Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07549/11
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:05/12/2011
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:DOCUMENTOS NOMINATIVOS
ABUSO DE DIREITO
DOCUMENTOS DE ACESSO UNIVERSAL
Sumário:I - Tem sido entendimento da CADA que são de classificar como documentos nominativos os que revelam dados do foro íntimo de um indivíduo, como por exemplo os seus dados genéticos, de saúde, ou os que se prendem com a sua vida sexual, os relativos às suas convicções ou filiações filosóficas, políticas, religiosas, partidárias, ou sindicais, os que contêm opiniões sobre a pessoa, e outros documentos cujo conhecimento por terceiros possa, em razão do seu teor, traduzir-se numa invasão da reserva da intimidade da vida privada;

II - Os documentos de processamento e pagamento das despesas de representação aos Membros do actual Governo, bem como dos documentos de processamento e pagamento a todos os Membros do Governo e seus Chefes de Gabinetes, de subsídios de residência, não integram o conceito de documentos nominativos, sendo, portanto, de acesso livre nos termos do disposto no art. 5º da LADA;

III – A doutrina e a jurisprudência apontam como uma das situações que integram comportamentos inadmissíveis no exercício dos direitos, a desproporção inadmissível entre a vantagem própria e o sacrifício imposto a outrem, que, em nosso entender, o pedido da Requerente não integra;

IV - Atento o direito fundamental em causa e as restrições ou compressões que pode sofrer, não pode falar-se, no caso em apreço, de qualquer excesso, muito menos manifesto, dos limites ínsitos à sua concessão. Havendo-se a requerente limitado ao seu exercício dentro dos limites próprios do direito que pretende ver satisfeito;

V - Os documentos solicitados podem ser entregues, expurgados de todas e quaisquer, eventuais, informações de natureza nominativa neles existentes (cfr. art. 6º, nº 7 da LADA);

VI – Ainda que estejam publicados em Diário da República, atenta a dificuldade em identificar os actos em causa, a Administração está obrigada a prestar a informação sobre a sua existência e conteúdo, sob pena de denegar o acesso aos documentos administrativos, violando o princípio da colaboração, contemplado no art. 7º, do CPA;

VII – Assim, não pode acolher-se o argumento do Recorrido de que se encontra dispensado de prestar a informação solicitada, por se encontrar publicada em Diário da República, devendo indicar expressamente onde é que essa informação estava publicada (não se podendo limitar a remeter para um conjunto de diplomas legais que não a contêm). Ou seja, tinha de indicar os actos existentes sobre tais matérias e os concretos instrumentos de publicação dos mesmos e informar de que não havia outros para além daqueles (cfr. art. 342º do Código Civil).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

Vem interposto recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou a intimação proposta contra o Ministério da Justiça e as intimações correspondentes aos processos apensos (10 – cfr fls. 4 e 5 da sentença, fls. 718/719 dos autos), parcialmente procedentes, intimando os Ministérios Requeridos nos termos constantes a fls. 771 e 772 dos autos (fls. 57 e 58 da sentença).
Em alegações o Ministério da Justiça formulou as seguintes conclusões:
1a. Por sentença de 28.01.2011, o Tribunal a quo julgou parcialmente procedente o pedido, intimando o Requerido a entregar à Requerente, no prazo de dez dias, “a reprodução dos documentos relativos ao processamento e pagamento das despesas de representação dos membros do Governo do respectivo Ministério, e a reprodução dos documentos relativos ao processamento e pagamento dos respectivos membros do Governo e seus chefes de gabinete, de subsídios de residência previstos no Decreto-Lei n.° 72/80, de 15 de Abril, ou noutros diplomas legais (expurgadas de eventuais matérias reservadas que contenham)".
2a. Porém, a Entidade Requerida, ora Recorrente, não se pode conformar com a sentença recorrida, pois não assiste tal direito de acesso a informação à ora Recorrida, seja ao abrigo do direito de informação não procedimental de acesso aos arquivos e registos administrativos, seja ao abrigo do direito de informação procedimental.
3a. Com efeito, o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, aprovado pela Lei n.° 4/85, de 9 de Abril, contém a referência ao montante auferido a título de despesas de representação pelos membros do Governo do Ministério ora Recorrente.
4a. Tratando-se de informação pública, conhecida do cidadão em geral e das instituições, não se descortinam motivos e fundamentos para a obrigatoriedade de a fornecer ao abrigo da Lei n.° 46/2007, de 24 de Agosto.
5a. A atribuição do subsídio de alojamento aos chefes de Gabinete de membros do actual Governo decorre igualmente da lei e encontra-se titulada por despachos do Ministro de Estado e das Finanças, publicados no DR, 2a série, que identificam os beneficiários de tal subsídio, bem como o respectivo valor.
6a. Assim, as informações solicitadas pela Requerente encontram-se facilmente ao alcance de qualquer cidadão ou entidade que se disponha a consultar o Diário da República.
7a. O pedido não encontra fundamento no exercício do direito de acesso à informação administrativa, mas sim na utilização dessa informação no âmbito de um processo de negociação colectiva, que já se encontra findo, pelo que é inútil.
8a. A pretendida «verificação da conformidade dos actos autorizados e dos pagamentos realizados com as disposições legais aplicáveis» não é da competência da Requerente, pelo que os fins que presidem ao requerimento são abusivos.
9a. É doutrina da CADA que, «como qualquer direito subjectivo, o direito de acesso aos documentos administrativos deve ser exercido de forma não abusiva».
10a. O pedido ultrapassa, assim, os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social ou económico de um direito que lhe assiste, mas que, com este fim, não lhe cabe exercer.
11a. A Requerente parece querer assumir o papel de "órgão de fiscalização" que, claramente, não lhe compete desempenhar.
12a. É ao Tribunal de Contas, e não à Requerente, que cabe a efectiva verificação da legalidade e regularidade das despesas dos membros do Governo e seus Gabinetes.
13a. A Administração não está obrigada a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo e sistemático ou ao número de documentos requeridos, sejam manifestamente abusivos (artigo 14.°, n.° 3 da Lei n.° 46/2007, de 24 de Agosto).

Os outros Ministérios Recorrentes apresentaram alegações, formulando conclusões de idêntico teor, respectivamente:
- Requerimento de fls. 845 a 858 – Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território;
- Requerimento de fls. 865 a 878 – Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas;
- Requerimento de fls. 900 a 912 – Ministério dos Negócios Estrangeiros;
- Requerimento de fls. 916 a 928 – Ministério da Educação;
- Requerimento de fls. 932 a 943 – Ministério da Cultura;
- Requerimento de fls. 946 a 956 – Ministério da Economia, Inovação e do Desenvolvimento;
- Requerimento de fls. 961 a 971 – Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social;
- Requerimento de fls. 977 a 989 – Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações;
- Requerimento de fls. 994 a 1007 – Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, e,
- Requerimento de fls. 1013 a a 1025 – Ministério da Administração Interna.

A Associação Sindical dos Juízes Portugueses formulou as seguintes conclusões:
a) A douta sentença recorrida fez uma interpretação restritiva /redutora do conteúdo do requerimento de acesso a documentos da Administração;
b) Assim decidindo, a douta sentença recorrida violou as disposições legais aplicáveis, designadamente o direito constitucional à informação.

Foram apresentadas contra-alegações pelos Ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Cultura, do Trabalho e da Segurança Social e do Ambiente e Ordenamento do Território.

Foi dado cumprimento ao disposto no art. 146º, nº 1 do CPTA, não tendo sido emitido parecer.

Sem vistos, vem o processo à conferência.

Os Factos
Nos termos do disposto no art. 713, nº 6 do CPC, os factos provados são os indicados na sentença recorrida a fls. 755 a 762.

O Direito
A sentença recorrida julgou a intimação proposta contra o Ministério da Justiça e as intimações correspondentes aos processos apensos, parcialmente procedentes, intimando o Ministério da Justiça, o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o Ministério da Cultura, o Ministério da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento, o Ministério da Educação, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, o Ministério da Administração Interna, o Ministério das Obras Pública, Transportes e Comunicações e o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, a “entregarem à requerente a reprodução dos documentos relativos ao processamento e pagamento das despesas de representação dos membros do Governo do respectivo Ministério, e a reprodução dos documentos relativos ao processamento e pagamento dos respectivos membros do Governo e seus chefes de gabinete, de subsídios de residência previstos no Decreto-Lei n.º 72/80, de 15 de Abril, ou noutros diplomas legais (expurgadas de eventuais matérias reservadas que contenham.”, no prazo de 10 dias.
Quanto aos pedidos da aqui Recorrente ASJP dos seguintes documentos:
a) Resolução ou Resoluções do Conselho de Ministros, ou de outros actos equivalentes, que enquadrem e regulamentem a atribuição e utilização de cartões de crédito e uso pessoal de telefones, móveis ou fixos, por membros do actual Governo, cujas despesas tenham sido ou hajam de ser suportadas pelo Orçamento de Estado;
b) Despachos e/ou outros actos com natureza normativa, pelos quais tenha sido autorizada a atribuição e utilização de cartões de crédito e pagamento e uso de telefones por Membros do actual Governo, de todos os Ministérios, que permitam identificar os beneficiários dessas autorizações”, considerou a sentença recorrida o seguinte:
«Das alíneas a) e b) dos requerimentos que a requerente dirigiu aos requeridos resulta claro que se pretende aceder a actos “que enquadrem e regulamentem” ou “outros normativos”. Que como vimos, estão por natureza sujeitos a publicação no Diário da República, inexistindo assim justificação para que sejam os Ministérios a fotocopiar e obter cópia de tais normativos, que a requerente pode obter online ou fotocopiar ela própria.
Assim que com o fundamento invocado cabe julgar, nesta parte, improcedente os pedidos da requerente.»

Recursos interpostos pelos Ministérios acima indicados
Alegam os Recorrentes que a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do Direito, maxime da Lei n.º 46/07, de 24/8 (LADA), sendo certo que a Administração não está obrigada a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo e sistemático ou ao número de documentos requeridos, sejam manifestamente abusivos (art. 14º, nº 3 da Lei nº 46/2007). Nas suas alegações (cfr por exemplo arts. 31 a 40 das alegações do Ministério da Justiça) invoca-se ainda que os documentos respeitantes ao pagamento de despesas de representação e de subsídios de residência, se traduz no pedido de acesso a documentos concretos de pagamento às pessoas que desempenham cargos de membros do Governo e chefe de gabinete, estando, portanto, previstos no art. 3º, nº 1, al. b) da LADA.
Começaremos por abordar esta questão:
No domínio do acesso dos cidadãos aos documentos administrativos, a regra da liberdade de acesso aos documentos administrativos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, ínsita no art. 5º da LADA (Lei nº 46/2007, de 24/8), sofre as restrições previstas no art. 6º do mesmo diploma.
Uma delas é a que se refere aos “documentos nominativos”, conceito que o art. 3º, nº 1, alínea b) da mesma Lei define como os documentos administrativos que contenham, “acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada”.
Tem sido entendimento da CADA que são de classificar como documentos
nominativos os que revelam dados do foro íntimo de um indivíduo, como por exemplo
os seus dados genéticos, de saúde, ou os que se prendem com a sua vida sexual, os
relativos às suas convicções ou filiações filosóficas, políticas, religiosas, partidárias, ou sindicais, os que contêm opiniões sobre a pessoa, e outros documentos cujo
conhecimento por terceiros possa, em razão do seu teor, traduzir-se numa invasão da
reserva da intimidade da vida privada (cfr. Pareceres nº 212/2005, de 31/8, nº 67/2007, de 21/3, 357/2007, de 19/12, nº 224/2009, de 9/9 e 347/2009, de 2/12).
Ora, os documentos de processamento e pagamento das despesas de representação aos Membros do actual Governo, bem como dos documentos de processamento e pagamento a todos os Membros do Governo e seus Chefes de Gabinetes, de subsídios de residência, não integram o conceito de documentos nominativos, sendo, portanto, de acesso livre nos termos do disposto no art. 5º da LADA.
Efectivamente, a CADA tem considerado “que os vencimentos auferidos no exercício de funções públicas e, portanto, pagos em obediência a critérios legais, não têm carácter reservado. Os documentos que os refiram não conterão, por princípio, informação nominativa, tratando-se de documentos administrativos de acesso livre e generalizado, aos quais todos podem aceder sem necessidade de justificar ou fundamentar o pedido.
Os documentos respeitantes à retribuição dos funcionários apenas constituem documentos administrativos nominativos se deles constarem, por exemplo, descontos no vencimento feitos não por força da lei, mas voluntários ou efectuados na sequência de decisão judicial. Na eventualidade da informação requerida estar vertida em documentos contendo informação nominativa sempre haveria lugar à comunicação parcial da mesma, com expurgo da matéria reservada existente (n.º 7 do artigo 6.º).” (Parecer nº 224/2009, já referido).
Ora, no caso presente, os documentos solicitados podem ser entregues, expurgados de todas e quaisquer, eventuais, informações de natureza nominativa neles existentes (cfr. art. 6º, nº 7 da LADA), tal como entendeu a sentença recorrida.
Aliás, o Tribunal de Justiça da União Europeia, nos Processos apensos C-465/00, C-138/01 e C-139/01, de 20 de Maio de 2003 (a que os aqui Recorrentes fazem referência), a propósito da divulgação de dados nominativos relativos à remuneração, considerou que numa sociedade democrática, contribuintes e opinião pública em geral têm o direito de serem informados sobre o uso das receitas públicas, em especial no que respeita às despesas de pessoal, entendendo que em determinados casos não existe violação do artigo 8º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Efectivamente, está aqui subjacente um princípio de transparência da Administração, corolário da Administração aberta, com consagração constitucional no art. 268, nº 2 da CRP.
Alegam ainda os Recorrentes que os pedidos formulados consubstanciam abuso de direito porquanto excede manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim social e económico desse direito e, ainda, pelo elevado número de fotocópias que um pedido desta natureza acarretaria, invocando, para o efeito, o Parecer n° 25/2008 da CADA.
A Administração não está sempre obrigada a satisfazer os pedidos formulados (apesar da previsão do art. 5º da LADA), caso estes sejam manifestamente abusivos ou pelo seu carácter repetitivo e sistemático, ou pelo número de documentos requerido (cfr. art. 14º, nº 3, da LADA).
Nos termos do artigo 334º do Código Civil (CC), “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
No entanto, para a verificação do abuso de direito é necessário, "que o seu titular, embora observando a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que deve observar atendendo aos interesses que legitimam a concessão desse poder, que exerça o direito em termos clamorosamente ofensivos da justiça” (cfr. Ac. do STA de 23.06.2005, Rec.01267/04, citando Acórdão do STJ de 07.10.88, BTE, 2a Série, nºs 7-8-9/90, pág. 703).
O abuso do direito pressupõe a utilização de um poder para a prossecução de interesses de modo que são ultrapassados os fins próprios do direito em causa ou do sistema jurídico, convocando o exercício equilibrado e racional dos direitos (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, I, anotação ao art. 334º).
Ou seja, a doutrina e a jurisprudência apontam como uma das situações que integram comportamentos inadmissíveis no exercício dos direitos, a desproporção inadmissível entre a vantagem própria e o sacrifício imposto a outrem, que, em nosso entender, o pedido da Requerente não integra.
Ora, atento o direito fundamental em causa e as restrições ou compressões que pode sofrer, não pode falar-se, no caso em apreço, de qualquer excesso, muito menos manifesto, dos limites ínsitos à sua concessão. Havendo-se a requerente limitado ao seu exercício dentro dos limites próprios do direito que pretende ver satisfeito.
De facto, tem sido entendimento da CADA, que não basta que se solicite um elevado número de documentos para que os pedidos sejam manifestamente abusivos, sendo também necessário que o pedido seja irrazoável (cfr., entre outros, Pareceres n° 50/2005, de 9/3, n° 25/2008, de 23/1, n° 216/2008, de 17/9 e 101/2009, de 29/4).
Mesmo tendo em conta a possibilidade do requerente apresentar um pedido de acesso a um número manifestamente desrazoável de documentos, e assim impor, devido ao tratamento do seu pedido, uma carga de trabalho susceptível de condicionar o bom funcionamento da entidade requerida, só a título excepcional pode ser admitida a recusa ou a delonga na satisfação da pretensão.
Nestes casos, entende a CADA, que a entidade requerida deve "conservar a possibilidade, em casos específicos em que o exame concreto dos documentos lhe imporia uma carga administrativa inapropriada, de ponderar, por um lado, o interesse do acesso do público à informação e, por outro, a carga de trabalho que daí decorrerá, a fim de preservar o interesse da boa administração. Essa derrogação deve ser admitida a título excepcional e unicamente quando a carga administrativa provocada pelo exame concreto e individual se revele particularmente pesada, excedendo assim os limites do que pode ser razoavelmente exigido.
A entidade que invoca essa excepção deve provar a amplitude da carga administrativa. E deve, sendo caso disso, tentar concertar-se com o requerente afim de, por um lado, tomar conhecimento ou obter esclarecimentos sobre o seu interesse na obtenção da informação em causa e, por outro, prever concretamente as opções que se lhe apresentam para a adopção de uma medida menos restritiva do que um exame concreto e individual dos documentos, privilegiando a opção que, não constituindo por si só uma tarefa que exceda os limites do que pode ser razoavelmente exigido, continue a ser a mais favorável ao direito de acesso - neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 13 de Abril de 2005, processo T-2/03.
Deve acrescentar-se que, em casos excepcionais, se o volume ou a complexidade da informação o justificarem, o prazo de resposta ao pedido de acesso pode ser prorrogado até ao máximo de dois meses - cfr. n.º 4 do artigo 14.º (Parecer n° 101/2009, de 29 de Abril).
O pedido em causa não é irrazoável, não obstante a quantidade de documentos solicitados, sendo certo que como se refere na sentença recorrida “as autoridades requeridas não alegam nem provam a amplitude da carga administrativa sendo insuficientes as alegações de que se trata de um número desproporcionado e assinalável de documentos”.
Aliás, como também refere a sentença recorrida, a requerente especifica, relativamente a cada um dos Ministérios, o número de documentos a que pretende aceder, e este número, em relação a cada uma daquelas Entidades não se afigura particularmente assinalável, sendo certo que o encargo imposto à Administração se repercute, em regra, no requerente do acesso aos documentos sobre o qual impende o encargo de os pagar (cfr art. 12º da LADA).
Quanto à alegação de que a Requerente está a querer exercer funções de “fiscalização” que não lhe competem, mas sim ao Tribunal de Contas, também não procede, já que a pretensão daquela visa apenas assegurar o seu direito constitucional à informação previsto no art. 268º, nº 2 da CRP, 65º do CPA e na 46/2007.
Nesta conformidade, ao concluir que os Recorrentes não cumpriram a sua obrigação legal de prestar à Requerente a informação que esta lhe solicitara, intimando-o a prestá-la, a sentença recorrida não enferma do erro de julgamento que lhe é imputado, tendo aplicado e interpretado correctamente o disposto na LADA.
Improcedem, consequentemente, todas as conclusões dos Recorrentes Ministérios, devendo a sentença recorrida manter-se na parte em que determinou a respectiva intimação.

2 – Recurso da Associação Sindical dos Juízes Portugueses
A sentença recorrida julgou improcedentes os dois primeiros pedidos requeridos que se referem à entrega de cópias da Resolução ou Resoluções do Conselho de Ministros, ou de outros actos equivalentes, que enquadrem e regulamentem a atribuição e utilização de cartões de crédito e uso pessoal de telefones, móveis ou fixos, por Membros do actual Governo, cujas despesas tenham sido ou hajam de ser suportadas pelo Orçamento do Estado; E, bem assim, cópias dos Despachos e/ou outros actos com natureza normativa, pelos quais tenha sido autorizada a atribuição e utilização de cartões de crédito e pagamento e uso de telefones por Membros do actual Governo, de todos os Ministérios, que permitam identificar os beneficiários dessas autorizações (cfr art 1º, als a) e b) do r.i.).
A Recorrente alega que a sentença recorrida, ao assim decidir, fez uma interpretação restritiva e redutora do conteúdo do requerimento, violando o direito constitucional à informação.
Para indeferir tais pedidos a sentença recorrida aceitou a afirmação do Recorrido de que inexistem instrumentos legais e regulamentares na matéria em causa, para além do que está publicado em Diário da República.

Entendemos que a sentença recorrida não terá optado pela solução mais correcta.
Efectivamente, o indeferimento destes pedidos pelo aqui Recorrido assentou no fundamento de que a informação solicitada está publicada em Diário da República, de acesso universal e gratuito, vindo, nas suas respostas, alegar os Requeridos que não sendo o acesso aos Diários da República que a Requerente pretende, não se vislumbra a que actos se está a referir.
Alega, ainda, que de acordo com o Parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CADA) nº 357/2007, de 19 de Dezembro de 2007, caso a informação pretendida tenha sido publicada em Diário da República, não tem a entidade requerida que emitir cópia dos documentos.
Conforme consta da matéria de facto que a sentença recorrida considerou provada, nos ofícios dos Recorridos que notificavam a aqui Recorrente do indeferimento dos seus requerimentos, escrevia-se:
“(…)
Com efeito, a autorização, realização e pagamento de qualquer uma das despesas identificadas pela ASJP, seja referente a cartões de crédito, que constituem um meio de pagamento de despesas e cada Gabinete governamental, seja com comunicações, decorre da lei. A este nível, refiram-se desde logo as regras que disciplinam e limitam a realização das despesas públicas e os procedimentos de contratação pelo Estado (Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, e do Código dos Contratos Públicos), as normas habilitantes da prática de actos por membros de Governo e da delegação de competências nos respectivos chefes de gabinete (Decreto-Lei n.º 262/88, de 23 de Julho e Lei Orgânica do XVIII do Governo Constitucional, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321/2008, de 11 de Dezembro) e, ainda, as normas que, anualmente, fixam os limites de despesas a realizar por cada Gabinete, aprovados por Lei da Assembleia da república, cujos mapas anexos discriminam os valores atribuídos para cada uma das rubricas aos gabinetes dos membros do Governo (Lei do Orçamento do Estado e Decreto-Lei de execução orçamental). Todas estas regras são públicas, transparentes e encontram-se disponíveis para consulta a todos os cidadãos e entidades.” (cfr., por exemplo, alínea B) dos FP).
No entanto, a aqui Recorrente invoca que em nenhum daqueles diplomas legais citados há qualquer referência a atribuição e utilização de crédito e pagamento e uso de telefones por membros do Governo, explicitando, no seu requerimento inicial, que as informações que pretende poderão não estar publicadas, como já sucedeu (cfr. o Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas nº 13/2007, de Março de 2007, Processo nº 2/05 AUDIT).
Com efeito, ainda que estejam publicados em Diário da República, atenta a dificuldade em identificar os actos em causa, a Administração está obrigada a prestar a informação sobre a sua existência e conteúdo, sob pena de denegar o acesso aos documentos administrativos, violando o princípio da colaboração, contemplado no art. 7º, do CPA (cfr. Ac. do STA de 17.01.2008, Proc. nº 096/07).
Assim, não pode acolher-se o argumento dos Recorridos de que se encontram dispensados de prestar a informação solicitada, por se encontrar publicada em Diário da República, devendo indicar expressamente onde é que essa informação estava publicada (não se podendo limitar a remeter para um conjunto de diplomas legais que não a contêm). Ou seja, tinham de indicar os actos existentes sobre tais matérias e os concretos instrumentos de publicação dos mesmos e/ou informar de que não havia outros para além daqueles (cfr. art. 342º do Código Civil).
Procede, consequentemente, o recurso da ASJP, sendo de revogar a sentença recorrida na parte em que julgou improcedente os pedidos de intimação formulados nas alíneas a) e b) do art. 1º do requerimento inicial e de intimar os Recorridos a fornecer os elementos ali indicados.

Pelo exposto, acordam em:
a) - negar provimento ao recurso dos Recorrentes Ministérios, confirmando nessa parte a sentença recorrida;
b) - conceder provimento ao recurso interposto pela ASJP, revogando a sentença recorrida na parte em que julgou improcedentes dois dos pedidos de intimação formulados;
c) - Intimar os Recorridos a:
- entregar cópias da Resolução ou Resoluções do Conselho de Ministros, ou de outros actos equivalentes, que enquadrem e regulamentem a atribuição e utilização e cartões de crédito e uso pessoal de telefones, móveis ou fixos, por membros do actual Governo, cujas despesas tenham sido ou hajam de ser suportadas pelo Orçamento de Estado;
- entregar cópias dos Despachos e/ou outros actos com natureza normativa, pelos quais tenha sido autorizada a atribuição e utilização de cartões de crédito e pagamento e uso de telefones por membros do actual Governo, e referentes a cada um dos respectivos Ministérios Recorridos, que permitam identificar os beneficiários dessas autorizações, no prazo de 10 dias úteis, sob pena de, não o fazendo, poder incorrer em responsabilidade civil disciplinar ou criminal e ser-lhe aplicada a sanção pecuniária compulsória, prevista no art. 169º do CPTA.
d) – condenar os Recorrentes Ministérios nas custas em ambas as instâncias (art. 446º, nº 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 12 de Maio de 2011

Teresa de Sousa
Paulo Carvalho
Carlos Araújo