Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03555/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/09/2009
Relator:José Correia
Descritores:IMPUGNAÇÃO. IRS. REGIME PREVIDÊNCIA ESPECIAL E PRÓPRIO DOS ADVOGADOS.
Sumário:I) - Do artº 5º nº 1 da Portaria nº 487/83, de 27/4, decorre que as contribuições para a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores são obrigatórias.

II) -Os rendimentos auferidos pelo impugnante como gerente de uma sociedade de Advogados são-no na qualidade de trabalhador por conta de outrem por força do artº 6º, al. d) do Decreto – Lei nº 327/93, de 25/9, que exclui do regime obrigatório de segurança social dos membros de órgãos estatutários das pessoas colectivas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 2ª Secção (Contencioso Tributário) do Tribunal Central Administrativo Sul:

1 – RELATÓRIO

O REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, inconformado com a sentença do TF de Castelo Branco que julgou procedente a impugnação deduzida por António ...e mulher contra a liquidação do IRS de 1999, interpôs o presente recurso cuja minuta ostenta as seguintes conclusões:
“Assim, nos termos dos artigos 685°-A e 685°-B do Código de Processo Civil:
a) foram violados os artigos 25/1 al. a), 25/2, 26/1 al. m) e 78/2 do CIRS (vigentes à data),
b) uma vez que, no que concerne aos rendimentos em causa auferidos pelo impugnante ora recorrido por ele declarados na declaração de IRS/1999, ele próprio os classifica como rendimentos de trabalho por conta de outrem e não como rendimentos de traba­lho independente bem sabendo das consequências daí advenientes relativamente às contribuições pagas à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, Caixa de Previdência que expressamente refere, de forma bem evidenciada, que "para efeitos do ARTIGO 26° N.° l alínea m) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, declara-se que o beneficiário desta Caixa, com o nome e número acima mencionados, pagou de contribuições para o seu Regime Obrigatório de Segurança Social, no ANO DE 1999, a quantia abaixo indicada: Caixa de Previdência dos Advo­gados e Solicitadores 1.000.416$00". O exercício da profissão de advogado é, por natu­reza, uma actividade independente. Bem sabia, pois, o ora recorrido que não podia ter o melhor de dois mundos, ou seja, ver o seu provento tributado como rendimento da categoria A e beneficiar das deduções específicas dos rendimentos de trabalho inde­pendente, como a própria Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores esclare­ce.
c) Foram violados ainda aqueles artigos porque, embora a administração fiscal não tenha considerado os 1.000.416$00 (4.990,05€) para efeito de dedução específica da catego­ria A, considerou, como decorre das regras do IRS, no que ao ora recorrido concerne, como dedução específica da categoria A precisamente a dedução prevista no artigo 25/1 al. a) do CIRS (vigente à data), nos termos do qual "aos rendimentos brutos da categoria A deduzir-se-ão, por cada titular que os tenha auferido, os seguintes montan­tes: 70% do seu valor, com o limite de 522 000$00 ou, se superior, de 72% de 12 vezes o salário mínimo nacional mais elevado". Ou seja, como dedução específica da catego­ria A foi considerado o valor de 529.632$00 [2.641,79€ (assim calculado: sendo em 1999 o salário mínimo nacional mais elevado no valor de 61.300$00 (305,76€), temos que 61.300$00 x 12 x 72% = 529.632$00]. Assim, mesmo que fosse de considerar o valor de 1.000.416300 (4.990,05€), o que não se concede, para efeitos de dedução específica da categoria A, nunca poderia ser adicionado ao valor de dedução específica já considerado para cálculo do imposto a pagar ou do reembolso a haver, sob pena de se estar a considerar duas deduções específicas cumulativamente, a dedução específica prevista no n°1 do artigo 25° do CIRS e a dedução específica prevista no n°2 do mes­mo artigo 25° do CIRS, o que não se pode conceber.
d) Assim, a impugnação não pode proceder ou, pelo menos, não pode proceder na totali­dade, podendo, o que só por mera cautela se aceita, proceder parcialmente, uma vez que já foi considerado relativamente ao ora recorrido, como dedução específica, o valor de 529.632$00 (2.641,79€). Pelo que se deverá proceder, quando muito, a uma refor­mulação/correcção da liquidação objecto de impugnação nos termos do artigo 78/2 do CIRS (vigente à data) e não à sua total anulação.
e) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos documentos instrutórios juntos aos autos pela fazenda pública e pelo ora recorrido.
Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ser revogada a decisão recorrida.”
Foram apresentadas contra -alegações em que os recorridos pugnam pela manutenção do julgado.
A EPGA emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
*
2. FUNDAMENTAÇÃO:

2. 1 DOS FACTOS

A sentença recorrida deu com assente com interesse para a decisão, a seguinte factualidade (ordenada alfabeticamente por nossa iniciativa):
a) -Foi efectuada a liquidação n°56033712140 de IRS de 1999, para rendimentos da categoria A, a qual tem como sujeitos passivos os ora impugnantes.
b) -O impugnante pagou à CPAS o valor de 1.000.416$00 de contribuições relativo ao ano de 1999.
c) -Na liquidação efectuada não foi considerado este valor como dedução específica da categoria em questão.
*
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos dos autos, designadamente a nota de liquidação.
*
FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultaram por provar quaisquer factos com relevo constantes da douta petição. As asserções constituem meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou direito, pelo que não incumbe pronúncia nesta sede.
*
3. -Tendo em conta a factualidade levada ao probatório da sentença e que o recurso é delimitado objectivamente pelas conclusões da alegação da recorrente - artºs. 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do CPC e al. f) do artº 2º e artº 169º, estes do CPPT - verifica-se que a questão a decidir consiste em saber se deve ser aceite a dedução em causa como sendo de contribuições obrigatórias para a Segurança Social e enquadráveis na dedução prevista no art. 25° do CIRS.
Tal como sinaliza a sentença recorrida, a liquidação é impugnada por ilegalidade na medida em que a FP não aceitou a dedução como sendo de contribuições obrigatórias para a Segurança Social alegando que tais contribuições não se enquadram na dedução prevista no art. 25° do CIRS. Considera que não existindo menção expressa à C PAS não é equiparável aos SAMS, ADSE e Montepio dos Servidores do Estado.
A seu favor referem os impugnantes o Ofício -Circular n° 20000/99, de 22/01/99, que refere uma dedução total, e ainda o AC. STA de 02/06/1999.
A FP entende que os descontos em causa foram efectuados pelo impugnante na qualidade de trabalhador independente em virtude de inscrição na CP AS e dado o exercício da actividade de advocacia. Assim, os descontos somente seriam susceptíveis de abatimento nos termos da al. m) do n° 1, do art. 26° do CIRS e não nos termos do art. 25° que se refere a contribuições obrigatórias para a Segurança Social de trabalhadores por conta de outrem.
Pronunciando-se sobre essa questão, afirma a sentença recorrida que de acordo com o disposto no art. 1°, nº1 do Regulamento da CP AS, aprovado pela Portaria n°487/83, de 27/04, alterada ainda pela Portaria n°884/94, de 01/10, são obrigatoriamente inscritos nessa caixa como beneficiários ordinários todos os advogados inscritos na Ordem dos Advogados desde que não tenham mais de 60 anos à data da inscrição.
O citado regulamento prevê um regime especial e próprio dos advogados no que respeita à Previdência que emana uma obrigatoriedade para tais profissionais de contribuírem para tal sub -sistema de segurança social.
Ora, a FP invoca a qualidade de trabalhador independente do impugnante em que procedeu a tais contribuições, as quais só seriam dedutíveis nos termos do disposto no art. 26°, n°1, al. m) do CIRS. Mais, que apenas são dedutíveis os que menciona o Ofício -Circular n°11/92, de 19/05 onde se integram as contribuições para os organismos supra mencionados.
Com base neste enfoque, a sentença recorrida veio a entender que os descontos invocados e não deduzidos, são contribuições obrigatórias para a segurança social em termos latos, não obstante repute duvidosa a própria qualificação da natureza da actividade do impugnante, ou seja, se se trata de trabalhador por conta de outrem ou trabalhador independente.
Ora, propendemos para acolher esse entendimento, recusando o da FP que o trata em tudo como sujeito passivo de categoria A mas exclui-lhe aquelas contribuições por considerá-las próprias de trabalhador independente e dedutíveis pela categoria B.
Na verdade, decorria do artº 5º nº 1 da Portaria nº 487/83, de 27/4, que as contribuições para a Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores são obrigatórias.
Por outro lado, os ajuizados rendimentos auferidos pelo impugnante derivam da sua qualidade de trabalhador dependente, gerente da sociedade de Advogados “Andrade Pereira, Nabais e Associados”.
Essa natureza de trabalhador por conta de outrem é imposta pelo artº 6º, al. d) do Decreto – Lei nº 327/93, de 25/9 que exclui do regime obrigatório de segurança social dos membros de órgãos estatutários das pessoas colectivas.
Essa mesma qualificação é assim justificada no preâmbulo daquele diploma legal:
“O Decreto-Lei n.º 8/82, de 18 de Janeiro, integrou no âmbito do regime de segurança social dos trabalhadores independentes os administradores, directores e gerentes de sociedades. Essa opção fundamentou-se na natureza específica da relação jurídica de prestação de serviços, não subsumível num contrato de trabalho, estabelecida entre aqueles agentes e as pessoas colectivas de cuja gestão são encarregados.
Não obstante esse enquadramento formal no regime de segurança social dos trabalhadores por conta própria, em conjunto com os empresários em nome individual e os profissionais livres, a verdade é que a efectiva existência de uma entidade jurídica, a pessoa colectiva, distinta da pessoa dos respectivos administradores, directores e gerentes, que beneficia da actividade por eles desenvolvida, determinou a previsão legal de alguns ajustamentos, que caracterizam o seu estatuto perante a segurança social.
Assim, as normas que especificamente lhes foram aplicáveis em matéria de benefícios e as que regulam a obrigação contributiva estão mais próximas dos preceitos que regulam o regime dos trabalhadores por conta de outrem do que das regras que são próprias dos demais trabalhadores independentes.
Entretanto, a entrada em vigor do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) veio também, de certo modo, consagrar a aproximação dos administradores, directores e gerentes das pessoas colectivas aos trabalhadores subordinados.
De facto, a alínea a) do n.º 3 do artigo 2.º daquele Código veio considerar como rendimento de trabalho dependente «as remunerações dos membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas ou entidades equiparadas, com excepção dos que neles participem como revisores oficiais de contas».
Por estas razões, tanto de natureza jurídica como social, afigura-se agora mais ajustado integrar no âmbito pessoal do regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem os membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas e entidades equiparadas.
As particularidades que caracterizam o estatuto profissional destes beneficiários determinam, porém, alguns ajustamentos no âmbito do regime geral no que diz respeito à obrigação contributiva.
Assim, embora a base de incidência contributiva corresponda ao valor das remunerações reais dos beneficiários, estabelece-se um limite máximo, igual a 12 vezes o valor da remuneração mínima mensal mais elevada garantida por lei à generalidade dos trabalhadores.
Porém, mediante acordo escrito entre a entidade contribuinte e o beneficiário, e desde que cumpridas determinadas condições legalmente previstas, permite-se a eliminação daquele limite, de modo a fazer incidir as contribuições sobre a totalidade das remunerações efectivamente auferidas.
Mantém-se, no entanto, o limite mínimo do valor de base de incidência contributiva fixado no montante da remuneração mínima mensal garantida aos trabalhadores.”
Foi dando concretização a essa principiologia que, inserido no CAPÍTULO II - Âmbito pessoal, o referido artigo 6º do citado diploma, sob a epígrafe “Pessoas singulares excluídas” estabelece que “São excluídos do âmbito de aplicação do presente diploma:

(…)
d) Os sócios gerentes de sociedades constituídas exclusivamente por profissionais incluídos na mesma rubrica da lista anexa ao Código do IRS e cujo fim social seja o exercício daquela profissão;
(…).
Assim, sendo forçoso admitir «in casu» a natureza de trabalhador por conta de outrem do impugnante, há que aceitar inerentemente a dedução de contribuições obrigatórias que realiza para sub -sistema de segurança social.
Improcedem pois, as conclusões de recurso, nenhuma censura merecendo a sentença recorrida, sendo de confirmar na íntegra.
*
4. -Termos em que se acorda em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Sem custas por delas estar legalmente isenta a recorrente.
*

Lisboa, 09/12/2009
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Aníbal Ferraz)