Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1356/11.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:01/16/2020
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:ESTATUTO DA APOSENTAÇÃO; ART. 78.º E ART. 79.º - INCOMPATIBILIDADES E CUMULAÇÃO DE PENSÃO E REMUNERAÇÃO; SERVIÇOS MUNICIPALIZADOS
Sumário:i) Os serviços municipalizados são, do ponto de vista material, empresas públicas de âmbito municipal, razão pela qual, é aplicável à situação do Recorrente o regime previsto nos art.s 78.º e 79.º do EA.

ii) Não está em causa, no pedido de restituição de quantias pagas a título de pensão aposentação nenhuma aplicação retroativa do regime em apreço, pois a Recorrida apenas peticiona em sede de pedido reconvencional, a restituição de quantias recebidas no período compreendido entre 06.02.2006 e 31.12.2010, ou seja, após a data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 179/2005, de 02.11.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A…. não se conformando com a sentença do TAF de Almada que, nos autos de ação administrativa especial por si proposta contra a Caixa Geral de Aposentações, julgou a ação improcedente, absolvendo a entidade demandada dos pedidos, e julgou o pedido reconvencional procedente, condenando o A. a pagar a quantia em dívida, acrescida de juros de mora até efetivo e integral pagamento, assim como no pagamento das custas do processo.

As alegações de recurso que apresentou, culminam com as seguintes conclusões:

«(…)

1- Recorrente não pode conformar-se com a Sentença proferida, por se tratar de uma decisão claramente injusta que padece de vício de erro de julgamento relativamente a todas as questões suscitadas pelo Recorrente;

2 - Ao contrário do que consta na Sentença, o Recorrente não foi notificado do despacho de 1 de Abril de 2011, proferido pela Direção do R.;

3- 0 ofício n.° ….. não trazia em anexo o despacho alegadamente praticado pela Direção da Recorrida;

4- 0 ofício n.° ….. não contém qualquer transcrição do texto deste alegado despacho.

5 - Até à data não foi dado a conhecer ao Recorrente o ato da Direção da Recorrida alegadamente praticado em 1/4/2011;

6-0 despacho alegadamente praticado pela Direção da Recorrida é ineficaz quanto ao Recorrente, nos termos do disposto no artigo 132.°, n.° 1,

do CPA;

7 - Mal andou a Sentença ao considerar improcedente o vício de ineficácia do ato administrativo alegadamente praticado pela Direção da R. em 1 de Abril de 2011, razão pela qual deverá a sentença ser revogada e substituída por outra que, atendendo ao que consta a fls. 63 do PA e ao Doc. n.° 1 junto pelo Recorrente com a p.i.., considere que o ato administrativo alegadamente praticado pela Direção da R. em 1 de Abril de 2011 não foi até à presente data notificado ao Recorrente, pelo que é ineficaz, nos termos do disposto no artigo 132.°, n.° 1, do CPA, na redação em vigor à data;

8 - A carta remetida pela Recorrida ao Recorrente, datada de 28/2/2011, não contém qualquer proposta de ato administrativo que tivesse sido praticado pela Direção do R. sobre o pedido por este formulado de manutenção do abono da totalidade da pensão;

9 - A pronúncia do Recorrente, remetida à Recorrida em 21 de Março de 2011, não foi sobre a proposta de decisão da Direção da R. pois tal proposta de decisão não existia;

10 - A carta remetida ao Recorrente em 28/2/2011 não contém todos os elementos exigidos pelo artigo 101.°, n.° 2, do CPA (na redação vigente à data) para que se considere cumprida a audiência dos interessados;

11- O ato alegadamente praticado pela Direção da R. em 1/4/2011 foi o único a ser praticado sobre o pedido formulado pelo Recorrente, não tendo sido dado qualquer prazo ao Recorrente para se pronunciar sobre o mesmo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 100.° do CPA;

12 - A preterição desta formalidade fere o ato pretensamente praticado (cfr. artigos 100.° e 135.° do CPA e 267.°, n.° 5 da CPR) pelo que o mesmo deveria ter sido revogado pela Sentença ora em crise;

13 - Ao decidir de forma diversa a Sentença ora em crise violou o disposto nos artigos 100.° e 135.° do CPA e 267.°, n.° 5 da CPR, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que considere ter existido preterição de formalidade essencial, anulando-se em consequência o despacho proferido pela Direção da R. em 1/4/2011;

14 - A situação profissional do Recorrente nos Serviços Municipalizados de Loures encontrava-se perfeitamente estabelecida e consolidada, dado tratar-se de uma relação jurídica de emprego público, pelo que o Recorrente não se encontrava numa situação de acumulação irregular e nenhum valor poderia ser condenado a devolver;

15- O artigo 78.° do E.A., na redação que lhe havia sido dada pelo Decreto- Lei n.° 215/87, de 29 de Maio, dispunha exclusivamente sobre a prestação de trabalho remunerado nas empresas públicas;

16- 0 artigo 79.° alargava um pouco a restrição do artigo 78.°, dispondo sobre o exercício de funções públicas ou prestação de trabalho remunerado por aposentados, em empresas públicas ou entidades equiparadas, como decorrência deste artigo 78.°, mas apenas na perspetiva das condições de manutenção da pensão e do abono da remuneração;

17- O entendimento pacífico e unânime é o de que os Serviços Municipalizados não são uma empresa pública, mas apenas um serviço municipal em sentido lato;

18- O legislador não pretendeu equiparar os serviços municipalizados às empresas públicas, tendo inclusivamente previsto, nos diplomas que regulam o setor empresarial local, a possibilidade de os serviços municipalizados serem transformados em empresas públicas;

19 - Não sendo os serviços municipalizados empresas públicas, nem havendo qualquer lei que os considere entidades equiparadas, não se aplicam aos serviços municipalizados os artigos 78.° e 79.° do E. A., nem na anterior redação, nem na redação do Decreto-Lei n.° 179/2005, de 2 de Novembro;

20- Decreto-Lei n.° 179/2005, de 2 de Novembro dispõe apenas para o futuro, não tendo efeitos retroativos - que não estão previstos nem o poderiam estar por força do disposto no artigo 18.° da CRP e muito menos qualquer virtualidade de ser aplicado a situações sem horizonte temporal, como é o caso da situação profissional do Recorrente;

21 - Não restam dúvidas de que o Recorrente não se encontra abrangido pelo disposto no Decreto-Lei n.° 179/2005, de 2 de Novembro, pelo que nunca lhe poderia ser exigida qualquer reposição de valores;

22 - Ao decidir de forma diversa a Sentença ora em crise violou o disposto nos artigos 78.° e 79.° do E. A., em virtude destes preceitos não serem aplicáveis à situação concreta do vínculo do Recorrente, assim como violou o artigo 18.° da CRP, ao considerar que o Decreto-Lei n.° 179/2005, de 2 de Novembro não dispõe apenas para o futuro, tendo, por esse motivo, efeitos retroativos, pelo que a Sentença deve ser revogada e substituída por outra que anule o despacho proferido pela Direção do Recorrido com a consequente condenação da Direção do Recorrido na prática de outro ato que reconheça que os artigos 78.° e 79.° do E. A. não são aplicáveis à situação concreta do vínculo do Recorrente, pelo que o mesmo nada deve à Recorrida;

23 - Atentos os vícios assacados à Sentença, supra expostos, que determinam a revogação da mesma e a prolação de outra que anule o despacho proferido pela Direção do Recorrido com a consequente condenação da Direção do Recorrido na prática de outro ato que reconheça que os artigos 78.° e 79.° do E. A. não são aplicáveis à situação concreta do vínculo do Recorrente, pelo que o mesmo nada deve à Recorrida, a decisão da Sra. Juiz a quo sobre o pedido reconvencional formulado pela Recorrida padece dos mesmos vícios, pelo que deverá também ser revogada pelos mesmos fundamentos supra expostos, que levam à revogação do ato administrativo em que a Recorrida suportou o pedido reconvencional.»

A Recorrida contra-alegou, concluindo, como se segue:

«(…)

1a Quanto à alegada ineficácia da decisão da Caixa Geral de Aposentações de 1 de Abril de 2011, que determinou a restituição de dois terços dos montantes auferidos a título de pensão de aposentação, com efeitos reportados a 6 de Fevereiro de 2006, verifica-se que, tal como resulta da factualidade provada, o recorrente tomou conhecimento efectivo do teor e sentido da decisão da CGA, mediante carta registada com aviso de recepção por si assinado em 18 de Abril de 2011.

2a Por ofício de 7 de Abril de 2011, a Caixa Geral de Aposentações informou o recorrente de ter sido proferido o despacho de 1 de Abril de 2011. A notificação de tal acto foi, contrariamente ao alegado, eficaz já que conteve todos os elementos essenciais exigíveis, permitindo assim o inteiro conhecimento do seu conteúdo.

3a O artigo 78° do Estatuto da Aposentação, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n° 179/2005, determinava que os aposentados não podem exercer funções públicas ou prestar trabalho remunerado, ainda que em regime de contrato ou avença, em quaisquer serviços do Estado, pessoas colectivas públicas ou empresas públicas,

4a Ainda que se considere que os serviços municipalizados, entendidos como serviços e fundos autónimos, devem ser qualificados como serviços integrados nos municípios a que pertencem, ter-se-á de considerar que os serviços municipalizados se constituem sempre no âmbito de uma pessoa colectiva pública.

5a Por conseguinte, se integram pessoas colectivas públicas, o exercício de funções em serviços municipalizados está abrangido pelo regime de incompatibilidades do artigo 78° do Estatuto da Aposentação.

6a O regime trazido pelo Decreto-Lei n° 179/2005, de 28 de Novembro, designadamente a nova redacção do artigo 79° do Estatuto da Aposentação, aplica-se à situação do recorrente, independentemente da data em que ocorreu a reapreciação a que obriga o artigo 2° do mesmo diploma.

7° Pelo não comprimento do artigo 79° do Estatuto da Aposentação, na redacção que a este preceito foi conferida pelo Decreto-Lei n° 179/2005, de 2 de Novembro, o recorrente deve à Caixa Geral de Aposentações o valor de € 12 378, 61, acrescido dos juros entretanto vencidos e vincendos à taxa de 1% ao mês, até integral pagamento.»


O DMMP junto deste tribunal pronunciou-se pelo não provimento do recurso.

I.1. Questões a apreciar e a decidir

O objeto do recurso é delimitado, em princípio, pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado – cfr. art.s 635.º, 639.º e 608.º, n.º 2, 2ª parte, todos do CPC. E dizemos em princípio, porque o art. 636.º permite a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, situação que não se coloca nos autos.

No caso em apreço, cumpre, assim, aferir do erro decisório imputado à sentença recorrida, nas seguintes vertentes:

i) Quanto à eficácia do despacho proferido a 1 de abril de 2011 pela Recorrida;

ii) Quanto à invocada falta de audiência dos interessados;

iii) Quanto ao regime jurídico dos art.s 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação e a sua aplicação ao caso do A., ora Recorrente.

III. Fundamentação

III.1. De Facto

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, que aqui se transcreve ipsis verbis:

«(…)

A) Por Deliberação do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados Água e Saneamento de Cascais (SMAS Cascais), adotada em 1986-07-17, foi aplicada ao Autor a pena disciplinar de aposentação compulsiva, tendo posteriormente, sido reabilitado, cfr. fls. 25 a 29 e 14 a 15 do PA.

B) O Autor cessou funções nos SMAS de Cascais em 1986-08-12, cfr. fls. 25 do PA.

C) Por despacho de 1987-08-26, com fundamento na Deliberação mencionada em A), a Caixa Nacional de Previdência atribuiu ao Autor uma pensão por aposentação definitiva, cfr. fls. 16 a 22 do PA.

D) Calculada com base em 17 (dezassete) anos de serviço e na remuneração então auferida, a pensão foi fixada em 16.700$00 (dezasseis mil e setecentos escudos) cfr. fls. 16 a 20 do PA.

E) Em 1999-07-29, o Autor ingressou no quadro dos Serviços Municipalizados de Loures (SMAS Loures) ofício n.° ….., de 2006-05-15, constante a fls. 1-2 e 14 do PA.

F) Em 1999-09-02, o Autor iniciou funções nos SMAS de Loures como subscritor da Caixa Geral de Aposentações, cfr. fls. 51 e 52 do PA.

G) Em 2006-05-19, a Caixa Geral de Aposentações (CGA) solicitou aos SMAS de Loures esclarecimentos sobre o ingresso do A., em 1999-07-29, no quadro dos SMAS de Loures, cfr. fls. 1 e 14 do PA.

H) Desde o ano de 2005, os SMAS de Loures liquidaram ao Autor as suas remunerações “por inteiro, não tendo sido objecto de qualquer redução”, cfr. fls. 51 a 54 do PA.

I) No ano de 2006, a remuneração total do Autor nos SMAS de Loures ascendeu a €12.014,04 (doze mil, catorze euros e quatro cêntimos), cfr. fls. 53 do PA.

J) No ano de 2006, a título de pensão por aposentação, dois terços da pensão paga ao Autor ascenderam ao montante de € 2.092,48 (dois mil, noventa e dois euros e quare nta e oito cêntimos), cfr. fls. 72-73 do PA.

K) No ano de 2007, a remuneração total do Autor nos SMAS de Loures ascendeu a €12.194,28 (doze mil, cento e noventa e quatro euros e vinte e oito cêntimos), cfr. fls. 53 do PA.

L) No ano de 2007, a título de pensão por aposentação, dois terços da pensão paga ao Autor ascenderam ao montante de € 2.339,82 (dois mil, trezentos e trinta nove euros e oitenta e dois cêntimos), cfr. fls. 73-74 do PA.

M) No ano de 2008, a remuneração total do Autor nos SMAS de Loures ascendeu a €12.450,36 (doze mil, quatrocentos e cinquenta euros e trinta e seis cêntimos) cfr. fls. 53 do PA.

N) No ano de 2008, a título de pensão por aposentação, dois terços da pensão paga ao Autor ascenderam ao montante de € 2.395,96 (dois mil, trezentos e noventa e cinco euros e noventa e seis cêntimos), cfr. fls. 73-74 do PA.

O) No ano de 2009, a remuneração total do Autor nos SMAS de Loures ascendeu a €12.811,20 (doze mil, oitocentos e onze euros e vinte cêntimos), cfr. fls. 54 do PA.

P) No ano de 2009, a título de pensão por aposentação, dois terços da pensão paga ao Autor ascenderam ao montante de € 2.465,40 (dois mil, quatrocentos e sessenta e cinco euros e quarenta cêntimos), cfr. fls. 75-76 do PA.

Q) No ano de 2010, a remuneração total do Autor nos SMAS de Loures ascendeu a €13.799,88 (treze mil, setecentos e noventa e nove euros e oitenta e oito cêntimos), cfr. fls. 54 do PA.

R) No ano de 2010, a título de pensão por aposentação, dois terços da pensão paga ao Autor ascenderam ao montante de €2.496,20 (dois mil, quatrocentos e noventa e seis euros e vinte cêntimos), cfr. fls. 76-77 do PA.

S) Em 2011-01-05, por escrito, o Autor declarou junto da CGA que “deseja suspender, por incompatibilidade, o recebimento da sua pensão de aposentação, enquanto se mantiver no desempenho de funções públicas nos Serviços Municipalizados de Loures”, cfr. fls. 49 do PA.

T) Em 2011-02-28, mediante carta registada com aviso de receção, a CGA remeteu ao Autor ofício sob o assunto: “Exercício de funções públicas por aposentados. Audiência Prévia”, no qual se pode ler, por extrato que:

“(...) a Caixa Geral de Aposentações (...) tem conhecimento de que V. Ex*. auferiu rendimentos, já depois de 7 de Novembro de 2005, por exercício de actividade profissional nos Serviços Municipalizados de Loures, sendo que a partir daquela data, configura uma situação de acumulação prevista nos mesmos preceitos legais [no caso, artigos 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação], mas com a redacção do Decreto-Lei n.° 179/2005, de 2 de Novembro.

Assim, (...) informo V. Exª. de que, dado que a partir de 6 de Fevereiro de 2006, apenas tem direito a uma terça parte da pensão (por ser de valor inferior ao da remuneração do activo) esta Caixa irá proceder à regularização do passado, traduzida na reposição dos restantes dois terços, com referência ao período decorrido desde aquela data até 2010-12-31.

No entanto, nos termos do Código do Procedimento Administrativo (...) terá o prazo máximo de 10 dias, a contar da presente notificação para, querendo, informar do que se lhe oferecer sobre o assunto, assistindo-lhe ainda o direito de consulta do respectivo processo”, cfr. ofício CGA n.° S…..., constante a fls. 55 do PA.

U) Em 2011-03-04, o aviso de receção mencionado em T) foi assinado pelo Autor, cfr. fls. 56 do PA.

V) Mediante carta, datada de 2011-03-21, o Autor pronunciou-se sobre o teor da proposta de decisão transmitida pela CGA, cfr. fls. 57 a 61 do PA.

W) Na missiva referida em V), o Autor manifestou-se contra a pretensão da CGA de lhe reduzir a sua pensão em dois terços na qual se pode ler:

“30 - (...) o signatário não se encontra abrangido pelo disposto no Decreto-Lei n° 179/2005, de 2 de Novembro, pelo que não lhe poderá ser exigida qualquer reposição de valores.”, cfr. idem.

X) Em 2011-04-01, sob proposta dos serviços, a Direção da Caixa Geral de Aposentações proferiu despacho e determinou o indeferimento do pedido do Autor de manutenção do abono da totalidade da sua pensão e que, por conseguinte, este deveria repor dois terços da pensão auferida no período compreendido entre 2006-02-06 e 2010-12-31 e, ainda, a totalidade da pensão respeitante ao mês de janeiro de 2011, cfr. fls. 62 do PA.

Y) O teor da Decisão da CGA, datada de 2011-04-01, foi comunicado ao Autor mediante carta registada com aviso de receção, por este assinado, cfr. ofício CGA n.° ……, de 2011-04-07, e aviso assinado pelo Autor, em 2011-04-18, a fls. 63 e 92 do PA.

Z) Em 2011-05-18, o Autor interpôs recurso hierárquico da decisão junto do Senhor Presidente do Conselho Diretivo da CGA, cfr. fls. 65 a 71 do PA.

AA) A presente ação administrativa especial deu entrada no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 2011-05-18, tendo a CGA assinado o aviso de receção que acompanhou o ofício de citação em 2011-09-22, cfr. fls. 4 dos autos.

BB) Em 2011-09-01, a Unidade de Abonos da CGA emitiu certidão, na qual se pode ler que “(...) A….. (...) deve à Caixa Geral de Aposentações a importância de € 12.057,31 (Doze mil e cinquenta e sete euros e trinta e um cêntimos), correspondente à reposição de 2/3 do valor das pensões abonadas no período de 2006-02-06 a 2010-12-31 e à totalidade da pensão do mês de Janeiro de 2011 (...) em acumulação com a remuneração auferida nos Serviços Municipalizados de Loures”, cfr. fls. 90 do PA.

CC) Na sentença proferida na oposição à execução que tramitou sob o n° 363/12.5 BEALM foi proferida sentença transitada em julgado em 2013-05-16, que absolveu da instância a Caixa Geral de Aposentações (CGA), na qual se pode ler:

“A) Os presentes autos de execução foram instaurados em 2011-09-14, PEF n.° ….. do Serviço de Finanças de Almada - 2 C. Piedade, por uma dívida proveniente da Caixa Geral de Aposentações no valor de € 12.057,31 e juros, correspondente à reposição de 2/3 do valor das pensões abonadas no período de 2006-02-06 a 2010-12-31 e à totalidade da pensão do mês de Janeiro de 2011, em acumulação com a remuneração auferida nos Serviços Municipalizados de Loures”, cfr. fls. 157 a 164 dos autos.

DD) No processo de execução fiscal identificado em CC), figuram como Executado o ora Autor - A….. -, e como Exequente a Caixa Geral de Aposentações cfr. fls. 157 a 164 dos autos;

*

Não ficaram por provar factos com relevo para a decisão.

A convicção do Tribunal fundamentou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos incluído o processo administrativo.»

III.2. De Direito

i) Do erro de julgamento quanto à eficácia do despacho proferido a 1 de abril de 2011 pela Recorrida

Na sentença recorrida, considerou-se, quanto a este aspeto, o seguinte:

«(…) Nos presentes autos, o Autor começa por invocar que o ato administrativo ora impugnado não lhe foi notificado, somente lhe tendo sido transmitido o respetivo teor e sentido através de oficio da CGA, datado de 7 de Abril de 2011 {vide alínea Y) do probatório), do qual não constava “qualquer transcrição do texto deste (...) despacho’’.

Por esse motivo, entende que a decisão em apreço é ineficaz, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 132.°, n.° 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA) ao tempo vigente e atualmente revogado pelo Decreto-Lei n.° 4/2015, de 7 de janeiro.

Vejamos.

A eficácia do ato administrativo traduz-se na efetiva produção de efeitos jurídicos, a qual não se confunde e/ou sobrepõe com a noção de validade, que se reporta à aptidão intrínseca do ato para produzir os efeitos jurídicos correspondentes ao tipo legal a que pertence, em consequência da sua conformidade com a ordem jurídica.

Neste âmbito, sob a epígrafe “Eficácia dos actos constitutivos de deveres ou encargos ”, dispõe o artigo 132.°, n.° 1 do CPA que:

“Os actos que constituam deveres ou encargos para os particulares e não estejam sujeitos a publicação começam a produzir efeitos a partir da sua notificação aos destinatários, ou de outra forma de conhecimento oficial pelos mesmos, ou do começo de execução do acto. ”

A decisão que, em 1 de abril de 2011, determinou a restituição de dois terços dos montantes auferidos a título de pensão por aposentação, com efeitos reportados a 6 de fevereiro de 2006, tem a natureza de ato constitutivo de um efeito desfavorável sobre a posição jurídica do seu destinatário, na veste de ato ablatório, configurando, por isso, a prática de ato administrativo cuja notificação é exigida por lei (cfr. artigo 66.° alínea c) do CPA).

Sucede que, conforme decorre da factualidade provada (vide alíneas X) e Y)), o Autor tomou conhecimento efetivo do teor e sentido da Decisão da CGA subjudice, mediante carta registada com aviso de receção por si assinado em 18 de abril de 2011 (cfr. ofício CGA n.° ….., de 2011-04-07, constante a fls. 63 dos Autos e fls. 92 do processo administrativo).» (sublinhados nossos).

E com razão.

Na verdade o A., ora Recorrente, foi notificado do sentido da decisão proferida a 1 de abril de 2011 pela Recorrida, facto que o mesmo não contesta, invocando que, não obstante, nunca foi notificado do despacho propriamente dito (ou dos seus precisos termos, diremos nós).

Porém, o ofício supra transcrito na alínea X) da matéria de facto consubstancia, em nosso entender, a transcrição do despacho ali referido, visando, por essa via, a sua notificação ao A., notificação essa materializada por carta registada com aviso de receção (cfr. alínea Y) da matéria de facto.

Perante o que, o ato impugnado é eficaz, improcedendo o imputado erro de julgamento.

ii) Do erro de julgamento quanto à invocada falta de audiência dos interessados.

Na sentença recorrida, considerou-se, quanto a este aspeto, o seguinte:

«(…) em face do constante nos pontos T), U), V) e W) do probatório, verifica-se que:

Em 2011-02-28, mediante carta registada com aviso de receção, a CGA informou o Autor que tinha conhecimento de que este auferia rendimentos por exercício de atividade profissional nos Serviços Municipalizados de Loures, situação que configurava a de acumulação ilegal prevista nos artigos 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação, com a redação do Decreto-Lei n.° 179/2005, de 2 de novembro.

Mais tendo sido, expressamente, mencionado pela Entidade Demandada, na referida ocasião:

Assim, (...) informo V. Ex.ª. de que, dado que a partir de 6 de Fevereiro de 2006, apenas tem direito a uma terça parte da pensão (por ser de valor inferior ao da remuneração do activo) esta Caixa irá proceder à regularização do passado, traduzida na reposição dos restantes dois terços, com referência ao período decorrido desde aquela data até 2010-12-31.

No entanto, nos termos do Código do Procedimento Administrativo (...) terá o prazo máximo de 10 dias, a contar da presente notificação para, querendo, informar do que se lhe oferecer sobre o assunto, assistindo-lhe ainda o direito de consulta do respectivo processo’’.

Nesta sequência, mediante carta datada de 2011-03-21, o Autor pronunciou-se sobre o teor da proposta de decisão transmitida pela CGA (cfr. pontos V) e W) do probatório).

Por esta via, o Autor manifestou a sua oposição à pretensão da CGA, de lhe reduzir a sua pensão em dois terços e, em consonância, de lhe impor o dever de restituir os montantes pecuniários que lhe haviam sido abonados 2006-02-06 e 2010-12-31, a título de pensão por aposentação.

Ou seja, resulta provado que o Autor pronunciou-se, em sede de audiência prévia, sobre a proposta de decisão da Caixa Geral de Aposentações.

Deste modo, foi após a referida pronúncia do Autor que, em 1 de abril de 2011, a Entidade Demandada praticou o ato administrativo ora impugnado, cujo sentido provável e respetivos fundamentos, haviam sido dados previamente a conhecer, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 100.°, n.° 1 do CPA.

Em face do exposto, por não se verificar, improcede a arguição do vício de preterição de realização da audiência dos interessados.» (sublinhados nossos).

Invoca o A., ora Recorrente, por seu turno que não resulta da carta remetida ao Recorrente em 28/2/2011 qualquer proposta de decisão, mas antes uma informação de a Recorrida ter tomado conhecimento de uma situação (sem sequer se referir ao pedido apresentado pelo Recorrente), assim como não constam da mesma carta todos os elementos exigidos pelo artigo 101.°, n.° 2, do CPA (na redação vigente à data) para que se considere cumprida a audiência dos interessados.

Não assiste razão ao Recorrente, atentos os factos constantes das alíneas T), U), V) e W) da matéria de facto, não impugnados, mas apenas contraditados, sem ter sido apresentada prova em sentido contrário.

Razão pela qual também o erro de julgamento em apreço terá de improceder.

iii) Resta conhecer da questão do erro de julgamento quanto a aplicabilidade à situação do A., ora Recorrente, do regime jurídico dos art.s 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação

Na sentença recorrida, considerou-se, quanto a este aspeto, e em suma, o seguinte:

«(…) Quanto ao âmbito da proibição - o do artigo 78.° do EA e no que para o caso releva, verificamos que o legislador optou por um alargamento da proibição, como resulta, em particular da redação do DL n.° 215/87, de 29.05, para a do DL n.° 179/2005, de 02.11.

Neste quadro legal, as exceções admitidas passam pelo crivo do despacho autorizador do Primeiro-Ministro, salvo as que decorrem diretamente de lei especial {cfr. artigo 78.°, n.°s 1, 2 e 3 do EA, na redação conferida pelo DL n.° 179/2005). De igual modo, torna-se obrigatória a fixação de um prazo, sob pena de a autorização caducar ao fim de um ano (cfr. n.° 5 do artigo 78.°) e, por último, a disposição fornece um elenco de entidades, segundo o critério da sua natureza, onde considera que se exercem funções públicas, pelo que devem, em princípio, ser inacessíveis a aposentados da função pública (cfr. artigo 78.°, n.° 1, 2a parte).

Quanto à cumulação de remunerações, deixou de ser possível a fixação de remuneração superior à terça parte da remuneração base das funções ou trabalhos exercidos (cfr. artigo 79.°, n.° 1 in fine). Com efeito, preconiza-se a opção entre receber por inteiro uma das duas remunerações devidas, conforme a situação mais favorável: a pensão ou a das funções ou trabalho exercidos.

Vejamos então.

Alega o Autor, em primeiro lugar, que à data da sua tomada de posse nos SMAS de Loures, isto é, em 29 de julho de 1999 (vide alínea E) do probatório), os artigos 78.° e 79.° do EA possuíam a redação dada pelo Decreto-Lei n.° 215/87, de 29.05, os quais se destinavam, exclusivamente, a regular o trabalho desenvolvido e remunerado nas “empresas públicas”. Como tal, e porque os “serviços municipalizados não são uma empresa pública, mas apenas um serviço municipal em sentido lato", não lhes são aplicáveis os normativos ínsitos nos artigos 78.° e 79.° do EA, nem na redação do Decreto-Lei n.° 215/87, nem na redação subsequente, introduzida pelo Decreto-Lei n.° 179/2005, de 02.11.

Porém, não lhe assiste razão.

(…) pelas razões expostas, importa concluir que prestando o Autor, aposentado, desde 1987-08-26, trabalho remunerado em serviço municipalizado - desde 1999-09-02 - a sua situação se subsumia na previsão do artigo 78.°, n.° 1 do EA, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.° 215/87, de 29 de maio e, por conseguinte, também na versão resultante da alteração do Decreto-Lei n.° 179/2005, de 2 de novembro.

*

No que respeita à segunda questão, neste domínio, levantada pelo Autor, in casu relativa à aplicabilidade do disposto no Decreto-Lei n.° 179/2005 “apenas para o futuro, não tendo [o mesmo] efeitos retroactivos”, importa ter em atenção o artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 179/2005, de 2.11, que, sob a epígrafe “Autorizações anteriores”, dispõe o seguinte:

«1 - As situações constituídas por período superior ao previsto na primeira parte do n.° 5 do artigo 78.° do Estatuto da Aposentação, na redacção que ora lhe é conferida, são sujeitas a reapreciação, para efeitos de eventual renovação de acordo com o regime ora instituído, se já tiverem excedido aquele período (...).

2 - A reapreciação das situações que já tenham excedido o período previsto na primeira parte do n.° 5 do artigo 78.° do Estatuto da Aposentação tem lugar no prazo de 90 dias a contar da data de entrada em vigor do presente diploma.

3 - (...)». (negrito e sublinhados nossos).

Assim sendo, desde logo, se retira que o legislador expressamente pretendeu abranger e regular as situações de acumulação anteriormente constituídas, nos termos e para os efeitos do novo regime legal introduzido no artigo 78.° do EA (cfr. n.° 1 do artigo 2.° do DL n.° 179/2005).

Por outro lado, mais definiu que, essas mesmas situações constituídas seriam sujeitas a reapreciação, para efeitos de eventual renovação de acordo com o regime ora instituído, se já tivessem excedido o período de um ano, subsidiariamente, instituído pelo novo n.° 5 do artigo 78.° do EA (cfr. artigo 2.°, n.° 1 2a parte do DL n.° 179/2005).

E, ainda, estabeleceu que essa reapreciação ocorreria “no prazo de 90 dias a contar da data de entrada em vigor do DL n.° 179/2005 (cfr. n.° 2 do artigo 2.° do citado diploma).

Por conseguinte, após a entrada em vigor do DL n.° 179/2005, de 02.11 - ocorrida em 3 de novembro de 2005 -, deveria ser pedida por todos os aposentados que exercessem funções públicas ou prestassem trabalho remunerado, em quaisquer serviços do Estado, pessoas coletivas públicas ou empresas públicas, no prazo de 90 (noventa) dias, a reapreciação e autorização superior para a continuação da vigência do desempenho dessas mesmas funções (cfr. artigo 2.°, n.°s 1 e 2 do DL n.° 179/2005 ex vi n.° 5 do artigo 78.° do EA, com a redação introduzida por aquele diploma), o que no caso do Autor não ocorreu.

Termos estes em que, de igual modo, improcede, por esta via, a aludida violação do regime jurídico constante dos artigos 78.° e 79.° do Estatuto da Aposentação, porquanto sucede, no caso dos autos, que o Autor (aposentado desde 26.08.1987) foi pago pela totalidade dos quantitativos remuneratórios correspondentes à função desempenhada nos SMAS de Loures (vide alíneas I), K), M), O) e Q) do probatório), pelo que só poderia ter sido pago, cumulativamente, por um terço dos quantitativos respeitantes à pensão de aposentação de que beneficia (cfr. artigo 79.°, n.° 1 in fine do EA, na redação do Decreto-Lei n.° 179/2005).» (sublinhados nossos).

Desde já se adianta que esta decisão é para manter.

A aposentação está regulada no Estatuto da Aposentação (EA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 09.12.

Pela aposentação, os funcionários e agentes cessam o exercício de funções e passam a receber uma prestação pecuniária mensal vitalícia (pensão de aposentação), «cujo montante é determinado em razão do vencimento auferido e do número de anos de serviço ou, ainda, em virtude dos motivos que determinaram a sua menor capacidade para o exercício do cargo»(1).

A aposentação é definida por João Alfaia(2) como «a situação jurídica em que se encontram os funcionários e agentes que, sendo considerados incapazes para o serviço, em virtude da idade, de doença ou de incapacidade ou por motivo da prática de infração criminal ou disciplinar muito grave, veem extinta a sua relação jurídica de emprego público, permanecendo, todavia, vinculados à Administração Pública através de uma nova relação jurídica (de aposentação) filiada na relação jurídica extinta e constituída em seu inteiro benefício, a qual estabelece um novo complexo de direitos, deveres e incompatibilidades».

Sobre a respetiva natureza, o mesmo autor afirma que a relação jurídica de aposentação «filia-se na relação jurídica de emprego público, à qual se vem substituir.» Donde resulta que é «uma relação jurídica dependente de uma outra anteriormente estabelecida sendo, assim, de natureza acessória, mas autónoma» e que, por outro lado, «quando globalmente considerada, a relação jurídica de aposentação insere-se, potencialmente, no objecto da relação jurídica de emprego público»(3).

Veiga e Moura, por sua vez, afirma que a extinção da relação de emprego operada pela aposentação «é acompanhada pelo surgimento de uma nova relação jurídica, de natureza essencialmente assistencial e prestacional»(4).

Sobre a aplicação dos citados art.s 78.º e 79.º do EA, após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 179/2005, de 02.11 – redação aplicável ao caso em apreço - resulta que o citado art. 78.º do EA passou a aludir especificamente empresas públicas e entidades públicas empresariais, nas quais se inserem os Serviços Municipalizados.

Sobre a natureza jurídica dos serviços municipalizados, teve oportunidade de se pronunciar o Tribunal Constitucional, por decisão do Plenário(5), nos seguintes termos:

«(…)

Com apoio no modelo organizativo tripartido perspectivado no art. 199.º, al. d), da Constituição, é comummente aceite na doutrina a distinção, no âmbito da administração pública, entre administração directa do Estado, administração indirecta do Estado e administração autónoma. Os critérios propiciadores de tal distinção vêm sendo objecto de conhecida explicitação doutrinária. Segundo Freitas do Amaral, «“a administração directa do Estado” é a actividade exercida por serviços integrados na pessoa colectiva Estado, ao passo que a “administração indirecta do Estado”, é uma actividade que, embora desenvolvida para realização dos fins do Estado, é exercida por pessoas colectivas públicas distintas do Estado» (Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 3.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 2006, pág. 228).

A administração autónoma, por seu turno, “é aquela que prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas actividades, sem sujeição a hierarquia ou a superintendência do Governo”, sendo desenvolvida, no direito português, pelas associações públicas, as regiões autónomas e as autarquias locais (ob. cit. pgs. 419-421). As autarquias locais – que a Constituição define como «pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas» (art. 235.º, n.º 1) – compreendem os municípios e as freguesias, ambos se integrando na “administração autónoma” do Estado. Não obstante integrarem a administração autónoma do Estado, os municípios podem, contudo, desenvolver as suas competências através de uma administração local directa – é o que sucede quando o fazem por intermédio dos serviços municipais em sentido estrito, ou seja, daqueles que, não dispondo de autonomia, são directamente geridos pelos órgãos principais do município, v. g. pela Câmara municipal (ob. cit., pg. 593) – e de uma administração local indirecta – ou seja, quando actuam através de organizações autónomas criadas por si próprios para a realização dos respectivos fins. O desenvolvimento pelos municípios de uma administração local indirecta compreende os serviços municipalizados – aos quais começou, de resto, por confinar-se – e as empresas municipais – cuja instituição em concreto veio a dispor da regulamentação jurídica necessária através da aprovação da Lei das Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais (Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto) e, ulteriormente, por revogação desta, do Regime jurídico do sector empresarial local (RJSEL), aprovado pela Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro.

Não sendo embora consensual a caracterização da natureza jurídica dos serviços municipalizados, tende a prevalecer na doutrina a perspectiva segundo a qual, de um ponto de vista material, os mesmos serão classificáveis como verdadeiras empresas públicas de âmbito municipal. Tomando por referência a regulação dos serviços municipalizados constante dos artigos 164.º a 176.º do Código Administrativo – em particular a definição de tais serviços como “aqueles a que a lei permite conferir organização autónoma adentro da administração municipal e cuja gestão é entregue a um conselho de administração privativo” (art. 168.º do referido Código) –, Freitas do Amaral pronuncia-se claramente em tal sentido. Segundo o referido autor, embora a empresa pública seja normalmente uma pessoa colectiva de direito público, os serviços municipalizados constituirão uma excepção a tal princípio: corresponderão a empresas públicas que, não dispondo de personalidade jurídica, se acham integradas na pessoa colectiva município, gozando da personalidade jurídica pública que a este cabe (cfr. ob. cit., pg.596). Tal qualificação justificar-se-á pelo facto de os serviços municipalizados se apresentarem como “organizações económicas de fim lucrativo” – o que permitirá a sua classificação como empresas –, “criadas e controladas por entidades jurídicas públicas” (cfr. ob. cit., pg.392) – o que lhes conferirá carácter público. Ainda segundo o referido autor, tal entendimento veio a ser confirmado pela Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, ao contemplar expressamente, no respectivo art. 41.º, a possibilidade de transformação dos serviços municipalizados existentes em empresas públicas, nos termos aí previstos (cfr. ob. cit., pg.596).

É também esta a perspectiva em que se colocam Pedro Gonçalves e Rodrigo Esteves de Oliveira. Apesar de integrarem os serviços municipalizados no âmbito da “gestão pública municipal directa” – que definem como a gestão dos serviços públicos efectuada pelo próprio titular do serviço público, ou seja, pelo município –, os referidos autores não deixam de colocar em evidência o facto de “muito raramente a integração do serviço público” ocorrer “indiferenciadamente, no conjunto dos múltiplos serviços administrativos directamente a cargo do município”, sendo ao invés recorrente “o seu destaque orgânico e funcional dos restantes serviços municipais”, o que resulta na atribuição de “uma maior autonomia técnica, financeira e administrativa à sua gestão”. Destas hipóteses, designáveis como de “integração diferenciada”, constituirão exemplo paradigmático os serviços municipalizados. Para os referidos autores, tais serviços corresponderão a “verdadeiras empresas públicas em sentido material, de âmbito territorial necessariamente municipal, embora se encontrem integradas na pessoa colectiva município pois, ao contrário das outras, não lhes é atribuída personalidade jurídica” (in As concessões municipais de distribuição de electricidade, Coimbra Editora, 2001, pgs.25-26). Tal qualificação valerá mesmo em face do regime jurídico instituído pela Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, – Lei das Empresas Municipais, Intermunicipais e Regionais –, bem como do regime jurídico do sector empresarial local, aprovado pela Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, que lhe sucedeu: apesar de, por força da ausência da subjectividade jurídica pressuposta no conceito legal de empresa municipal constante, quer do art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 58/98, quer do art. 3.º, n.º1, da Lei n.º 53-F/2006, este não incluir as organizações desprovidas de personalidade jurídica como sucede com os serviços municipalizados, os mesmos persistirão qualificáveis, segundo um critério material, como empresas municipais, mais precisamente como empresas municipais sem personalidade jurídica (ob. cit., pg.21).» (sublinhados nossos).


Da doutrina que dimana do citado aresto, pode, pois, concluir-se, quanto à natureza jurídica dos serviços municipalizados, que estes serviços são, do ponto de vista material, empresas públicas de âmbito municipal, razão pela qual se entende ser aplicável à situação do Recorrente discutida nos autos, o regime previsto nos citados art.s 78.º e 79.º do EA.

De entendimento contrario, o aqui o A., ora Recorrente, retira, por entender que os art.s 78.° e 79.° do EA lhe não são aplicáveis, que nada deve à Recorrida, pelos mesmos fundamentos, e que deverá ser revogada a sentença na parte em que considerou procedente o pedido reconvencional.

Porém, como vimos, o regime previsto nos art.s 78.° e 79.° do EA é –lhe aplicável.

Não estando em causa, no pedido de restituição de quantias pagas a título de pensão aposentação nenhuma aplicação retroativa deste regime, pois Recorrida apenas peticiona em sede de pedido reconvencional, a restituição de quantias recebidas no período compreendido entre 06.02.2006 e 31.12.2010, ou seja, após a data de entrada em vigor do citado Decreto-Lei 179/2005, de 02.11.

Ao que acresce que o A., ora RECORRENTE, em 05.01.2011 (cfr. alínea S) da matéria de facto), vem requerer junto da CGA a suspensão, por incompatibilidade, o recebimento da sua pensão de aposentação, enquanto se mantivesse no exercício de funções públicas nos Serviços Municipalizados de Loures (SMAS de Loures).

Perante o que, e sem necessidade de mais amplas considerações, falece, in totum, o erro de julgamento imputado à sentença recorrida quanto à aplicabilidade dos art.s 78.º e 79.º do EA à situação do A., ora Recorrente.

Em situação análoga à presente e cuja doutrina é aqui replicável, já este TCA Sul se pronunciou, por acórdão de 10.12.2019, processo n.º 2071/14.3BESNT, no sentido do não provimento do recurso.

IV. Decisão

Nestes termos e face a todo o exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, embora com fundamentação não inteiramente coincidente.

Custas pelo Recorrente em ambas as instâncias.

Lisboa, 16.01.2020.


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Dora Lucas Neto

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Pedro Nuno Figueiredo

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Cristina Lameira


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(1)Paulo Veiga e Moura, Função Pública. Regime Jurídico, Direitos e Deveres dos Funcionários e Agentes, 1.º volume, Coimbra Editora, 1999, pgs. 452-453.
(2) in Conceitos fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, 2.º volume, Almedina, Coimbra, 1988, pg.1055.
(3) Idem, op. cit., pg. 1058-1059.
(4) Função Pública..., cit., pg. 453.
(5) Processo n.º 884/2010, (153/DPR) Plenário acórdão n.º 302/2001, de 22.06.2011, disponível em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/cst_busca_palavras.php?buscajur=ac%F3rd%E3o&ficha=1666&pagina=65&exacta=&nid=9977