Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1260/16.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:OPOSIÇÃO FISCAL;
FUNDAMENTOS.
Sumário:I.A discussão da legalidade da liquidação da dívida exequenda na oposição à execução só é permitida nos casos em que, por via do “âmbito da execução fiscal” definido no artigo 148º do CPPT, são cobradas dívidas, através de tal processo, que não foram criadas por acto administrativo. Só em relação a estas se pode afirmar que o executado não teve anteriormente a possibilidade de utilizar meio judicial de impugnação ou recurso para sindicar a respectiva legalidade.

II. Na circunstância dos autos (execução das obras pela câmara municipal – artigo 86º do RJUE) o meio processual próprio para sindicar a legalidade do despacho proferido pelo Presidente da Câmara determinando o pagamento subjacente à dívida exequenda é a acção administrativa especial.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO
L......., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a oposição que deduziu à execução fiscal nº………….. , instaurada pelo órgão de execução fiscal (OEF) para cobrança de dívida relativa à falta de pagamento de liquidação emitida por custo de obra coerciva, juros compensatórios e custas.

Terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«UM: O douto Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não fez um julgamento correcto, no que toca à matéria de facto.

DOIS: O douto Tribunal a quo julgou como provados os factos n°s 1 a 12 do elenco dos factos dados como provados, não julgou quaisquer factos como não provados, tendo ainda referido que não existiam outros factos, provados ou não, com interesse para a decisão da causa.

TRÊS: O douto Tribunal a quo desconsiderou a existência de diversos factos com interesse para a decisão da causa e que se reportam ao núcleo essencial da defesa da ora Oponente.

QUATRO: Deverão ser adicionados ao elenco de factos provados os seguintes factos:

a) Para efeitos da realização da obra coerciva referida em 4) e 5), a Lisboa Ocidental celebrou contrato de empreitada com a Z......., Unipessoal, Lda.

b) A Cláusula 37° do contrato de empreitada referido em a) refere o seguinte: “1. A remoção dos materiais e elementos de construção ou demolição deverá respeitar o Plano de Prevenção e Gestão de Resíduos de Construção e Demolição que integra este contrato.

4. Em caso de falta de cumprimento pelo Empreiteiro das obrigações estabelecidas nos números anteriores poderá a Fiscalização fazer transportar os materiais ou os elementos de construção em causa para onde mais convenha, pagando o que necessário for, tudo à custa do Empreiteiro, mas dando-lhe prévio conhecimento da decisão.

5. O Empreiteiro, no final da obra terá de remover do local dos trabalhos os restos de materiais ou elementos de construção, entulhos, equipamentos, andaimes e tudo o mais que tenha servido para a sua execução no prazo mínimo de 5 dias contados a partir da data de conclusão da Empreitada.

7. Dentro dos prazos que a Fiscalização marcar, o Empreiteiro terá de remover do local dos trabalhos e da via pública todos os produtos resultantes de escavações, demolições, arranque de vegetação e limpeza geral.”

c) A Opoente respondeu ao ofício referido em 6), a 26 de Julho de 2014, através de carta registada, avisando que a empreitada não se encontrava concluída, de acordo com o que ficou estabelecido no caderno de encargos, pois, até à data, ainda se encontrava entulho, proveniente da demolição levada a cabo pela Z......., sendo, por esse motivo, o pagamento extemporâneo, uma vez que estava a ser reclamado antes de concluída a empreitada.

d) A Lisboa Ocidental respondeu à Opoente, através de carta datada de 18/09/2014, afirmando que a empreitada previa que a demolição das fachadas fosse efectuada com recurso a meios mecânicos pesados, cuja utilização implicaria o corte de trânsito na Rua de Alcântara durante duas semanas e que, para evitar a interrupção de trânsito, o processo de demolição foi alterado para “demolição manual por derrube”, sendo que, como o processo era mais oneroso, só seria possível manter o custo da operação, na condição de os materiais provenientes da demolição serem mantidos no local.

e) A Opoente respondeu à Lisboa Ocidental, através de carta registada enviada a 29 de Setembro de 2014, onde se refere, para além do mais, o seguinte:

“Na referida carta vêm V.Exas, pela primeira vez, referir que alteraram alguns dos trabalhos referenciados no caderno de encargos da referida empreitada, sem nunca terem comunicado à signatária a alteração do mesmo. Uma vez que os trabalhos efectuados, pela empresa Z....... Unipessoal, Lda, não correspondem aos trabalhos adjudicados por V. Exas, como confessam na carta supra identificada (..). Se a alteração dos procedimentos implicava a não realização de todos os trabalhos elencados no caderno de encargos da referida empreitada, pela empresa que tinha sido escolhida por V. Exas, pelo preço adjudicado, necessariamente, teriam V. Exas de notificar a signatária das respectivas alterações aos trabalhos definidos no caderno de encargos, porque essas alterações iriam ter implicações financeiras para a signatária. A não realização de todos os trabalhos constantes do caderno de encargos, nomeadamente, a remoção do entulho, fazia com que V. Exas deveriam ter tomado a iniciativa de terem notificado a signatária das alterações ao caderno de encargos, estabelecido com o vosso empreiteiro, para que esta pudesse ter tomado uma posição que salvaguardasse os seus interesses de proprietária e, também de interessada na reconstrução do referido Prédio Urbano. Não nos podemos esquecer que o referido entulho vai ter, sempre, de ser removido do local em que ficou depositado pela intervenção da referida empresa, para se poder dar início à reconstrução do referido prédio urbano (...)”.

f) Informou ainda a Opoente, na carta referida em e), de que a Lisboa Ocidental deveria mandar efectuar todos os trabalhos que constam do caderno de encargos e que não foram realizados, sem alteração do preço da empreitada, e que o pagamento da verba só poderia ser exigido após a conclusão dos trabalhos, ou, em alternativa, que a Opoente fosse autorizada a mandar realizar os trabalhos em falta, com a consequente compensação da verba.

g) O entulho resultante do processo de demolição nunca foi retirado do prédio da Opoente.

CINCO: O que está em causa, nos presentes autos, em termos de matéria de facto, é a não conclusão da obra coerciva, face ao não cumprimento do disposto na Cláusula n° 37 do contrato de empreitada, e, como tal, a consequente inexistência de qualquer obrigação de pagamento por parte da ora Opoente, pelo que os factos referidos supra são manifestamente relevantes para a decisão da causa.

SEIS: Sendo que esses factos teriam ainda de ser julgados como provados, face à documentação junta aos autos, bem como à prova por acordo das partes.

SETE: A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 11° e 12° do CPA, nos artigos 110°, 107°, e 108° do RJUE, no artigo 204° do CPPT, e no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.

OITO: Os interessados têm o direito de ser informados pela respectiva Câmara Municipal sobre o estado e andamento dos processos que lhes digam directamente respeito, com especificação dos actos já praticados e do respetivo conteúdo, e daqueles que ainda devam sê-lo, bem como dos prazos aplicáveis a estes últimos, informações que devem ser dadas independentemente de despacho e no prazo de 15 dias (Vide artigo 110°, n° 1, alínea c) e n° 2 do RJUE).

NOVE: No caso concreto, ocorreu uma violação do dever de informação e do dever de assegurar a participação dos particulares na formação das decisões (vide artigos 11° e 12° do CPA), o que causou danos significativos à ora Opoente.

DEZ: Existindo ainda uma violação do princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, pois a actuação dos órgãos administrativos prejudica a higiene pública da cidade e contribui para a deterioração dos imóveis da cidade (vide artigo 4° do CPA).

ONZE: Ora, o recurso à obra coerciva, nos termos do artigo 107° e seguintes do RJUE pressupõe que o órgão administrativo se substitui ao particular na realização da obra, realizando a mesma nos mesmos termos e seguindo os mesmos pressupostos legais que seriam exigidos ao particular.

DOZE: Do mesmo modo em que a obra de demolição apenas se consideraria concluída pela ora Opoente se esta tivesse procedido à remoção do entulho, igual critério se terá de considerar para o órgão administrativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que o RJUE foi elaborado, e o pensamento legislativo que decorre do disposto no artigo 107° e seguintes do referido diploma.”

TREZE: A norma constante do artigo 108°, n° 1, do RJUE apenas permite a cobrança de despesas efectivamente realizadas e não de despesas não realizadas, ou de despesas que se tenha previsto realizar, e depois o órgão administrativo tenha mudado de ideias.

CATORZE: A referência a “despesas realizadas nos termos do anterior” pressupõe que a referida norma se reporta a despesas realizadas com a execução da obra coerciva, e não com uma execução parcial da obra.

QUINZE: O disposto nos artigos 107° e 108° do RJUE reporta-se à cobrança de despesas relativas à execução (total e completa) de uma obra coerciva, não a execuções parciais de obras que os órgãos administrativos deixaram por concluir.

DEZASSEIS: Não existindo a realização de uma obra coerciva concluída, não será aplicável o disposto nos artigos 107° e 108° do RJUE, não se podendo cobrar, ao mesmo tempo, despesas realizadas e não realizadas, relativamente a obras que ficaram por concluir.

DEZASSETE: Terá de se concluir pela inexistência da dívida exequenda, o que é um fundamento legítimo para a oposição à execução fiscal, nos termos do artigo 204°, n° 1, alínea a) do CPPT.

DEZOITO: Nada existe na lei que nos permita concluir que a falsidade do título executivo se reporta a uma falsidade meramente mecânica, que se concretiza na falsificação de título ou na desconformidade do título com o original.

DEZANOVE: Tal interpretação é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.

VINTE: Terá de se considerar que, ao prever a “falsidade do título executivo”, o disposto no artigo 204°, n° 1, alínea c) do Código do Procedimento e Processo Tributário abrange, igualmente, a falsidade do título executivo, por este se basear em factos falsos, como é o caso, nos presentes autos.

VINTE E UM: A certidão de dívida emitida pela SRU Lisboa Ocidental reporta-se a uma obra que não foi concluída, não se podendo, por isso, considerar que foi realizada, e reporta-se também a montantes devidos por despesas que não foram sequer todas realizadas, como a remoção do entulho.

VINTE E DOIS: A falsidade dos factos constantes do título executivo implica necessariamente a falsidade do título executivo per se, o que influi nos termos da execução, tornando-a, naturalmente, ilegítima.

VINTE E TRÊS: A SRU Lisboa Ocidental se limitou a emitir uma certidão de dívida relativamente a uma empreitada cujo objecto terá, aparentemente, reduzido, sem qualquer intervenção do particular, em violação do disposto nos artigos 11° e 12° do Código de Procedimento Administrativo e 110° do RJUE.

VINTE E QUATRO: Tendo deixado no prédio um monte de entulho, em violação do constante do contrato de empreitada, o que resulta na não conclusão da obra, pelo que terá de se considerar tal obra como não realizada, o que implica, objectivamente, a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda.

VINTE E CINCO: Não existiu qualquer decisão administrativa que tenha sido notificada à Opoente, e que fosse passível de ser impugnada.

VINTE E SEIS: Não foi dada à ora Opoente qualquer possibilidade de reagir contra o acto de liquidação da dívida, que é totalmente ilegal.

VINTE E SETE: O fundamento constante do artigo 204°, n° 1, alínea i), do CPPT foi invocado subsidiariamente, ou seja, apenas caso se entenda que não está em causa a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, o que, em todo o caso, não se concede.

VINTE E OITO: Não existe norma que consagre a competência exclusiva da SRU Lisboa Ocidental na apreciação da conclusão ou não da obra coerciva da sua realização.

VINTE E NOVE: Os factos em que se baseia o fundamento da presente oposição se terão de considerar provados por documento.

TRINTA: A norma constante da alínea i) do n.° 1 do artigo 204.° do Código de Procedimento e Processo Tributário é clara, quando refere “outros fundamentos”, decorrendo da mesma que poderão ser alegados quaisquer fundamentos, desde que estejam cumpridos os requisitos constantes da mesma norma, pelo que estando cumpridos os referidos requisitos, não existe qualquer limitação aos fundamentos a apreciar.

TRINTA E UM: Em todo o caso, sempre se dirá que, no caso concreto, está em causa a inexistência do facto tributário.

TRINTA E DOIS: Se a obra coerciva não foi concluída, não se pode considerar que se encontre realizada.

TRINTA E TRÊS: Considerando-se que o facto tributário é a “realização de obras coercivas”, por consequência lógica, este não existe, pelo que, face à inexistência do facto tributário, sempre teria de ser julgada procedente a Oposição.

Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, sendo esta substituída por decisão que julgue procedente à oposição à execução fiscal, com o que se fará JUSTIÇA!»

A recorrida notificada do recurso interposto, apresentou contra-alegações que conclui do seguinte modo:

«1. O presente Recurso vem deduzido da douta Sentença de 28 de Maio de 2020, que, apreciando os fundamentos eleitos pela Recorrente na Oposição deduzida contra o PEF n.° …………. instaurado para cobrança coerciva da dívida exequenda € 19.073,97 relativa ao custo das obras realizadas coercivamente no prédio sito Rua………….., propriedade da ora Recorrente, pela SRU, ao abrigo das alíneas a), c), h) e i) do n.° 1 do art. 204° do CPPT, julga totalmente improcedente a Oposição, considerando a inexistência de fundamento legal. A Recorrente imputa à douta Sentença erro de julgamento da matéria de facto porquanto, por um lado, não julgou quaisquer factos como não provados; por outro lado, invoca a existência de diversos factos alegadamente relevantes para a decisão da causa e que foram desconsiderados pela Sentença, pelo que deverão ser aditados à matéria provada, por assumirem relevo na apreciação e decisão da causa e resultarem provados dos documentos juntos aos autos;

2. Ademais, a Recorrente invoca erro de direito por parte da Sentença Recorrida, por referência aos arts. 11.º e 12.º do CPA, dos arts. 110.°, 107.º e 108.º do RJUE, do art. 204.º do CPPT e do art. 20.º da CRP, concluindo pela concessão de provimento ao Recurso com a consequente revogação da Sentença Recorrida;

3. A Decisão Recorrida, após definição da matéria dada como provada “com interesse para a decisão da causa, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, e analisando os factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados” e da análise dos fundamentos invocados na Oposição, pela ora Recorrente, decidiu pela improcedência daquela fundando-se na inexistência de fundamento de oposição ao abrigo das alíneas a), c), h) e i) do n.° 1 do art. 204.º do CPPT, a qual não merece censura;

4. A dívida exequenda subjacente aos presentes autos configura uma obrigação de cariz pecuniário, originada pela prática de um acto administrativo pela SRU, praticado, em substituição da proprietária do prédio, ora Recorrente, sito na Rua…………., localizado na Área de Reabilitação Urbana da SRU, na Unidade de Intervenção 20 - Alcântara, ao abrigo do art. 91.° do RJUE, na sequência de todo um procedimento, tendente à execução da obra - apuramento da necessidade da intervenção, intimação da proprietário para execução voluntária e ocupação, para execução coerciva da obra;

5. Na realização da obra coerciva, pela SRU, esta actuou em substituição da proprietária, ora Recorrente, no uso de poderes públicos conferidos por lei (DL n.° 307/2009, de 23 de Outubro, alterado pela L n.° 32/2012, de 14 de Agosto), no prédio sito na Rua………….., focalizado na Área de Reabilitação Urbana da SRU, na Unidade de Intervenção 20 - Alcântara, com Documento Estratégico. A SRU actuou no uso de poderes conferidos por iei, considerando o manifesto interesse público em causa e os valores que importava acautelar, no que concerne ao património edificado, ao abrigo do qual se o proprietário não iniciar as obras que lhe sejam determinadas ou não as concluir dentro dos prazos que para o efeito lhe forem fixados, pode a entidade administrativa tomar posse administrativa do imóvel para lhes dar execução imediata (art. 107.º do RJUE). Todas estas competências estão subjacentes, directa ou indirectamente, à actuação que veio a dar origem à cobrança coerciva e surgem na sequência do desrespeito dos deveres de conservação, manutenção e reparação pela sua proprietária, ora Recorrente (arts. 89.º e 89-A do RJUE);

6. In casu, resulta claro dos autos que a SRU, em 21/12/2009, notificou a Recorrente da aprovação do Documento Estratégico da Unidade de Intervenção 20 - Alcântara, onde se inclui 0 prédio em causa, e, em 07/11/2012, da obrigação de executar a reabilitação do prédio, no âmbito do Processo 23LO/POL/2012. Em resultado das vistorias realizadas no prédio, aquela foi intimada para demolir a fachada do prédio em cumprimento dos despachos do Senhor Vice-Presidente da CML e do Conselho de Administração da Lisboa Ocidental, respectivamente, de 30/10/2012 e 06/11/2012. Verificado o incumprimento da intimação, o Conselho de Administração da Lisboa Ocidental deliberou, em 19/02/2013, a execução coerciva da demolição da fachada, através da tomada de posse do edifício, que se tornou efectiva em 02/12/2013;

7. Está igualmente comprovado nos autos que: foi efectuada a consignação da obra à Z....... Unipessoal, Lda., em 03/12/2013, e iniciados os trabalhos; foi remetida, com data de 05/12/2013, notificação à Recorrente dos termos e com cópia da deliberação do Conselho de Administração da Lisboa Ocidental, de 23/04/2013, supra referenciada, referente à tomada de posse administrativa; após conclusão dos trabalhos de demolição das fachadas, foi elaborado Auto de Recepção Provisória da obra, em 04/02/2014, e pelo ofício de 22/04/2014, foi notificada à Recorrente a extinção da posse administrativa, o valor das despesas relativas à execução coerciva das obras - € 19.073,97 -, de acordo com o n.° 1 do art. 108.º do RJUE, remetida a factura n.° F699, no valor de € 19.073,97, com discriminação expressa dos valores, concedendo o prazo de pagamento de 20 dias, a contar da notificação, advertindo que, findo 0 prazo, seria instaurado o PEF para cobrança judicial, nos termos definidos no n.° 2 do art. 108.º do RJUE e iniciada a cobrança de juros de mora;

8. As quantias relativas às despesas realizadas com a execução coerciva da obra pela SRU, em substituição da proprietária, e que teve de suportar para o efeito, são de conta do infractor (art. 108.º, n.° 1 do RJUE). Não sendo pagas voluntariamente no prazo de 20 dias a contar da notificação para o efeito, como é o caso dos autos, são cobradas judicialmente em processo de execução fiscal, servindo de título executivo certidão, passada pelos serviços competentes, comprovativa das despesas efectuadas (art. 108.º, n.° 2 do RJUE), em conformidade com o que estabelece o art. 155.° n.° 1 do CPA (aprovado pelo DL n.° 442/91, de 15 de Novembro, aplicável à data) e art. 148.º, n.° 2, alínea a) do CPPT;

9. Está demonstrado nos autos que a Recorrente enquanto proprietária prédio onde ocorreu a intervenção da SRU é responsável pelo pagamento da mesma, no valor de € 19.073,97, tendo sido notificada da quantia em dívida, concretizada por intermédio da factura n.° F699, de 06/10/2014. Não tendo efectuado o seu pagamento, foi extraída a certidão de dívida n.° 1 e instaurado o PEF, objecto de oposição, com vista à cobrança coerciva daquela quantia em cumprimento do legalmente estabelecido;

10. Da análise das Alegações da Recorrente extrai-se, que considera que a douta Sentença a quo incorre em erro de julgamento no que concerne à matéria de facto e que deverá ser aditada à matéria provada os factos que identifica na Conclusão QUATRO do presente Recurso por entender assumirem relevo na apreciação e decisão da causa e resultarem provados dos documentos juntos. Considera ainda que "O que está em causa, nos presentes autos, em termos de matéria de facto, é a não conclusão da obra coerciva, face ao não cumprimento do disposto na Cláusula 37 do contrato de empreitada, e, como tal, a consequente inexistência de qualquer obrigação de pagamento por parte da ora Oponente, pelo que os factos referidos são manifestamente relevantes para a decisão da causa” - CONCLUSÃO 5 do Recurso;

11. Tais invocações mais não são do que referências à apreciação da legalidade em concreto da dívida em cobrança coerciva no PEF subjacente aos autos de oposição. Porém, como se conclui da leitura da douta Decisão Recorrida, esta, após análise dos fundamentos invocados na Oposição pela ora Recorrente, limitou-se a considerar provados os factos que detinham interesse para a exigibilidade da quantia exequenda no âmbito de processo de execução fiscal face à forma processual em causa - oposição à execução fiscal aos fundamentos legal e taxativamente enumerados na lei ao abrigo dos quais aquela pode ser deduzida e à concreta alegação da então Oponente, ora Recorrente. Como afirma a douta Sentença Recorrida, “ao Tribunal, cumpre apreciar e decidir se procede algum dos vícios invocados pela Oponente como fundamento de oposição

12. Como se constata, a douta Sentença Recorrida seleccionou, e bem, as questões a resolver, os factos que, no seu entender, se encontravam documentalmente provados e assumiam relevo na forma processual em causa, quanto à apreciação da questão controvertida. O que está em absoluta consonância com o entendimento unânime e pacífico na jurisprudência e doutrina, de que a forma processual em causa - oposição à execução fiscal - só pode ter por fundamento factos susceptíveis de serem integrados em alguma das previsões das várias alíneas do n.° 1 do art. 204.º do CPPT;

13. Deste modo, atendendo ao teor da ampliação pretendida pela Recorrente e seus termos, não pode deixar de se assinalar trazer aquela à colação a apreciação de acto que antecedeu a instauração do processo de execução fiscal, objecto da oposição, mas que, não só são independentes da mesma, não constituindo objecto destes autos, como ademais, não são apreciáveis nesta sede, ao abrigo do art. 204.º do CPPT, conforme conclui a Sentença;

14. A Recorrente dirige a sua argumentação a alegado incumprimento do contrato de empreitada, que lhe foi notificado, pretendo a sua sindicância na execução fiscal para cobrança coerciva referente ao custo das obras realizadas coercivamente no prédio sito Rua…………. Na verdade, a Recorrente, sem apoio legal, pretende chamar à colação a apreciação de actos anteriores à liquidação do custo da identificada obra e cuja quantia á exigida no processo de execução fiscal objecto da oposição, como pode observar-se em tudo o que se refere ao (alegado) incumprimento do contrato de empreitada, celebrado entre a SRU e a Z......., que não só é independente do mesmo, não constitui objecto dos autos de oposição, como ademais, não é apreciável em sede de oposição;

15. Tal contrato e actos administrativos, anteriores ao PEF, não são apreciáveis na presente sede, já que os autos de oposição não se destinam a apreciar a legalidade (em concreto) de tais actos e eventuais incumprimentos contratuais, sindicáveis, em forma processual e prazo próprios. Assim, não se vislumbra a relevância de adicionar tais factos ao probatório na Sentença a quo e só pode concluir-se pelo acerto da matéria seleccionada pelo Tribunal Recorrido, em consonância com o legalmente determinado pelo n.° 2 do art. 123.º do CPPT;

16. A citada Decisão, que constitui objecto do presente, deu como provados os factos supra citados, elencou os fundamentos em que o mesmo se sustenta, com vista à ao apuramento da exigibilidade da dívida exequenda. Aquela seleccionou, e bem, os factos em que entendeu assentar o seu probatório, no âmbito da livre apreciação da prova, de forma a resolver a questão que a ora Recorrente sujeitou à apreciação do Tribunal, isto é, a exigibilidade da quantia exequenda respeitante às despesas realizadas com a execução coerciva das obras prevista nos arts. 107.º e 108.º do RJUE, face aos fundamentos de oposição previstos no art. 204.º do CPPT;

17. Conforme se retira do exame da douta Decisão Recorrida, fixou provados os factos revelados pelos documentos juntos pelas partes, tendo em consideração o meio processual em causa - oposição à execução fiscal - e evidenciou, esclarecendo, quais foram os elementos probatórios que levaram o Tribunal a decidir como decidiu, e não de outra forma, fundamentando, ademais, a decisão da matéria de facto, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (art. 607.°, n.º 5 do Código de Processo Civil);

18. Face ao exposto, a Sentença em causa não merece censura, porquanto não só selecciona a matéria de facto provada com relevância para decisão da causa, como expõe a sua fundamentação sobre cada facto e indica os meios de prova valorados para cada um deles, revelando o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto;

19. E considerando o exposto não se vislumbra a alegada violação, pela douta Sentença a quo, dos arts. 11.º e 12.º do CPA, respectivamente, “princípio da colaboração com os particulares” e “princípio da participação”, que consagram o acesso ao procedimento por parte dos particulares; nem dos arts. 110.º,107.º e 108.º RJUE, relativos ao direito à informação, à posse administrativa e execução coerciva e às despesas realizadas com a execução coerciva; do art. 204.º do CPPT (prevê os fundamentos de oposição); nem do art. 2o.º da CRP, que determina o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva;

20. Na verdade, durante cerca de 4 anos, entre 21/12/2009 e 02/12/2013, a Recorrente teve oportunidade de efectuar a obra e nada fez. Aliás, mesmo após 0 incumprimento da intimação e decidida a intervenção coerciva, foi-lhe facultada a possibilidade de executar, por sua iniciativa, os trabalhos cuja necessidade havia sido apurada e comunicada, por intermédio das aludidas intimação, notificações e reuniões. Oportunidade(s) de que a proprietária, não lançou mão, optando por onerar a SRU, e nos meios por esta adoptados, com o cumprimento de um dever que lhe competia.

Resulta, igualmente, evidente que em todas as decisões tomadas pela SRU foram ponderados os respectivos custos e benefícios, de forma a, como lhe compete, melhor salvaguardar os interesses públicos bem como todos os direitos da proprietária, notificando-a dos actos de acordo com o legalmente imposto;

21. Não é, por isso, aceitável, que a Recorrente alegue que as decisões não foram as que ela tomaria na posição de dono de obra (que não é) e pretenda discutir, nesta sede, a relação contratual ente a SRU e a empresa que realizou a obra e eventuais incumprimentos contratuais, depois de, durante cerca de 4 anos, ter optado por não mandar executar os mencionados trabalhos de demolição, quando tal era sua obrigação legal;

22. Em suma, na presente Oposição é apreciável, tão só, a exigibilidade da dívida exequenda à luz da causa de pedir delimitada pela Oponente, na Petição Inicial, e os fundamentos de Oposição taxativamente enumerados no art. 204.º do CPPT. Razões pelas quais bem andou a Sentença Recorrida ao fixar os factos elencados de 1. a 11. do probatório que não merece qualquer reparo, devendo manter-se na íntegra na ordem jurídica;

23. A Recorrente pretende, ademais, demonstrar a inexistência da obrigação exequenda, que faz subsumir à alínea a) do n.° 1 do art. 204.º, porquanto alega não foram realizados todos os trabalhos constantes do caderno de encargos do contrato de empreitada, celebrado entre a SRU e a Z......., de novo, sem razão. O decidido está em conformidade com a posição da doutrina e jurisprudência nacionais, que reconhecem que a alínea a) do n.° 1 do art. 204.º prevê como fundamento de oposição a denominada ilegalidade abstracta da liquidação proveniente de vício da própria norma aplicável ao acto, vício que é independente do conteúdo concreto do acto impugnado. No caso concreto, a Recorrente não imputa qualquer vício às normas aplicáveis à liquidação da quantia em execução;

24. A questão da admissibilidade do fundamento previsto na alínea a), relativamente à ilegalidade da liquidação, tem sido ampla e profusamente analisada pela doutrina e jurisprudência nacionais, como pode ler-se, por exemplo, em Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, III Vol., 6.° edição, 2011, pág. 443), a que acresce, a posição assumida pelo douto Acórdão do STA, proferido no Processo n.° 01803/13, de 29/01/2014 (disponível em www.dgsi.pt), que aqui se dá por reproduzido e para o qual a Representação da Fazenda remete a sua posição, de acordo com o qual a dívida exequenda pode ser cobrada em execução fiscal, nos termos do disposto no art. 155.º, n.° 1 do anterior CPA, e do art. 148.º, n.° 2, alínea a), do CPPT, mas não proveio de qualquer tributo (no mesmo sentido preconizado no citado Acórdão, veja-se, designadamente, o Acórdão do mesmo Supremo Tribunal, no Processo n.° 0214/11, de 01.06.2011);

25. Pelo que, só pode concluir-se não se verificar o fundamento previsto na referida alínea a) do n.° 1 do art. 204.º do CPPT. Por conseguinte, a douta Sentença do TTL proferida nos presentes autos, não merece reparo;

26. Mais entende a Recorrente que a decisão Recorrida viola o disposto na alínea c) do n.° 1 do art. 204° do CPPT, na medida em que influi nos termos da execução, uma vez que, na sua opinião, as obras coercivas nele referidas não estão concluídas. Mais uma vez, tal argumento da Recorrente reconduz-se ao (in)cumprimento do contrato de empreitada, ilegalidade que, como profusamente se vem apontando, não pode ser invocado em sede de oposição à execução fiscal [com as excepções das alíneas a) e h), mas que não se verificam no caso dos autos];

27. Com efeito, a falsidade do título executivo, fundamento de oposição à execução fiscal vertido na alínea c) do n.° 1 do art. 204.° do CPPT, é a que decorre da discrepância entre o título executivo e os conhecimentos ou outros instrumentos de cobrança que nele se diz estarem-lhe subjacentes. Assim, a divergência entre a realidade e o acto que subjaz aos instrumentos de cobrança, não constitui falsidade do título executivo, podendo constituir um vício não deste, mas do acto de liquidação subjacente aos instrumentos de cobrança;

28. No p.p. a Recorrente não aponta qualquer desconformidade do título executivo e a realidade que lhe está subjacente. Não alega sequer que a certidão de dívida, que titula a execução fiscal em causa, seja desconforme nos seus termos e o teor do acto de liquidação subjacente;

29. Ademais, eventuais vícios do título executivo, para além de não se verificarem, não seriam apreciáveis na Oposição à execução fiscal, pois entre os fundamentos legalmente admitidos para a aludida forma processual e, concretamente quanto ao título executivo, apenas é susceptível de avaliação, ao abrigo da alínea c), do n.° 1, do art. 204.º, do CPPT, a falsidade do título executivo e, mesmo esta, “apenas quando possa influir nos termos da execução” Assim, ainda que se considerasse a falsidade do título executivo, o que não acontece, tal teria, ademais, de influir nos termos da execução, o que, igualmente, não sucede, constatação para a qual basta a observação do título executivo e da realidade que lhe subjaz e amplamente descrita nestes autos;

30. Uma vez mais, a Decisão Recorrida analisou correctamente a alegada falsidade do título ao dar voz ao entendimento jurisprudencial. Face ao exposto, falece, também, este segmento do presente Recurso, devendo manter-se a Sentença em causa;

31. Pretende a Recorrente demonstrar o desacerto da Sentença a quo relativamente ao fundamento de oposição constante da alínea h) do n.° 1 do art. 204.º do CPPT, na evocada ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, pois, alega, não foi dada à Recorrente a possibilidade de reagir contra o acto de liquidação dessa dívida. Porém, “a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação” só é susceptível de fundamentar a oposição à execução quando o executado não pode reagir contra o acto subjacente à dívida exequenda, quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação, o que não é, manifestamente, o caso dos autos;

32. A douta Sentença, não merece qualquer reparo na decisão que tece sobre esta matéria, porquanto toda a argumentação aduzida pela ora Recorrente coloca em crise a conclusão das obras e, por conseguinte, imputa a violação do contrato de empreitada. Na verdade, a Recorrente não está senão a discutir a legalidade em concreto da obra;

33. Está evidenciado nos autos, a Recorrente, não só foi notificada para proceder ao pagamento voluntário da dívida (previamente à cobrança coerciva efectuada através de acção executiva), como teve ao seu dispor a possibilidade de utilizar o meio legal de apreciação da legalidade do acto de cobrança e bem assim de todos os actos administrativos do procedimento que 0 antecederam, em que a sempre foi chamada a participar, tendo reagido apenas em sede de cobrança coerciva, através da presente acção, e após a sua citação (com excepção da interposição da providência cautelar do acto que determinou a tomada de posse administrativa do prédio, que a ora Recorrente apresentou, em 17/05/2013, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, Providência Cautelar - Processo 1218/13.1BELSB, 1ª U.O. -, para suspensão da eficácia dos actos administrativos resultantes da deliberação do Conselho de Administração da SRU, que, por Decisão de 26/11/2013, foi julgada improcedente, absolvendo a SRU do pedido). Assim, só pode considerar-se que bem andou o Tribunal Recorrido ao julgar a não verificação do fundamento previsto na alínea h) do n.° 1 do art. 204.º do CPPT;

34. Por último, a Recorrente imputa à douta Sentença a violação da alínea i) do n.° 1 do art. 204.º do CPPT, porquanto entende ser subsumível a tal fundamento de oposição as alegadas não conclusão da empreitada e incumprimento do respectivo contrato. A este respeito, entende a douta Sentença Recorrida, entendimento que partilha a Recorrida: “Sendo certo que é enquadrável nesta alínea a alegação da inexistência do facto tributário, a argumentação expendida pela Oponente é que o facto tributário - realização das obras coercivas - não foi efectuado nos termos contratualmente previstos. // Ou seja, estando em causa a análise dos termos e das condições contratuais e já não a existência do facto tributário em si mesmo implica que a alegação da Oponente não é um fundamento subsumível à alínea i) do n.° 1 do artigo 204.º do CPPT.”

35. Na verdade, tais alegações trazidas pela Recorrente questionam, expressa e directamente, a legalidade em concreto da dívida exequenda, destinando-se à apreciação da mesma, encontrando-se, pois, expressamente subtraídos da alínea ao abrigo da qual são invocadas, nem de qualquer outra alínea do n.° 1 do art. 204.º do CPPT, conforme a prova produzida nos autos;

36. Pelo que, considera o Recorrido que a douta Sentença do TTL proferida nos presentes autos, não merece qualquer reparo, devendo manter-se, na íntegra, na ordem jurídica, por inexistência de qualquer vício que a afecte. Nestes termos, bem decidiu a Sentença Recorrida, ao considerar que os factos que o Recorrente pretende fazer consubstanciar nos fundamentos previstos nas alíneas a), c), h) e i) do n.° 1 do art. 204.0 do CPPT, não constituem fundamentos de oposição, pelo que, não existindo erro na interpretação das citadas alíneas, aquela Decisão não padece de qualquer vício, devendo, em consequência, manter-se na ordem jurídica. Improcedem, assim, na sua totalidade e em absoluto, os argumentos invocados pela Recorrente como base do presente Recurso. Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao Recurso, mantendo-se a Sentença Recorrida.

Nestes termos e nos demais de Direito se conclui, invocando o douto suprimento de V. Exas., pela manutenção da douta Sentença Recorrida proferida nos presentes autos, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA.»

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal Central, pugnou no seu douto parecer pela improcedência do recurso.
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Colhidos os «Vistos» dos Ex.mos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir, submetendo-se para o efeito os autos à Conferência.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Neste quadro, as questões a decidir são as seguintes:
(i) ampliação da matéria de facto;
(ii) saber se a pretensão da recorrente se subsume nos fundamentos de oposição previstos nas alíneas a), c) e i) do nº1 do artigo 204.º do CPPT.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«1) A Oponente é proprietária do prédio sito na Rua…………, descrito na matriz predial urbana sob o artigo n.° ….. da freguesia de Alcântara e na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° ….. da mesma freguesia (facto admitido por acordo e cf. certidão a págs. 33 e 34 do ficheiro a fls. 158 a 227 do SITAF);

2) Em 30-10-2012, o Vice-Presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML) dirigiu ao Presidente da Lisboa Ocidental - SRU Sociedade de Reabilitação Urbana, E.M. (SRU) um ofício do qual se extrai, designadamente, o seguinte:

«Relativamente à situação de perigo originada pela fachada do prédio com o número ………….. [...] determina a adoção dos procedimentos legais necessários à demolição da fachada, designadamente ao abrigo do art. 89.° e ss. do RJUE que remetem para a possibilidade de determinar a demolição de construções que ofereçam perigo para a saúde pública e segurança das pessoas. [...]»

(cf. ofício a págs. 6 do ficheiro a fls. 228 a 312 do SITAF);

3) Em 06-11-2012, o Conselho de Administração da SRU proferiu uma deliberação da qual se extrai ter sido aprovada a abertura de um processo de intimação para obras coercivas no prédio descrito em 1) (cf. deliberação a págs. 7 a 9 do ficheiro a fls. 228 a 312 do SITAF);

4) Em 19-02-2013, o Conselho de Administração da SRU proferiu uma deliberação da qual se extrai ter sido aprovada a execução coerciva da demolição das fachadas no prédio descrito em 1) (cf. deliberação a págs. 19 a 21 do ficheiro a fls. 228 a 312 do SITAF);

5) Em 23-04-2013, o Conselho de Administração da SRU proferiu uma deliberação da qual se extrai ter sido aprovada a tomada de posse administrativa do prédio descrito em 1) (cf. deliberação a págs. 32 a 36 do ficheiro a fls. 228 a 312 do SITAF);

6) Em 22-04-2014, os serviços da SRU emitiram em nome da Oponente o ofício n.° S/468/2014 com assunto "PRÉDIO URBANO SITO NA RUA ………………. TORNEJANDO PARA A TRAVESSA ………………. - EXTINÇÃO DA POSSE ADMINISTRATIVA E COBRANÇA DAS OBRAS COERCIVAS'' do qual se extrai, além do mais, o seguinte:

«[...] 3. Assim a partir de presente notificação, são de V. Exa, todos os direitos e deveres associados a propriedade do Prédio.

4. De acordo com o disposto no n °1 do artigo 108° do RJUE as quantias relativas às despesas da execução coerciva de obras são de conta do infrator. Assim, são de conta de V. Exa as seguintes despesas (sem IVA):

• 14.999,46€ - “Empreitada para demolição das fachadas e das respetivas contenções do prédio urbano sito na Rua…………………, em Lisboa”, adjudicada através do procedimento N° AD/LO/02/2013, à empresa Z....... Unipessoal. Lda;

• 1.300,00€ - “Aquisição de serviços de fiscalização e coordenação de segurança da empreitada para demolição das fachadas e das respetivas contenções do prédio urbano sito na Rua……………, em Lisboa” adjudicada através do procedimento n° ADLO/02/2013 à empresa P....... S.A.;

• 1.575,54€ - Encargos gerais administrativos da Lisboa Ocidental com o processo.

Nota explicativa: considera-se que os encargos administrativos da Lisboa Ocidental correspondem a 10% das despesas do processo, ou seja 1.629,95€. no entanto, tendo em conte o valor máximo de despesa 17.875,00€ apresentado a V Exa. este valor está limitado aos 1.575.54€ apresentados.

5. Pelo exposto, envia-se em anexo a fatura n° F699 no valor de 19.073.97€, que corresponde à soma dos valores anteriores, acrescentada dos respetivos valores de IVA (detalhe na fatura) e que deverá ser paga no prazo máximo de 20 dias, a contar da data da presente notificação, findo o qual será instaurado processo de execução fiscal para cobrança judicial, nos termos definidos do n.°2 do artigo 108° do RJUE e iniciada a cobrança de juros de mora. [...]»

(cf. ofício a págs. 59 e 60 do ficheiro a fls. 1 a 60 do SITAF);

7) Em 06-05-2014, os serviços da SRU emitiram em nome da Oponente a fatura n.° F699 no valor total de € 19.073,97, contendo como descrição o seguinte:

«Fiscalização da empreitada de demolição das fachadas e respetivas contenções do prédio urbano sito na Rua ………….. em Lisboa - Procedimento AD/LO/02/2013 P....... Lda 1.300,00

Empreitada para demolição das fachadas e respetivas contenções do prédio urbano sito na Rua …………… em Lisboa - Procedimento AD/LO/02/2013 Z....... Unipessoal Lda 14.999,46

Encargos gerais administrativos com o processo administrativo de extinção de posse administrativa e cobrança de obras coercivas no prédio urbano sito na Rua …………. em Lisboa 1.575.54 [...]

TOTAL SEM IVA 17.875,00 [...]

TOTAL A PAGAR 19.073.97»

(cf. fatura a págs. 1 do ficheiro a fls. 61 a 145 do SITAF);

8) Em data incerta mas antes de 26-07-2014, a Oponente recebeu o ofício e a fatura descritos em 6) e 7) (facto assente por confissão, cf. artigos 6° e 7° da PI);

9) Em 03-10-2014, a SRU emitiu uma certidão de dívida em nome da Oponente, constando como proveniência "Processo 23LO/POL/2013 e ADLO/02/2013 - Obra de demolição Coerciva", como documento original "Fat F699" e como dívida exequenda € 19.073,97 (cf. certidão a págs. 85 do ficheiro a fls. 228 a 312 do SITAF);

10) Em 26-03-2015, os serviços do OEF emitiram em nome da Oponente um ofício registado com aviso de receção com assunto "CITAÇÃO", no qual consta como número do processo …………… e como dívida exequenda € 19.073,97 (cf. ofício a págs. 13 do ficheiro a fls. 1 a 60 do SITAF);

11) Em 23-09-2015, deu entrada a petição da presente ação nos serviços do OEF (cf. carimbo a págs. 2 do ficheiro a fls. 1 a 60 do SITAF);

12) Em 03-03-2016, deram entrada os presentes autos neste Tribunal (cf. registo do SITAF).


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Não existem outros factos, provados ou não, com interesse para a decisão da causa.

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A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PEF apenso aos autos.»


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B.DE DIREITO

Ampliação da matéria de facto fixada na 1ª Instância

No que concerne à questão da alteração da matéria de facto face à incorrecta avaliação da prova produzida, cabe a este Tribunal Central Administrativo, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662.ºdo CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar as provas em que assentou a sentença recorrida.

E sendo assim, vejamos, a alteração à matéria de facto pretendida.

Estabelece este artigo 640.º nº 1, alíneas a), b) c), do CPC, que deve, aquele que impugne a matéria de facto, especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, indicando os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos impugnados diversa da recorrida e referenciar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

No caso concreto, começa a recorrente por afirmar na Conclusão TRÊS que «O douto Tribunal a quo desconsiderou a existência de diversos factos com interesse para a decisão da causa e que se reportam ao núcleo essencial da defesa da ora Opoente.», e, por isso pretende que sejam adicionados aos factos provados a factualidade que indicou na Conclusão QUATRO.

Ora, considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, não há dúvida que a recorrente não cumpriu os ónus impostos pelo artigo 640.º do CPC, na medida em que não referiu os concretos meios de prova que, na sua óptica, sustentam o pretendido aditamento.

Pelo exposto, atento o incumprimento pela recorrente do ónus a que alude o artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC, impõe-se a rejeição do recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto.

Do mérito do recurso

Conforme resulta dos autos, a recorrente deduziu oposição à execução fiscal n.º…………. , instaurada pela Câmara Municipal de Lisboa para cobrança de dívida decorrente da realização de obras coercivas, no montante de 19.073,97€, com os seguintes fundamentos:

- a demolição das fachadas do imóvel sem conclusão dos respetivos trabalhos de empreitada é uma conduta distintamente desproporcionada, no sentido em que a própria entidade pública está a impedir que o imóvel fique recuperado, pelo que não é aceitável entender que a empreitada está concluída, inexistindo a obrigação exequenda; - existe falsidade do título executivo, que influi nos termos da execução, uma vez que as obras coercivas nele referidas não estão concluídas, não se podendo, por isso, considerar que a Câmara Municipal as realizou;

- os factos acima descritos implicam a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sendo que a lei não assegura meio judicial de impugnação do ato de liquidação;

- a não conclusão da empreitada e o abandono do imóvel cheio de entulho deverá levar à procedência da oposição.

O Meritíssimo Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a oposição fundada na inexistência de fundamentos de oposição subsumíveis nas alíneas a), c) e i) do artigo 204.º do CPPT.

A questão a apreciar e decidir, no presente recurso, como deixámos já dito no ponto II, é a de saber se os fundamentos articulados na petição de oposição fiscal são susceptíveis de serem integrados nas previsões normativas contidas nas alíneas a), c) e i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

Vejamos, então.

Do fundamento de oposição subsumível na alínea a) do artigo 204.º do CPPT.

Sobre esta questão alega a recorrente que «Não existindo a realização de uma obra coerciva concluída, não será aplicável o disposto nos artigos 107° e 108° do RJUE, não se podendo cobrar, ao mesmo tempo, despesas realizadas e não realizadas, relativamente a obras que ficaram por concluir.» (Conclusão DEZASSEIS)». Concluindo que «Terá de se concluir pela inexistência da dívida exequenda, o que é um fundamento legítimo para a oposição à execução fiscal, nos termos do artigo 204°, n° 1, alínea a) do CPPT.» (Conclusão DEZASSETE).

O teor literal da aludida norma legal é o seguinte:

« A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:

a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação;(…)»

A propósito deste preceito refere o Ilustre Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, «(…) prevê-se como fundamento de oposição à execução fiscal a inexistência do tributo nas leis em vigor à data dos factos a que respeita ou não estar autorizada a sua cobrança à data da liquidação, se se tratar de um tributo relativamente ao qual ela dependa de autorização.

Está-se aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, que se distingue da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação; isto é, na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado.” (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição 2011, III volume, pág. 443, nota 4 ao artigo 204)

Como se escreveu na sentença recorrida, a dívida aqui em cobrança coerciva, de acordo com os factos assentes nos pontos 6) a 10) do probatório, é respeitante à falta de pagamento das quantias relativas às despesas realizadas com a execução coerciva de obras prevista nos artigos 107.º e 108.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro.

Assim sendo, não é, contrariamente ao pretendido pela recorrente, fundamento de oposição subsumível na indicada alínea a) a alegada falta de conclusão da empreitada contratada pela SRU.

Do fundamento de oposição subsumível na alínea c) do artigo 204.º do CPPT.

Igualmente, não colhe o entendimento de que o fundamento vertido na alínea c) do artigo 204.º do CPPT « [a]brange, igualmente, a falsidade do título executivo, por este se basear em factos falsos».

Senão vejamos.

Nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 204.º do CPPT, constitui fundamento de oposição à execução fiscal a falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.04.2012, proferido no processo nº 01058/11, «[e]sta falsidade consiste, na desconformidade do conteúdo do título face à realidade certificada, não sendo falso o título que reflecte correctamente o suporte de onde foi extraído, ainda que o conteúdo desse suporte seja, porventura, inverídico. Ou seja, a falsidade do título executivo a que se refere o citado normativo legal, enquanto fundamento válido de oposição à execução fiscal, é tão só a falsidade material do próprio título, a sua eventual desconformidade com o original, e não a eventual falsidade intelectual ou ideológica porventura traduzida na atestada desconformidade entre a realidade e o teor do título executivo.

Este fundamento de oposição não deve, portanto, confundir-se com a inveracidade dos pressupostos de facto da liquidação.

«A falsidade do título executivo, que se refere nesta alínea c) como fundamento de oposição à execução, é, segundo o entendimento que vem sendo feito pela jurisprudência do STA, apenas a que resulta da desconformidade entre o título executivo e os conhecimentos ou outros instrumentos de cobrança que nele se referem lhe estarem subjacentes, por serem esses os factos em relação aos quais ele tem força probatória plena, por poderem ser apercebidos pela entidade emissora (arts. 371º, nº 1, e 372º, nºs. 1 e 2, do Código Civil).

Estará, assim, fora do conceito de falsidade a eventual divergência entre o teor do título e factos que não são objecto da percepção da entidade emitente.

A divergência entre o conteúdo do título e os referidos instrumentos que são a sua base fáctica, para além dos casos em que a entidade emitente não relata fielmente os factos de que se apercebe, poderá resultar também da falta de genuinidade do título (falsidade material), designadamente por o título não ter sido emitido por quem nele é indicado como emitente, ou por ter ocorrido alteração do conteúdo de um título originariamente genuíno, por aditamento, supressão ou substituição do seu teor levada a cabo por quem não é o seu emitente (Jorge Sousa, in CPPT anotado, Vol. II, págs. 357 e 358).

Neste sentido, podem ver-se, entre outros, os acórdãos desta Secção do STA de 15/1/03, in rec. nº 1.696/02; de 4/6/03, in rec. nº 596/03 e de 22/11/06, in rec. nº 825/05).» (acs. deste STA, de 16/11/2011, rec. nº 0662/11 e de 21/3/2012, rec. nº 01119/11, supra mencionados)» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Reportando-nos ao caso sub judice verifica-se que a falsidade do título executivo decorre, segundo a alegação da recorrente, da circunstância das obras coercivas nele referidas não estarem concluídas e dos montantes devidos respeitarem a despesas que não foram sequer todas realizadas, como a remoção do entulho. Desde modo, sob invocação da falsidade do título executivo, articula a recorrente factos que consubstanciam apenas discordância na verificação dos pressupostos fácticos que originou o pagamento exigido em execução.

Ora, a falsidade do título executivo que pode servir de fundamento à oposição a execução fiscal não é a intelectual, consistente em certificar uma obrigação alegadamente inexistente porá recorrente nada dever.

Tal interpretação em nada viola o direito à tutela jurisdicional efetiva (cfr. artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), uma vez que não pode ser exercido de forma anárquica, havendo que respeitar as normas processuais que regulam o seu exercício.

Do fundamento de oposição subsumível na alínea i) do artigo 204.º do CPPT.

Nos termos do artigo 204.º, nº 1, alínea i) do CPPT a oposição à execução fiscal pode basear-se em quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores do mesmo normativo, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.

Trata-se de disposição com carácter residual em que serão enquadráveis todas as situações não enquadráveis nas outras alíneas do mesmo número, em que há um facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afecta a sua exigibilidade.

Como se deixou salientado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22.02.2017, proferido no processo n.º 1528/14 «Uma das situações que a jurisprudência vem admitindo como enquadrável nesta alínea i) do artº 204º do CPPT é a existência de causa que afecte, ainda que temporariamente, a exigibilidade da dívida, nomeadamente a alegação da pendência de processo contencioso ou gracioso com efeitos suspensivos (vide neste sentido Acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário de 03.04.2013, recurso 1308/12, de 13.10.2004, recurso 217/04, e de 30.04.1997, recurso 21.471, todos in www.dgsi.pt).

E também caberão nesta alínea i) quaisquer factos extintivos ou modificativos da obrigação exequenda não abrangidos nas alíneas anteriores.

Ponto é que tais fundamentos não envolvam a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título. (sublinhado nosso- disponível em www.dgsipt).

Ora, a argumentação expendida pela recorrente é que o facto tributário - realização das obras coercivas - não foi efetuado nos termos contratualmente previstos. Ou seja, estando em causa a análise dos termos e das condições contratuais e já não a inexistência do facto tributário em si mesmo, implica que a alegação da recorrente não é um fundamento subsumível à alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

Tal alegação pretende-se com discussão sobre da ilegalidade concreta da dívida exequenda e essa discussão está vedada à recorrente nesta sede, como resulta do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT (onde se prevê como fundamento de oposição a «[i]legalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação»).

De facto, por um lado, o CPPT prevê, no citado preceito legal como fundamento de oposição, a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o ato de liquidação.

E, tal como expende o Ilustre Professor José Casalta Nabais a propósito do processo de oposição regulado pelo CPPT «[C]omo facilmente se compreenderá, na oposição à execução fiscal não é, em princípio, admitida a discussão da ilegalidade do ato tributário, que deve ser discutida no processo de impugnação, a menos que, como prescreve a alínea h) do preceito em causa, a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra esse ato». (Direito Fiscal, 2.ª Ed., págs. 323).

Aliás, é também este o entendimento da nossa jurisprudência, tido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.01.2014, proferido no processo n.º 1805/13: «[p]oderá conhecer-se na oposição à execução fiscal da legalidade em concreto da dívida exequenda nas situações em que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação. Ou seja, apenas nas raras situações em que a dívida exequenda não tenha origem em acto tributário ou administrativo prévio.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Ainda a este propósito, sublinha o Ilustre Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, que a discussão da legalidade da liquidação da dívida exequenda em sede de oposição só será possível nas «[s]ituações em que seja a própria lei que não prevê meio de impugnação contenciosa», como o são aquelas «aqueles em que se permite a extracção de certidões de dívida perante a mera constatação de omissão de um pagamento sem que haja um acto administrativo ou tributário prévio definidor da situação.» (obra. cit. Vol. III pág.496).

Em suma: a discussão da legalidade da liquidação da dívida exequenda na oposição à execução só é permitida nos casos em que, como já afirmamos, por via do “âmbito da execução fiscal” definido no artigo 148.º do CPPT, são cobradas dívidas, através de tal processo, que não foram criadas por acto administrativo. Só em relação a estas se pode afirmar que o executado não teve anteriormente a possibilidade de utilizar meio judicial de impugnação ou recurso para sindicar a respectiva legalidade.

Nesta perspectiva, há que considerar que «[n]os casos em que não existe um acto de liquidação propriamente dito, não deve admitir-se a discussão da sua legalidade quando a lei prevê a sua impugnação contenciosa, não podendo, pois, deslocar-se a respectiva sindicância judicial para o meio processual de oposição à execução». (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23.10.2002, proferido no processo 0966/02, disponível em texto integral em www.dgsi.pt.).

Assim, e pelo exposto é inevitável concluir que a sentença não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter integralmente.

IV.CONCLUSÕES

I.A discussão da legalidade da liquidação da dívida exequenda na oposição à execução só é permitida nos casos em que, por via do “âmbito da execução fiscal” definido no artigo 148º do CPPT, são cobradas dívidas, através de tal processo, que não foram criadas por acto administrativo. Só em relação a estas se pode afirmar que o executado não teve anteriormente a possibilidade de utilizar meio judicial de impugnação ou recurso para sindicar a respectiva legalidade.

II. Na circunstância dos autos (execução das obras pela câmara municipal – artigo 86º do RJUE) o meio processual próprio para sindicar a legalidade do despacho proferido pelo Presidente da Câmara determinando o pagamento subjacente à dívida exequenda é a acção administrativa especial.

V.DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente.



Lisboa, 13 de Maio de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Isabel Fernandes e Jorge Cortês].
(Ana Pinhol)