Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2524/12.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:CONTRAORDENAÇÃO FISCAL
NULIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
EXERCÍCIO EFETIVO DO DIREITO DE DEFESA
ARTIGO 114.º N.º 5 DO RGIT
Sumário:i. A exigência legal da descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, tem em vista assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo do seu direito constitucional de defesa, assegurando que o mesmo não sai diminuído nem desacautelado, atenta a natureza sancionatória do processo contraordenacional.
ii. O requisito a que se reporta a al. b) do artigo 79.º do RGIT “A descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas”, visa assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efetivo do seu direito de defesa, pressupondo o conhecimento perfeito dos factos imputados.
iii. A decisão de aplicação da coima que imputa à arguida a prática da contraordenação prevista nos artigos 114.º nº 2 e 26.º nº4, do RGIT, omitindo qualquer referência ao artigo 114º, nº 5, alínea a), do RGIT, não dá por cumpridas as exigências do artigo 79.º n.º 1 alínea b) do RGIT, pondo em causa os direitos de defesa do arguido.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

G... – F..., melhor identificada nos autos, veio interpor recurso da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, que lhe aplicou a coima no montante de € 15.202,081, no âmbito do processo de contraordenação nº 3....

O Tribunal Tributário de Lisboa (TT), por decisão de 09 de fevereiro de 2018, julgou procedente o recurso.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«A. Ao determinar a nulidade da decisão de aplicação de coima, incorreu o tribunal em erro de julgamento.

B. Analisada a petição inicial de recurso de contra-ordenação verifica-se que a arguida percebeu perfeitamente que factos lhe eram imputados a título de ilícito contra- ordenacional, pelo que não lhe foram coarctados quaisquer direitos de defesa.

Acresce que,

C. Dos elementos juntos aos autos, afigura-se que a decisão sancionatória contém os elementos bastantes no que respeita aos factos típicos,

D. Resultando da decisão de aplicação de coima toda a factualidade subsumível ao tipo de contra-ordenação em causa.

E. Pelo que ao não entregar a prestação tributária dentro do prazo, violou o art. 27º, nº 1 do CIVA, infracção punível nos termos do art. 114º do RGIT.

Todavia,

F. Como refere o sujeito passivo na sua Petição Inicial (PI), no ponto 4º, o mesmo reconhece a prática da infracção que lhe é imputada! E,

G. Em articulado algum, o mesmo invoca, qualquer ilegalidade ou irregularidade de aplicação da coima!

H. O mesmo, tão só, vem peticionar a dispensa da coima ao abrigo do art.º 32º, nº 1 do RGIT, ou, subsidiariamente, a aplicação de uma pena de admoestação, porquanto o arguido ao regularizar, voluntariamente, a situação empreendeu esforços no sentido de corresponder ao que lhe

I. é legalmente imposto e, nessa medida, é, pois, merecedor de um juízo de acentuada diminuição de culpa e da ilicitude dos factos.

J. Em nenhum momento, vem o ora recorrido invocar a falta de requisitos essenciais de aplicação da coima, como veio a douta sentença, ora recorrida acabar por se pronunciar!

K. Termos em que, tendo a decisão recorrida decidido como decidiu, violou o disposto no art. 79º, nº 1, al. b) do RGIT,

L. Tendo de ser declarada nula nos termos do art.º 615º, nº 1, al. d) e 608º, nº 2 do CPC, porquanto o juiz se pronunciou sobre questões de que não poderia tomar conhecimento só podendo conhecer / pronunciar-se sobre questões que tenham sido suscitadas pelas partes.

M. E, caso assim não se entenda, deve a presente sentença ser revogada, uma vez que violou o disposto no art. 79º, nº 1, al. b) do RGIT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser declarada nula, ou caso assim não se entenda deve ser revogada e substituída por acórdão que julgue a presente acção totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»


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A recorrida, G... – F..., devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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Neste TCA Sul, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, pronunciou-se no sentido de que a sentença recorrida seja mantida na ordem jurídica por nenhum agravo lhe ter sido feito e, consequentemente, improceder o recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta 1. ª Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

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Objeto do recurso

Como é sabido, são as conclusões das alegações do recurso que definem o respetivo objeto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, com a ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artigo 412.º n.º 1, do CPP, aplicável “ex vi” do artigo 3.º al. b), do RGIT e do artigo 74.º n.º 4, do RGCO).

No caso sub judice, as questões suscitadas são as de saber se a decisão recorrida padece de nulidade nos termos previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º e n.º 2 do artigo 608.º, ambos do CPC, por se ter emitido pronuncia sobre questões de que não poderia conhecer e, bem assim, se a mesma incorreu em erro de julgamento por ter desconsiderado factos a que devesse dar relevância, com violação do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT.

Em caso de procedência cabe ainda aferir das questões que se deixaram prejudicadas, ou seja, da verificação da existência de requisitos da dispensa ou atenuação da coima com eventual substituição por simples admoestação.

II - FUNDAMENTAÇÃO

De Facto

A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:

A) Em 14/01/2012 foi levantado contra a Recorrente o auto de notícia nº 2... por não ter apresentado no prazo legal a prestação tributária exigível referente ao IVA de Fevereiro de 2011, cujo teor de dá aqui por integralmente reproduzido – cf. auto de notícia a fls. 2 dos autos;

B) Em resultado do auto de notícia identificado em A), foi autuado pelo Serviço de Finanças de Lisboa - 2, o processo de contra- ordenação nº 3... – cf. autuação a fls. 1 dos autos;

C) Em 24/02/2012, foi a Arguida notificada para apresentar defesa ou efectuar o pagamento com redução nos termos do artigo 70.º do RGIT – cf. notificação a fls. 4 e 5 dos autos cujo teor de dá aqui por integralmente reproduzido;

D) No âmbito do processo de contra-ordenação referido em C), foi proferida em 12/04/2012, a decisão de fixação de coima à Recorrente no valor de € 15.202,08, da qual consta o seguinte:
«Descrição Sumária dos Factos: Ao (À) arguido (a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 75.072,00; 2. Valor da prestação tributária entregue: 75.072,00; 3. Valor da prestação tributária em falta: 0,00; 4. Data de cumprimento da obrigação: 2011-12- 26; 5. Período a que respeita a infracção: 2011/02; 6. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2011-04-11, os quais se dão por provados.» - documento a fls. 6 e 7 dos autos cujo conteúdo se dá por reproduzido;

E) Relativamente às normas infringidas e punitivas foi decidido que
«Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).


F) Da referida decisão a Recorrente apresentou o presente recurso de contra-ordenação - cf. fls. 27 dos autos.


*

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada.

*

Nada mais foi provado com interesse para a decisão a proferir.»


»«

Do direito

Na situação sub judice, a Recorrente (FP), não se resigna com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou verificada a nulidade insuprível da decisão administrativa de aplicação de coima prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 63.º por falta de cumprimento do requisito da descrição sumária dos factos a que alude a alínea b) do nº 1 do artigo 79º, ambos do RGIT.

Nas conclusões das alegações do recurso interposto vem invocada nulidade da decisão recorrida nos termos previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º e n.º 2 do 608.º, ambos do CPC, porquanto, afirma a recorrente, “… o juiz se pronunciou sobre questões de que não poderia tomar conhecimento só podendo conhecer / pronunciar-se sobre questões que tenham sido suscitadas pelas partes.” – concl. L.

Ora, estando, como estamos no âmbito de um processo de contraordenação devemos deitar mão à lei processual penal, por força do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO e artigo 3.º, al. b), do RGIT, decorrendo da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, que a sentença/acórdão é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Porém, no caso dos autos, a situação não se verifica já que ao pronunciar-se pela nulidade da decisão administrativa, a Meritíssima Juíza fê-lo por dever de oficio nos termos previstos no n.º 5 do artigo 63.º do RGIT.

Nestes termos consideramos não verificada a nulidade suscitada.

Não obstante importa aferir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, ao ter considerado que a decisão administrativa de aplicação de coima padece de nulidade insuprível por não ter cumprido o requisito da descrição sumária dos factos nos termos em que é imposto pelo artigo 79.º, nº1, alínea b), do RGIT. concl. A.

Alega a Fazenda Publica que resulta da leitura inicial de recurso de contraordenação que a arguida percebeu perfeitamente que factos lhe eram imputados a título do ilícito de que vem acusada, donde conclui que, não lhe foram coartados quaisquer direitos de defesa. – concl. B.

Argui ainda, que dos elementos juntos aos autos, se mostra que a decisão sancionatória contém os elementos bastantes no que respeita aos factos típicos, com toda a factualidade subsumível ao tipo de contraordenação em causa. – concl. C. e D.

Considera ainda que ao não entregar a prestação tributária dentro do prazo, o arguido violou o artigo 27º, nº 1 do CIVA, infração, esta, punível nos termos do artigo 114º do RGIT, sendo certo que como refere o sujeito passivo na sua no ponto 4º petição de recurso, o arguido reconhece a prática da infração que lhe é imputada, não logrando, em momento algum invocar qualquer ilegalidade ou irregularidade à decisão de aplicação da coima. – concl. E., F. H. e J.

E conclui dizendo que, a decisão recorrida decidido como decidiu, violou o disposto no artigo 79º, nº 1, al. b) do RGIT. – concl. K.

Vejamos então:

Atentemos, antes de mais, na letra da norma em análise (artigo 79.º do RGIT), que enuncia os requisitos legais que devem constar da decisão administrativa de aplicação das coimas, diz-se ali:

“1- A decisão que aplica a coima contém:
a) A identificação do arguido e eventuais comparticipantes;
b) A descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas;
c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da "reformatio in pejus";
e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f) A condenação em custas.”

Por seu lado, o artigo. 63.º do mesmo diploma legal (RGIT), sob a epigrafe de nulidades do processo de contraordenação tributário, estipula que:

“1 - Constituem nulidades insupríveis do processo de contraordenação tributário:
a) O levantamento do auto de notícia por funcionário sem competência;
b) A falta de assinatura do autuante e de menção de algum elemento essencial da infração;
c) A falta de notificação do despacho para audição e apresentação de defesa;
d) A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido.”
(o negrito, aqui e ali, é nosso)

Decidindo na situação dos autos o Tribunal a quo entendeu que a Autoridade Tributária não cumpriu, aquando da prolação da decisão de aplicação da coima, o disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 79.º supra enunciada, e, na verdade, fê-lo com acerto.

Com efeito o artigo. 79.º, n.º 1, do RGIT exige que a decisão que aplica a coima contenha ou observe determinados requisitos, entre eles, a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas.

Recorde-se que esta exigência legal, tem por fim assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo do seu direito constitucional de defesa, garantindo que o mesmo não sai diminuído nem desacautelado, atenta a natureza sancionatória do processo contraordenacional, sendo certo que esse direito só poderá ser alcançado se o acusado tiver conhecimento efetivo dos factos que lhe são imputados e das normas legais que em que se enquadram.

É este o entendimento que este tribunal tem vindo a sufragar, conforme e epilogou recentemente este mesmo coletivo no acórdão proferido do processo n.º 1797/10.5BELRS, em 14/01 do corrente ano, que, por não haver razão para divergir, aqui seguimos de perto.

Dizemos ali, acompanhado o que, a este respeito, nos dizem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos (1), que estas exigências, “visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar aquela decisão”.

Dito isto e atentando no discurso jurídico que conduz ao decidido, constatamos que o mesmo assenta na circunstância da infração imputada ao arguido ser a que decorre do artigo 114.º, n.º 2 do RGIT, sendo outra a norma que tipifica a conduta sancionada, nestes termos:

“(…)

A norma punitiva indicada na decisão é o n.º 2 do artigo 114.º do RGIT.

No direito sancionatório como é o direito contra-ordenacional vigora o princípio da tipicidade como corolário da garantia constitucionalmente consagrada do direito à defesa (artigo 20.º da CRP). A norma punitiva indicada na decisão que aplicou a coima objecto deste recurso, reporta-se à imputação de um comportamento ilícito contra-ordenacional por negligência e impunha-se que a Autoridade Tributária procedesse à indicação na decisão da referência concreta a uma das alíneas do n.º 5 que concretizam os tipos puníveis como «falta de entrega da prestação tributária».

No caso dos autos a conduta imputada à Arguida constitui a não apresentação, no prazo legal, da prestação tributária exigível referente ao IVA de Fevereiro de 2011.

Reportando-se a infracção imputada à Arguida a 11/4/2011, data em que se considera consumada a infracção por ser o termo do prazo para cumprimento da obrigação de entrega do IVA respeitante ao mês de Fevereiro de 2011, importa apreciar os factos à luz do artigo 114.º do RGIT na redacção vigente àquela data que foi introduzida pela Lei n.º 64-A/2008.

A falta de entrega ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que o devesse ser é tipificada como falta de entrega da prestação tributária nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, na redacção dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro.

Entre os requisitos essenciais da decisão de aplicação da coima, estão a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, conforme resulta do artigo 79.º, n.º 1, do RGIT. A falta de tais elementos constitui nulidade conforme resulta da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º do RGIT. Com efeito, só com o conhecimento efectivo dos factos que lhe são imputados e das normas legais que em que se enquadram se pode assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, daí que a consequência para o não cumprimento dos referidos requisitos essenciais da decisão seja a nulidade.

No caso dos autos, a decisão de aplicação da coima não refere a norma a que a conduta que lhe é imputada se subsume pondo em causa os direitos de defesa da Arguida aqui Recorrente. Neste sentido foi decidido no Acórdão do STA, de 16/5/2012, rec. n.º 160/12 e, entre outros, o Acórdão de 11/10/2017 proferido no processo n.º 679/16 nos seguintes termos: «II - O art. 79.º, n.º 1, do RGIT exige, sob pena de nulidade, cominada pela alínea d) do n.º 1 do art. 63.º do mesmo Regime, que a decisão de aplicação da coima contenha ou respeite determinados requisitos, entre os quais, a descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas, com vista a assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, o que só poderá ser alcançado se o mesmo tiver conhecimento efectivo dos factos que lhe são imputados e das normas legais que em que se enquadram.

(…)”

Na verdade assim é, infere-se do recorte probatório, que teor da decisão administrativa de aplicação de coima que vimos analisando, concretamente, no item “descrição sumária dos factos” (alínea D) do probatório) aponta uma referência ao auto de notícia, mas não no sentido da sua fundamentação expressa ou por remissão, consubstanciando antes sim, uma descrição dos factos, ali, elencados, sem lograr contudo, provir qualquer descrição factual da situação sancionada, conforme legalmente lhe era exigido, e sem efetuar qualquer referência a norma que define o tipo sancionado, ou seja, ao n.º 5 do artigo 114.º do RGIT.

Consideramos, em suma, que estão claramente em causa, os direitos de defesa da recorrida cujo exercício efetivo só poderá ser alcançado com total conhecimento dos factos que lhe são imputados e das normas legais que em que os mesmos se enquadram, tudo, face ao carácter fundamental do direito à defesa constitucionalmente protegido (artigo 32.º n. º10 da CRP).

Foi neste sentido que se articulou o Acórdão do STA, proferido em 16/5/2012, no processo n.º 160/12, citado na sentença recorrida, a que também aqui apelamos, diz-se ali: “[A]acontece que no caso dos autos a decisão administrativa de aplicação da coima limita-se a indicar como normas violadas as constantes dos arts. 114º, nº 2, do RGIT, e 26º, nº 4, do CIVA. Ao omitir qualquer referência ao art. 114º, nº 5, alínea a), do RGIT, a decisão administrativa de aplicação da coima não está a dar cumprimento às exigências do art. 79º, nº 1, alínea b), do RGIT, pondo em causa os direitos de defesa do arguido. Se as normas que enquadram as condutas consideradas ilícitas não são correctamente referenciadas ou são omitidas, fica desta forma impossibilitado o arguido de dirigir a sua defesa contra tais preceitos.”

No mesmo sentido o acórdão, também do STA, proferido em 01/02/2017 no processo n.º 0723/16 que, acompanhamos e, por facilidade, parcialmente transcrevemos, diz-se ali: “…, não obstante o não recebimento do imposto não seja agora (após a redacção introduzida pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12, na al. a) do nº 5 do art. 114º do RGIT) elemento do tipo legal de contra-ordenação p. e p. nesse nº 5 do art. 114° do RGIT, no presente caso, as decisões administrativas de aplicação de coima imputam à arguida a prática da contra-ordenação p. e p. no nº 2 desse mesmo art. 114°, e esta tem como elemento objectivo do tipo a dedução do imposto nos termos da lei, factualidade que não consta provada; sendo certo, por outro lado, que apesar de factualidade apurada poder eventualmente integrar a contra-ordenação p. e p. naquele nº 5 do art. 114° do RGIT, não é essa a norma indicada nas decisões administrativas de aplicação de coima.
Ou seja, por um lado, os factos descritos não integram a contra-ordenação prevista e punida no nº 2 do art. 114° do RGIT que foi a imputada à arguida [sendo que esse normativo visa as situações de retenção na fonte, quer a título definitivo, quer por conta do imposto devido a final (Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, RGIT anotado, 4ª ed., 2010, p. 812.)] mas, antes, eventualmente, a contra-ordenação p. e p. no nº 5 do art. 114° do RGIT (norma que, no entanto, como se viu, não é indicada nas decisões administrativas de aplicação de coima); acrescendo, por outro lado, que, como bem refere a sentença, resulta das alíneas C), F) e I) do probatório que, relativamente às condutas contra-ordenacionais aí imputadas à arguida, não são discriminados quaisquer factos, designadamente o valor da prestação tributária em dívida e a data limite de pagamento da prestação.
Ora, como igualmente sublinha o MP, de acordo com o disposto na al. d) do nº 1 do art. 63º do RGIT constitui nulidade insuprível «A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido», sendo que decisão de aplicação da coima, além do mais, deve conter «a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas» [al b) do nº 1 do art. 79° do RGIT] e sendo que estes requisitos da decisão condenatória do processo contra-ordenacional tributário «devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo de seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos».(Ibidem, p. 517.) “

Aqui chegados e, em face de tudo o que se deixa exposto, não pode ter-se como adequadamente cumprido o requisito a que alude a alínea b) do artigo 79º do RGIT (descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas), consubstanciando nulidade insuprível consagrada no art.º 63.º n.ºs 1, alínea d), 3 e 5, do mesmo diploma, pelo que a sentença que assim o decidiu deve manter-se, devendo desta forma improceder o presente recurso jurisdicional.

III - DECISÃO

Face ao que, acordam em conferência os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Sem Custas.

Registe. Notifique.

Lisboa, 14 de janeiro de 2021



Hélia Gameiro Silva - Relatora
Jorge Cortez – 1.º Adjunto
Ana Pinhol – 2.ª Adjunta


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(1) In Regime Geral das Infrações Tributárias, Anotado, 2.ª edição, p. 468.,