Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10914/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/15/2015
Relator:NUNO COUTINHO
Descritores:PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES EMERGENTES DE TRANSACÇÕES COMERCIAIS.
Sumário:O recurso ao procedimento de injunção só era admissível, face à lei vigente à data – D.L. nº 32/2003, de 17 de Fevereiro - quando se destinava a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000 €, ou quando tinha por fim exigir o cumprimento das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo referido diploma legal, independentemente do seu valor.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório

D………….., Portos …………., S.A. recorre da sentença proferida pelo T.A.C. de Lisboa Acórdão 11 de Junho de 2013 que absolveu da instância a Ré S…………. II – Construção ………………, Lda, decisão fundada no uso indevido e inadequado do procedimento de injunção.

A Recorrente formulou as seguintes conclusões:

I. A Ora Apelante é uma empresa do sector empresarial do Estado que tem por objecto, nos termos dos seus Estatutos anexos ao D.L. n°. 107/90 de 27 de Março (art°. 3°.), : “a exploração de portos de pesca e lotas, em regime de concessão ou outro, a prestação de serviços de primeira venda de pescado, a exploração de infra-estruturas de apoio aos utentes, a produção de gelo e frio, bem como quaisquer outras actividades conexas”.
II. Para o exercício do supra descrito objecto social, a ora Apelante explora, a nível nacional, portos de pesca e lotas e de entre estes, explorava, à data dos factos, o porto de pesca de ……………, em Lisboa.
III. No âmbito da sua actividade a ora Recorrente concedeu, em 01-05- 1997, à Ré, ora Recorrida, autorização para esta ocupar um espaço no Porto de Pesca de ........., em Lisboa, o denominado armazém de comerciantes n°. 10.
IV. Como contrapartida pela utilização daquele espaço a ora Recorrida obrigou-se a pagar uma remuneração mensal.
V. A Recorrida obrigou-se ainda a pagar o valor mensal devido pela água e electricidade que a Recorrente lhe fornecia.
VI. A ora Recorrida utilizou o supra referido espaço na sua actividade comercial, no período compreendido entre 01-05-1997 e 31-12-2010.
VII. A Recorrida, até 01-06-2008, pagou todos os valores facturados, quer os referentes à ocupação do espaço, quer aos fornecimentos de água e electricidade, sendo que a partir dessa data e até desocupar as supra identificadas instalações, em 31-12-2010, não procedeu ao pagamento da restante facturação.
VIII. Assim, a ora Recorrente apresentou no Balcão Nacional de Injunções, uma injunção contra a ora Recorrida, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 29.243,93 €, acrescida de juros de mora vincendos, pedido que foi apresentado ao abrigo da norma que permite o recurso ao processo de injunção para exigir o cumprimento das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n°. 32/2003, de 17 de Fevereiro, conforme o art°. 7° do Anexo ao Decreto-Lei n°. 269/98, de 1 de Setembro.
IX. A Mma Juiz aquo veio a proferir sentença absolvendo a ora Recorrida da instância, ao julgar que a ora Recorrente fez um uso indevido e inadequado do meio processual de injunção, por não estar em causa uma obrigação emergente de uma transacção comercial, fez uma interpretação errada do supra citado Decreto-Lei.
X. A Ora Recorrente, não perfilha do douto entendimento da Mma. Juiz a quo uma vez que, nos termos do art°. 3° alínea a) do Decreto-Lei 32/2003, de 17 de Fevereiro “transacção comercial é qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra um a remuneração”.
Xl. E que nos termos da alínea b) do artigo supracitado “Empresa” é qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma.”
XII. Ora, quer a Ora Recorrente quer a ora Recorrida são empresas que exploram actividades económicas autónomas, sendo que a Recorrente no âmbito da sua actividade comercial, a exploração de portos e lotas, forneceu um serviço à Recorrida, cedeu-lhe um espaço para que esta desenvolvesse a sua actividade, contra uma remuneração.
XIII. Assim, nos termos do art° 3° alínea a) do Decreto-Lei 32/2003, de 17 de Fevereiro, estamos em presença da existência de transacções comerciais entre duas empresas, que deram origem à faturação junta aos autos.
XIV. Tendo a douta decisão violado o disposto no art°. 3° alíneas a) e b) do decreto-Lei n°. 32/2003, de 17 de Fevereiro, merecendo ser revogada, na parte que absolve a Recorrida da instância, devendo os presentes autos prosseguir.
Nestes termos, e nos melhores de direito e sempre com o douto suprimento de V.Exas. deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida, impondo-se o prosseguimento dos termos dos presentes autos, com todas as consequências legais, desse modo se fazendo JUSTIÇA

A recorrida não contra-alegou.

II – Para a decisão do recurso dirigido a este Tribunal importa dar como assentes os seguintes factos:
A)
No dia 25 de Fevereiro de 1987 foi celebrado entre a Administração do Porto de Lisboa e a D………. – Sociedade ………………., SARL, acordo escrito denominado “contrato de concessão do direito de exploração da Doca de Pesca de .........” – cfr. fls. 112/127 dos autos.

B)
D………. Portos ………., S.A. requereu, em 8 de Agosto de 2012, no Balcão Nacional de Injunções fosse notificada S……….. II – Construção ……………………..; Lda para proceder ao pagamento da quantia de 29.243,93 €, sendo 21.325,38 € a título de capital e 7.765,55 € a título de juros de mora. – cfr fls.4/5 dos autos.

III - Fundamentação jurídica

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas alegações importa conhecer da pretensão recursiva formulada.

Dispunha o art.º 7° do regime aprovado pelo Decreto-Lei n° 269/98, de 1/9, na redacção dada pelo Decreto-Lei n° 32/2003(1), de 17/2, o seguinte:

“Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o art.º 1° do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n° 32/2003, de 17 de Fevereiro”.

Por seu turno, preceitua o artigo art.º 1° do DL 269/98, de 1/9, na redacção dada pelo DL n° 303/2007, de 24 de Agosto o seguinte:

“Artigo 1.º
Procedimentos especiais
É aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma.»

Este procedimento só é admissível quando se destine a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000 €, ou quando tem por fim exigir o cumprimento das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n° 32/2003, de 17 de Fevereiro, independentemente do seu valor.

Sendo de 29.243,93 euros o valor do presente procedimento, está fora de questão a situação referida em primeiro lugar, pois ultrapassa o valor supra aludido – 15.000 €.

Mas poderá ter lugar se tiver por fim exigir o cumprimento das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n° 32/2003, de 17 de Fevereiro.

Importa verificar se a situação se subsume a esta finalidade.

O art.º 2º do DL 32/2003, de 17.2 (que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho de 2000), previa (2):
“1 – O presente diploma aplica-se a todos os pagamentos efectuados como remunerações de transacções comerciais.
2 – São excluídos da sua aplicação:
a) Os contratos celebrados com consumidores;
b) …
c) …”
Afirma Salvador da Costa, que o conceito de transacção comercial está utilizado no texto legal em sentido amplo, abrangendo qualquer transacção entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra remuneração - art. 3º alínea a) do DL 32/2003.

E acrescenta que os sujeitos das transacções comerciais a que este normativo se reporta são susceptíveis de englobar as empresas privadas em geral, as pessoas colectivas públicas e os profissionais liberais.

Por outro lado, o conceito de empresa também está utilizado em sentido amplo, abrangendo qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por uma pessoa singular - art.º 3º, alínea b).

No caso em apreço, a A. é uma empresa do sector empresarial do Estado que tem por objecto, nos termos dos respectivos estatutos, anexos ao Decreto Lei nº 107/90, de 27 de Março – cfr. artº 3º - “ a exploração de portos de pescas e lotas, em regime de concessão ou outro, a prestação de serviços de venda de pescado, a exploração de infra-estruturas de apoio aos utentes, a produção de gelo e frio, como quaisquer outras actividades conexas.

A recorrente explora, a nível nacional, portos de pesca e lotas e de entre estes o porto de pesca de ........., em Lisboa, do qual foi concessionária da sua exploração, nos termos e condições das Bases anexas ao Decreto-Lei nº 40.764, de 7 de Setembro de 1956, alteradas pelo Decreto-Lei nº 197/86, de 18 de Julho.

A referida concessão tinha por objecto “…o funcionamento regular e contínuo do serviço de descarga, venda e expedição do pescado da doca de pesca de ........., com vista ao abastecimento da zona de influência do centro de pesca de Lisboa, bem como de outras actividades que possam contribuir para a melhor consecução desse objectivo…” (Base I anexa ao DL nº 197/86).

Entre a recorrente e a Administração do Porto de Lisboa foi celebrado contrato administrativo de concessão de uso privativo do domínio público através do qual a concedente transferiu para a ora recorrente o direito de uso privativo das parcelas dominiais que integram o domínio público hídrico, conferindo o aludido instrumento contratual o direito à ora recorrente de ceder, a terceiros, o uso privativo de terrenos e instalações que constituíssem o estabelecimento por concessão ou mediante a emissão de títulos de ocupação precária, nos termos do artigo 18º do Decreto Lei nº 468/71, de 05 de Novembro.

Conforme alega a recorrente no item 17º da resposta à excepção de erro na forma de processo, acordou com a recorrida que, apesar de esta já não dispor de qualquer título – licença de ocupação – continuasse a ocupar o armazém nº 10 do Porto de Pesca de ........., obrigando-se a recorrida a pagar um valor mensal de compensação pela manutenção e segurança do espaço, bem como a água e energia eléctrica que consumia – cfr. item 18º da referida peça processual -, baseando-se assim o pedido formulado no pagamento acordado pela ocupação de espaços, bem como dos consumos de água e energia eléctrica nos mesmos consumidos.

Perante isto importa determinar se é legítimo o recurso ao procedimento de injunção, para o que importa recordar o artigo 3º do Decreto-Lei nº 32/2003, no qual se define transacção comercial como “qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração” – cfrº artº 3 do Decreto-Lei nº 32/2003.”

Entende que o Tribunal que o recurso está votado ao insucesso, dado que sendo inequívoco que não estamos perante qualquer prestação de serviços, nos termos definidos no artº 1154 do Código Civil como “…aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar a outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”, constituindo, igualmente, entendimento deste Tribunal que também não estamos perante transacção que dê origem ao fornecimento de mercadorias dado que, como bem se refere na decisão recorrida, “o que está em causa não é o fornecimento de mercadorias ou a prestação de serviços contra uma remuneração, mas a transferência do direito de uso de um espaço contra o pagamento de uma compensação.”

Com efeito, o acordo – que a recorrente invoca ter celebrado com a recorrida – permitiu, ainda que recorrida não dispusesse de título, que esta continuasse a ocupar o armazém do Porto de Pesca de Lisboa mediante o pagamento de um valor mensal destinado a compensar os gastos da recorrente com manutenção e segurança dos espaços, bem como a água e energia eléctrica que a recorrida consumia, acordo que, com os contornos gizados pela própria recorrente não configura nenhuma transacção comercial que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração, pelo que deve improceder a pretensão recursiva formulada.

IV - Decisão

Assim, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso
Custas pela recorrente.
Lisboa, 15 de Janeiro de 2015


Nuno Coutinho
Carlos Araújo
Rui Belfo Pereira

(1) Preceito revogado pelo D.L. 62/2013, de 10 de Maio.
(2) Idem.