Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03346/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/20/2009
Relator:Pereira Gameiro
Descritores:COMPENSAÇÃO; REACÇÃO CONTRA O ACTO DE COMPENSAÇÃO
Sumário:1. O acto de compensação efectuado na execução fiscal é passível de reclamação nos termos do art. 276 do CPPT, mas do efectuado antes da instauração da execução fiscal o meio de reacção adequado é a acção administrativa especial contra o acto da autoridade que a tenha determinado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – Miguel ... recorre da sentença do Mmº. Juiz do TAF de Sintra que perante a situação de erro na forma de processo em que é inviável a convolação absolveu a Fazenda Pública da instância na impugnação judicial que deduziu contra os actos de compensação efectuados entre o valor a reembolsar relativo ao IRS de 2004 e de 2005, no âmbito da execução fiscal nº 3344199301040502, instaurada contra “C ..., Lda., que contra o mesmo reverteu, pretendendo a sua revogação e substituição por outra que admita a impugnação, ou se assim não se entender que seja a mesma convolada em reclamação graciosa.

Nas suas alegações de recurso formula as conclusões seguintes:
A. A decisão ora recorrida é ilegal, porque padece do vício de errada interpretação táctica e jurídica na fundamentação, devendo, por isso, ser revogada.
B. As compensações das quais se interpôs impugnação judicial, e que ora figuram como doc. n.°1 e 2, não foram realizadas em sede de execução fiscal.
C. Foram efectuadas pela Direcção de Serviços de Justiça Tributária (DSJT) sem identificar qualquer processo de execução fiscal, ao abrigo do qual poderiam, eventualmente, ter sido realizadas, mas não foram.
D. Daí que, tais compensações consubstanciam actos autónomos praticados pela mesma DSJT.
E. A forma processual indicada para atacar este tipo de actos é, ou a Reclamação Graciosa nos termos do disposto no artigo 70° do CPPT, ou a Impugnação Judicial ao abrigo do disposto no artigo 102° do mesmo diploma legal e não ao abrigo dos artigos 276° e ss. do CPPT, conforme previu a decisão ora recorrida.
F. O ora Recorrente deduziu Impugnação Judicial ao abrigo do artigo 102° do CPPT logo, foi cumprida a lei e utilizada a correcta forma de processo.
G. Aliás, o próprio Director-Geral, Paulo Moita de Macedo, em sede das referidas compensações, confere tal possibilidade, como se poderá constatar da análise dos documentos n.°1 e 2.
H. Apesar de a informação redigida nas compensações não ter sido efectuada ao abrigo do disposto no artigo 68° da LGT, não se pode com isto concluir simplesmente que a mesma não vincula a Administração.
I. O Princípio da Boa-Fé, consagrado actualmente no n.°2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, exige que se tenha de levar em conta, na actuação da Administração Tributária, a confiança que as informações prestadas tenham suscitado nos contribuintes a quem foram prestadas.
J. Neste sentido vai também a alínea a) do n.° 2 do artigo 6°-A do Código de Procedimento Administrativo.
K. Ainda que a informação constante das notas de compensação que foram notificadas ao recorrente estivesse errada, a verdade é que transformaria a notificação num acto ineficaz, também ele sindicável pelo meio processual da impugnação judicial.
L. Assim, o ora Recorrente, ao deduzir Impugnação Judicial lançou mão de uma das duas possibilidades que a lei lhe conferia no caso concreto e agiu em conformidade com a informação prestada pelo Exmo. Senhor Director-Geral da DSJT.
M. Não se vislumbrando assim qualquer erroneidade na forma do processo utilizada, de modo que não seria necessária a realização de qualquer convolação do mesmo.
N. Mas ainda que o fosse, nunca seria a convolação da Impugnação Judicial em Reclamação ao abrigo do disposto no artigo 277° do CPPT mas tão só a Reclamação Graciosa ao abrigo do disposto no artigo 70° do mesmo diploma legal, cujo prazo de apresentação é de 120 dias, estando por isso em tempo.

NESTES TERMOS e nos mais de direito aplicáveis, vem o ora Recorrente requerer a V.as Ex.as que seja revogada a decisão ora recorrida e substituída por outra que admita a Impugnação Judicial, ou se assim não se entender que seja a mesma convolada em reclamação graciosa, tudo nos termos exposto; e com as respectivas consequências legais, pois só assim se fará a mais

LÍDIMA JUSTIÇA

Não foram apresentadas contra alegações.

O MP, neste Tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 125 no sentido do não provimento do recurso por a sentença ser suficientemente explícita e se achar bem fundamentada, aplicando correctamente o direito à situação em apreço.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Na decisão recorrida deu-se, como assente, a seguinte matéria de facto:

A) Em 21/12/93 foi instaurado contra a sociedade C ..., Lda, o processo de execução fiscal n°3344199301040502 e aps., conforme doc. de fls. 64 do p.a.

B) O ora impugnante foi citado por reversão, no âmbito da execução fiscal referida na alínea procedente (cfr. doc. 4 junto com a p.i.).

C) Na sequência da citação referida, o ora impugnante deduziu oposição à execução fiscal em 18/07/2005 (cfr. doc. 5 junto com a p.i.).

D) Em nome do impugnante, foi em 22/07/2006 efectuada a liquidação de IRS referente ao ano de 2004, com o n° 2006 4003191171, da qual resultou um montante a reembolsar no valor de € 4.600,38 (cfr. doc 1 junto com a p.i.).

E) Em 04/08/2006 foi efectuada a compensação n°53181, entre o valor a reembolsar resultante da liquidação referida na alínea precedente e as dívidas em execução no processo n°3344199701027271 apenso ao referido na alínea A) (cfr. fls. 61 e 62 do p.a.).

F) A compensação referida na alínea precedente foi remetida ao impugnante através do registo dos CTT com o n°RY359008753PT de 11/08/2006 e recebida em 21/08/2006 (cfr. fls.76 e 77 do p.a.)

G) Em nome do impugnante, foi em 06/07/2006 efectuada a liquidação de IRS referente ao ano de 2005, com o n° 2006 4002000830, da qual resultou um montante a reembolsar no valor de € 4.861,88 (cfr. doc 2 junto com a p.i.).

H) Em 11/07/2006 foi efectuada a compensação n°39510, entre o valor a reembolsar resultante da liquidação referida na alínea precedente e as dívidas em execução nos processos n°s 3344199501007378 e 3344199701027271 apensos ao referido na alínea A) - (cfr. fls. 59 e 60 do p.a.).

l) A compensação referida na alínea precedente foi remetida ao impugnante através do registo dos CTT com o n°RY347451346PT de 14/07/2006 e recebida em 18/07/2006 (cfr. fls.83 e 85 do p.a.).

J) A presente impugnação judicial foi remetida ao tribunal, por correio registado em 13/10/2006 (cfr. fl. 54 dos autos).

Aí se consignou que com interesse para a decisão apenas se provaram os factos enunciados no probatório supra e que a decisão da matéria de facto se efectuou com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, juntos aos autos, conforme se refere em cada um dos números do probatório.

A que, nos termos do art. 712 do CPC, se adita o seguinte:

L) O impugnante foi notificado nos termos de fls. 113 e 114 das demonstrações de compensação aí constantes e do que demais aí consta e que se dá aqui por reproduzido.
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III – Expostos os factos, vejamos o direito.

A decisão recorrida considerando estar-se perante uma situação de erro na forma de processo em que é inviável a convolação absolveu a Fazenda Pública da instância com base na seguinte fundamentação:
“Identifica a Impugnante como acto impugnado, os actos de compensação efectuados pela Administração Tributária entre o valor a reembolsar relativo ao IRS de 2004 e de 2005 e dívidas de IVA de 1994 e 1995 referentes à sociedade C ..., Lda. em cobrança coerciva no processo de execução que reverteu contra o impugnante enquanto responsável subsidiário.
Vem suscitada pela Fazenda Pública e pelo Digno Magistrado do Ministério Público, a questão da impropriedade do meio processual utilizado.
Vejamos se lhes assiste razão.
Conforme decorre do texto da p.i., o acto impugnado é o acto praticado na execução fiscal que determinou a compensação dos créditos (efectuada ao abrigo do disposto no art. 89° do CPPT) do impugnante com dívidas em cobrança coerciva na execução instaurada contra a sociedade C ..., Lda., que reverteu contra o ora impugnante, enquanto responsável subsidiário e para a qual o mesmo foi oportunamente citado, tendo deduzido oposição à execução.
Os actos cuja legalidade é sindicada nos presentes autos, são as compensações efectuados ao abrigo do disposto no art. 89° do CPPT, no âmbito do processo de execução fiscal.
Estando em causa actos praticados pela Administração Tributária no âmbito da execução fiscal, suscita-se desde logo a questão da eventual verificação de erro na forma de processo utilizada.
Com efeito, estamos perante um acto praticado pela Administração Tributária no âmbito do processo de execução fiscal e, portanto, relativamente ao qual o CPPT prevê meios de reacção específicos que não passam pela Impugnação Judicial prevista no artigo 101°, alínea a) da Lei Geral Tributária - LGT e no 97° e 99° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a qual tem por fim a anulação, declaração de nulidade ou inexistência anulação de actos administrativos tributários, nas situações elencadas nas alíneas a) a g) do n.° 1 do artigo 97° do CPPT (normalmente visando actos de liquidação de tributos ou de fixação de matéria colectável).
Tendo o processo de execução fiscal natureza judicial mesmo na fase em que corre perante as autoridades administrativas, são impugnáveis, todos os actos que ¬seriam susceptíveis de recurso jurisdicional se a decisão fosse proferida por um juiz, pelo que, conforme dispõe o artigo 276° do CPPT, podem ser objecto de reclamação, quaisquer decisões da Administração Tributária proferidas no processo de execução fiscal que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos interessados, independentemente de se tratar ou não de actos materialmente administrativos.
Face à pretensão do impugnante e a factualidade apurada verifica-se, erro na forma de processo, nulidade susceptível de sanação, nos termos do art. 97°, nº3 da LGT, 98°, n°4 do CPPT.
Assim, o meio processual de impugnação judicial, não é o próprio para atacar a legalidade da compensação com créditos do executado sobre a Administração Tributária, em ordem ao pagamento de dívidas em execução fiscal, efectuada ao abrigo do disposto no art. 89.° n.° 1 CPPT.
A forma processual legalmente prevista mais adequada para fazer valer em juízo c direito de impugnar tal acto, é a da reclamação/recurso das decisões do órgão da execução fiscal, a que aludem os nos arts. 276.° a 278.° CPPT (neste sentido vide Ac. do STA, rec. 1538/03 de 13/10/2004 e Ac. do TCA, proc. 127/06.5BEPFN de 05/06/2008).
Nos termos legais, nada obsta à possibilidade de convolação, desde que, causa de pedir e pedido se adaptem a esta forma processual e que a petição inicial tenha sido tempestivamente apresentada.
Vejamos, se a apresentação da petição inicial que originou os presentes autos de impugnação é susceptível de ser aproveitada e convertida em petição da pertinente reclamação, sem prejuízo da necessidade, ultrapassável mediante despacho de aperfeiçoamento, de formulação de conclusões.
Considerando que a ora Impugnante dispunha do prazo de 10 dias (cfr. art. 277° do CPPT) para apresentar a reclamação, e como resulta das alíneas F) e l) foi notificada dos actos de compensação em 18/07/2006 e 21/08/2006, resulta manifesto que tal prazo se mostra excedido, tendo em conta que a presente petição foi remetida a Tribunal em 13/10/2006 (Al. J) do probatório), o que inviabiliza a convolação.
Assim, a ordenar-se a convolação, incorrer-se-ia na prática de um acto inútil, a que o tribunal deve obstar em face do disposto no art. 137° do CPC ex vi al.e) de art. 2° do CPPT.
Deste modo, estarmos perante uma situação de erro na forma de processo em que é inviável a convolação, o que constitui excepção dilatória nos termos do art. 494°, al. b) do conducente à absolvição da instância nos termos do art. 288º alínea b) do C.P.C.”.

Dissente o recorrente do decidido por as compensações em causa consubstanciarem actos autónomos praticados pela DSJT, sendo que a forma processual para atacar este tipo de actos é ou reclamação graciosa ou a impugnação judicial e não a reclamação ao abrigo do art. 276 do CPPT.
Não assiste razão ao recorrente pelos fundamentos constantes da decisão recorrida com que se concorda por fazer correcta aplicação do direito à situação em apreço.
De facto, o acto impugnado é o acto praticado na execução fiscal que de compensação dos créditos (efectuada ao abrigo do disposto no art. 89° do CPPT) do impugnante com dívidas em cobrança coerciva na execução instaurada contra a sociedade C ..., Lda., que reverteu contra o ora impugnante, enquanto responsável subsidiário e para a qual o mesmo foi oportunamente citado, tendo deduzido oposição à execução. Não se trata de qualquer acto de compensação efectuado antes da instauração da execução, mas de um acto praticado no âmbito da execução fiscal como resulta do probatório e como tal sujeito a reclamação nos termos do art. 276 do CPPT.
Só se a compensação tivesse lugar antes da execução fiscal é que a recorrente não podia deduzir reclamação judicial contra esse acto, restando-lhe, pois, a via do recurso contencioso contra o acto da autoridade que a tenha determinado, o que não sucede na situação em apreço como resulta do probatório, sendo que a recorrente foi notificada da compensação efectuada na execução não lhe aproveitando a invocação de que se trata de acto autónomo praticado pela DSJT.
Não é, assim, meio idóneo para impugnar a compensação a impugnação judicial, mas o meio próprio é a reclamação prevista no art. 276 do CPPT como muito bem se refere na decisão recorrida. Pela fundamentação constante da decisão e com que se concorda não se pode ordenar a convolação do processo para a forma apropriada, sendo que a reclamação graciosa não é forma apropriada para reagir contra o acto de compensação em causa.
Improcedem, assim, todas as conclusões da recorrente, sendo de se manter a decisão recorrida que fez correcta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso.

IV – Nos termos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal em, negando provimento ao recurso, manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 20.10.09

Joaquim Pereira Gameiro
Manuel Malheiros
Eugénio Sequeira