Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09182/15
Secção:CT
Data do Acordão:09/15/2016
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO/ACTO VINCULADO/FUNDAMENTAÇÃO FORMAL/FUNDAMENTAÇÃO SUBSTANCIAL
Sumário:I – A falta de pronúncia da Impugnante sobre o teor dos documentos constantes no processo instrutor após a junção deste não permite, só por si, sustentar a fixação como facto provado daquele teor se toda a causa de pedir da Impugnante, quer em sede de reclamação graciosa, quer na impugnação judicial que lhe sucedeu assenta e se esgota precisamente na falta de veracidade dos mesmos documentos ou das datas nele apostas.
II – Ainda que o Tribunal julgue que no caso em apreço se impunha legalmente a audição do sujeito passivo previamente à decisão da Administração, pode e deve dar execução ao “princípio do aproveitamento do ato" se concluir, sem margem para dúvidas, que daquele exercício do direito de audiência não teria resultado qualquer efeito sobre o conteúdo e sentido decisório do acto.
III – Tendo a Impugnante alegado na petição inicial que os motivos alegados pela administração fiscal para decidir no sentido em que o fez não correspondem à realidade e não são suficientes para juridicamente sustentar aquela decisão, a questão que ao Tribunal cumpre apreciar é a da validade substancial do acto impugnado e não da sua validade formal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão

I. Relatório

M... B V, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a Impugnação Judicial por si deduzida contra a decisão de indeferimento de reclamação graciosa interposta do acto de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Bens Imóveis (IMT) relativa à aquisição, no ano de 2014, do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo U-15566-R, no montante de 23.903,60€.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou o Recorrente a respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões:
«I- Em sede de Motivação, consta que a Recorrente na Petição Inicial procedeu à junção de dois documentos, não numerados, correspondentes à Declaração para efeitos de liquidação de lMT e Declaração para efeitos actualização de prédios urbanos, "...tudo conforme consta, igualmente, dos documentos que integram o processo administrativo apensado aos autos e sobre os quais a Impugnante, notificada da apensação, não formulou qualquer impugnação."

II - Do teor da transcrição, parece resultar que no julgamento da matéria de facto, relevou o facto de não ter sido formulada qualquer impugnação das Declarações, o que constitui entendimento, no mínimo, incongruente, porquanto em sede de Petição Inicial, a Recorrente impugnou o seu teor, designadamente, quanto à efectiva data de entrega, diferente da resultante do carimbo aposto pelos Serviços da Recorrida.

III - Por outro lado, ainda que se admita a não reacção da aludida Colaboradora da Procuradora da Recorrente, o certo é que também o Senhor Funcionário da Recorrida ao recepcionar a Declaração, não colocou qualquer reserva, nem reagiu à divergência de datas, admitindo, por mera hipótese, a sua existência à data da entrega.

IV- Porém, contraditoriamente, ao invés de contribuir e procurar indagar a verdade material, o Tribunal negou a possibilidade dessa prova à Recorrente, ao dispensar, extemporaneamente, a produção da prova testemunhal, porquanto entendeu, sem fundamento ou critério, que os factos encontram suporte suficiente nos documentos juntos ao processo e respectivo processo administrativo, impugnados ab initio.

V - Portanto, face ao teor da Declaração para liquidação de IMT e Declaração de Actualização, datas e carimbos nelas apostos, atento o disposto no artigo 75° n°1 da LGT, os Pontos C) e D) dos factos provados deveriam ter o teor seguinte: C) Com carimbo de recepção no Serviço de Finanças de ... - 2 (...) datado de 24.03.2014. foi entregue, no dia 19.02.2014, a declaração Modelo l de IMI para efeitos de actualização matricial, assinada pela impugnante em 19.02.2014 e apresentada pela sua representante A... cfr.fls 23 a 26 do PAT e segundo documento de 2 págs.. não numerado, junto com a p.i.
D) A declaração que antecede foi registada no sistema informático da ATA no dia 24.12.2014 - cfr. fls. 21/22 e 25/26 do PAT.
(Nosso Sublinhado, correspondente à alteração proposta em sede de reapreciação da matéria de facto)

VI - Acresce ainda que, face ao supra exposto, impunha-se a notificação da Recorrente para exercer o seu direito de audição, tendo em vista o esclarecimento e prova das circunstâncias de tempo, modo e lugar da entrada da Declaração Mod. 1 do IMI e para possibilitar a produção de prova, caso o entendesse. (Cfr. o Acórdão do TCAS de 30.01.2014. in www.dgsi).

VII - Com efeito, se na Declaração para actualização do valor tributário, a Recorrente apôs a data de 19.02.2014 e os Serviços da Recorrida o data de 24.02.2014 no carimbo de recepção, inexistindo, portanto, sintonia entre o declarado pelo contribuinte e a liquidação realizada pelos Serviços, impunha-se a realização, e não dispensa, do direito de audição.

VIII - Ao não perfilhar esta posição, a douta sentença cerceia o direito de defesa da Recorrente e inverte o ónus da prova, em manifesta violação do disposto no artigo 75° n°1 da LGT, que dispõe que, 1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.

IX - Por outros palavras, a posição perfilhada em sede de sentença, para além da violação do disposto no artigo 60° da LGT, viola ainda, frontalmente, o disposto no seu artigo 75°, que consagra a presunção de veracidade da declaração do Contribuinte, assim como c disposto nos artigos 114° e segs do CPPT, concretamente o vertido no artigo 115°nº1.

X - No tocante à dispensa da prova testemunhal, a sentença recorrida, admitindo o lapso, só se decidiu pela sua dispensa após apresentação de alegações, em desrespeito do disposto no artigo 120º do CPPT, aí entendendo, conclusivamente, que a sua inquirição seria inútil, sem explicitar e/ou fundamentar, ainda que indiciariamente, tal posição, em violação do disposto no artigo 72° da LGT e arts. 115° e 119° do CPPT.

XI - Conforme resuma do disposto no artigo 77º da LGT, a decisão do procedimento é sempre fundamentada, portanto, invocando a Recorrente que a actualização dos valores patrimoniais tributários constitui obrigação dos serviços da Recorrida (cfr. art.138° do CIMI) e ainda que o art°30 do CIMT consagra apenas e tão só uma faculdade, e não qualquer obrigação, é inequívoca a violação do dever de fundamentação formal e material, perante a omissão de pronúncia.

XII - Nem se diga, que tal questão não integrava o objecto da Reclamação apresentada, porquanto tal entendimento tem na sua génese a ilegalidade cometida pela Recorrida ao afastar, ilegalmente, o exercício do direito de audição exercido pela Recorrente, que continha a invocação dessas questões.

XIII - Por último, também não colhe o eventual erro na subsunção da matéria de facto ao direito aplicável, porquanto o Tribunal não está sujeito às alegações das Partes, ou seja, ainda que a questão seja configurada pela Recorrente como falta de fundamentação, nada impede diferente qualificação jurídica. (cfr. art.° 5° n° 3 do CPC ex vi art.1º do CPTA)

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO, DOUTAMENTE SUPRIDOS POR V. EXCIA., REQUER-SE QUE JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO O PRESENTE RECURSO, SE DETERMINE A REVOGAÇÃO DA DOUTA SENTENÇA ORA RECORRIDA,
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA».


A Recorrida, notificada da admissão do recurso, não contra-alegou.

Neste Tribunal Central a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual se pronunciou, a final, no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

II. Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°), pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa, assim, decidir se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria errou no julgamento realizado:


(i) Ao não ter dado como provado que a declaração para liquidação de IMI e a Declaração de Actualização foram entregues no Serviço de Finanças de ... no dia 19-2-2014 e que nelas apenas foi aposta pela Administração Fiscal a data de 24-3-2014;

(ii) Ao decidir pela improcedência da invocada violação do direito de audição, por a mesma se revelar imprescindível ao esclarecimento e prova das circunstâncias de tempo, modo e lugar da entrada da Declaração Mod. 1, do IMI;

(iii) Ao ter concluído pela improcedência da acção sem qualificar de forma juridicamente distinta as alegações formuladas pela Impugnante, designadamente por não ter qualificado de forma distinta a “falta de fundamentação” imputada pela Impugnante ao acto impugnado.

A delimitação efectuada revela já, claramente, que este Tribunal Central não tem dúvidas quanto ao facto de este recurso apenas ter por objecto a sentença recorrida e não o despacho de dispensa de produção de prova que o antecedeu.

Efectivamente, pese embora a Recorrente tenha levado à conclusão x das suas alegações de recurso a falta de fundamentação do despacho em questão, o certo é que esse despacho não foi, como se impunha, objecto de recurso autónomo. Acresce que, no sentido delimitativo adiantado concorrem ainda de forma determinante a declaração delimitativa feita pela Recorrente no seu requerimento de interposição de recurso - na parte em que expressamente consignou que «O presente recurso abrange a reapreciação da matéria de facto provada e não provada» -, as alegações de recurso no seu todo e, em especial, todas as demais conclusões formuladas, especialmente na parte em que para sustentar a alteração da matéria de facto (cuja redacção alternativa expressamente propõe), a Recorrente se limita a convocar a apreciação crítica dos documentos constantes dos autos e a requerer a sua alteração com base neles (ou nas conclusões que deles extrai, distintas, naturalmente, das retiradas pelo Tribunal) sem, em momento algum, requerer a revogação daquele despacho ou uma acrescida produção de prova que integrasse a prova testemunhal indicada, designadamente para sustentar aquela alteração de redacção.

Estas, são, pois, as razões, de facto e direito, que nos conduziram a reconduzir o objecto de recurso, como também adiantado pela Recorrente, à matéria de facto e ao julgamento de direito, questões que serão, neste contexto, apreciadas, exclusivamente nos termos por nós ora delimitados.

III. Fundamentação de Facto

A sentença recorrida deu como assente a factualidade que infra se reproduz:

A) Por escritura pública celebrada em 20.02.2014 a Impugnante adquiriu, pelo preço de €280.000,00, o prédio inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo U15566 R - cfr. fls. 6 a 8 do processo administrativo tributário apenso (PAT).

B) Relativamente à transacção que antecede, em 19.02.2014 foi liquidado IMT no montante de € 23.903,60, calculado sobre o VPT do prédio à data que era de € 436.735,63, tudo conforme declaração apresentada, na mesma data, por V... em representação do sujeito passivo - cfr fls. 5, frente e verso, do PAT e primeiro documento de 1 pág., não numerado, junto com a p.i.

C) Com carimbo de receção no Serviço de Finanças de ... - 2 (...) datado de 24.03.2014, foi entregue a declaração Modelo l de IMI para efeitos de atualização matricial, assinada pela Impugnante em 19.02.2014 e apresentada pela sua representante A... - cfr. fls. 23 a 26 do PAT e segundo documento de 2 págs., não numerado, junto com a p.i.

D) A declaração que antecede foi registada no sistema informático da ATA no mesmo dia em que foi apresentada no Serviço de Finanças - cfr. fls. 21/22 e 25/26 do PAT.

E) Em 25.03.2014 foi efetuada a avaliação do prédio identificado em A) sendo-lhe atribuído o VPT de €369.400,00, conforme dados da avaliação constantes da Caderneta Predial que aqui se dão por integralmente reproduzidos - cfr. fls. 19/20 do PAT.

F) Em 28.04.2014 a Impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação identificada em B) invocando, em síntese, que no mesmo dia da liquidação do IMT, que identifica como 20.02.2014, foi apresentado o pedido de avaliação, reportando a essa data o resultado da avaliação que lhe foi notificada em 03.04.2014, pedindo, a final, a restituição do IMT pago em excesso -cfr. fls. 3 e 4.

G) Por despacho de 30.12.2014, que aqui se dá por integralmente reproduzido, a reclamação foi indeferida por ter sido considerado que a entrega da Modelo l de IMI ocorreu em 24.03.2014 e que o VPT resultante da avaliação só produz efeitos a partir daquela data — cfr. fls. não numeradas do PAT e fls. 22-4 a 6 dos autos.

H) A decisão que antecede dispensou a audição prévia do interessado com fundamento no n.º 3 da circular 13/99, de 8 de julho - cfr. fls. não numeradas do PAT e fls. 22-4 a 6 dos autos.

I) A Impugnante foi notificada do indeferimento da reclamação em 05.01.2015 -cfr. fls. 22-3 dos autos.

J) Em 20.01.2015 a presente impugnação judicial foi apresentada a este TAF por correio electrónico -cfr. fls. 1-2 dos autos».

3.2. Mais ficou consignado, a título de «Factualidade não provada» que «Não se mostram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, em face das diversas soluções de direito plausíveis, nem existem factos não provados que importe registar como tal».
IV – Fundamentação de Direito

Como ficou definido no ponto II supra, são duas as questões que a este Tribunal cumpre decidir: por um lado, saber se o Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto quanto à matéria vertida nas alíneas C e D e quanto à avaliação realizada no que respeita aos documentos de que lançou mão para os sedimentar, por outro, saber se ao decidir pela improcedência dos vícios de violação de audição prévia e de falta de fundamentação errou no julgamento de direito.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer, começando por recuperar o probatório na parte impugnada e que corresponde às alíneas C e D, a fim de concluirmos se a Recorrente tem razão e a redacção a estas imprimida deve ser alterada nos termos por ela propostos.

Assim, consta das referidas alíneas que «Relativamente à transacção que antecede, em 19.02.2014 foi liquidado IMT no montante de € 23.903,60, calculado sobre o VPT do prédio à data que era de € 436.735,63, tudo conforme declaração apresentada, na mesma data, por V... em representação do sujeito passivo» [alínea B] e que «Com carimbo de receção no Serviço de Finanças de ... - 2 (...) datado de 24.03.2014, foi entregue a declaração Modelo l de IMI para efeitos de atualização matricial, assinada pela Impugnante em 19.02.2014 e apresentada pela sua representante A...».

Exteriorizando as razões ou fundamentos deste seu julgamento de facto, afirmou a Meritíssima Juíza que este se baseou no «exame e cotejo dos documentos que constam dos autos e processo administrativo apenso referenciados em cada uma das alíneas do probatório, relevando, principalmente, o confronto entre os dois documentos (não numerados) apresentados pela Impugnante: o primeiro, de uma página apenas, e que corresponde à declaração para efeitos de liquidação de IMT, datada de 19.02.2014, assinada e apresentada por V..., conforme se alcança dos campos 68 e 69 do quadro X da referida declaração; o segundo, de duas páginas, e que corresponde à declaração para efeitos de atualização de prédios urbanos na matriz (modelo 1) para efeitos de IMI, também datada de 19.02.2014, assinada de forma ilegível, ao que se presume, pelo sujeito passivo, e apresentada por A..., na qualidade de "representante" daquele, conforme se alcança dos campos 84 e 85 do quadro VII da referida declaração, na qual se mostra aposto um carimbo do Serviço de Finanças de ... datado de 24.03.2014 e à qual foi atribuído o n° de registo 6438991, tudo conforme consta, igualmente, dos documentos que integram o processo administrativo apensado aos autos e sobre os quais a Impugnante, notificada da apensação, não formulou qualquer impugnação» (cfr. «Motivação de facto», fls. 5 da sentença, que consta a fls. 63 dos autos).

É com este juízo crítico dos documentos ou, se preferirmos, com a valoração da prova realizada que a Recorrente discorda, por duas ordens de razões. Por um lado, ser totalmente descabida a invocação em sede de fundamentação de uma alegada «não impugnação» dos documentos juntos com o processo instrutor e que foram determinantes para a fixação da factualidade impugnada, já que, ao longo da petição inicial foi explícita quanto a discordar da decisão da Administração Fiscal quanto ao indeferimento da sua pretensão, sobretudo por não aceitar que as declarações fiscais em causa tenham sido entregues a 24 de Março de 2014 já que, defende, o foram a 19 de Fevereiro desse mesmo ano. Por outro lado, defende que uma apreciação atenta das Declarações para liquidação do IMI e de Actualização (datas e carimbos neles apostas) conduzem inequivocamente a conclusão distinta da alcançada pelo Tribunal a quo, propondo que a redacção daquelas alíneas passe a ser a seguinte:
«C) Com carimbo de recepção no Serviço de Finanças de ... - 2 (...) datado de 24.03.2014. foi entregue, no dia 19.02.2014, a declaração Modelo l de IMI para efeitos de actualização matricial, assinada pela impugnante em 19.02.2014 e apresentada pela sua representante A... cfr.fls 23 a 26 do PAT e segundo documento de 2 págs.. não numerado, junto com a p.i.»;
«D) A declaração que antecede foi registada no sistema informático da ATA no dia 24.12.2014 - cfr. fls. 21/22 e 25/26 do PAT.».
Quid juris?

Adiante-se, desde já que não obstante a Recorrente tenha razão no que respeita ao primeiro dos argumentos invocados, a impugnação da matéria de facto no que respeita a ambas as alíneas (C e D) não pode deixar de improceder.

Efectivamente, tal como a recorrente alega, no que respeita a uma alegada ausência de impugnação dos documentos em que se suportou a decisão de facto recorrida, a mesma carece de sentido.

Na verdade, ainda que a recorrente tenha sido notificada da junção do processo instrutor e nada tenha dito no que concerne ao teor dos mesmos, é obvio, atenta a posição que desde o inicio assumiu – quer na reclamação graciosa, quer no âmbito desta impugnação judicial – que a Recorrente nunca admitiu que as referidas declarações apenas tenham dado entrada no serviço de Finanças de ... a 24 de Março de 2014, como de forma evidente se constata da leitura da petição de reclamação graciosa e da petição de impugnação judicial, em especial dos artigos 1.º, 13.º, 14.º, 15.º e 16.º, 26.º, 39.º, , 40.º, 41.º, 42.º, 23.º, 44.º, 45.º e 46.º.

Aliás, se bem vemos, são precisamente as questões de facto suscitadas nestas alegações o cerne de toda a causa de pedir e o fundamento primeiro da arguição da violação do seu direito de audição e do vício de falta de fundamentação formal do acto que esgotam e suportam a pretensão da recorrente, o que bem se compreende por ser também a matéria factual em análise o suporte de facto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (objecto imediato da presente acção).

Daí que, com o devido respeito, tendo a Impugnante na sua petição inicial fundado a sua pretensão, quase em absoluto, do ponto de vista dos factos, na rejeição de que as suas declarações apenas deram entrada no Serviço de Finanças a 24 de Março de 2014, juntando inclusive cópia das referidas declarações (completas ou incompletas para o que ora releva é indiferente) onde essas datas estão apostas, não podia o Tribunal, com base numa alegado silêncio perante a junção do processo instrutor onde aqueles documentos igualmente estão integrados, invocar a falta de impugnação para dar como provada a factualidade no sentido em que o fez.

Porém, o que vimos afirmando não é, só por si, suficiente para que a pretensão da recorrente seja julgada procedente. É que, como se denota na fundamentação da referida factualidade, para além da mencionada «não impugnação» - podemos mesmo dizer que mais do que essa falta de impugnação - relevou no julgamento realizado o confronto de ambos os documentos.

Ora, o que resulta da análise e confronto dos documentos juntos com a petição inicial e do processo instrutor, como bem diz a Meritíssima Juiz, é que com a data de 19 de Fevereiro de 2014, foi recebida a 24 de Março de 2014 a Declaração Mod. 1 de IMI. É esta (data de recepção), e não qualquer outra, mormente a aposta no documento pelo subscritor, a que deve ser julgada como a da efectiva entrada no Serviço de Finanças, a que comprova, como a recorrente não pode deixar de saber, a entrega, não resultando da prova produzida qualquer elemento capaz de infirmar este julgamento.

E não se diga, mais uma vez, que essa prova não foi feita por ter sido indeferida a produção de prova testemunhal. Desde logo, porque como deixámos já firmado, o despacho de indeferimento de dispensa de produção de prova não foi oportuna e validamente impugnado. Por outro lado, não é da mera audição de uma testemunha (única produção de prova que a recorrente indicou na sua petição inicial) que aquele facto poderia ser alterado, atenta a natureza do documento em questão, a qualidade do sujeito que atestou a recepção e a ausência de qualquer incidente de falsidade oportunamente suscitado nos autos (cfr. artigos 363.º, n.ºs 1 e 2, 369.º, 370.º, nºs 1 e 2, 371.º, 372.º, n.º 1, do Código Civil, 54.º, n.º 4, da Lei Geral Tributária e 446.º do Código de Processo Civil).

Em conclusão: resultando do confronto de todos os documentos constantes dos autos, sem que prova em contrário haja sido produzida pelo meio próprio, que um documento – rectius, declaração – não obstante ter sido datada pelo subscritor ou apresentante com o dia 19 de Fevereiro de 2014, apenas foi recepcionada pelo Serviço de Finanças a 24 de Março do mesmo ano e que esta recepção se encontra devidamente atestada pelo funcionário dos Serviços recebedores, deve ser dado como provada que foi essa a data em que foi entregue e não qualquer outra, como seja a da referida data aposta pelo subscritor e que corresponderá, tão só, á data e que foi elaborada ou assinada pelo próprio.

Improcede, assim, por todos os fundamentos expostos, a impugnação da matéria de facto realizada pela recorrente e, consequentemente, o recurso nesta parte.

4.2. Avançando no recurso, apreciemos, agora, as demais questões suscitadas e que se prendem com o mérito da pretensão.

4.2.1. Da violação do direito de audição no âmbito do procedimento de reclamação graciosa

Relativamente a esta questão, impõe-se, antes de mais, deixar claro o seguinte: contrariamente ao que resulta das alegações e conclusões expressas em recurso, não é correcto afirmar-se que o Tribunal a quo não deu razão à recorrente.

Na verdade, insiste-se, distintamente do que a recorrente defende, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé também entendeu que no caso concreto tinha havido violação do direito de audição da então reclamante, como facilmente se pode constatar do que na sentença, nesta parte, ficou decidido, e que aqui se deixa transcrito:

«i.Da preterição do direito de audição prévia.

Conforme resultou provado em H) a reclamação graciosa da liquidação de IMT foi decidida, no sentido do indeferimento da pretensão da contribuinte, com dispensa de audição prévia justificada no texto da decisão no n° 3 da Circular n°13/99, de 8 de julho.

Contra tal forma de proceder se insurge agora a Impugnante defendendo que, havendo divergência no entendimento das partes quanto à data em que o requerimento de actualização da matriz deu entrada nos serviços, impunha-se a notificação da Impugnante para exercer o seu direito de audição, tendo em vista o esclarecimento e prova das circunstâncias de tempo, modo e lugar da entrada da Declaração Mod. 1 do IMI.

O direito de todos os cidadãos participarem na formação das decisões ou deliberações da Administração que lhes disserem respeito tem consagração constitucional no n.°5 do art.°267° da CRP, comando que, no âmbito do procedimento administrativo tributário se encontra especial e expressamente previsto no art°60º, da Lei Geral Tributária.

Assim, estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento não só do projeto da decisão mas também da respetiva fundamentação, sendo certo que, em regra, a falta de cumprimento de tal formalidade constitui um vício de procedimento susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada (cfr. art.°135° do CPA, na redação em vigor à data dos factos).

A Administração Tributária, pela Circular n°13/99, de 08.07.1999, manifestou o intuito de conciliar o direito de audição prévia do contribuinte com os princípios da prossecução do interesse público, da proporcionalidade e da celeridade, enunciados no art°55°, da LGT.

O n°3 da referida Circular, mencionado na decisão impugnada dispõe sobre as "Decisões em que poderá ser dispensada a audiência dos interessados", esclarecendo que a audiência dos interessados poderá ser dispensada quando:

«a) A administração tributária, apenas, aprecie os factos que lhe foram dados pelo contribuinte, limitando-se na sua decisão a fazer a interpretação das normas legais aplicáveis ao caso; Encontram-se nesta situação todas as decisões sobre petições, requerimentos, reclamações e recursos em que a administração se limita a concluir, face aos factos e argumentos invocados pelo contribuinte e a lei aplicável, pela improcedência da sua pretensão.

b) A administração tributária actue, exclusivamente, no âmbito de poderes vinculados; A título de exemplo refiram-se as liquidações que a administração tributária efectua, por imposição legal, com base na totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontrar determinada.

c) A administração tributária pratique um acto com base em factos já submetidos, noutra fase do procedimento, a audiência dos contribuintes; [...].»

Revertendo ao caso dos autos, primeiro, importa realçar que a decisão impugnada não explicita qual das três circunstâncias previstas no n°3 da dita Circular considera estar em causa; seguidamente, sempre o vício invocado deve de ser apreciado, não à luz das instruções criadas pela Administração Tributária, que são dirigidas apenas aos respectivos serviços, mas das normas legais estabelecidas nos diplomas reguladores das relações jurídico tributárias, maxime na LGT.

Do n°2 do já mencionado art°60° da LGT resulta que é dispensada a audição, designadamente, «No caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte».

De facto, foi com base na declaração apresentada pela Impugnante em 19.02.2014 que foi efetuada a liquidação objeto da reclamação contudo, a reclamação foi apresentada tendo em vista beneficiar da possibilidade de reforma de tal liquidação nos termos do art°30° do CIMT, tendo a Impugnante invocado um facto que, em seu entender, levaria à satisfação da pretensão, e que tem a ver com a data de apresentação da declaração mod. l para efeitos de IMI. Ou seja, tendo sido encetado um procedimento tendente à alteração do status quo existente e pretendendo a Administração indeferir a pretensão da contribuinte deveria ter sido concedido do direito de audição prévia nos termos previstos na al. b) do n°1 do art°60° da LGT, pelo que, a sua preterição acarretaria, prima facie, a invalidade do ato (negrito de nossa autoria).

Ou seja, tal como a recorrente e, no essencial, com os mesmos fundamentos, também o Tribunal a quo julgou que no caso concreto à reclamante deveria ter sido facultada a possibilidade, ter-lhe reconhecido o direito de, previamente à decisão impugnada, se pronunciar quanto ao sentido (e fundamentos) desta.

Porém, sem embargo desse entendimento que perfilhou, o que o Tribunal a quo ponderou, e bem, foi a questão de saber se, no caso concreto, estaríamos ou não perante uma situação em que a preterição (verificada) dessa formalidade essencial não deveria entender-se por degradada em não essencial por, qualquer que fosse a posição que em sede da audiência prévia viesse a ser tomada pela reclamante a decisão não ser, por imposição legal, susceptível de ser alterada:

«Não obstante, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir que, apesar de a audiência prévia constituir uma importante manifestação do princípio do contraditório e visar associar o administrado à tarefa de preparar a decisão final, permitindo-lhe participar e influenciar a formação da vontade da Administração, poderá admitir-se a degradação daquela formalidade em formalidade não essencial quando, atentas as circunstâncias, a intervenção do interessado se tornar inútil (neste sentido, o Acórdão de 03.03.2004, recurso n°01240/02, disponível em www.dgsi.pt).

Ou seja, nem sempre a omissão da audiência prévia conduz, ipso facto, à anulação do ato a que se reporta. Deverá entender-se que não se justifica a anulação, apesar da preterição do direito de audição, nos casos em que se apure, no processo contencioso, que, se a audiência tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem de se pronunciar sobre questões relevantes para determinar o conteúdo da decisão final.

No entanto, "o princípio do aproveitamento do ato" apenas poderá ser aplicado em situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do ato.

Por isso, aquele direito não poderá deixar de ser assegurado sempre que não seja de afastar a possibilidade de a decisão do procedimento tributário ser influenciado pela intervenção do interessado.

Impõe-se, pois, ao Tribunal aferir se, no caso em apreço, e tendo em conta a factualidade trazida ao processo contencioso, o interessado não teria possibilidade de apresentar elementos novos nem de se pronunciar sobre questões relevantes no sentido de alterar o conteúdo da decisão final da Administração Tributária - cfr., neste sentido, o Acórdão do STA de 24.09.2008, proc. n° 0489/08, disponível em www.dgsi.pt.».
Ora, quanto a este juízo, a recorrente pouco ou nada adiantou, limitando-se a alegar que «(…) se na Declaração para actualização do valor tributário, a Recorrente apôs a data de 19.02.2014 e os Serviços da Recorrida o data de 24.02.2014 no carimbo de recepção, inexistindo, portanto, sintonia entre o declarado pelo contribuinte e a liquidação realizada pelos Serviços, impunha-se a realização, e não dispensa, do direito de audição.»; «Ao não perfilhar esta posição, a douta sentença cerceia o direito de defesa da Recorrente e inverte o ónus da prova, em manifesta violação do disposto no artigo 75° n°1 da LGT, que dispõe que, 1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.» e que «(…) a posição perfilhada em sede de sentença, para além da violação do disposto no artigo 60° da LGT, viola ainda, frontalmente, o disposto no seu artigo 75°, que consagra a presunção de veracidade da declaração do Contribuinte, assim como c disposto nos artigos 114° e segs do CPPT, concretamente o vertido no artigo 115°nº1(conclusões VII, VIII e IX das alegações de recurso).

Mesmo acolhendo-se a perspectiva, ainda admissível, de que estas alegações da recorrente ainda comportam, implicitamente, um pedido de sindicância do juízo de aproveitamento do acto e uma discordância com o mesmo, não cremos que lhe deva ser reconhecida razão.

Senão vejamos.

No que respeita à primeira das alegações citadas, isto é, quanto à questão da alegada controvérsia dos factos pertinentes, damos aqui por reproduzido tudo o que supra já ficou exposto no ponto antecedente (relativo à impugnação da matéria de facto), sendo, por isso, de secundar (sem prejuízo dos demais argumentos supra expostos) o juízo da sentença quando começa por referir que «não obstante a Impugnante alegar que a declaração Modelo 1 de IMI para efeitos de actualização matricial foi entregue na data em que se mostra assinada - 19.02.2014 (e não, como certamente por lapso refere no art°15° da p.i.) -, mostra-se provado que sobre a mesma foi aposto o carimbo de entrada nos serviços da AT (Serviço de Finanças de ...) em 24.03.2014, data, aliás, em que foi a mesma registada no sistema informático [cfr. als. C) e D) do probatório]. Estando em causa um facto suportado por documento e destinando-se o carimbo de entrada a garantir ao sujeito passivo a produção dos efeitos próprios decorrentes da data de apresentação nos serviços de qualquer requerimento ou documento, caso houvesse erro na data em apreço deveria a apresentante da declaração, desde logo, no momento em que lhe foi entregue o documento com o carimbo, ter-se oposto a recebê-lo em tais condições. Não o fez, sendo certo que o documento que junta com a sua petição inicial, tal como aquele que consta do processo administrativo instrutor apresentado pela Fazenda Pública, têm ambos aposta a mesma data de 24.03.2014, conforme se esclareceu supra em sede da motivação da matéria de lacto. Ou seja, não se compreende que alegue (cfr. arts. 43° e 44° da p.i.) que a sua colaboradora entregou a declaração em apreço em 19.02.2014, fazendo expressa menção à aposição dessa data, e a tenha recebido carimbada pelos serviços com a data de 24.03.2014 sem reagir contra esse facto que, aliás, não refere na alegação que ora se chamou à colação.

O ónus da prova da entrega da declaração em data anterior à nela aposta (24.03.2014), maxime até 19.02.2014 (antes da celebração do contrato) cabia à Impugnante, nos termos do n°1 do art.°74.° da LGT, e não seria, conforme pretendia, a prova testemunhal o meio adequado a afastar a presunção que decorre da efetiva ocorrência do facto na data correspondente à do carimbo de entrada do documento.

Em suma, face à prova realizada quanto «às circunstâncias de tempo, modo e lugar da entrada da Declaração Mod. 1 do IMI», nada do que tivesse sido alegado nesta matéria pela reclamante alteraria a decisão.

No que respeita a uma eventual inversão do ónus da prova e à violação desta decorrente do preceituado no artigo 75.º n.º 1 da lei geral tributária – segunda das alegações convocadas – também a mesma não deve ser aceite por este Tribunal por duas razões.

A primeira é a de que não houve qualquer ilegal inversão por parte do tribunal a quo quanto ao ónus da prova, uma vez que essa presunção de veracidade da data aposta pelos Serviços nos termos em que por este foi atestado, ou seja, essa inversão resulta da natureza do próprio documento e de imposição legal, como já explicitado.

A segunda razão prende-se com o facto de o preceituado no artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária em nada contender com a posição defendida na sentença recorrida e acolhido por este Tribunal de recurso. Efectivamente, o que resulta do artigo em último citado, é que se presumem «verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.» e não qualquer presunção de veracidade quanto a datas de entrada de tais declarações (mesmo que ou apresentadas entregues “nos termos previstos na lei”).

Trata-se, pois, de um preceito de natureza marcadamente substantiva (e daí a sua integração na Lei Geral tributária) que visa regular a força probatória do conteúdo da declaração e não, obviamente, estabelecer qualquer presunção quanto à data da sua apresentação ou entrega dessas declarações nos Serviços de Finanças as quais resultam, como vimos já, de outras exigências, formalidades ou normas legais que em nada contendem, insiste-se, com o ali regulado.

E, sendo assim, improcedendo estas alegações, forçoso é concluir que, contrariamente ao defendido pela recorrente, não é verdade que a «posição perfilhada em sede de sentença, para além da violação do disposto no artigo 60° da LGT, viola ainda, frontalmente, o disposto no seu artigo 75°, que consagra a presunção de veracidade da declaração do Contribuinte, assim como c disposto nos artigos 114° e segs do CPPT, concretamente o vertido no artigo 115°nº1.».

Não tendo sido invocadas em abono ou fundamento do recurso, nem logrando este Tribunal alcançar quaisquer outros fundamentos, de conhecimento oficioso, passíveis de, relevados que fossem, por em causa a bondade da decisão de aproveitamento do acto, impõe-se concluir que, igualmente nesta parte, o recurso não deve ser acolhido.

4.3. Enfrentemos, então, por último, a questão da falta de fundamentação

Para a Recorrente, e se bem entendemos as suas alegações o Tribunal a quo andou mal por, em síntese nossa, se ter limitado a apreciar a questão na vertente de falta de fundamentação formal, quando as suas alegações se reportavam à falta de fundamentação substancial e que, mesmo que apenas tivesse sido suscitada exclusivamente a falta de fundamentação formal, o Tribunal recorrido não estava impedido de apreciar a questão do ponto de vista da fundamentação substancial.

Diga-se, antes de mais, que esta ampla delimitação dos poderes do Tribunal que a recorrente defende não é totalmente acertada. Na verdade, ainda que seja certo que o Tribunal não está limitado à qualificação jurídica dos factos invocados pelas partes, não pode, salvo situações de conhecimento oficioso (previstas na lei) conhecer de questões não suscitadas. Donde, e revertendo às conclusões formuladas, se a recorrente efectivamente apenas imputou ao acto impugnado o vício de falta de fundamentação formal – alegando, tão só, factos que o substanciam – não podia o Tribunal a quo, nem este Tribunal por via de recurso, substituir-se à parte e apreciar de eventuais erros de direito que o acto impugnado evidencie.

Questão distinta é a de a parte ter alegado, como suporte da sua pretensão anulatória, factos que se prendem com a sua validade intrínseca e qualificar esse circunstancialismo como de vício de forma ou de falta de fundamentação formal, situação em que, como também diz a recorrente, o Tribunal ter o dever de apreciar em conformidade, não se podendo cingir à qualificação que a parte lhe atribui.

Daí que, o que realmente importa – indiscutível que é que na sentença a Juiz se limitou, quase em exclusivo, a apreciar a pretensão da parte como se de uma arguição de validade formal do acto se tratasse [ii. Da falta de fundamentação.Não obstante os artigos 19° a 37° da petição inicial se encontrarem sob o título 'Da falta de fundamentação", e de nos artigos 19° a 24° a Impugnante fazer diversos pertinentes considerandos sobre o dever legal que impende sobre a Administração de fundamentar os seus atos, o certo que desvia para o "dever" da Administração Tributária de proceder à atualização trienal das matrizes, em conformidade com o disposto nos artigos 115° e 138° do CIMI, e nada de concreto alega sobre a eventual falta de fundamentação da decisão.Ora, à míngua de argumentos da Impugnante, nada tem o tribunal para conhecer. Em parte alguma dos preditos pontos do articulado a Impugnante afirma, sequer de passagem, que não tenha compreendido, de todo, ou em parte, a fundamentação que lhe foi transmitida na decisão impugnada. E, por outro lado, o alegado "dever" de actualização do VPT dos prédios não foi questão invocada no requerimento que sustenta a reclamação graciosa, razão pela qual não tinha a administração que se pronunciar sobre a mesma. Ainda assim, sempre se dirá que a forma como a Impugnante vem a juízo atacar a decisão de indeferimento da reclamação denota que compreendeu, na íntegra, as razões que levaram a administração a decidir como decidiu, apenas não se conformando com o entendimento nela vertido, o que é coisa bem diferente de "falta de fundamentação".Improcede, assim, a alegada falta de fundamentação] – é saber o que efectivamente foi alegado pela recorrente.

Ora, quanto a esta questão, não nos parece que existam grandes dúvidas quanto a dever ser reconhecida razão à recorrente.

Aliás, lido o requerimento inicial que suportou a reclamação graciosa e a petição inicial, não se logra compreender o motivo pelo qual a Meritíssima Juíza entendeu que integrava a causa de pedir a falta de fundamentação formal do acto, nem, de resto, porque limitou a sua interpretação neste contexto aos artigos 19.º a 24.º, isto é, a razão pela qual não abarcou para efeitos da identificação e apreciação da questão suscitada os artigos 25.º a 37.º, os quais constituíam um todo aglutinador da questão suscitada.

E a consideração deste bloco factual e jurídico era tanto mais importante porquanto teria permitido ao Tribunal entender que, pese embora nos artigos iniciais referidos na sentença a recorrente tenha começado por discorrer sobre a distinção entre fundamentação formal e substancial, e até tenha dado maior pendor à exigência de explicitação das razões de facto e direito da decisão administrativa, era efectivamente a questão substancial, da validade material ou intrínseca a que aquela impugnante se apresentava e pretendia ver escrutinada e não a fundamentação formal, como resulta ostensivamente dos artigos 25.º a 31.º e 35.º a 37.º da petição inicial.

Impunha-se, pois, que a apreciasse.

Porém, contrariamente ao que vem afirmado pela recorrente, e ainda que não sob a égide de fundamentação formal, o Tribunal a quo não deixou de apreciar dessa questão, sendo crível, pelo menos é uma explicação possível, que aí resida a opção, nesta parte, pelo conhecimento do vício na vertente da falta de fundamentação formal.

Efectivamente, se bem atentarmos na sentença, a Meritíssima Juíza aquando da apreciação da questão de saber se devia ou não o Tribunal proceder ao aproveitamento do acto ou anula-lo por falta de audição prévia analisou, tendo por base os factos provados, a questão da aplicação do artigo 30.º do IMT, discorrendo, um a um, sobre os argumentos ou razões de facto ou direito alegados pela recorrente como fundamento de validade substancial do acto impugnado:

«Convocamos agora o art°30° do Código do IMT que, sob a epígrafe Valor patrimonial tributário excessivo, dispõe do seguinte modo:

1 - Antes da celebração do ato ou contrato, os sujeitos passivos podem requerer, ao abrigo do CIMI, a avaliação de imóveis quando fundamentadamente considerem excessivo o valor patrimonial tributário inscrito na matriz que serviu de base à liquidação do IMT, procedendo-se à reforma da liquidação, sendo caso disso, logo que a avaliação se torne definitiva.

2 - O resultado da avaliação efetuada nos termos do número anterior, será levado à matriz para todos os efeitos legais.

Em face do exposto, e porque decorre imperativamente da parte final do n°1 do art°30° do CIMT que se procede (oficiosamente, sem necessidade de requerimento do contribuinte para o efeito) à reforma da liquidação anteriormente efetuada, sendo caso disso, ou seja: primeiro, se o requerimento de avaliação tiver sido formulado antes da celebração do contrato e, segundo, se se vier efetivamente a confirmar que o VPT considerado para efeitos da liquidação era efetivamente excessivo, a alteração/reforma, ou não, da liquidação vigente é, para a Administração Tributária, um ato absolutamente vinculado que é praticado apenas e só na presença da verificação dos dois pressupostos legalmente estabelecidos.

Em face dos elementos que a AT tinha em seu poder, com especial relevo a declaração mod. 1 de IMI com comprovativo de apresentação em 24.03.2014, claudicava, desde logo, qualquer possibilidade de o ato de liquidação ser reformado no sentido pretendido pela Impugnante, ainda que viesse a exercer o direito de audição.

Em face das circunstâncias do caso a decisão nunca seria outra que não a de indeferimento.».

Ou seja, a Meritíssima Juíza expressou e decidiu que o acto impugnado, independentemente de ter sido ouvida ou não a então reclamante, só podia, para ser válido, ter o fundamento e o sentido decisório neles acolhido, o que significa, manifestamente, que o julgou devidamente fundamentado do ponto de vista substancial.

Decisão que subscrevemos integralmente, desta forma se confirmando a decisão de validade do acto impugnado.

Por fim, e para que fique completamente esclarecida a razão pela qual foi afirmado que o Tribunal a quo suportou quase exclusivamente a sua decisão na falta de fundamentação formal do acto, importa salientar que na sentença foi invocado outro fundamento, nesta parte, para a improcedência da pretensão.

E este esclarecimento é devido porquanto neste recurso a recorrente, ainda que de forma pouco assertiva, também se insurge, contra esse fundamento, qual seja, o de que a alegada omissão do dever administração tributária de proceder à actualização do valor patrimonial tributário dos prédios não tinha sido questão suscitada em sede de reclamação e, como tal, estava excluída do objecto da presente impugnação.

Diz a recorrente que tal apenas ocorreu porque não foi ouvida em sede de audição prévia. Todavia, como é obvio, este argumento não pode colher, já que a audição prévia se destina a que a parte se pronuncie sobre um projecto de decisão quanto às razões de facto e direito previamente invocadas e capazes de por em causa a validade do acto e não para que a recorrente se pronuncie sobre vícios que não foram invocados e sobre os quais, naquele projecto de decisão, porque não invocados, a administração tributária se não pronunciou ou verteu qualquer entendimento.

Acresce que, tal como bem diz o Tribunal a quo, e os autos revelam (e a recorrente reconhece) a questão em apreço não foi efectivamente suscitada em sede de reclamação graciosa e, consequentemente, como é pacifico, não pode integrar, agora, o objecto da presente impugnação a qual está reservada, para lá dos vícios invocados e objecto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a vícios próprios da liquidação, que não é o caso do suscitado.

Improcede, assim, também nesta parte, o fundamento de recurso e, com ele, o recurso jurisdicional integralmente.


V. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, julgando integralmente improcedente o recurso jurisdicional, em manter na íntegra a sentença recorrida com os fundamentos expostos no ponto IV. deste acórdão.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

*****

Lisboa, de 15 de Setembro de 2016

----------------------------------------------------------------------

[Anabela Russo]

-----------------------------------------------------------------------------------

[Lurdes Toscano]





_________________________________________________
[Ana Pinhol]