Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:255/16.9BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IRC;
FACTURAS FALSAS.
Sumário:I – Tendo a Administração Tributária reunido um conjunto de indícios que, de forma séria e objectiva, demonstram uma levada probabilidade de que os intervenientes formais das facturas não são os que efectivamente celebraram os negócios que elas titulam e que esta ficção era do conhecimento do sujeito passivo, é sobre este que recai o ónus de provar, de forma segura, que não obstante esses indícios, há uma integral correspondência entre os elementos essenciais da factura e a realidade ou, não existindo, o seu desconhecimento quanto a essa desconformidade formal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

P..., SA, veio deduzir Impugnação judicial na sequência do ato de indeferimento do recurso hierárquico interposto do acto de liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e juros compensatórios do exercício de 2012, no valor total de € 163.335,57.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por decisão de 31 de Maio de 2019, julgou improcedente a impugnação.

Não concordando com a sentença, a impugnante, P..., SA, veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«Termos em que se requer a V. Ex sejam as presentes alegações recebidas por estarem em tempo concedendo a douta decisão do Tribunal ad quem provimento ao recurso por provado, revogando a sentença recorrida por outra por se entender padecer aquela de nulidade.

Assim não se entendendo, que não se admite, ainda assim deve a douta decisão do Tribunal ad quem conceder provimento ao recurso, determinando a anulação da liquidação impugnada, na medida em que:

A - Impugna a factualidade dada como provada vertida nas alíneas 1.3, 1.4, 1.9, 1.10, 1.13 e 1.15 da sentença recorrida.

B - É incompetente o órgão que determina a prorrogação da acção.

C - Extravasou a IT os limites que a lei lhe impõe ao prosseguir com um procedimento inspectivo para além do prazo da prorrogação, a ser esta válida, subvertendo os preceitos legais que obrigam à fundamentação dos actos de prorrogação, uma vez que tão pouco se verificou uma segunda prorrogação, sendo que a isso anuiu a sentença recorrida.

D - Entende a ora recorrente que não tendo havido qualquer despacho do órgão com competência para efeitos de exercício do contraditório desconhece se o órgão cuja competência foi definida no início teve conhecimento do projecto, admitindo-se assim que qualquer projecto de qualquer teor pudesse ter sido notificado.

E - As correcções em sede de IRC que deram causa à liquidação impugnada apenas dizem respeito a transacções com a sociedade T... e O..., não se alcançando a motivação em transcrever o teor do relatório final de inspecção tributária vertido na alínea 1.10 da sentença recorrida.

F - E, nesse sentido, deve o Tribunal ad quem declarar a nulidade da sentença recorrida

G - Assim não sendo entendido, deve ainda ser concedido provimento ao recurso na medida em que impende o ónus da prova sobre quem invoca o direito que no caso foi a AT que corrigiu e liquidou e não fez o trabalho inspectivo que se impunha designadamente, junto dos Serviços Alfandegários sendo que a recorrente anexou todas as provas atinentes à exportação.»


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A recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificada para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1.1. Em 2013.09.16, a coberto da Ordem de Serviço n.° OI...2, os Serviços de Inspeção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria deram início a uma ação inspectiva em sede de IVA e IRC, e aos exercícios de 2011 e 2012, a aqui Impugnante - cf. Relatório de Inspeção Tributária junto com o Processo Administrativo Instrutor (PA).

1.2. A Ordem de Serviço n.° OI...2, determinada pelo Chefe de Divisão, no âmbito de delegação de competências do Director de Finanças de Leiria, foi assinada pelo Técnico Oficial de Contas da Impugnante em 2013.09.16 - cf. Ordem de Serviço a fls. 97 do PA.

1.3. Em 2014.02.28 a Inspetora Tributária em regime de substituição do Chefe de Divisão II, emitiu o despacho de prorrogação do procedimento inspectivo por mais três meses, bem como a alteração do âmbito da inspeção para Geral, o que foi notificado pessoalmente à Impugnante em 2014.07.02 - cf. informação constante de fls. 5 e ss. do PA anexo aos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

1.4. Em 2014.06.13, a Chefe de Equipa, no âmbito da delegação de competências do Diretor de Finanças de Leiria emitiu o despacho na folha e rosto do projecto de relatório e emitiu o ofício, dirigido à Impugnante, com o assunto “PROJECTO DE RELATÓRIO DA INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA - artigo 60.° da Lei Geral Tributária - LGT e art. 60.° do RCPIT)" - cf. Fls 6 e ss. do PA, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, e que foi pessoalmente notificado à Impugnante, conforme certidão constante do mesmo PA.

1.5. Em 2014.07.16, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia, assumindo a responsabilidade pelas correções efetuadas a que se reporta a parte III. 2 do projeto de Relatório, não aceitando as correções efetuadas na parte III.1 do mesmo projeto - cft. fls. 20 e ss. do PA anexo, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido,

1.6. Em 2014.07.14 a Impugnante procedeu à entrega do modelo 22 de substituição de IRC via internet relativamente ao período de tributação de 2011.01.01 a 2011.12.31, declarando lucro tributável no montante de € 152.437,30 - cft. fls. 25 e ss. do PA, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido,

1.7. Em 2014.07.14, a Impugnante procedeu a entrega do modelo 22 via internet relativo a declaração de substituição de IRC do período de tributação de 2012.01.01 a 2012.12.31, na qual declara um lucro tributável no montante de € 90.022,21 - cft. fls. 29 e ss. do PA, cujo teor aqui se dá por reproduzido,

1.8. Em 2014.07.15 a Impugnante entregou Via Internet, a declaração de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), relativa ao período de Dezembro de 2012, na qual declara a base tributável no valor de € 53.000,00 - cft. fls. 36 do PA, cujo teor se dá por reproduzido,

1.9. Em 2014.07.28 foi emitido o Relatório Final de Inspeção Tributária relativo a Impugnante, o qual mereceu o despacho de concordância do Diretor de Finanças 5 Adjunto, no âmbito da delegação de competências do Diretor de Finanças, nos termos constantes de fls. 43 a 54 do PA, e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

1.10. O aviso de receção que acompanhou a carta registada pela qual foi remetido o ofício da Direção de Finanças de Leiria com o assunto "Relatório de Inspeção Tributária - Art. 62.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT)", de 2014.08.18, foi rececionado pela Impugnante em 2014.08.14 - cf. oficio e registo constante a fls. 40 a 43 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

1.11. Do ponto III do RIT consta, além do mais, o seguinte:


«Imagem no original»


1.12 Na sequência da ação inspetiva identificada em 1.1., foi emitida a liquidação - adicional de IRC de 2012, e respetivos juros compensatórios, no montante de €. 163.355,57 - Vd. Fls. 11 do PA anexo.

1.13. Em 2015.03.02 a Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Caldas da Rainha a reclamação graciosa das liquidações referidas em 1.11 , invocando

- incompetência para a prática do acto/prorrogação da acção inspectiva;

- excesso do prazo legalmente estabelecido para o procedimento inspectivo;

- ineficácia das correcções constantes do projecto do relatório por ausência de despacho que ratifique o processado para efeitos de audição prévia;

- ilegalidade da correções em sede de IRC quanto ao exercício de 2012 - cft. Fls. 2 e ss. Do procedimento de Reclamação Graciosa incluso no PA anexo aos presentes autos.

1.14. Após o exercício de audição prévia por parte da Impugnante, em 2015.05.15 o Chefe de Divisão, em delegação de competências do Diretor de Finanças de Leiria, proferiu o despacho de indeferimento da reclamação graciosa - Cft. Fls. 132 do PA, cujo teor aqui se dá aqui se dá por integralmente reproduzido.

1.15. Em 2015.06.17 a Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Caldas da Rainha a petição do recurso hierárquico constante de fls. 2 e ss. do PA, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

1.16. Em 2015.10.30, no âmbito da subdelegação de competências, a Diretora de Serviços do IRC emitiu o despacho de indeferimento do recurso hierárquico, aposto na informação n.° 21498/2015 - cft. fls. 15 e ss. Do PA, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

2. FACTOS NAO PROVADOS

Inexistem outros factos nos autos cuja não prova seja relevante para a decisão da causa.

3. MOTIVAÇAO

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada.»



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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, que se resumem, em suma, em indagar se a sentença incorreu em nulidade ou em erro de julgamento de facto e de direito, que melhor se enunciam:

(i) Nulidade da sentença recorrida por excesso de pronuncia;

(ii) Erro de julgamento da matéria de facto relativamente aos factos vertidos nos pontos 1.3, 1.4, 1.9, 1.10, 1.13 e 1.15 do probatório;

(iii) Erro de julgamento por decidir pela competência do órgão que determina a prorrogação do prazo do procedimento inspectivo;

(iv) Erro de julgamento por validar o prosseguimento da inspecção para além do prazo de prorrogação;

(v) Erro de julgamento quanto à existência de despacho para efeitos de exercício do direito de audição prévia e de despacho de ratificação do órgão competente do procedimento de inspeção tributária;

(vi) Erro de julgamento ao decidir que a Administração Tributária cumpriu o ónus da prova que sobre si recaia.


Da nulidade da sentença recorrida, por excesso de pronúncia

Invoca a Recorrente, nas suas conclusões de recurso, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, como se colhe das alíneas E e F das mesmas.

A Recorrente alicerça a sua alegação, referindo que não alcança o que pretende o tribunal a quo ao transcrever o teor do relatório de inspecção tributária na alínea 1.10 da decisão de facto, uma vez que as correcções que deram causa à liquidação impugnada dizem apenas respeito a transacções com a sociedade T... e O..., padecendo a sentença, por isso, de nulidade.

Vejamos, então.

Os artigos 125.º do CPPT e 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do CPC, prevêem a nulidade da sentença quando o juiz aprecie ou conheça de questões de que não pode tomar conhecimento ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Assim, a questão que importa agora apreciar é a se saber se a sentença comporta tal vício, por contender com a sua validade formal.

Sobre as questões colocadas no presente recurso, já este Tribunal Central Administrativo se pronunciou, no âmbito do processo n.º 236/16.2BELRA, de 21/05/2020 (disponível em www.dgsi.pt/), estando em causa as mesmas partes, o mesmo relatório de inspecção tributária e a mesma decisão que sancionou as correcções aritméticas em sede de IRC e IVA, dos anos de 2011 e 2012, com a diferença de que os presentes autos respeitam à liquidação de IRC do ano de 2011 e no acórdão citado estava em crise a liquidação de IVA do mês de Julho de 2012, sendo que as sentenças recorridas também são idênticas, bem como as alegações de recurso.

Assim, em função da semelhança em relação ao caso em apreço e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica constante do identificado acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, e em virtude de as questões aqui em análise não deferirem, seguiremos de perto este acórdão, permitindo-nos transcrever as passagens relevantes, relativamente a cada uma das questões suscitadas, cujo entendimento perfilhamos.

«No ordenamento jurídico-processual a que este processo deve antes de mais obedecer, a nulidade por excesso de pronúncia está prevista no artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Ou seja, tal como ocorre no ordenamento jurídico processual geral (no artigo 615.º n.º 1, al. c), 2ª parte do CPC), também o legislador tributário elegeu a pronuncia do juiz sobre questão que não deva conhecer como causa de nulidade da sentença.

Esta nulidade, como recorrentemente se afirma, está relacionada com a segunda parte do nº 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil (subsidiariamente aplicável, ex vi artigo 2.º do CPPT): o juiz “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões”. Por sua vez, a nulidade da sentença por obscuridade ou ambiguidade, prevista na segunda parte da al. c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, verifica-se (e só se verifica) “quando o pensamento do juiz que se retira da análise da decisão se afigura incompreensível ou imperceptível ou quando o sentido da decisão não seja unívoco, por ser susceptível de diversas interpretações ou comportar á|rios significados ou sentidos”.

Por sua vez, focando-nos agora na obscuridade ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado. A obscuridade traduz-se na ininteligibilidade. A ambiguidade na possibilidade de a decisão serem razoavelmente atribuídos dois ou mais sentidos diferentes.

Como começamos por adiantar, nem na sentença recorrida foi apreciada qualquer questão que não tenha sido suscitada pela Recorrente –as questões apreciadas surgem, de resto, todas devidamente identificadas e autonomamente apreciadas no julgado por referência expressa às alegações da Recorrente -, nem da transcrição do teor quase integral do relatório de inspecção no probatório decorre qualquer obscuridade ou ambiguidade da sentença.

Aliás, se bem atentarmos na fundamentação aduzida para suportar a nulidade por excesso de pronuncia, facilmente concluímos que a Recorrente esta a confundir factos provados com questões de facto e questões de direito, olvidando que aqueles primeiros apenas servem o propósito de resolver as segundas. Ou seja, os factos mais não são do que a recriação processual, confirmativa ou infirmativa, da realidade que as partes invocaram para sustentar a solução, num ou noutro sentido, das questões de facto e de direito que colocaram ao Tribunal.

E precisamente por os factos serem “apenas” um instrumento de resolução de questões (de facto e de direito) que não pode ver-se neles o conhecimento das questões.

Se assim for, isto é, se os factos traduzirem, per se, a própria solução das questões colocadas e, consequentemente, da decisão, hão-de traduzir-se em meras conclusões de facto - que, salvo casos contados, não devem estar integradas no probatório – ou de direito, ou seja, conterão em si mesmos uma valoração jurídica que representa o sentido da solução final do litígio e, consequentemente, nessa circunstancia, a qualidade de facto é-lhes alheia.

Em suma, não constituindo os factos, em si mesmos, questões, da integração no probatório do teor do relatório de inspecção não pode resultar a apreciação daquelas ultimas e, consequentemente, há que concluir que as alegações da Recorrente são inidóneas para suportar o vício de nulidade por excesso de pronuncia imputado a sentença.

Tudo quanto podia concluir-se, uma vez que deixámos já firmado que o Tribunal não conheceu de nenhuma questão que não lhe tenha sido colocada pela Recorrente, e que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria errara no julgamento de facto ao seleccionar factos totalmente imprestáveis para resolução de qualquer uma das questões colocadas no processo.

Não é, todavia, sequer o caso. Efectivamente, tendo no processo sido suscitadas, quase exclusivamente, questões atinentes ao próprio procedimento e ao relatório, com impacto na validade formal ou substancial daquele, isto é, conexas com o conteúdo das diligências realizadas, com as datas em que foram concretizadas e com a identidade de quem as autorizou tal como descrito no relatório, é indiscutível a pertinência da sua transcrição integral.

Acresce que, ainda no que respeita à valia dos indícios recolhidos pela Administração Tributária para sustentar a conclusão de falsidade das facturas, postas em causa pela Recorrente na petição inicial, é também de realçar que os indícios recolhidos surgem na economia do relatório simultaneamente relacionados com cada um dos fornecedores e respectivas operação económica e numa lógica globalizante, isto é, como definidores de uma conduta geral ou sistemática da Impugnada tendente a reforçar a qualidade individual de cada um dos indícios sérios e objectivos (credíveis) que sustentam a conclusão alcançada.

Por fim, essa transcrição integral ou quase integral é, no contexto que vimos referindo, ou seja, tendo em conta todos os vícios que foram invocados, a forma mais transparente e rigorosa de fixação da factualidade pertinente, já que da sua transcrição parcial podia resultar a dúvida quanto à decisão que viesse a ser tomada sobre cada uma das questões que a propósito do seu teor foram suscitadas.

É, assim, no quando traçado, perfeitamente perceptível o julgamento, que, por essa razão, não deve ser reconhecido como ambíguo ou obscuro.»

Face ao exposto, são também aqui de julgar improcedentes as conclusões vertidas nas alíneas E) e F) das alegações de recurso.

Do erro de julgamento sobre a matéria de facto

A Recorrente questiona a matéria de facto fixada na sentença, como se colhe da conclusão A das alegações do recurso supra transcritas por, segundo alega, ter dado como provados factos que nada referem sobre a notificação do projecto de relatório para além do prazo estabelecido na prorrogação, ou deixa expresso questões que não apresentam aderência com o caso concreto ou sem interesse para o caso concreto. Impugna ainda o vertido no ponto 1.13 do probatório no que respeita à data aí indicada como a da apresentação da reclamação graciosa (pontos 7 a 13 das alegações).

Seguiremos de perto, com as necessárias adaptações, o Acórdão deste Tribunal de 25 de Junho de 2020, proferido no âmbito do processo nº 254/16, que incidiu sobre a mesma matéria, a mesma Impugnante e o mesmo RIT.

“O n.º 1 do artigo 662. ° do Código de Processo Civil (CPC), determina que A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 640.º do mesmo diploma impõe que:

1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Precisa-se ainda que, quando os meios de probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, acresce aquele ónus do recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na perspectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2, alínea a) do artigo 640.º).

Resulta da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC que o TCA deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e indique os concretos meios probatórios.

Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11, proferido no processo 334/07.3 TBASL.E1): O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.

Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento. (disponível em www.dgsi.pt/).”

No caso em apreço, a Recorrente impugna o facto dado como provado na alínea 1.3, «na medida em que refere que foi dado conhecimento pessoal à impugnante em 02.07.2014 o despacho de prorrogação do procedimento inspectivo, por mais três meses, bem como a alteração do âmbito da inspecção para geral, quando o dito despacho foi notificado a 13 de Março de 2014, conforme ficou expresso em articulado 3 a 5 da petição inicial de Impugnação Judicial apresentada».

Relativamente à factualidade vertida na alínea 1.4 do probatório, invoca que nada refere a respeito de ter sido notificado para além do prazo estabelecido na prorrogação, que tinha o seu termo em 16 de Junho de 2014.

Quanto à factualidade vertida no ponto 1.9, alega que não tem interesse para o caso concreto a data de 28/07/2014, e quanto ao teor do relatório final de inspecção tributária transcrito (ponto 1.10), deixa expresso questões que não apresentam aderência ao motivado em sede de impugnação judicial.

Impugna a data vertida no ponto 1.13 do probatório, por a reclamação graciosa ter sido apresentada em 27/02/2015 e não em 02/03/2015.

Impugna a data vertida no ponto 1.15 do probatório, por a petição de recurso hierárquico ter sido apresentada em 16/06/2015 e não em 17/06/2015.

“Como se vê, para além de não ter dado cumprimento ao artigo 640.º do CPC, a Recorrente também não invoca factos, mas sim juízos conclusivos.

Um juízo de facto é um julgamento baseado em análise isenta de valores ou interpretações subjectivas identificando somente aquilo que é visível comprovado ou objectivo.

Não obstante o atrás exposto, dir-se-á que, compulsado o processo administrativo apenso, foi possível confirmar que a data aposta na petição de reclamação graciosa é a que consta do ponto [1.13] da matéria de facto dada como assente na sentença sob recurso e o mesmo se diga quanto à data de apresentação do Recurso Hierárquico.

De realçar ainda que a modificabilidade da matéria de facto pressupõe uma clara distinção entre erro na apreciação da matéria de facto e a discordância do sentido em que se formou a convicção do julgador.

Como já se deixou expresso supra a impugnação da matéria de facto visa em primeira linha modificar o julgamento da matéria de facto.

«(...) Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo).

Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, com bold apócrifo).

Por outras palavra, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.

Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10).» (Acórdão do TRG de 11/07/2017, processo n.º 5527/17.0T8GMR.G1, disponível em www.dgsi.pt/).

Na reapreciação da matéria de facto só devem considerar-se factos, e não conclusões, que face às circunstâncias do caso concreto possam ter relevância jurídica para a decisão a proferir.”

Nesta conformidade, por não cumprir os pressupostos da impugnação da matéria de facto, e, por outro lado, por a Recorrente não pretender aditar factos positivos ou negativos, pois, limita-se a invocar falta de interesse dos factos insertos nos referidos pontos para o caso concreto, sem qualquer juízo crítico próprio, o que implica a falta de utilidade para a decisão de mérito a proferir, rejeita-se o recurso nesta parte.


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Dos demais erros de julgamento

A Recorrente discorda ainda da decisão da primeira instância, alegando erro de julgamento quanto às questões apreciadas, que assim se sintetizam: (in)competência do órgão que determinou a prorrogação da acção inspectiva, violação do prazo legal para a realização da acção de inspecção, ineficácia das correcções por inexistência de despacho de ratificação do projecto do relatório e cumprimento do ónus da prova que recaía sobre a Administração Tributária (conclusões B, C, D e G das alegações do recurso).

A sentença recorrida julgou a impugnação totalmente improcedente e manteve o acto de liquidação de IRC impugnado.

Como já deixamos expresso supra, as questões formuladas foram colocadas em termos absolutamente idênticos no processo n.º 236/16.2BELRA, cujo acórdão foi proferido em 21/05/2020, acolhendo-se aqui integralmente o seu discurso fundamentador, visto que se trata da mesma situação de facto e de direito, com origem na mesma acção inspectiva efectuada à Impugnante, aqui Recorrente, pelo que se transcreve o seu discurso fundamentador relativamente a cada uma das questões a apreciar.

Do erro de julgamento relativo à competência do órgão que determinou a prorrogação do prazo da acção inspectiva

Alega a Recorrente a ilegalidade do procedimento por falta de competência do órgão que determina a prorrogação da acção inspectiva, e, ainda, que pese embora a suficiência da menção da Delegação ou Subdelegação de competência, não consta da decisão e a indicação da publicação não é contemporânea da mesma.

A sentença recorrida depois de fazer o enquadramento jurídico da questão, debruçou-se sobre o caso concreto e decidiu não dar razão à Impugnante, em suma, nos seguintes termos:

“Cumpre apreciar e decidir, começando, nos termos do artigo 124.°, n.° 1 e n.° 2 do CPPT, pela apreciação da ilegalidade do procedimento de inspecção tributária falta de competência do autor do despacho que determina a prorrogação da ação inspetiva. 

Conforme resulta da matéria de facto assente, em 2014.02.28, a inspetora tributária em regime de substituição da Chefe da Divisão II dos Serviços de Inspeção Tributária emitiu o despacho de prorrogação do procedimento inspetivo por mais três meses, bem como a alteração do âmbito da inspeção para Geral.

Dispõe a alínea b) do n.° 1 do artigo 16.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA) que “1 - São competentes para a prática dos atos de inspeção tributária, nos termos da lei, os seguintes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira:

a) (...)

b) As direções de serviços de inspeção tributária que nos termos da orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira integram a área operativa da inspeção tributária, relativamente aos sujeitos passivos e demais obrigados tributários que sejam selecionados no âmbito das suas competências ou designados pelo diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.''.

A competência do Chefe de Divisão II, quer para a prorrogação da ação, quer para o sancionamento do respetivo relatório de inspeção encontra base legal neste normativo e no despacho devidamente publicado em Diário da República, conforme se encontra mencionado no mesmo e resulta do teor do Despacho (extrato) n.° 7491/2014, publicado em Diário da República, 2.Q Serie, em 9 de junho de 2014, no qual o Diretor de Finanças de Leiria, em regime de substituição, delega na Chefe da Divisão de Inspeção Tributária II a competência para autorizar a ampliação dos atos de inspeção, nos termos das alíneas a), b), e c) do n.° 3 do artigo 36.° do RCPITA, com produção de efeitos reportados a 1 de fevereiro de 2014, com ratificação pelo delegante de todos os atos entretanto praticados desde essa data.

Donde se conclui pela competência para a pratica do ato pela Chefe de Divisão, em regime de substituição, nos termos que decorrem do artigo 42.° do Código de Procedimento Administrativo.

Assim, sem necessidade de mais considerações, improcede esta alegação da Impugnante.”

O decidido pela primeira instância merece a nossa concordância, como melhor se verá seguidamente, pelo discurso fundamentador do acórdão deste TCAS que se vem citando:

«Como é sabido, a competência é definida por lei ou por regulamento, é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo de eventual delegação ou subdelegação de poderes ou substituição nos casos não expressamente proibidos por lei (artigo 29.º n.° 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), na redacção anteriormente detida e que será a relevada infra em todos os normativos que deste diploma venham a ser convocados, atenta a data da prática dos factos, e artigo 62.º, n.° 1, da Lei Geral Tributária - LGT)

Por expressa imposição legal, o órgão delegado ou subdelegado deve mencionar essa qualidade no uso da delegação ou subdelegação, cabendo a sua substituição, nos casos de ausência, falta ou impedimento do titular do cargo, ao substituto designado na lei ou, sendo esta omissa, essa substituição deve ser assegurada pelo inferior hierárquico imediato, mais antigo, do titular a substituir, abrangendo os poderes delegados e subdelegados (artigos 38.º e 41.º do CPA).

Para além das referências que de forma especial se encontrem legalmente previstas para o acto concreto, deste devem constar sempre a indicação da autoridade que o praticou e a menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista, cabendo ao órgão competente para a prática do acto, em caso de incompetência, o poder de o ratificar, ratificação esta (tal como a reforma e a conversão) que retroagem os seus efeitos à data dos actos a que respeitam, salvo se tiver entretanto havido alteração ao regime legal pertinente (artigos 123.º e 137.º do CPA)

Posto isto, e revertendo ao caso concreto, não é discutível, face ao vertido no ponto 24. do probatório, mais concretamente face ao teor do despacho n.° 5864/2013, publicado no Diário da República, 2ª Série, n.° 87, de 7 de Maio de 2013 (identificado no documento de fls. 198 do processo administrativo) que o Director de Finanças de Leiria delegou no Chefe de Divisão M..., nomeadamente, a competência para emitir as ordens de serviço e despachos, incluindo a alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento de inspecção tributária, prevista nos arts. 13.°, 15.°, n.° 1, 16.°, n.° 1, al. b) e 46.° do RCPITA, e, bem assim, a competência para autorizar, em casos devidamente justificados, a ampliação dos actos de inspecção, nos termos dos artigos 36.°, n.° 3, als. a) a c), e 53.°, ambos do RCPITA.

É também indiscutível que ficou provado, atento o teor desse mesmo despacho, que o Director de Finanças de Leiria determinou que o Chefe de Divisão, M..., seria substituído, nas suas faltas, ausências e impedimentos, pela inspectora tributária assessora principal M.... E que o Chefe de Divisão, M..., no uso da delegação de competências conferida pelo Director de Finanças de Leiria, emitiu a Ordem de Serviço n.° OI...2, mediante despacho exarado, em 24 de Julho de 2013, e a coberto da qual os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, deram início a um procedimento de inspecção externa, em nome da Impugnante, com referência, designadamente, a IVA e IRC dos exercícios de 2011 e 2012 (cfr. factos apurados sob os n.ºs 6. e 24. do probatório).

Ficou ainda provado que a Chefe de Divisão, M..., em regime de substituição, decidiu, mediante despacho exarado a 28 de Fevereiro de 2014, prorrogar o prazo do procedimento inspectivo em mais três meses, bem como alterar o seu âmbito para geral (cfr. facto apurado sob o n.º 8.).

Ora, tendo presente a disciplina legal supra definida é forçoso concluirmos, face aos factos descritos, que que a Chefe de Divisão M..., quando proferiu o despacho que determinou a prorrogação do prazo do procedimento de inspecção tributária por mais três meses, isto é, a 28 de Fevereiro de 2014, não tinha competência para esse efeito.

Todavia, admitindo o vício em análise (incompetência relativa) sanação e tendo esta ocorrido através do despacho n.° 7491/2014 – porque aí foi delegado na Chefe de Divisão, M..., a autorização, em casos devidamente justificados, da ampliação e da suspensão dos actos de inspecção, de harmonia com os arts. 36.°, n.° 3, als. a) a c), e 53.° do RCPITA, com efeitos reportados a 1 de Fevereiro de 2014 e foram ratificados todos os actos, entretanto, praticados (artigos 134.°, n.°s 1 e 2, al. b), 135.°, 137.º, n.ºs 3 e 4, todos do CPA, 2.°, al. d), do CPPT e 4.°, al. e), do RCPITA e factualidade vertida no probatório sob o n.º 9), a questão suscitada não tem razão de ser.

Ou seja, não existe fundamento, contrariamente ao que constitui pretensão da Recorrente, para afastar da ordem jurídica o acto atacado nem os que subsequentemente foram proferidos e que da sua validade estavam dependentes. Embora sem qualquer impacto na decisão, duas notas finais se impõem para que fiquem respondidos todos os argumentos invocados pela Recorrente.

A primeira é a e que a fundamentação da liquidação é, em caso de interposição de Reclamação Graciosa e/ou Recurso Hierárquico, a que consta, ou também consta, das decisões que encerram estes procedimentos, pelo que, a alegada “fundamentação contemporânea do acto”, não faz, no caso concreto, qualquer sentido. A segunda prende-se com o momento da prolação do despacho e com o seu fim e efeitos: esse despacho nunca podia integrar a “ fundamentação” do acto, ou seja, não podia ter sido convocado pela autora do acto na data em que o proferiu, pela singela razão de que, nessa data, não existia, sendo que a sua posterior emissão, e publicação obrigatória em Diário da República, visou precisamente cobrir com o manto de legalidade, repita-se, admissível, o acto de prorrogação que, sem competência para o feito, a Chefe de Divisão M... proferiu no procedimento de inspecção.»

Pelo exposto, improcede a conclusão B das alegações do recurso.


Do erro de julgamento na apreciação da questão relativa à violação do prazo legal para a realização da acção de inspecção

A Recorrente discorda do entendimento vertido na decisão da primeira instância, por desvirtualizar o artigo 36.º do RCPITA, normativo que regula a necessidade de prorrogação da acção mediante determinados fundamentos.

A sentença recorrida concluiu não haver qualquer ilegalidade a apontar ao procedimento de inspecção tributária e com a qual concordamos.

Sobre esta questão, escreveu-se na decisão sob recurso, o seguinte:

“Quanto à alegada violação do prazo legal para a realização do processo inspectivo:

No que respeita a invocada ilegalidade do procedimento, por violação do artigo 36.° do RCPIT, cumpre referir que a ultrapassagem do prazo legal da duração do procedimento de inspeção, apenas tem por efeito a cessação do efeito suspensivo do respetivo prazo de caducidade que, neste caso, se passa a contar como se esta não tivesse tido lugar mas não determina a invalidade da própria liquidação. Neste sentido veja-se, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07-05-2008 (processo n.° 102/08).

Mas mesmo que assim não se entendesse, a natureza deste prazo procedimental é meramente ordenadora e disciplinadora da atividade inspetiva, não tendo como consequência a ilegalidade do procedimento, ou a invocada nulidade da liquidação. 

Pelo que, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, improcede o alegado pela Impugnante.”

No acórdão deste TCAS que vimos referindo ponderou-se sobre esta matéria o seguinte:

«Na verdade, nos termos do artigo 36.º, n.° 1 do RCPITA, o procedimento de inspecção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar.

Por sua vez, por força do preceituado nos n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito e diploma legais, o procedimento de inspecção deve ser contínuo e concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início, salvo se o prazo for prorrogado, o que pode ocorrer por, no máximo, por dois períodos de três meses.

A regularidade ou cumprimento deste prazo e o conhecimento das eventuais prorrogações são controladas pela cópia, assinatura e data desta apostas na ordem de serviço que determinou o procedimento, a qual deve ser entregue ao sujeito passivo no inicio daquele, alvo nas situações previstas no artigo 46.º (artigo 51.º, n.°s 1, 2 e 3 do RCPITA Nos termos do preceituado nos artigos 61.°, n.° 1 e 62.º n.º 1 e 2 do RCPITA, os actos de inspecção consideram-se concluídos na data de notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento, devendo o procedimento culminar com a elaboração de um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídico- tributária, cuja notificação ao contribuinte deve ser realizada, por carta registada, nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no n.° 4 do artigo 60.°, considerando-se concluído o procedimento na data dessa notificação.

Ora, como se constata dos factos apurados, o procedimento inspectivo realizado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria, teve o seu início a 16 de Setembro de 2013 e findou a 26 de Agosto de 2014, tendo, durante esse período de tempo sido objecto de prorrogação por três meses, notificada à Impugnante a 13 de Março de 2013(cfr. factualidade apurada nos pontos 6. , 8. e 14. do probatório e artigos 51.°, n.°s 1 a 3 e 62.º n.ºs 1 e 2 do RCPITA).

Donde, é forçoso concluirmos que, in casu, foi ultrapassado o prazo 9 meses (seis meses do prazo inicial acrescidos dos três meses do período de prorrogação), atento o preceituado no artigo 36.º, n.° 2 e 3 do RCPITA.

Acontece, porém, que contrariamente ao que a Recorrente defende, essa circunstância de facto, comprovada, não tem por efeito inelutável a ilegalidade do procedimento, conduzindo apenas, como pacífica e reiteradamente a doutrina e a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores vem explicando, a que o efeito suspensivo, produzido pela instauração do procedimento, cesse. Ou seja, o prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto, nesta circunstância de facto, contar-se-á, por força do estabelecido, conjugadamente, nos artigo 32.º, n.º 1 do RCPITA e 46.°, n.º1 da LGT, desde o seu início.1

Ora não tendo sido colocada a questão de uma eventual caducidade do direito à liquidação (talvez por a mesma, manifestamente, se não verificar, atento o preceituado no artigo 45.º da LGT e, designadamente, os factos provados em 6., 7., 12. , 14. , 15. e 16.) há que concluir que a não observância do prazo procedimental não produz sobre a validade do procedimento e dos actos subsequentes os efeitos que a Recorrente lhe imputa.»

Concluímos, assim, pela improcedência da conclusão C das alegações de recurso.

Erro de julgamento quanto à existência de despacho para efeitos do exercício do direito de audição prévia e de despacho de ratificação do órgão competente do projecto do relatório

A Recorrente imputa erro de julgamento à sentença no entendimento que o projecto de relatório foi notificado para efeitos de audição prévia fora do prazo de 3 meses da primeira e única prorrogação da acção, que a competência define-se no inicio do procedimento e mantém-se até final, desconhecendo a Recorrente quem determinou tal acto, e que os vícios que afectam o procedimento têm repercussões nos actos subsequentes inquinando-os igualmente de vício, o que equivale a que sejam considerados inexistentes, uma vez que foram praticados para além do dia 16 de Junho de 2014.

Sobre esta matéria escreveu-se na sentença sob recurso:

(…) Quanto à invocada incompetência ou inexistência de despacho que determinou o exercício do direito de audição prévia sobre o projecto de conclusões do relatório inspetivo:

Conforme resulta claro do probatório, em 2014.06.13, a Chefe de Equipa, no âmbito da delegação de competências do Diretor de Finanças de Leiria emitiu o ofício, dirigido à impugnante, precisamente para exercer o direito de audição.

Esta comunicação do projeto de relatório inspetivo, consubstancia-se no direito de participação dos contribuintes nas decisões que lhes dizem respeito, não constituindo uma decisão administrativa autónoma mas apenas um ato interlocutório do procedimento.

Não sendo definitivo não pode ser considerado um ato autónomo, lesivo, e insuscetível de por si só alterar a situação tributária dos sujeitos passivos e como tal passível de impugnação. Assim, conforme se afirmou no Acórdão do TCA Norte de 2008.11.06 (P° 00864/06.4BECBR), "O projeto de decisão administrativa, proferido para efeitos de proceder à audiência prévia dos interessados, não consubstancia ato suscetível de impugnação contenciosa, porque desprovido da necessária eficácia externa atual ou potencial, e porque, a fortiori, desprovido de potencialidade própria para lesar direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados. (...) 

A entender-se que esse ato é imediatamente lesivo dos interesses desta, estar-se-ia a esvaziar de conteúdo e sentido o instituto da audiência dos interessados. A audiência dos interessados representa o cumprimento da diretiva constitucional de "participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito" [artigo 267° n°5 da CRP] determinando para o órgão administrativo competente a obrigação de associar o administrado ò tarefa de preparar a decisão final. O seu fim legal é proporcionar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre o objeto do procedimento, chamando a atenção do órgão competente para a decisão para a relevância de certos interesses, permitindo-lhes, enfim, exercer a sua influência sobre o ato decisório final.".

Termos em que, improcede esta alegação da Impugnante.”

Adiante-se que a decisão da primeira instância também não nos merece qualquer censura.

Vejamos, prosseguindo com o discurso fundamentador do citado acórdão deste TCAS.

«Analisada a petição inicial, verifica-se que o que a Recorrente verdadeiramente invocou foi a ineficácia das correcções constantes desse projecto e do relatório da inspecção tributária por o despacho ratificativo que consta desse projecto ter sido proferido por órgão diferente daquele que determinou a acção inspectiva.

A Fazenda Pública, na contestação, subvalorizou completamente esta questão, alegando que, sendo o projecto de relatório um acto meramente interlocutório, carecia, desde logo, de relevo o alegado por não produzir quaisquer efeitos desfavoráveis definitivos para o contribuinte, sem prejuízo de referir que aquele projecto ficou perfeito com o parecer que dele consta do Chefe de Equipa.

Diga-se, desde já, como ficou reconhecido na sentença recorrida, que lhe assiste razão nos dois argumentos. Assiste-lhe razão quando afirma que do ponto de vista formal o projecto do relatório sempre estaria perfeito com o despacho que nele foi exarado, atenta a qualidade de quem o exarou, pois, como vimos a propósito da questão antecedente, esse despacho foi proferido pela Chefe de Equipa no exercício de competências delegadas.

Expomos os três pilares e que sucessivamente assenta a nossa decisão:

- a competência se fixa no momento em que se inicia o procedimento e que são irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente ou as modificações de direito, excepto, quanto a estas últimas, se for extinto o órgão a que o procedimento estava afecto, se deixar de ser competente ou se lhe for atribuída a competência que inicialmente careça (artigo 30.°, n.° 1 e 2 do CPA).

- os órgãos da administração tributária podem delegar a competência do procedimento, o que significa que a direcção e instrução cabe ao órgão competente para a decisão ou à pessoa a quem essa competência seja delegada (artigos 62.º, n.º 1 da LGT e 86.º, n.º 1 do CPA).

- a participação dos contribuintes prevista no artigo 60.º da LGT constitui a concretização no direito jurídico-tributário do direito constitucional do administrado conhecer e influenciar os procedimentos em que tenha interesse pessoal e directo - como é o caso do procedimento de inspecção sempre que dele resultar ou for susceptível de resultar a emissão de acto desfavorável ao sujeito passivo inspecionado, sendo essa a razão e os fins do que está consagrado no artigo 60.°, n.° 1 do RCPITA: concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, deve esta ser notificada no prago de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação.

No caso concreto ficou provado que:

- o Director de Finanças de Leiria delegou (i) no Director de Finanças Adjunto, nomeadamente, a competência, para o que ora releva, para proceder à emissão das ordens de serviço e despachos, incluindo a alteração dos fins, âmbito e extensão do procedimento de inspecção tributária, prevista nos artigos 13.°, 15.°, n.° 1, 16.°, n.° 1, al. b), e 46.° do RCPITA; para fixar o prazo de audição prévia no âmbito dos procedimentos inspectivos e a prática dos actos subsequentes até à conclusão do procedimento, ao abrigo do disposto nos artigos 60.°, n.° 4 da LGT e 60.° do RCPITA, e para sancionar os relatórios de acções inspectivas e das informações concluídas nas respectivas divisões, nos termos do artigo 62.°, n.° 6, do RCPITA; (ii) no Chefe de Divisão M..., nomeadamente, as competências anteriormente apontadas; (iii) na inspectora M... a competência para fixar o prazo de audição prévia nos procedimentos inspectivos e a prática dos actos subsequentes até à conclusão do procedimento, no âmbito da chefia das respectivas equipas, ao abrigo do disposto nos artigos 60.°, n.° 4 da LGT e 60.° do RCPITA (cfr. ponto n.° 24 do probatório).

- o Chefe de Divisão, M..., no uso da delegação de competências conferida pelo despacho n.° 5864/2013, emitiu a Ordem de Serviço n.° OI...2, mediante despacho exarado, em 24 de Julho de 2013, a coberto da qual foi realizado o procedimento de inspecção tributária;

- a 13 de Junho de 2014, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria, elaboraram o projecto de relatório da inspecção tributária, no âmbito do referido procedimento, sobre o qual recaiu, na mesma data, a assinatura do inspector tributário que o elaborou e, bem assim, da Chefe de Equipa M..., no uso de delegação de competências, conferida pelo despacho n.° 5864/2013;

- a 28 de Julho de 2014, os Serviços da Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Leiria emitiram o relatório final do procedimento de inspecção tributária, sobre o qual foi proferido despacho do Director de Finanças Adjunto, no uso da delegação de competências conferida pelo despacho n.° 5864/2013.

Em suma, não há dúvidas que, em resultado de sucessivas delegações e subdelegações de competências, a Chefe de Equipa M... estava legalmente habilitada para determinar a audição prévia, que com essa notificação, foi escrupulosamente assegurado à Recorrente o exercício do direito que se visava salvaguardar e que esta o exerceu, razão pela qual, tendo ainda presente o que deixámos dito a propósito da sanação dos actos por aquela praticados, nem sequer se coloca a necessidade da sua ratificação nos termos do artigo 137.º, n.º 3 e 4 do CPA (cfr. factualidade apurada de 6. a 11. e 24. do probatório).»

Face ao exposto, improcede também a conclusão D das alegações do recurso.

Erro de julgamento por considerar que a Administração Tributária cumpriu o ónus da prova que sobre si recaía

Resta apreciar se a AT fez a prova que lhe competia para desconsiderar as facturas, por não titularem operações económicas entre a Recorrente e outras sociedades, entre as quais se encontra a “O... – Sociedade Unipessoal, Lda.”.

Efectivamente, a matéria colectável da Recorrente relativamente ao exercício de 2012 foi corrigida por a AT não ter aceite como custos os valores das facturas emitidas à Recorrente por não titularem transacções efectivas, correcções alicerçadas nos factos descritos no relatório de inspecção tributária (pontos 1.11 e 1.12 do probatório).

Alega a Recorrente, em síntese, que disponibilizou todos os elementos contabilísticos e o acesso aos movimentos bancários e tendo os equipamentos comprados neste período sido vendidos para o exterior, a IT não só não se pronuncia sobre a legalidade da venda, como também não fez nenhuma diligência junto da Alfândega, tendo em vista apurar de alguma ilegalidade na exportação, pelo que não aceita que o ónus probatória tenha sido cumprido.

Atentemos no teor da sentença recorrida, quanto a este ponto:

“(…)Quanto à correções propriamente ditas de em sede de IRC, relativamente ao exercício de 2012:

Alega a Impugnante que, ao contrário do entendido pela Inspeção Tributária, não há indícios suficientemente credíveis de que as transações não foram realmente efetuadas, tendo a Impugnante disponibilizado todos os elementos contabilísticos, tendo toda a faturação sido emitida de acordo com os preceitos legais em vigor. Mais alega que o incumprimento de alguns seus fornecedores perante o fisco ou o facto de o meio de pagamento ter sido endossado a quem entender o recetor do mesmo, não constitui indício da prática de crime fiscal.

Ora, a administração tributária recai o ónus de provar que reúne os pressupostos legais que a habilitam a proceder às correções de IVA, nos termos do artigo 74.°, n.° 1 da Lei Geral Tributária (LGT), cabendo-lhe demonstrando a factualidade que abala a presunção de veracidade das declarações do contribuinte, prevista no artigo 75.°, n.° 1 da LGT.

Por seu turno, resulta do artigo 19.°, n.° 3 do CIVA que "não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura ou documento equivalente.".

É jurisprudência pacífica dever interpretar-se a expressão "operação simulada" como querendo referir-se a qualquer operação total ou parcialmente inexistente, abrangendo o referido preceito tanto as situações de simulação absoluta, como as situações de simulação relativa, que se poderá representar como a simulação do valor da operação, ou dos seus intervenientes.

Destarte, administração tributária não tem de fazer a prova direta da simulação, sendo suficiente a prova indireta, não se tornando, assim, necessário que a administração tributária prove os pressupostos da simulação previstos no artigo 240.° do Código Civil, bastando a prova de elementos indiciários que a levam a concluir nesse sentido.

Assim mesmo vem sendo entendido pelos tribunais superiores, que consideram que não é possível a dedução do IVA quando às faturas não corresponda uma operação económica concreta, concluindo, assim, que a possibilidade de dedução está  intimamente conexionada com a existência de uma concreta transação comercial, transmissão de bens ou prestação de serviços. Daqui resulta que "o direito de dedução do IVA pago a montante apenas poderá existir, segundo a própria natureza das coisas, relativamente a imposto efetivamente suportado em operações efetivamente acontecidas. De contrário, estaríamos perante um simples arquétipo intelectual virtual e não perante um tributo que visa atingir de forma geral o consumo real de bens e serviços nos diversos estádios do circuito económico." (neste sentido, Ac. STA de 2002.04.17, proc. n.° 026635).

Na sua tarefa, os serviços inspetivos da AT podem, inclusivamente, lançar mão de elementos obtidos com recurso a fiscalização cruzada, obtidos junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das faturas não têm necessariamente que advir de, nem sequer em exclusivo, de elementos do próprio contribuinte fiscalizado. Ou seja: os SIT podem utilizar elementos concernentes aos emitentes das faturas para concluir pela existência de faturação falsa.

Cumprido este ónus probatório, recai sobre o contribuinte o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a deduzir o imposto nos termos do disposto no artigo 19.°, n.° 3 do CIVA, ou seja, o ónus de demonstrar que as transações tituladas pelas faturas apresentadas são verdadeiras e reais e, por conseguinte, tem direito a proceder a dedução do respetivo imposto.

In casu, e conforme consta do relatório de inspeção que deu origem ao ato de liquidação aqui sindicado, os serviços inspetivos concluíram que a mercadoria constante das faturas desconsideradas pode ter sido adquirida pela Impugnante, mas não nos termos em que as respetivas faturas de compra titulam.

Para chegar a esta conclusão, os SIT tiveram em consideração os seguintes fatores:

- as faturas emitidas em nome de A..., SRL foram anuladas depois do TOC da impugnante ter detetado que aquela empresa não se encontrava registada para efeitos de transações intracomunitárias;

- a pessoa com quem o sócio-gerente da impugnante afirmou perante os Serviços de Inspeção ter realizado as transações é funcionário da S..., S.A, tendo indicado também os contactos desta empresa;

- os documentos contabilísticos que suportam os pagamentos registados na conta corrente da T..., Lda. têm a indicação manuscrita "S...";

- encontra-se registado em Outubro de 2012 na conta corrente da S..., S.A. um depósito em numerário de €43.420,00, com indicação de empréstimo, seguido de um "pagamento" através do cheque n° 8296773312, no valor de €43.419,00, constatando-se que este valor corresponde ao valor de cada cheque pré-datado emitido pela impugnante à T..., Lda. em março 2012, o que não parece ser coincidência, e

- as empresas A..., SRL, O..., Lda. e T..., Lda. não têm estrutura (instalações, pessoal, compras, ...) que lhes permita a realização das operações tituladas pelas faturas emitidas em seu nome.

Ora, esta factualidade apurada, concatenada, permite concluir pela existência de indícios de que as transações tituladas pelas faturas emitidas em nome de A..., SRL, O..., Lda. e T..., Lda. não correspondem a transações efetivas no que respeita aos seus intervenientes, e que a impugnante P..., Lda. tinha conhecimento destes factos.

Daí que, os custos resultantes destas faturas não sejam dedutíveis, e assim é porque, embora o Código do IRC não estabeleça uma definição precisa do conceito de gasto fiscal, antes elencando uma lista não exaustiva de gastos fiscalmente dedutíveis, são considerados gastos para efeitos fiscais aqueles que são suportados pela empresa e indispensáveis à realização dos proveitos ou à manutenção da fonte produtora.

Integram este conceito os que preenchem os requisitos gerais necessários à dedutibilidade fiscal, dos quais se destacam a prova material, a indispensabilidade, a conexão dos gastos com os proveitos e a efetividade dos gastos realizados. Estes requisitos fundamentais têm sido amplamente desenvolvidos pela doutrina e a jurisprudência.

O artigo 23.° do CIRC confronta com muitas outras normas e princípios fiscais e contabilísticos e não é, de facto, o único dispositivo a admitir a dedutibilidade dos gastos fiscais, estando previsto no CIRC outras categorias, como é o caso dos artigos 34.° e 45.° do CIRC. Perante esta diversidade de normas, torna-se necessário delimitar os critérios que contribuem para a determinabilidade dos gastos e que concorrem para a convergência entre a contabilidade e fiscalidade.

Um dos requisitos essenciais a dedutibilidade dos gastos prende-se com a efetividade dos gastos incorridos. Um gasto só pode ser fiscalmente relevante se tiver sido realmente suportado pelo sujeito passivo, isto é, se o gasto contabilizado corresponder a uma transação efetivamente realizada. Assim,

Não se pode, por exemplo, deduzir um gasto que tenha resultado de operações simuladas ou cujo preço tenha sido simulado, como sucede no caso de faturas falsas destinadas a diminuir o lucro tributável. Para combater esta situação, prevê-se que a tributação incida sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado (artigo 39.° da LGT).

Tanto basta para que os Serviços de Inspeção tributária efetuem as correções técnicas aqui em causa, competindo, de seguida, a impugnante, contrariar os mencionados indícios.

Ou seja, a Autoridade Tributária deu a conhecer a forma de apuramento das irregularidades apontadas, demonstrou a respetiva existência, bem como da determinação das correções efetuadas nos períodos em apreço, fazendo, assim, a prova que lhe compete nos termos do artigo 74.° da LGT.

Inversamente, competia a Impugnante afastar os supramencionados indícios, demonstrando que as faturas refletem operações nos exatos termos em que foram emitidas. 

Todavia, a Impugnante não cumpriu o seu ónus probatório a este respeito, porquanto os documentos apresentados por si junto com os procedimentos administrativos não foram suficientes para contrariar as irregularidades encontradas durante a inspeção em causa, nem tampouco nesta sede impugnatória efetuou qualquer prova adicional, fosse documental ou testemunhal, que permitisse abalar a factualidade descrita.

Impunha-se que a impugnante fosse mais longe no cumprimento do seu ónus probatório (artigo 74.° da LGT). Não logrando fazê-lo, nesta parte, tal não pode deixar de ser decidido contra si, pois obtidos indícios credíveis e exposta a factualidade capaz de sustentar uma probabilidade elevada da simulação das operações constantes das faturas em análise nos presentes autos, fica ilidida a presunção legal de veracidade das declarações da Impugnante e dos dados constantes da sua contabilidade, nos termos do disposto no artigo 75.°, n.° 2 da LGT, cabendo-lhe então o ónus da demonstração da efetiva realidade dos intervenientes nas transações em causa nos presentes autos, titulados pelas faturas aqui sindicadas, sem margem para dúvidas.

No caso em apreço, essa prova não foi feita: os elementos documentais carreados para os autos pela impugnante não permitem demonstrar o verdadeiro e real circuito monetário envolvido nas várias transações tituladas pelas faturas em causa nos presentes autos, porquanto os os documentos juntos não comprovam que os produtos constantes das faturas foram efetivamente fornecidos ou vendidos pelas entidades emitentes das faturas, apenas evidenciando o circuito formal do movimento comercial e contabilístico. 

Em suma, os documentos apresentados pela Impugnante não são bastantes para comprovar que os bens que constam das faturas desconsideradas pelos SIT foram efetivamente fornecidos pelas emitentes, porquanto a impugnante apenas se preocupou em demonstrar, formalmente, a compra e venda de mercadorias e respetivo pagamento do preço, olvidando não foi posto em causa a existência efetiva das transações ou do pagamento do respetivo preço, mas sim os seus intervenientes e os meios de pagamento utilizados, o que era do conhecimento da impugnante, circunstância que esta não logrou desconstruir.

Como tal, conclui-se que os SIT lograram carrear indícios sérios e credíveis de que os emitentes das faturas em causa nos presentes autos não foram os reais fornecedores da mercadoria adquirida e depois exportada pela impugnante, não tendo esta conseguido demonstrar que não tinha conhecimento dessa circunstância.

Cumpre ainda registar que tendo sido esta a linha argumentativa da Impugnante em sede de recurso hierárquico, outra não podia ser a decisão daquele procedimento, ao entender que não tendo sido suscitado nenhum quadro factual original, nem acrescentado qualquer quadro legal inovatório em relação àquele em que se sustenta a informação prestada pelos SIT no seu relatório, que dá por integralmente reproduzida, dever ser mantida a posição da AT, pelo que inexiste a invocada falta de fundamentação da decisão que indefere o recurso hierárquico.(…)”

Como se disse no Acórdão deste TCAS de 25/06/2020, identificado supra, “configura entendimento jurisprudencial reiterado e sólido, em situações como a dos autos, quando a Administração Tributária procede a correcções da matéria colectável declarada por considerar que as facturas que documentam custos, em IRC, não correspondem a operações reais, compete-lhe reunir e demonstrar factos que permitem, com recurso às regras de experiência, concluir que as facturas visadas não correspondem a operações reais e efectivas.

Cumprido este encargo pela Administração Tributária, passa a impender sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que tais facturas consubstanciam operações realmente efectuadas pela entidade emitente desses documentos e pelos valores constantes dos mesmos, comprovando que os custos que contabilizou, não lhe aproveitando a mera criação de dúvida, ainda que fundada, por o artigo 100.º do CPPT não ser aplicável neste caso. (vide neste sentido acs. do TCA Sul de 22/01/2002, processo nº 5884/01, do STA de 27/10/2004, proc. n.º 810/04, do TCA Norte de 24/01/2008, proc. n.º 02887/04-Viseu, e acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 27/02/2019, proc. n.º 01424/05, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt).

In casu, julgamos, tal como decidido na primeira instância, que a Administração Tributária recolheu indícios concretos e objectivos de que as operações constantes das facturas emitidas pela sociedade O... – Sociedade Unipessoal, Lda. à Impugnante não correspondem a transacções reais, ilidindo assim a presunção de veracidade e de boa-fé de que as mesmas beneficiavam.

De registar que, não obstante o desempenho probatório da Impugnante, aqui Recorrente, ter sido insuficiente ao longo do processo, persiste em afirmar que disponibilizou todos os elementos contabilístico e bancários e que toda a facturação foi emitida de acordo com os preceitos legais, sem nada mais acrescentar, quando resulta dos autos que não logrou provar, designadamente, o pagamento das quantias inscritas nas identificadas facturas no RIT, a existência de documentos de transporte na aquisição dos veículos, sendo que algumas facturas foram substituídas por outras emitidas por uma sociedade com actividade cessada.

Daí que, incumbindo à Impugnante, aqui Recorrente, o ónus da prova, nos termos do artigo 74.º da LGT, tais montantes não possam ser considerados como custos para efeitos fiscais.”

Sobre esta matéria, pronunciou-se o acórdão do TCAS, que temos vindo a citar e cuja fundamentação acompanhados, da forma seguinte:

«Revemo-nos, pois, integralmente, na valoração realizada que transcrevemos, não sendo exigível, como defende a Recorrente, que a Administração Tributária tivesse ido ainda mais longe na averiguação das transações subsequentes (exportações) porque, como bem sabe, e resulta claramente da fundamentação das liquidações impugnadas, a questão não está na inexistência das operações, mas na sua não concretização quanto aos intervenientes e subsequente dedução do IVA.

Por outro lado, não tem o Recorrente, minimamente, razão quando alega que cumpriu o seu ónus probatório.

Na verdade, centrando-se a questão na identidade dos intervenientes das transações fiscalmente afastadas, impunha-se que o Recorrente tivesse demonstrado que foi com as sociedades cujos fornecimentos estão em causa nos autos que efectivamente celebrou os mencionados negócios.

Ora, como a prova produzida demonstra, tal circunstancialismo de facto não resultou provado, como de forma assertiva o Tribunal deixou expresso, ou seja, não ficou provado que as compras tituladas naquelas facturas tenham sido efectivamente vendidas pelas supra identificadas sociedades. Sendo, outrossim, evidente que a Recorrente bem sabia, pelo conhecimento que tinha da pessoa que intermediou os negócios – os múltiplos negócios ao longo dos anos –, as funções que este desempenhava e a quem se destinavam os cheques, especialmente que não seriam recebidos pelo interveniente “formal” do negócio. Ou seja, não se provou que as facturas fossem efectivamente verdadeiras quanto aos intervenientes e provou-se que sabia que elas não eram verdadeiras na parte questionada na fundamentação das liquidações.

Face ao exposto, não sendo, por isso, crível, que não tivesse consciência da falta de aderência à realidade das facturas nesta parte.»

Concluímos, assim, pela improcedência da conclusão G do recurso.

Por último, não poderá deixar de se registar que a Recorrente nas suas alegações alheia-se em algumas das questões apreciadas dos fundamentos determinantes da decisão de improcedência da impugnação, não ensaiando demonstrar o desacerto da respectiva fundamentação, pondo antes em crise os procedimentos e os fundamentos determinantes do acto de liquidação também já invocados em sede dos procedimentos graciosos apresentados, pelo que também por aqui, na parte respeitante aos vícios que imputa ao procedimento inspectivo, o presente recurso sempre estaria votado ao insucesso, já que as alegações e conclusões se revelam, como se viu, completamente ineficazes para suscitar qualquer tipo de censura à decisão recorrida.

Atento o supra exposto, a sentença não merece censura, pelo que ao recurso será negado provimento.


*


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 9 de Julho de 2020

Após trânsito em julgado, remeta cópia do presente acórdão ao proc. n.º 37/14.2IDLRA, Juízo de Instrução Criminal de Leiria – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)