Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:58/13.2BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:RECURSO HIERÁRQUICO,
TEMPESTIVIDADE,
TELEFAX
Sumário:No procedimento tributário, antes da entrada em vigor da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, que vem aditar o n.º 3 ao art. 26.º do CPPT, dispondo-se sobre a data a considerar na remessa de petições ou outros documentos dirigidos à administração tributária por telefax ou por via eletrónica, importa considerar, para efeitos de aferir do cumprimento do prazo para interposição de recurso hierárquico (n.º 2, do art. 66.º do CPPT), a data da emissão do telefax.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

O DIRECTOR-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, que julgou procedente a acção administrativa especial apresentada por B..., pedindo a anulação do acto da Directora de Serviços do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, de 3 de setembro de 2012 - que indeferiu o recurso hierárquico interposto contra a decisão que indeferiu a reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de IRS – e a sua substituição por outro que admitisse o recurso hierárquico.

O DIRECTOR-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

“ E. Conclusões
49.º

O prazo de interposição do recurso hierárquico é de 30 dias, nos termos do disposto no art.º 66.º,n.º 2, do CPPT.
50.º

O A. foi notificado do indeferimento da reclamação graciosa no dia 21.04.2011.
51.º
O último dia de apresentação do recurso hierárquico era o dia 23.05.2011.
52.º
O recurso hierárquico foi apresentado, por fax, no dia 23.05.2011, às 18.10 h.
53.º
A esta hora já o Serviço de Finanças de Monchique se encontrava encerrado, desde as 17.30 h.
54º
O recurso hierárquico foi registado e deu entrada no dia seguinte, ou seja, 24.05.2011, com a abertura do Serviço.
55.º
Nos termos do disposto, nos art.º 77.º, 80º e 82º do CPA, bem como no art.º 26.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 135/99 de 22 de Abril, a data que releva para efeitos de interposição de recurso hierárquico é a da efectiva entrada da petição nos serviços da autoridade recorrida, sendo irrelevante a data da sua expedição pelo correio.

56.º
Esta posição é, aliás, secundada pela ampla e pacífica jurisprudência do STA.
57.º
sem que jamais tenha sido feita a distinção, constante do douto acórdão recorrido, de qualquer divergência procedimental entre o procedimento administrativo e o procedimento tributário,
58.º
designadamente para entender que no procedimento administrativo releva a data da recepção de documentos, requerimentos ou petições,

59.º
Mas que no procedimento tributário a data relevante é a do registo do seu envio.
60.º
O disposto no n.º 2, do art.º 66.º, do CPPT, é aplicável, única e exclusivamente, ao envio de documentos, requerimentos ou petições por correio sob registo, e teve por finalidade terminar com a existência de qualquer dúvida relativamente à data da recepção dos mesmos, por envolver um meio cujo controlo não depende do remetente.
61º
E não é aplicável, não apenas pelo facto de a letra da lei o não prever, mas também por não existir qualquer justificação para o facto, ao envio de documentos, requerimentos ou petições por telefax.

Assim se conclui pela existência de um erro de julgamento constante da douta sentença recorrida.

Nestes termos e nos demais de direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão deve o presente recurso julgada procedente, com as legais consequências, designadamente a revogação da douta sentença recorrida.”
****

O Recorrido B..., apresentou contra-alegações, conforme seguidamente expendido:

“CONCLUSÕES:
A – O presente recurso da sentença lavrada pelo Meritíssimo “a quo”, interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira, advém da sua não conformação com o facto de no Aresto recorrido, ter sido dado por assente que a correspondência transmitida por fax há-de ter o mesmo tratamento daquela enviada por papel e deste modo, aplicando o n.º 2 do artigo 26.º do CPPT, considerar-se efectuada na data em que se comprove o seu envio, tanto mais, que os prazos em procedimento tributário contam-se nos termos do artigo 279.º do CC, cuja alínea c) fixa o termo do prazo às 24 horas do último dia. interposto pela Fazenda Pública, da decisão do tribunal de primeira instância, decorre, como primeira constatação, a limitação do seu âmbito à violação por parte do Meritíssimo juiz “a quo” do prescrito no art. 659/2 do CPC, assim como quanto à nulidade inserta na alínea c) do n.º 1 do art. 668 do mesmo diploma, tendo por base, erro de julgamento ou de construção.
B – Sustenta a recorrente a sua não conformação com tal decisão baseando-se na especificidade/particularismo do correio registado plasmado pelo legislador no n.º 2 do ante mencionado artigo 26.º do CPPT, visto que se está perante um meio que confere certeza e segurança quanto à data e envio dos documentos, atento o facto de o seu controlo não depender do remetente, pelo que conclui pela verificação de um erro de julgamento ínsito na sentença revivenda.
C – Ora, não se crê que colham os argumentos vertidos pela Recorrente quanto aos vícios da sentença, porquanto:
D – Recorrido procedeu ao envio do seu Recurso Hierárquico para o Serviço de Finanças de Monchique às 18h.10m do último dia do prazo;
E- O Recurso foi tido por extemporâneo por parte da Administração tributária, tendo em conta que não aceita a aplicação do n.º 2 do art. 26.º do CPPT, em que a data do envio da correspondência não é aquela da recepção pelos serviços, mas sim a do registo do correio; No entanto a administração tributária não logrou demonstrar que a referência do horário de funcionamento é similar à do horário de atendimento ao público, o que tem efeitos directos na aceitação do documento enviado, visto que, o horário de encerramento ao público não corresponde ao de funcionamento do serviço, sendo invariavelmente menor, pelo que fica por saber se efectivamente às 18h. 10m os serviços não estariam em funcionamento.
F - Mas, o cerne da questão é outra e prende-se com o facto da aplicação restritiva do n.º 2 do artigo 26.º do CPPT levar à respectiva inconstitucionalidade material do preceito, tendo em conta que cria uma desigualdade que afronta o art. 13.º da CRP devido à diferença de horário de funcionamento das estações de correio, sendo que há algumas nas grandes cidades que permanecem abertas até às 23 horas, contrariando aquele normal encerramento entre as 16 horas e as 18 horas. Ora, só pela possibilidade dos meios electrónicos que reúnam as características do correio registado, terem a mesma faculdade, será possível contornar a vertida desigualdade, tanto mais, que não se vislumbram razões de justiça ou segurança jurídica que sustentem tal aplicação restritiva.
G – Ademais, por se entender que às alterações legislativas está subjacente uma razão que as motive e sustente e, ainda, que o legislador soube transmitir tais razões, é incontornável, que a especificidade do correi registado se prende apenas e só, com a certeza e segurança que confere quanto à data, hora e conteúdo do documento que é enviado às autoridades tributárias.
H – Ora, com a equiparação do envio de correspondência por telefax àquela enviada em suporte de papel (DL 135/99), os efeitos conferidos ao registo terão de o ser igualmente a esta transmissão (telefax) caso os requisitos de certeza e segurança quanto ao conteúdo, hora e data existam talqualmente o existem no que respeita ao correio registado, sob pena, de violação das regras interpretativas plasmadas no art. 11.º da LGT.
I – Como entraria em contradita com o ínsito no n.º 1 do art. 20.º do CPPT, que manda aplicar aos prazos do procedimento tributário os termos plasmados no art. 279.º do CC, i.e., com o términus às 24 horas do último dia.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO DEVE O PRESENTE RECURSO IMPROCEDER, MANTENDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, TENDO POR BASE:

- A MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA, PELA INCONSEQUÊNCIA DOS ARGUMENTOS ALEGADOS PELA RECORRENTE;
POR TUDO O ACIMA EXPOSTO E PELO MUITO QUE VEXAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, JULGANDO DESTE MODO, FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS JUSTIÇA.”

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O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso jurisdicional.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objeto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento de direito, entendendo a Fazenda Pública que a data que releva para efeitos de interposição de recurso hierárquico é a da efetiva entrada da petição nos serviços da autoridade recorrida, sendo irrelevante a data da sua expedição pelo correio, nos termos do disposto, nos art.º 77.º, 80º e 82º do CPA, bem como no art.º 26.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 135/99 de 22 de Abril.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“ Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, julgo provados os seguintes factos, com atinência aos meios de prova respectivos:
1.

Em 4 de Março de 2011, B... deduziu Reclamação Graciosa contra a liquidação de IRS relativa ao ano de 2009 – cfr. fls. 2 do processo administrativo.
2.

No dia 15 de Abril de 2011, o Chefe do Serviço de Finanças de Monchique indeferiu aquela Reclamação – cfr. fls. 27-27v do processo administrativo.
3.

Em 21 de Abril de 2011, o mandatário de B... recebeu a carta, registada sob o n.º RC 5682 7428 4 PT, que lhe comunicou a decisão referida no número anterior – cfr. fls. 27-29 e 50 do processo administrativo.
4.

No dia 23 de Maio de 2011, pelas 18:10 horas, o mandatário de B... remeteu, por fax, ao Chefe do Serviço de Finanças de Monchique, requerimento de Recurso Hierárquico interposto contra a decisão referida em 2 – cfr. fls. 31 do processo administrativo.
5.

Em 12 de Março de 2012, no âmbito do procedimento de Recurso Hierárquico referido no ponto anterior, foi elaborada a Informação n.º 1637/12, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida e que, no que ora interessa, tem o seguinte teor:
“(…)
7. O despacho proferido em sede da reclamação foi objecto de notificação ao contribuinte através de registo com aviso recepcionado em 21.04.2011, conforme é comprovado, seja pelo representante legal seja pelos próprios CTT.
8. O art. 66.º do CPPT determina o prazo de 30 dias para a interposição de recurso hierárquico, sendo que nos termos do art. 20.º do CPPT, conjugado com o art. 57.º, n.º 3 da LGT, este conta-se seguido, transferindo-se para o primeiro dia útil seguinte quando termine em dia não útil, como é o caso presente.
9. Assim sendo, terminariam os 30 dias para a interposição do recurso no dia 21.05, sábado, pelo que o mesmo passou para a segunda-feira seguinte, dia 23. A questão coloca-se quanto ao facto da petição, apresentada via fax, ter sido expedida bem depois da hora de encerramento do serviço competente para o seu recebimento, i.e., às 18.10h.
10. Ora, sendo certo que a correspondência transmitida por qualquer via electrónica, como o caso presente ou mesmo por mail, assume idêntico valor da trocada por papel, então deve ser objecto de igual tratamento e, no caso concreto, o respeito pelos prazos parece incontornável, sendo este o entendimento da Administração corroborado já em sede judicial, como se verifica pelo acórdão de 18.06.2009 – p393/2008 do STA.
11. Tendo o pedido dado entrada fora do prazo, já que apenas pôde ser recepcionado no dia 24 de Maio e considerando-se que o cumprimento dos prazos legais prende-se com o respeito pelos princípios da legalidade e visa assegurar a certeza e segurança jurídicas, sendo este um prazo peremptório, ter-se-á que concluir pela rejeição liminar do pedido. (…)”

- cfr. fls. 53-54 do processo administrativo.
6.

No dia 3 de Setembro de 2012, a Directora de Serviços do IRS proferiu o seguinte despacho – acto impugnado: “Concordo, pelo que com base nos fundamentos expressos convolo em definitivo o projecto de despacho de indeferimento liminar do recurso” – cfr. fls. 62 do processo administrativo.

II-B. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.”

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Com base na matéria de facto supra, o Meritíssimo Juiz do TAF de Loulé, julgou procedente a Ação Administrativa Especial e anulou o ato impugnado, nomeadamente a decisão da Diretora de Serviços do IRS, de 3 de setembro de 2012, que indeferiu o recurso hierárquico com fundamento na sua intempestividade.

O tribunal a quo entendeu, em síntese, que no procedimento tributário o prazo para interpor o recurso hierárquico termina às 24 horas do trigésimo dia, podendo o requerimento ser enviado por fax até este momento temporal, e nessa medida, in casu, como o requerimento foi remetido, por fax, às 18:10 horas do último dia do prazo, ainda que depois do encerramento do Serviço de Finanças ao público, o recurso é tempestivo.

A Recorrente invoca que a sentença enferma de erro de julgamento de direito, uma vez que a data que releva para efeitos de interposição de recurso hierárquico é a da efetiva entrada da petição nos serviços da autoridade recorrida, sendo irrelevante a data da sua expedição pelo correio, nos termos do disposto, nos art.º 77.º, 80.º e 82.º do CPA, bem como no art.º 26.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 135/99 de 22 de abril.

Portanto, apenas está em causa no presente recurso aferir se pode ser considerada como data de interposição do recurso hierárquico, aquela em que o requerimento é remetido por telecópia após ao horário de encerramento do serviço de finanças, como se entendeu na sentença recorrida, ou ao invés se deverá ser considerada a data do dia seguinte, como defenda a Fazenda Pública.

Sobre esta questão já se pronunciou o TCA Norte de 23/06/2016, proc. n.º 00072/13.8BEMDL em sentido idêntico ao da sentença recorrida, o qual aqui subscrevemos por inteiramente aplicável ao acaso dos autos, cujo teor na parte relevante para o presente o recurso é o seguinte:

“Nos termos do disposto no n.º1 do art.º76.º do CPPT, «Do indeferimento total ou parcial da reclamação graciosa cabe recurso hierárquico no prazo previsto no artigo 66.º, n.º2, com os efeitos previstos no artigo 67.º, n.º1».
De acordo com aquele n.º2 do art.º66.º do CPPT, «Os recursos hierárquicos são dirigidos ao mais elevado superior hierárquico do autor do acto e interpostos, no prazo de 30 dias a contar da notificação do acto respectivo, perante o autor do acto recorrido».
Como decorre do disposto no n.º3 do art.º57.º da LGT em conjugação com o disposto no n.º1 do art.º20.º, do CPPT, os prazos do procedimento tributário são contínuos e contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil.
Desde logo, importa ter em conta, nos termos da alínea c) daquele art.º279.º do Código Civil, que na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr, no caso, o dia correspondente à notificação do acto de que se recorre.
Assim, tendo a impugnante sido notificada, na pessoa da sua mandatária, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em 26/03/2010, conforme data aposta no talão de aviso de recepção (cf. fls.92 do apenso), o prazo de trinta dias de apresentação do recurso hierárquico terminava em 25/04/2010 (um Domingo), transferindo-se para o primeiro dia útil seguinte (26/04/2010), nos termos do disposto na alínea e) do art.º279.º do Código Civil.
No caso em apreço, a impugnante enviou à Direcção de Finanças de Vila Real, por telecópia (via aparelho de fax), a petição de recurso hierárquico, figurando na telecópia como hora de transmissão da primeira folha as 22h06 do dia 26/04/2016.
E é aqui que as partes divergem, entendendo a impugnante que o requerimento de recurso hierárquico se considera apresentado no dia 26/04/2010, independentemente da hora da abertura e do encerramento dos serviços, enquanto que a Administração tributária entende que tal requerimento só se consideraria apresentado em 26/04/2010 se desse entrada nos serviços dentro do respectivo horário de funcionamento e não após o seu encerramento, entendimento que a sentença sancionou, não sem antes concluir que a apresentação de documentos por telecópia não se reconduz a nenhuma das formas juridicamente relevantes de apresentação de documentos dirigidos à Administração.
De acordo com o disposto no n.º1 do art.º77.º do Cód. do Procedimento Administrativo, de aplicação supletiva no procedimento tributário (art.º2.º alínea d), do CPPT), os requerimentos e outros escritos (art.º82.º do CPA) devem, em regra, ser apresentados nos serviços dos órgãos aos quais são dirigidos. No entanto, de acordo com o disposto no art.º79º do CPA, os requerimentos dirigidos a órgãos administrativos podem ser remetidos pelo correio, com aviso de recepção.
Não se prevê outra forma de apresentação de requerimentos e outros escritos dirigidos à Administração Pública, nomeadamente, por telecópia, porquanto o âmbito de aplicação do Decreto-Lei 28/92, de 27 de Fevereiro, se circunscrevia à prática de actos processuais e não do procedimento administrativo, em que se inserem os recursos hierárquicos.
Como se diz na parte preambular daquele diploma, o objectivo é «…facultar às partes e aos intervenientes em processos judiciais de qualquer natureza o uso da telecópia para a prática de actos processuais, evitando os custos e demoras resultantes de deslocações às secretarias judiciais».
O art.º26.º do CPPT não acrescenta ao regime geral decorrente do Código do Procedimento Administrativo qualquer forma especial de apresentação de requerimentos e outros escritos dirigidos à Administração tributária. Dispõe este preceito, na redacção da Lei n.º32-B/2002, de 30 de Dezembro:
«Artigo 26.º
Recibos
1 - Os serviços da administração tributária passarão obrigatoriamente recibo das petições e de quaisquer outros requerimentos, exposições ou reclamações, com menção dos documentos que os instruam e da data da apresentação, independentemente da natureza do processo administrativo ou judicial.
2 - No caso de remessa pelo correio, sob registo, de requerimentos, petições ou outros documentos dirigidos à administração tributária, considera-se que a mesma foi efectuada na data do respectivo registo, salvo o especialmente estabelecido nas leis tributárias».
Como se vê, este preceito não tem por escopo regular especialmente as formas de apresentação de requerimentos e outros escritos à Administração tributária sendo antes uma norma de garantia do administrado ao impor à AT a obrigatoriedade do recibo, que funciona como prova de entrega do escrito e da data em que foi feita (vd. art.º81.º, do CPA).
No entanto, é manifesto que o n.º2 se afasta do disposto no art.º79.º do CPA quer quanto às formalidades da apresentação via postal, bastando-se com o registo simples ao passo que no CPA se exige a formalidade mais solene do aviso de recepção, quer quanto ao meio de prova dessa apresentação e ao tempo em que se considera que ela ocorreu, valendo como tal o registo e a data nele mencionada e não o aviso de recepção e a data nele aposta.
Para os requerimentos dirigidos aos serviços administrativos por transmissão electrónica de dados, veio o DL n.º 135/99, de 22 de Abril, regular tal matéria, tendo no seu art.º26.º, n.º2, disposto que «a correspondência transmitida por via electrónica tem o mesmo valor da trocada em suporte de papel, devendo ser-lhe conferida, pela Administração e pelos particulares, idêntico tratamento».
No entanto, a transmissão electrónica de dados como forma de apresentação de requerimentos dirigidos à Administração pública não se confunde com a transmissão através de telecópia (via aparelho de fax) e basta atentar no disposto no n.º4 do art.º143.º do CPC para logo resultar evidente que o legislador distingue claramente as duas formas de transmissão.
Assim, importa concluir que quer no CPPT, quer no CPA ou nos diplomas de modernização e desburocratização administrativas citados, não há norma expressa que preveja a apresentação de requerimentos e outros escritos dirigidos à Administração através de telecópia, sem prejuízo do que especialmente se vinha prevendo em procedimentos especiais (vd. art.º23.º, n.º2, da Lei n.º30-E/2000, de 20 de Dezembro).
No entanto, como a sentença não deixa de realçar, não foi a forma de apresentação através de telecópia que motivou a rejeição do recurso hierárquico, mas sim a circunstância de a telecópia ter sido transmitida no último dia do prazo de apresentação, já depois do encerramento dos serviços, tendo a AT, se bem entendemos a fundamentação aduzida na sustentação da decisão definitiva de recurso hierárquico, tratado a transmissão através de telecópia como de transmissão electrónica se tratasse.
Ora, a partir daqui já não podemos acompanhar o raciocínio seguido pela Administração tributária e sufragado pela sentença (…).
Não concordamos com este modo de ver. É certo que a sentença – e antes dela a própria Administração tributária, depois de equiparar a transmissão por telecópia à transmissão electrónica de dados – alinharam pela solução do acórdão do TCAS, de 10/01/2012, tirado no procº04953/11 (…).
Ora, salvo o devido respeito, este entendimento mostra-se válido em relação à prática de actos no procedimento administrativo, em que se mantém válida a doutrina dos acórdãos do STA de 15.01.1998 – Rec. 42.443, e de 12.06.1997 – Rec. 41.009, segundo o qual “a data que releva para efeitos de interposição de recurso hierárquico é a da efectiva entrada da petição nos serviços da autoridade recorrida ou da autoridade ad quem, sendo irrelevante a data da sua expedição pelo correio”, significando isto a eleição, como momento de apresentação válida do acto o de entrada efectiva do requerimento no respectivo serviço, sendo evidente, como se diz no acórdão daquele alto tribunal de 18/06/2009, tirado no proc.º0393/08, «que a jurisprudência indicada se reporta à entrada material do papel, em suporte físico, considerando relevante a apresentação física do requerimento, independentemente da sua eventual expedição pelo correio».
Todavia, para a prática de actos no procedimento tributário, como vimos, o art.º 26.º n.º2 do CPPT, afasta-se do regime do CPA, considerando relevante como momento de apresentação dos requerimentos e outros escritos o do registo nos postos dos correios e não a data de recebimento nos serviços, que é aquela que conta no caso de envio pelo correio de requerimentos dirigidos a entidades administrativas, nos termos do art.º 79.º do CPA.
Assim, sendo juridicamente relevante no procedimento tributário, como data de apresentação do requerimento, a da expedição, independentemente do seu recebimento nos serviços, no caso de remessa do requerimento por via postal registada, também no caso da transmissão electrónica de dados a que foi equiparada a transmissão por telecópia, tem de prevalecer, por identidade de razões, a data da transmissão sobre a do recebimento. E nesse entendimento, não oferecendo controvérsia que a telecópia através da qual foi apresentada a petição de recurso hierárquico foi transmitida no dia 26/04/2010 embora depois do horário de encerramento dos serviços, tem de considerar-se a sua apresentação tempestiva, porque apresentada (transmitida) antes das 24 horas do último dia do prazo legal de apresentação (art.º279.º, alínea c), do Código Civil).
A interpretação que fazemos parece-nos a preferível do ponto de vista sistemático, pois não isola do contexto do art.º26.º, n.º2 do CPPT as outras formas de apresentação não pessoal dos requerimentos dirigidos à Administração tributária previstas em legislação avulsa, sendo, por outro lado, a que melhor se compagina com o princípio da tutela jurisdicional efectiva (art.º268.º, n.º4, da CRP), não se antevendo razões, nomeadamente de segurança jurídica que justifiquem a compressão daquele princípio constitucional.
Como assim, a decisão de rejeição do recurso hierárquico por intempestividade está inquinada de vício de lei, determinante da sua anulação (…).”

Portanto, em suma, no procedimento tributário antes da entrada em vigor da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro que vem dispor sobre a data a considerar na remessa de petições ou outros documentos dirigidos à administração tributária por telefax ou por via eletrónica, pelo aditamento do n.º 3 ao art. 26.º do CPPT, importa considerar que releva a data da emissão do telefax, pois no procedimento tributário releva a data da remessa do requerimento, e não a data do registo do seu envio.

In casu a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento de direito, na medida em que, é tempestivo o requerimento de recurso hierárquico que foi apresentado por telefax no último dia do prazo previsto no n.º 2 art. 66.º do CPPT, ou seja, no dia 23/05/2011, às 18:10 horas, após ao encerramento do Serviço de Finanças de Monchique que ocorreu às 17:30 horas.

Na verdade, in casu a data de interposição do recurso hierárquico para efeitos de aferir da sua tempestividade é o dia 23/05/2011, data da emissão do telefax, pois como já referimos, no procedimento tributário releva a data da remessa do requerimento, e não a data do registo do seu envio, ou seja, ao contrário do que entende a Recorrente, não releva a data do dia útil seguinte quando a transmissão se efetua após o encerramento dos serviços de finanças.

Pelo exposto, improcedem todos os fundamentos invocados pela Recorrente, sendo de negar provimento ao recurso.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).

Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

No procedimento tributário, antes da entrada em vigor da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, que vem aditar o n.º 3 ao art. 26.º do CPPT, dispondo-se sobre a data a considerar na remessa de petições ou outros documentos dirigidos à administração tributária por telefax ou por via eletrónica, importa considerar, para efeitos de aferir do cumprimento do prazo para interposição de recurso hierárquico (n.º 2, do art. 66.º do CPPT), a data da emissão do telefax.

II. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 25 de março de 2021.

A Juíza Desembargadora Relatora
Cristina Flora
A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e Susana Barreto.