Rua Edith Cável, freguesia de S. Jorge de Arroios do concelho de Lisboa, descrito na 1a Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° 1… e inscrito sob o n.° 5… na matriz predial urbana, em virtude de ter sido inscrito na matriz em data anterior a 1951.

DOIS. A SEGUNDA-CONTRATANTE aceita tomar de arrendamento as instalações descritas no número anterior.

CLÁUSULA SEGUNDA

As instalações arrendadas destinam-se a comércio de produtos alimentares e afins, de higiene e limpeza, sendo de responsabilidade da inquilina a obtenção e manutenção de todas as licenças necessárias para o exercício da sua actividade.

(...)

CLÁUSULA QUARTA UM. A renda mensal devida é de 1000 €uros (MIL EUROS),

DOIS. A arrendatária pagou, na data da celebração do presente contrato, à PRIMEIRA CONTRATANTE, a renda relativa ao mês de Junho de 2002 e a renda que se venceu nesta mesma data relativa ao mês de Julho de 2002.

TRÊS. A renda será paga mensalmente no primeiro dia do mês imediatamente anterior àquele a que se refere, nos escritórios da PRIMEIRA CONTRATANTE ou noutro local que esta indicar. QUATRO. A renda será actualizada anualmente de acordo com os índices legais em vigor, sofrendo a primeira actualização em 1 de Janeiro de 2003, e, nos anos subsequentes, no primeiro dia de Janeiro, relativa à renda que nesse dia se vencer.

(...)

CLÁUSULA OITAVA

A SEGUNDA CONTRATANTE obriga-se a :

a) Manter em bom estado de conservação, limpeza, segurança e utilização o local arrendado e todo o seu equipamento, cujo uso lhe é conferido pelo presente contrato;

b) Manter igualmente em bom estado as fachadas, soalhos, portas, móveis, janelas, pinturas, obrigando-se a reparar as respectivas deteriorações, ressalvadas as inerentes a uma prudente utilização;

c) Permitir que a SENHORIA ou quem o representar vistorie o imóvel locado em horas de expediente, desde que avise previamente por declaração escrita enviada com a antecedência mínima de quarenta e oito horas ou imediatamente, em caso de força maior ou perigo eminente;

d) Não dar ao locado uso diverso do convencionado, nem fazer dele utilização imprudente;

e) Não colocar rótulos ou tabuletas identificadores, nas partes comuns do edifício, fora do local destinado pela SENHORIA para o efeito, salvo autorização por escrito desta e o disposto no presente contrato;

f) Não ocupar entradas, escadas, terraços, patamares, corredores e outras partes comuns, ainda que temporariamente, com móveis, objectos de qualquer espécie e/ou construções provisórias;

g) Cumprir todas as normas ou regulamentos de entidades camarárias ou fornecedores de serviços básicos, aplicáveis ao edifício, bem como a informar a SENHORIA de todas as comunicações ou avisos relevantes que lhe sejam transmitidos por essas entidades, sob pena de responsabilidade pelos danos ou prejuízos que esta sofra em consequência do desconhecimento das normas dos mesmos ou quaisquer outros avisos que lhe sejam dirigidos e que digam respeito ao imóvel.

(…)»;

D) Em 5/06/2002, foi outorgado entre a Impugnante e a sociedade “P…, Lda. ”, o instrumento junto a fls. 65 a 68 do PA apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, intitulado “Contrato de Trespasse”, ali identificados, respectivamente, como Primeiro Outorgante e Segundo Outorgante;

E) Pelo instrumento referido na alínea anterior, as partes clausularam o seguinte: «

(...)

PRIMEIRA CONTRATANTE:

“ J…, LIMITADA", sociedade por quotas com sede em Lisboa, na Rua Edith Cável, n° 1… freguesia de S. Jorge de Arroios, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n° 2…, pessoa colectiva 5…, adiante designada, abreviada mente, por PRIMEIRA CONTRATANTE, neste contrato representada pela respectivo sócio e gerente E…, com poderes para este acto;

SEGUNDA CONTRATANTE:

“P…, LDA.", sociedade por quotas com sede em Lisboa, na Rua Edith Cável, número …, Lisboa, freguesia de S. Jorge de Arroios, constituída por escritura pública de 10.05.2002, no 21.° Cartório Notarial de Lisboa, ainda pendente de registo, pessoa colectiva 5…, doravante designada, abreviadamente, por SEGUNDA CONTRATANTE, neste acto representada pelo respectivo sócio e gerente A…, com poderes para o acto.

Entre as partes contratantes acima identificadas, livremente e dentro dos princípios da boa fé, é celebrado um contrato de Trespasse, nos termos e para os efeitos do n° 1 do artigo 115o do Regime do Arrendamento Urbano e na forma consignada no respectivo n° 3, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n° 64-A/2000, de 22 de Abril, e que, para bom e integral cumprimento, reduzem a escrito nos termos e condições constantes das cláusulas seguintes: Cláusula 1a A primeira contratante "J…, LDA" é dona e legítima possuidora de dois ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS DE COMÉRCIO DE PRODUTOS ALIMENTARES, designadamente, de charcutaria, manteigaria, frutas e legumes, instalados e a funcionar em Lisboa, um, na Rua Edith Cável n.° 1…, freguesia de S. Jorge de Arroios, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° 1…e inscrito sob o n.° 5…na matriz predial urbana da dita freguesia, e, outro, na fracção "A ", que constitui a Loja no Rés-do-chão, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito, igualmente, em Lisboa, na Rua José Ricardo, n°s …, tornejando para a Rua Carvalho Araújo, n°s …, descrito na 6.a Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° 7…, da freguesia de Penha de França e inscrito sob o n.° 1… na matriz predial urbana da freguesia de Arroios, do concelho de Lisboa. O referido prédio urbano e a fracção autónoma pertencem à sociedade primeira contratante.

Cláusula 2.a A primeira contratante, pelo presente contrato, trespassa à segunda contratante e esta toma de trespasse os identificados estabelecimentos comerciais de comércio de produtos alimentares, instalados e a funcionar nos dois locais descritos na cláusula antecedente

Cláusula 3.ª Incluem-se no presente trespasse os direitos, activo e passivo, inerentes aos estabelecimentos comerciais indicados, alvarás e licenças, mobiliário e existências, clientela e todos os demais bens que constituem a universalidade de bens e direitos dos mesmos.

Cláusula 4.a O presente trespasse é contratado pelo preço global equivalente ao valor líquido do balanço dos estabelecimentos, especialmente elaborado e encerrado à data de 31 de Maio de 2002, o qual constituirá o anexo um ao presente contrato, devendo ser assinado por ambas as partes contratantes.

Cláusula 5. a O presente trespasse produzirá todos os seus efeitos a partir do dia 1 de Junho de 2002.

Cláusula 6.a O regime jurídico dos contratos de trabalho dos trabalhadores afectos aos estabelecimentos objecto do presente trespasse seguem o regime legal da transmissão de estabelecimentos estabelecido no artigo 37.° do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n. ° 49.408, de 24.11.1969.

Cláusula 7.a Os mapas de cadastro de pessoal e da respectiva situação salarial, bem como, todo o processo de alvarás e outros tipos de licenciamentos relativos aos estabelecimentos, são neste acto entregues à segunda contratante por parte da primeira contratante.. (...)»;

F) Em 16/12/2003, foi outorgado entre a sociedade “J…, Lda. ”, e “I…- Sociedade de Revisores Oficiais de Contas” o instrumento junto a fls. 69 a 73 do PA apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, intitulado “Contrato de Arrendamento”, ali identificados, respectivamente, como Primeiro Outorgante e Segundo Outorgante;

G) Pelo instrumento referido na alínea anterior, as partes clausularam o seguinte: « (...)

CLÁUSULA PRIMEIRA

UM. Pelo presente contrato, a PRIMEIRA-CONTRATANTE dá de arrendamento à SEGUNDA CONTRATANTE o PRIMEIRO ANDAR, LADO ESQUERDO do prédio urbano sito na Rua Edith Cável, n. ° …, em Lisboa, descrito na 1. a Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n. ° 1… da freguesia de S. Jorge de Arroios e inscrito sob o n.° 5…na respectiva matriz predial urbana da dita freguesia.

Este prédio não carece de licença de utilização, em virtude de ter sido inscrito na matriz em data anterior a 1951.

Dois. A segunda contraente aceita tomar de arrendamento as instalações descritas no numero anterior

CLÁUSULA SEGUNDA

O andar arrendado destina-se ao exercício da actividade da SEGUNDA CONTRATANTE.

CLÁUSULA TERCEIRA

O arrendamento é celebrado nos termos e ao abrigo do Regime Geral do Arrendamento Urbano, pelo prazo de seis meses, tendo o seu início no dia um de JANEIRO de dois mil e quatro, considerando-se sucessivamente prorrogado por iguais períodos de seis meses, sendo denunciável nos termos legais.

CLÁUSULA QUARTA

UM. A renda mensal é de 750,00 Euros (setecentos e cinquenta euros). Nesta renda não se incluem quaisquer despesas de limpeza e consumos de electricidade com as partes de circulação (comuns) do mencionado prédio, que ficam a cargo da SEGUNDA CONTRATANTE.

DOIS. A SEGUNDA CONTRATANTE pagou, na data da celebração do presente contrato, à PRIMEIRA CONTRATANTE, a renda relativa ao mês de Janeiro de 2004 e a renda que se venceu nesta mesma data relativa ao mês de Fevereiro de 2004 .

TRÊS. A renda será paga mensalmente no primeiro dia do mês imediatamente anterior àquele a que se refere, nos escritórios da PRIMEIRA CONTRATANTE ou noutro local que esta indicar. QUATRO. A renda será actualizada anualmente de acordo com os índices legais em vigor, sofrendo a primeira actualização em 1 de Janeiro de 2006, e, nos anos subsequentes, no primeiro dia de Janeiro, relativa à renda que nesse dia se vencer.

(...)

CLÁUSULA OITAVA

A SEGUNDA CONTRATANTE obriga-se a :

a) Manter em bom estado de conservação, limpeza, segurança e utilização o local arrendado e todo o seu equipamento, cujo uso lhe é conferido pelo presente contrato;

b) Manter igualmente em bom estado as fachadas, soalhos, portas, móveis, janelas, pinturas, obrigando-se a reparar as respectivas deteriorações, ressalvadas as inerentes a uma prudente utilização;

c) Permitir que a SENHORIA ou quem a representar vistorie o imóvel locado em horas de expediente, desde que avise previamente por declaração escrita enviada com a antecedência mínima de quarenta e oito horas ou imediatamente, em caso de força maior ou perigo eminente;

d) Não dar ao locado uso diverso do convencionado, nem fazer dele utilização imprudente;

e) Não colocar rótulos ou tabuletas identificadores, nas partes comuns do edifício ou na sua fachada, sem autorização da SENHORIA para o efeito;

f) Não ocupar entradas, escadas, terraços, patamares, corredores e outras partes comuns, ainda que temporariamente, com móveis, objectos de qualquer espécie e/ou construções provisórias;

g) Cumprir todas as normas ou regulamentos de entidades camarárias ou fornecedores de serviços básicos, aplicáveis ao edifício, bem como a informar a SENHORIA de todas as comunicações ou avisos relevantes que lhe sejam transmitidos por essas entidades, sob pena de responsabilidade pelos danos ou prejuízos que esta sofra em consequência do desconhecimento dos mesmos ou quaisquer outros avisos que lhe sejam dirigidos e que digam respeito ao imóvel.

(…)»;

H) Em 31/01/2005, a Impugnante apresentou junto dos Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado o pedido de reembolso de IVA, referente ao exercício de 0412 no valor de 18.015,05€ - cfr. fls. 35 do PA apenso aos Autos;

I) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.° OI200506434, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, desencadearam à Impugnante a acção de inspecção relativamente ao período de 0412, em sede de IVA, no âmbito da qual apurou-se IVA em falta no montante de 5.253,12€ - cfr. fls. 45 do Processo Administrativo apenso aos Autos;

J) Em 17/10/2005, foi elaborado o Relatório de Fiscalização junto a fls. 38 a fls. 49 do Processo Administrativo apenso aos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, onde consta a fundamentação para as referidas correcções, e onde consta o seguinte: « (...)

Em cumprimento da ordem de serviço em epígrafe, procedeu-se à análise do pedido de reembolso de IVA referente ao período acima referido da qual se apresentam as seguintes considerações:

A. De acordo com o cadastro do IVA o sujeito passivo está enquadrado no CAE: 070200, com a actividade de “Arrendamento de bens Imobiliários”, sujeito não isento de IVA no regime normal e com periodicidade trimestral, desde 01/01/2005.

B. Entretanto, verificou-se que o sujeito passivo exerce a actividade de “Compra, venda, construção e arrendamento de bens imobiliários e a sua administração por conta própria e por conta de outrem”, de acordo com a alteração parcial de contrato de sociedade, realizado no Vigésimo Primeiro Cartório Notarial de Lisboa. O contribuinte encontrava-se enquadrado no regime normal de IVA de periodicidade mensal, desde 01/01/1986 até 31/12/2004, tendo passado para a periodicidade trimestral a partir de 01/01/2005. De acordo com a nota justificativa do reembolso, o sujeito passivo realizou obras diversas, nomeadamente em melhoramentos na fachada, nas paredes internas e externas e nos tectos, incluindo toda a mão de obra e o fornecimento dos respectivos materiais, nos anos de 2003 e 2004, no edifício sito na Rua Edith Cavei (loja e supermercado), pelo que, conjugado com o direito à dedução de imposto nas aquisições de Imobilizado e de Outros Bens e Serviços, nos termos dos termos dos Art° 19°e 20° do CIVA, resulta a situação de crédito de imposto, em que o sujeito passivo se encontra.

Para aferir da legitimidade do reembolso de IVA, da “DP” do período 0412, o sujeito passivo foi notificado, nos termos do art°77° do CIVA (Oficio n°054636 de 01/09/2005 e Oficio n°061854 de 28/09/05), a apresentar os seguintes documentos e/ou esclarecimentos abaixo indicados, tendo entregue nestes serviços (Ofício de 12/09/2005 - EG: 595325, Fax de 19/09/2005 - EG: 598123, Oficio de 04/10/2005 - EG: 606422 e Fax de 18/10/2005 - EG: 612899):

1. Memória descritiva e justificativa de TODAS as actividades efectivamente exercidas pelo sujeito passivo;

2. Fotocópia do contrato de sociedade, onde conste a “alteração da designação social" e a designação das ‘actividades exercidas";

3. Fotocópia de Todos os documentos (facturas/recibos) relativos ao ano de 2004, referentes ao sujeito passivo P…, Lda., com o NiPC – 5… e o respectivo extracto de c/c;

4. Fotocópias dos documentos (Seis, os mais significativos) referentes ao campo 1, da “DP" relativa ao período 03 12T e os respectivos extractos de c/c;

5. Fotocópias dos documentos (Seis, os mais significativos) referentes ao campo 3, da "DP" relativa ao período 03 12T e os respectivos extractos de c/c;

6. Fotocópias dos documentos (Seis, os mais significativos) referentes ao campo 9, da “DP" relativa ao período 03 12 e os respectivos extractos de c/c;

7. Memória descritiva e justificativa do desaparecimento dos valores constantes nos campos 1, 2, 3, 4, 22 e 24, relativa à "DP" de substituição Mod. C (P2) do período 03 12, os quais constavam na “DP" relativa ao período 03 12T;

8. Relativamente aos campos 22 e 24 das "DPS” referentes aos períodos 03 12T, pede-se: •Fotocópias dos documentos (facturas) os mais significativos (no mínimo 75% do valor de IVA), correspondente às verbas inscritas naqueles campos e os respectivos extractos de c/c;

9. Relativamente ao campo 20 das “DPS" referentes aos períodos 03 12, 04 02 e 04 10, pede-se: •Fotocópias de TODOS documentos (facturas) correspondentes às verbas inscritas no campo 20 e os respectivos extractos de c/c;

•Fotocópias dos contratos existentes entre o sujeito passivo e os seus fornecedores e os orçamentos das obras realizadas no edifício sito na Rua Edith Cavell (loja/supermercado); •Fotocópia da Licença de Obras passada pela entidade competente. e

1. Fotocópias do contratos existentes entre o sujeito passivo e os seus clientes, com lojas/escritórios sitas no edifício na Rua Edith Cavell, relativos aos seguintes sujeitos passivos

• H…, Lda., com o NIPC – 5… (Loja …);

• D…, Lda., com NIPC – 5… (Loja …);

• A…, Lda., com o NIPC – 5… (Loja … e loja …);

• I… -Soc. De Revisores Oficiais de Contas, com o NIPC – 5… (1°Esq°).

D . Analisados os documentos enviados detectou-se que:

> o contribuinte realizou em 01 de Junho de 2002 um contrato de arrendamento comercial, no valor mensal de € 1.554,00 (mil quinhentos e cinquenta e quatro euros), das instalações sitas na Rua Edith Cavel, n°… (Lojas … e …), em Lisboa, com a sociedade P…, Lda., com o NIPC – 5… e com sede na Rua Edith Cavel, …, Lisboa e em 5 de Junho de 2002 realizou com a mesma empresa um contrato de trespasse do estabelecimento comercial. De acordo com os recibos das rendas relativas ao ano de 2004, o sujeito passivo não liquidou IVA no arrendamento comercial do estabelecimento comercial, no montante de € 3.543,12 (três mil quinhentos e quarenta e três euros e doze cêntimos), conforme Quadro 1 :

DESCRIÇÃO DAS SITUAÇÕES DETECTADAS: (QUADRO 1) (em euros)

Mês Descrição Valor Arrendamento Iva Falta

0401 P…, Lda. 1.554,00 295,26

0402 Idem 1.554,00 295,26

0403 Idem 1.554,00 295,26

0404 Idem 1.554,00 295,26

0405 Idem 1.554,00 295,26

0406 Idem 1.554,00 295,26

0407 Idem 1.554,00 295,26

0408 Idem 1.554,00 295,26

0409 Idem 1.554,00 295,26

0410 Idem 1.554,00 295,26

0411 Idem 1.554,00 295,26

0412 Idem 1.554,00 295,26

Total 18.648,00 3.543,12

Entretanto, o contribuinte realizou em 16 de Dezembro de 2003 um contrato de arrendamento para o exercício da actividade de escritório, não estando licenciado à data, com a renda mensal no valor de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), das suas instalações sitas na Rua Edith Cavei, … 1° andar esquerdo, em Lisboa com o sujeito passivo I… - Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, com o NIPC – 5…, com sede na Pct. De Mayer Garção, … - São Pedro Estoril – 2… - 0… Estoril. De acordo com o mapa enviado a estes serviços de inspecção, relativo ao ano de 2004, o sujeito passivo, não liquidou IVA do contrato de arrendamento, no montante de € 1.710,00 (mil setecentos e dez euros), conforme Quadro 2:

DESCRIÇÃO DAS SITUAÇÕES DETECTADAS: (QUADRO 2) (em euros)

Mês Descrição Valor Arrendamento Iva Falta

0401 I… 750,00 142,50

0402 Idem 750,00 142,50

0403 Idem 750,00 142,50

0404 Idem 750,00 142,50

0405 Idem 750,00 142,50

0406 Idem 750,00 142,50

0407 Idem 750,00 142,50

0408 Idem 750,00 142,50

0409 Idem 750,00 142,50

0410 Idem 750,00 142,50

0411 Idem 750,00 142,50

0412 Idem 750,00 142,50

Total 9.000,00 1.710,00

Total da correcção de IVA do ano de 2004: (€ 3.543,12 + € 1.710,00 = € 5.253,12)

E. Para cumprimento do Art°60° da Lei Geral Tributária e do Art°60° do Regime Complementar da Inspecção Tributária foi enviada notificação com carta registada, em 20/10/2005 (Oficio n° 066872, de 19/10/2005), para o endereço constante no cadastro informático da DGCI. (Anexos Al a A7)

F. Durante o prazo legalmente estipulado o sujeito passivo, nas pessoas dos procuradores os Exmos. Senhores Drs. J… e F… advogados, com escritório na Rua Marquês de Fronteira, n°… - 2o Dt° - 1… - 2… Lisboa, de acordo com a procuração de 27 de Outubro de 2005, exerceram o direito de audição, por escrito, entregue nestes serviços de inspecção, em 31 de Outubro de 2005 - EG: 621366, e em 02 de Novembro de 2005 - EG: 621688, (enviada por fax), esclarecimentos a fundamentar as correcções propostas pelos nossos serviços; “alegando que a locação do bem imóvel não resultou da transferência onerosa da exploração do estabelecimento comercial, pertencente à sociedade P…, Lda., mas tão só a cedência onerosa de um espaço físico, logo isenta de IVA, nos termos da alínea c) do n°30 do art°9° do IVA ".

Por outro lado, no que concerne, “ao arrendamento do 1°Esq°, pertencente à sociedade I… - Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, também só foram alugadas as paredes, não existindo no locado qualquer recheio, móveis, máquinas ou utensílios que tenham sido cedidos à sociedade inquilina, todos os bens ali existentes pertencem à sociedade inquilina."

Admite, contudo, a respondente que não foi feliz na redacção da cláusula 8a alínea a) dos contratos de arrendamento, aliás, feitos sobre o mesmo texto, pois quando se referiu a “equipamento " pretendeu referir-se às suas infra-estruturas, tais como canalizações de água, gás e instalação eléctrica, ou seja tudo o que integra o denominado “locado" em “só paredes". (Anexos BI a B8)

G. Assim, é nosso entender que nos contratos de arrendamento em causa, verifica-se que os mesmos não consubstanciam numa mera cedência de espaço, mas sim na cedência de áreas equipadas, conforme a alínea a) da cláusula oitava dos contratos de arrendamento “manter em bom estado de conservação, limpeza, segurança e utilização o local arrendado e todo o seu equipamento, cujo uso lhe é conferido pelo presente contrato”, logo inclui-se na previsão da alínea c) do n°30 do artigo 9° do CIVA, como contratos de cessão de exploração, estando assim excluído do âmbito da isenção, de acordo com a (Informação n° 1087, de 94-01-18, da DSCA do SIVA).

Assim sendo, o projecto de relatório de conclusões, elaborado anteriormente, se converte em definitivo. (...)»;

K) Em 10/12/2005, foram emitidas em nome da Impugnante as liquidações oficiosas de IVA constantes a fls. 13 a 27 dos Autos, referentes a 2004, no valor total 5.335,97€, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

L) Em 20/02/2006, as liquidações referidas na alínea anterior foram pagas - cfr. dísticos apostos nas referidas liquidação;

M) A presente Impugnação deu entrada no TT de Lisboa a 19/05/2006 - cfr. fls. 3 dos Autos.»


*

Factos não provados

«Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.»

*

Motivação da decisão de facto

«A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no teor dos documentos constantes nos Autos e no Processo Administrativo apenso aos mesmos, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, analisados à luz das regras da experiência comum e segundo juízos lógico-dedutivos.

Em particular foi efectuada a análise ponderada e detalhada do teor da prova documental junta aos autos, designadamente os vários contratos celebrados pela Impugnante, de onde se extraíram os factos provados, designadamente, o B), D) e F), cujo valor não foi abalado por qualquer outra prova.»


*

- De Direito


Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.


Está em causa, nos presentes autos, a legalidade das liquidações adicionais de IVA efectuadas pela AT na sequência de procedimento inspectivo que abrangeu o exercício de 2004.


A Fazenda Pública, ora Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA relativas ao exercício de 2004.


Lidas as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela Recorrente verifica-se que vem invocada nulidade da sentença e erro de julgamento, identificando-se as seguintes questões a decidir:

· Saber se a sentença recorrida sofre de nulidade por excesso de pronúncia;

· Saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento na subsunção dos factos provados ao direito e na interpretação das normas legais aplicáveis.

Vejamos, então.

Da nulidade por excesso de pronúncia

A ora Recorrente entende que a sentença recorrida padece de nulidade por excesso de pronúncia uma vez que se pronunciou sobre questão não invocada pela Recorrida na P.I.

Refere que não tendo a Impugnante alegado quaisquer factos constitutivos do direito que peticiona, no que tange às liquidações de IVA que tiveram por fundamento o contrato celebrado com a sociedade “I... & A...”, não podia o Douto Tribunal conhecer dessa parte do pedido.

Ou seja, na sua opinião, a sentença recorrida conheceu de questões de que não poderia tomar conhecimento, pelo que incorreu em excesso de pronúncia, assim violando o preceituado no nº1 do artigo 125º do CPPT, bem como o artigo 615º, nº1, alínea a) do CPC, pelo que é nula.

O Juiz a quo pronunciou-se quanto à invocada nulidade no sentido de a mesma se não verificar.

Nos termos do preceituado na alínea d) do nº1 do artigo 615º do C.P.C. é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. A nulidade aí prevista decorre, pois, de um excesso de pronúncia.

Sobre a nulidade por excesso de pronúncia, escreveu-se no Acórdão do STA, de 3 de Outubro de 2021, proferido no âmbito do processo nº 492/16:

“(…) O excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes. Por outras palavras, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de "ultra petita", a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado "questões" e, por outro, "razões" ou "argumentos" para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das "questões") integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das "razões" ou "argumentos" invocados.

E recorde-se que o objecto do recurso está dependente do objecto inicial da acção definido, essencialmente, a partir da conjugação entre o pedido e a causa de pedir, elementos que, por seu lado, são submetidos a apertadas regras a respeito da sua alteração, nos termos dos artºs.264 e 265, do C.P.Civil (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.49 a 58 e 143 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Edição, Almedina, 2009, pág.57; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. Edição, Almedina, 2009, pág.37).

No processo judicial tributário o excesso de pronúncia (vício de "ultra petita"), como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no último segmento da norma (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/09/2010, rec.1149/09; ac.S.T.A-2ª. Secção, 10/03/2011, rec.998/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 11/07/2019, rec.557/07.5BECBR; ac.S.T.A-2ª.Secção, 3/06/2020, rec.546/11.5BEBRG; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.366 e seg.).(…)”


Regressando ao caso dos autos, diremos que, na petição inicial a Recorrida colocou apenas em causa as liquidações de IVA decorrentes dos contratos que celebrou com a sociedade “P…, Ldª”, não tendo, em momento algum, mencionado o contrato de arrendamento celebrado com a sociedade “I… – Sociedade de Revisores Oficiais de Contas” a que se refere a alínea f) da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida.

Importa, no entanto, aferir se as liquidações de IVA identificadas no intróito da P.I. se referem ao contrato de arrendamento celebrado com a sociedade “I… – Sociedade de Revisores Oficiais de Contas”.

Compulsados os autos, verifica-se que as liquidações de IVA impugnadas respeitam, apenas ao contrato celebrado com a “P…, Ldª”, o que significa que apenas estas foram objecto de anulação pela sentença recorrida.

Do teor do PAT apenso, verifica-se que as liquidações de IVA relativas ao contrato de arrendamento celebrado com a sociedade “I… – Sociedade de Revisores Oficiais de Contas” têm o valor de € 142,50 cada uma, sendo que, as liquidações aqui em apreciação têm o valor de € 437,76 e são, apenas, as relativas ao contrato celebrado com a “P…, Ldª”.

É certo que foi dado como provado o facto constante da alínea F) do probatório, que não tem qualquer relevância para a decisão do presente litígio. Porém, daí não se retira qualquer consequência para a economia das liquidações de IVA relacionadas com o contrato de arrendamento celebrado com a sociedade “I… – Sociedade de Revisores Oficiais de Contas”, o qual não foi alvo da apreciação pela sentença recorrida.

Não se verifica, assim, qualquer excesso de pronúncia, pelo que improcede a invocada nulidade da sentença.

Prossigamos.

Do erro de julgamento na subsunção dos factos provados ao direito e quanto à interpretação do direito aplicável

As liquidações de IVA impugnadas tiveram origem em procedimento inspectivo efectuado pela AT ao exercício de 2004, no âmbito do qual foram efectuadas correcções em sede de IVA, por se ter considerado que o contrato de arrendamento celebrado entre a ora Recorrida e a sociedade “P…, Ldª” incluiu a cedência, não só do espaço, como também de equipamentos.

Assim, no entendimento da AT, as rendas recebidas por força do referido contrato, estão sujeitas a IVA. Ou seja, para a AT, o contrato de arrendamento não se encontra abrangido pela isenção prevista na alínea c) do nº29 do artigo 9º do CIVA.

A sentença recorrida assim não o entendeu, tendo para chegar a tal conclusão, dito o seguinte:

“(…) Como é sabido, em sede de IVA, qualquer situação de isenção constitui uma excepção às regras de incidências.

Dito isto, da análise do art.9° do CIVA, verificamos que ainda assim o legislador pretendeu estabelecer uma série de isenções incompletas, e para nosso interesse, temos as relativas às operações de locação de bens imóveis.

Porém, nos termos da alínea c) do art. 9° o arrendamento de espaços destinados ao desenvolvimento de actividades comerciais deverá ser tributado em IVA, visto que, como locação de instalações ou áreas devidamente preparadas e apetrechadas para dar continuidade ao exercício de uma actividade comercial configura uma excepção à isenção da locação de bens imóveis.

Porém, apenas se haverá de concluir pelo afastamento da isenção prevista no art.° 9.°/30 do CIVA no caso de os serviços e/ou fornecimentos que extravasam o mero arrendamento "paredes nuas”. Ou seja, nas operações que implicam uma exploração mais activa dos bens imóveis, justificando, deste modo, uma tributação suplementar.

Relembremos também que a AF tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a liquidar o IVA adicional por entender que os contratos de arrendamento em causa não consubstanciam numa mera cedência de espaço, mas sim na cedência de áreas equipadas.

Ora, no caso dos Autos, como se verá de seguida, não será de aceitar a posição da Fazenda Pública, pelas razões que se passam a expor.

Com efeito, não está provado em lado algum que para além das “paredes nuas” foi alugado o recheio, móveis ou outras máquinas por exemplo.

Sabemos apenas que foi estipulado uma cláusula onde se fala do “local arrendado e todo o seu equipamento ”, a qual a Impugnante em sede de audição admite ela própria que não tem uma redacção feliz.

Sendo assim devemos indagar se foram alugados outros bens e/ou equipamentos para além do espaço?

A Fazenda nada diz. E estava obrigada a provar tal facto.

Assim, tendo havido apenas disponibilidade dos imóveis pela Impugnante e não de quaisquer equipamentos neles instalados nem de utensílios ou móveis neles existentes, tanto à data da celebração dos contratos de arrendamento como posteriormente, tem de se concluir que, com os contratos, a Impugnante apenas cedeu a disponibilidade dos imóveis, «paredes nuas», que era o que detinha na realidade.(…)”

A Recorrente dissente do assim decidido por do clausulado (cláusula 8ª) do contrato de arrendamento em causa resultar que a locação abrangeu, não apenas o espaço físico, como também o equipamento e os móveis necessários ao exercício da actividade.

Refere que o ónus da prova dos pressupostos da isenção cabia à Recorrida e conclui, atenta a prova documental, no sentido de que o contrato celebrado deve ser qualificado como cessão de exploração e não de arrendamento. E, como tal, sujeitos a IVA.

Que dizer?

Do probatório resulta (alínea b)) que, em 1 de Junho de 2002, a ora Recorrida outorgou contrato de arrendamento comercial com a sociedade “P…, Ldª”, mediante o qual deu de arrendamento a loja sita do Rua Edith Cável, nº …, pelo valor de 1000€ de renda mensal.

E que, em 5 de Junho de 2002, entre as mesmas partes, foi celebrado contrato de trespasse de estabelecimento comercial, no qual se incluía o estabelecimento comercial a funcionar na loja sita do Rua Edith Cável, nº ….

Ou seja, deu de arrendamento a loja (espaço físico) e trespassou o estabelecimento comercial.

A Recorrente entende que, em virtude de, no clausulado do contrato se incluir o equipamento, se trata de uma cessão de exploração de estabelecimento comercial.

A sentença recorrida centrou a sua decisão no ónus da prova, que entendeu ser da AT, e não foi cumprido.

Entendemos porém, que a factualidade dada como provada permite extrair a conclusão de que o arrendamento se cingiu à locação do imóvel, estando, por isso, isenta de IVA, nos termos previstos no nº 29º do artigo 9º do CIVA.

Sendo certo que, efectivamente, a cláusula 8ª do contrato de arrendamento, refere equipamento, como se pode ver do seu teor, que aqui recuperamos:
A SEGUNDA CONTRATANTE obriga-se a :

a) Manter em bom estado de conservação, limpeza, segurança e utilização o local arrendado e todo o seu equipamento, cujo uso lhe é conferido pelo presente contrato;

b) Manter igualmente em bom estado as fachadas, soalhos, portas, móveis, janelas, pinturas, obrigando-se a reparar as respectivas deteriorações, ressalvadas as inerentes a uma prudente utilização;” – Cfr. alínea c) do probatório.

Entendemos que mera inclusão da expressão “equipamento” não é suficiente para albergar a conclusão pretendida pela Recorrente.

Por um lado, como refere a sentença, em virtude de a Recorrida ter afirmado, em sede de audiência prévia, que a redacção da claúsula 8ª do contrato de arrendamento não foi feliz, já que ao mencionar “equipamento” apenas se queria referir às infra-estruturas, tais como canalizações de água, gás e instalação eléctrica e não mais do que isso – vide alínea j) do probatório, fls. 11 da sentença. De resto, nada nos autos indicia que assim não fosse.

Por outro lado, não nos podemos alhear da circunstância de, poucos dias volvidos após a outorga do contrato de arrendamento (do imóvel), a Recorrida ter outorgado o trespasse do estabelecimento comercial à arrendatária. Ou seja, deixou de ser titular do estabelecimento comercial que funcionava no local arrendado, tendo este passado a ser pertença da arrendatária, por força do trespasse.

Não nos parece curial afirmar que o contrato de arrendamento incluía o equipamento inerente ao estabelecimento comercial, o qual, dias depois da outorga do contrato de arrendamento, veio a ser trespassado.

Tal significa que a tese da AT implicaria a cessão de equipamento de estabelecimento comercial que já não pertencia à esfera jurídica da Recorrida, por força do trespasse, o que não nos parece razoável, nem possível.

Assim sendo, não pode colher a argumentação da Recorrente, sendo de negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida, com a presente fundamentação.

III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 24 de Novembro de 2022

(Isabel Fernandes)

(Catarina Almeida e Sousa)

(Ana Carvalho)