Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:253/18.8BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:05/09/2019
Relator:ANTONIO VASCONCELOS
Descritores:ACIDENTE EM SERVIÇO. REGIME DO ARTIGO 24.º DO DECRETO – LEI N.º 503/99, DE 20 DE NOVEMBRO.
RESPONSABILIDADE CIVIL
Sumário:I – Do disposto no artigo 24.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro resulta que o reconhecimento de uma situação de “recidiva, agravamento ou recaída” depende da verificação de determinadas condições, a saber: a apresentação (por parte do trabalhador) de requerimento de submissão a junta médica referido no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 503/99, fundamentado em parecer médico, devendo tal pedido ser efectuado no prazo de 10 anos contado da alta.

II - Decorre igualmente do n.º 2 do artigo 24.º citado que o reconhecimento pela junta médica da recidiva, agravamento ou recaída “determina a reabertura do processo”, sendo inequívoco que, para ser aplicável ao trabalhador tal regime, o processo de acidente de trabalho tem de estar concluído, na medida em que não é logicamente viável proceder a tal reapreciação enquanto tais direitos não se encontrem definidos.

III - Tendo o requerimento de recidiva da Recorrida sido apresentado ainda antes da realização da junta médica da CGA para efeitos da confirmação de eventual incapacidade permanente (ou seja, o processo ainda se encontrava pendente), não era possível proceder-se à reabertura do processo nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 503/99.

IV - Na medida em que o acto impugnado não padece de qualquer irregularidade, não ocorrem os pressupostos do regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado decorrente da Lei n.º 67/2007 que imponham ao Recorrente o dever de indemnizar a Recorrida.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO


Acordam, em Conferência , na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

O Instituto dos Registos e Notariado, IP., inconformado com a sentença do TAF de Almada, de 4 Julho de 2018, que julgou parcialmente procedente a acção administrativa de condenação à prática do acto devido em processo urgente, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1 e 48.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, veio interpor para este TCAS o presente recurso jurisdicional e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões (sintetizadas):

“ A) A decisão recorrida assenta, em síntese, no entendimento de que “a circunstância de a Autora se encontrar a aguardar a submissão à junta médica da CGA, prevista no n.º 5, do artigo 20.º, do Decreto-Lei nº 503/99 de 20 de Novembro, na data em que foi apresentado o requerimento indeferido pelo ato impugnado, não impedia a sua apresentação à junta médica da ADSE, prevista no nº 1, do artigo 21.º, do Decreto-Lei nº 503/99 de 20 de Novembro, para reconhecimento de recidiva (…), depende apenas da verificação das condições estabelecidas no nº 1 do art.º 24º do Decreto-Lei nº 503/99 (…)”, pois, segundo afirma o Tribunal a quo , o nº 2 daquele artigo, limita-se a definir os trâmites a seguir após o reconhecimento da recidiva, agravamento ou recaída pela junta médica da ADSE.

B) Porém, tal entendimento resulta de uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto no citado artigo 24º do Decreto-Lei nº 503/99 de 20 de Novembro (que inquina a decisão recorrida com o vício de erro de julgamento da matéria de direito); pois é inelutável que o escopo do referido normativo é permitir – caso se verifique alguma alteração que o justifique – a “reavaliação” da incapacidade já atribuída ao trabalhador (ou, por outras palavras, é permitir alterar o tipo e/ou grau de incapacidade resultante da verificação do acidente de trabalho, despois destes já se encontrarem definitivamente fixados).

C) Quer a referência feita no nº 1 do aludido artigo 24º ao “prazo de 10 anos contado da alta”, quer a previsão da necessidade de “reabertura do processo”, a que se alude no nº 2 do mesmo preceito, remetem para a conclusão (lógico-racional) de que a submissão a (nova) junta médica da ADSE para efeitos de reconhecimento de recidiva, agravamento da recaída, apenas se pode verificar nos casos em que o tipo de incapacidade resultante da verificação do acidente de trabalho e o respetivo grau já se encontram concreta e definitivamente fixados ( bem como, e consequentemente, os direitos que da+i resultam para a esfera jurídica do trabalhador, como seja o direito a ser indemnizado em função grau de incapacidade que lhe está atribuído).

D) Uma vez que o nº 5 do artigo 20º do citado Decreto-Lei nº 503/99 prevê, expressamente, que – caso seja reconhecida ao acidentado incapacidade permanente, ou temporária de duração superior a 36 meses – a entidade empregadora deve comunicar tal facto à CGA, que submeterá o acidentado a exame da respetiva junta médica, para efeitos de confirmação da incapacidade e de avaliação do respectivo grau de desvalorização, a correta interpretação e aplicação do estatuído no artigo 24º do mesmo diploma teria impelido o tribunal para a conclusão de que o reconhecimento feito pela junta médica da ADSE só se torna definitivo após a efetiva confirmação, por parte da CGA, da incapacidade atribuída ao trabalhador e avaliação do grau de desvalorização dela resultante.

E) Ao dar como provado que (na sequência da deliberação da junta médica da ADSE, realizada em 15/05/2017) foi conferida alta do acidente de trabalho à ora recorrida, com incapacidade permanente parcial e com a indicação de que a mesma devia ser submetida à junta médica da CGA de acordo com o nº 5 do artº 20º do Decreto-Lei nº 503/99 – cfr. alínea G) dos factos provados – e que o ora recorrente só foi notificado do resultado dessa junta médica da CGA em 30/11/2017, impunha-se ao aresto recorrido (não fosse a incorrecta interpretação que fez do disposto no artigo 24º do Decreto-Lei nº 503/99) a conclusão de que quando, em agosto de 2017, a recorrida apresentou o pedido de reconhecimento de recidiva, ainda não se encontrava definitivamente fixada a incapacidade resultante do acidente de trabalho que sofrera em maio, nem o respetivo grau de desvalorização (por não se ter verificado, ainda, a correspondente confirmação, por parte da CGA).

F) Concludentemente, haveria que decidir-se pela improcedência da acção, porquanto, no caso sub judice, não estavam presentes todos os pressupostos de que a lei faz depender o deferimento de tal pedido, e nessa medida, nenhum vício haveria a apontar ao ato impugnado.

G) Quando, em novembro de 2011, o processo de acidente de trabalho terminou – com a notificação da decisão da CGA que fixou, definitivamente, o grau de desvalorização atribuído à recorrente em função da incapacidade que lhe foi reconhecida – o ora recorrente estava impossibilitado de diligenciar pela submissão da recorrida à junta médica da ADSE, com vista ao eventual reconhecimento de recidiva ( e consequente alteração da decisão quanto ao grau de desvalorização que lhe fora atribuído), pois, não dispunha de um relatório médico actualizado, como exige o nº 1 do citado artigo 24º, já que só em 01/02/2018 é que trabalhadora remeteu ao demandado cópia actualizada de Boletim de Acompanhamento Médico comprovativo de incapacidade temporária para o trabalho, reportado ao período compreendido entre 28 de outubro e 21 de fevereiro.

H) Pelo que, também aqui nada havia a apontar ao ato impugnado, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo por força da incorreta interpretação que fez do disposto no artigo 24º Decreto-Lei nº 503/99, nos moldes atrás enunciados.

I) Por sua vez, para motivar a condenação do recorrente no pagamento à ora recorrida das despesas judiciais e com honorários de mandatário judicial em montante a liquidar em execução de sentença, o aresto recorrido afirma – apenas e tão somente – que “as despesas judiciais e os honorários de mandatário judicial são danos indemnizáveis desde que adequados e necessários para eliminar da ordem jurídica a actuação ilícita da Administração geradora do dever de indemnizar”; sem, contudo, concretizar os fundamentos de facto que justificam tal entendimento e remetendo, apenas, no que toca à fundamentação de direito, para um acórdão do STA.

J) Nessa medida, o aresto recorrido não dá cabal cumprimento ao disposto no nº 3 do artº 94º do CPTA e viola, manifestamente, o estatuído nos artigos 205º nº 1 da CRP e artº 154º nº 1 do CPC( aplicável ex vi artº 1º do CPTA), incorrendo no vício de falta de fundamentação.

K) E mesmo admitindo-se – por mera hipótese de raciocínio e acautelando o dever de defesa – que tal condenação se fundamentou na eventual verificação de responsabilidade civil extracontratual do Estado, prevista Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, ficam por indicar quais os factos (provados!) em que se alicerça tal conclusão; sendo certo que a recorrida nem sequer alegou (e muito menos comprovou) factos suscetíveis de demonstrar a verificação cumulativa dos pressupostos de que a lei faz depender tal responsabilidade, a saber: a ilicitude do ato impugnado; a culpa do agente lesante; o nexo causal e os danos – cfr. artigos 7º e ss. da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.”

A ora Recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste TCAS emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmada a sentença recorrida.

Sem vistos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.

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II – DA FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663º, nº 6 do Cód. Proc. Civil, ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA.
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III – DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do sentença do TAF de Almada que julgou parcialmente procedente a acção administrativa de condenação à prática do acto devido em processo urgente, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1 e 48.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro.

No essencial, o Tribunal a quo entendeu que “ Afigurando-se evidente que a circunstância de a Autora se encontrar a aguardar a submissão à junta médica da CGA, prevista no n.º 5 do artigo 20.º do Decreto-Lei nº 503/99 de 20 de Novembro, na data em que foi apresentado o requerimento indeferido pelo acto impugnado, não impedia a sua apresentação à junta médica da ADSE, prevista no n.º 21 do Decreto-Lei nº 503/99 de 20 de Novembro, para reconhecimento da recidiva”. Concluiu por isso que “Conforme decorre da matéria de facto provada, com o requerimento de 17-08-2017, a Autora apresentou o boletim de acompanhamento médico (BMA), mencionado na alínea J), que contém os elementos mencionados no artigo 21.º do Decreto-Lei nº 503/99 de 20 de Novembro, nomeadamente a menção da “Recidiva de Acidente em Serviço em 30/5/2016”, pelo que estavam reunidas as condições para a sua submissão à junta médica da ADSE para reconhecimento de recidiva, previstas no n.º 1 do artigo 24.º do Decreto-Lei nº 503/99 de 20 de Novembro” , pois que “o requerimento é fundamentado em parecer médico, não estando em causa a sua tempestividade, o que, de resto, a entidade demandada não questiona”.
Em conformidade, condenou a entidade demandada a “ pagar à Autora as quantias que deixou de lhe abonar a partir de 18-08-2017, data da apresentação do requerimento indeferido pelo acto impugnado”, por ter considerado “ a sua ausência motivada por doença e não por acidente em serviço (cfr. artigo 19.º, n.º 1 e 5 do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro), acrescidas de juros de mora, à taxa legal em vigor em cada momento, desde a data em quer eram devidas e até efectivo pagamento.”. E ainda no pagamento “ das despesas judiciais e com honorários de mandatário judicial na presente acção em montante a liquidar em execução de sentença”, por estas constituírem “ um dano indemnizável”, dado ser “ obrigatória a constituição de advogado, sendo que se não fosse a ilegalidade praticada a Autora não teria de propor a presente acção”.

Discorda deste entendimento o Recorrente ao alegar que a sentença em crise padece de “erro de julgamento da matéria de direito” por “incorrecta interpretação e aplicação das normas que regulam o caso em apreço, e de vício de forma por falta de fundamentação”.
A propósito do alegado erro de julgamento sustenta que “ a douta sentença recorrida ao condenar o Requerente a requerer a submissão da Recorrida a exame médico da ADSE para os efeitos previstos no art. 24.º do Dec.-Lei n.º 503/99 e a pagar as quantias que deixou de lhe abonar desde 18/08/2017, sem que o processo de acidente de trabalho estivesse findo, faz uma incorrecta interpretação e aplicação do regime resultante do art. 24.º do referido diploma legal” (cfr. artigo 35.º do recurso jurisdicional).
Por sua vez, a propósito do alegado vício de falta de fundamentação, sustenta o Recorrente que “ o tribunal a quo incorre, ainda, em falta de fundamentação no que se refere à condenação do Recorrente no pagamento à ora Recorrida, das despesas judiciais e com honorários de mandatário judicial em montante a liquidar em execução de sentença”, por não concretizar “os fundamentos de facto e de direito que justificam o entendimento perfilhado; limitando-se, sem mais, a remeter para o acórdão do STA” (cfr. 37.º e 39.º do recurso jurisdicional).
Por último, veio alegar, para o caso de improceder o supra mencionado vício de falta de fundamentação que sempre existiria “ vício de erro de julgamento da matéria de direito” pois que “não se integrando os pedidos em apreço no regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado (…) e existindo normativo legal que contempla expressa e especificadamente o pagamento pela parte vencida de encargos e honorários de mandatário judicial da parte vencedora [Regulamento das Custas ] não podem tais despesas ser pagas a título de indemnização” (cfr. artigo 68.º do recurso jurisdicional).

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Analisemos então de per si os vícios apontados à sentença recorrida, sendo que as conclusões das alegações definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontram nos autos os elementos necessários à sua consideração – cfr. artigos 635º nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, ex vi artigo 140º do CPTA.

I – DO ALEGADO ERRO NA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO ARTIGO 24.º DO DECRETO-LEI N.º 503/99, DE 20 DE NOVEMBRO

Como referimos supra, o Tribunal a quo entendeu que “ estavam reunidas as condições para a sua [da Recorrida] submissão à junta médica da ADSE para reconhecimento da recidiva, previstas no artigo 24.º do Dec.-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro”, pois que “o requerimento é fundamentado em parecer médico, não estando em causa a sua tempestividade (…)”, sendo que “Perante um requerimento fundamentado em parecer médico apresentado no prazo de 10 anos contado a partir da alta, a entidade empregadora do serviço da qual tenha ocorrido o acidente, deve requerer à ADSE a realização do exame da junta médica para efeitos do reconhecimento de “recidiva, agravamento ou recaída “ (artigos 21.º, n.º 4, 24.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro).
Em reforço deste entendimento, mais adiantou que “não faz sentido fazer depender a sujeição do trabalhador à junta médica da ADSE, prevista no artigo 21.º do Dec.-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, para reconhecimento de “recidiva, agravamento ou recaída” da realização da junta médica da ADSE, nos termos do n.º 5 do artigo 20.º do Dec.-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, com composição e finalidades distintas (artigos 4.º, 20.º, n.º 5, 21.º, 24.º, 34.º e 38.º).”

Vejamos o que se nos oferece dizer.
Dispõe o artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 503/99, sob a epígrafe “ Recidiva, agravamento ou recaída”, o seguinte:
“1 - No caso de o trabalhador se considerar em situação de recidiva, agravamento ou recaída, ocorrida no prazo de 10 anos contado da alta, deve apresentar à entidade empregadora requerimento de submissão à junta médica referida no artigo 21.º, fundamentado em parecer médico.
2 - O reconhecimento da recidiva, agravamento ou recaída pela junta médica determina a reabertura do processo, que seguirá, com as necessárias adaptações, os trâmites previstos para o acidente e confere ao trabalhador o direito à reparação prevista no artigo 4.º”

Compulsada a previsão do artigo citado, constatamos que o seu n.º 1 vem decomposto em três requisitos para fazer operar o instituto da “recidiva, agravamento ou recaída”, designadamente a verificação de i) situação de “recidiva, agravamento ou recaída”; ii) no prazo de 10 anos a contar da data da alta do acidente e iii) apresentação, junto da Entidade Empregadora, de requerimento fundamentado em parecer médico, a solicitar a submissão do trabalhador à junta medica prevista no artigo 21.º.
Por sua vez, o seu n.º 2 vem estabelecer os contornos desse mesmo instituto: primeiro a Junta Médica prevista no artigo 21.º reconhece a situação de “recidiva, agravamento ou recaída”, depois é reaberto o processo que deve seguir os trâmites previstos para o acidente, e por conseguinte, é conferido ao trabalhador o direito à reparação prevista no artigo 4.º.
Ora, em nosso entender, a interpretação feita pelo Tribunal a quo quanto ao disposto no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 503/99, é manifestamente errónea.
Com efeito, conforme resulta da matéria de facto dada como assente na sentença – alínea G) do probatório -, na sequência da deliberação da junta médica da ADSE, realizada em 15/05/2017, foi conferida alta do acidente de trabalho à ora Recorrida com incapacidade permanente parcial e com indicação de que a mesma devia ser submetida a junta médica da CGA de acordo com o n.º 5 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 503/99.
E o n.º 5 deste preceito determina expressamente que após a alta, e caso seja reconhecido ao acidentado incapacidade permanente, ou temporária de duração superior a 36 meses a entidade empregadora deve comunicar tal facto à CGA que submeterá o acidentado a exame da respectiva junta médica, para efeitos de confirmação da incapacidade e de avaliação do respectivo grau de desvalorização.
Por conseguinte, pese embora tenha sido conferida alta médica à trabalhadora em causa, o processo de acidente de trabalho não ficou concluído à data da alta.
Assim sendo, à data em que a ora Recorrida apresentou o requerimento para reconhecimento de recidiva, agravamento ou recaída ( Agosto de 2017) o processo de acidente de trabalho encontrava-se pendente, pois não se tinha verificado ainda a confirmação, por parte da CGA, da incapacidade permanente a que alude a junta médica da ADSE. Donde, necessariamente, na data em que o mesmo requerimento foi dirigido à entidade demandada, mostrava-se inviável dar sequência ao pedido formulado pela Recorrida, até porque só após a realização da junta médica da CGA prevista no n.º 5 do artigo 20.º se podia considerar findo o processo de acidente de trabalho. E se o mesmo não se encontrava findo naquela data – Agosto de 2017 – não podia, naturalmente, ser reaberto o processo conforme dispõe o n.º 2 do artigo 24.º do referido diploma.
Ou seja, só depois de ser notificado do resultado da junta médica da CGA (realizada nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 20.º) é que a entidade demandada podia requerer a submissão da Recorrida à junta médica da ADSE para efeitos de reconhecimento de recidiva, agravamento ou recaída, notificação essa que veio a acontecer só em 30 de Novembro de 2017.
Destarte, somente após aquela data é que poderia promover-se a reabertura do processo de acidente de trabalho para efeitos da aplicação do disposto no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 503/99. Até porque, da análise do referido preceito legal resulta, como vimos supra, que o reconhecimento de uma situação de “recidiva, agravamento ou recaída” depende da verificação de determinadas condições, a saber: a apresentação (por parte do trabalhador) de requerimento de submissão a junta médica referido no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 503/99, fundamentado em parecer médico, devendo tal pedido ser efectuado no prazo de 10 anos contado da alta.
Todavia, decorre igualmente do n.º 2 do artigo 24.º citado que o reconhecimento pela junta médica da recidiva, agravamento ou recaída “determina a reabertura do processo”, sendo inequívoco que, para ser aplicável ao trabalhador tal regime, o processo de acidente de trabalho tem de estar concluído, na medida em que não é logicamente viável proceder a tal reapreciação enquanto tais direitos não se encontrem definidos.
Com efeito, dispõe o artigo 40.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 503/99 Decreto-Lei n.º 503/99 que as prestações da responsabilidade da CGA podem ser revistas ( e, em consequência aumentadas, reduzidas ou extintas) quando se verifique modificação da capacidade de ganho do trabalhador proveniente de recidiva, agravamento ou recaída, o que pressupõe, necessariamente, que tal revisão só poderá ocorrer quando o direito a tais prestações já se encontra determinado.
Concluímos do exposto que, tendo o requerimento de recidiva da Recorrida sido apresentado em 18 de Agosto de 2017, ainda antes da realização da junta médica da CGA para efeitos da confirmação de eventual incapacidade permanente (ou seja, o processo ainda se encontrava pendente), não era possível proceder-se à reabertura do processo nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 503/99.
Também é verdade que após a conclusão do referido processo a ora Recorrida não apresentou novo requerimento para efeitos de reconhecimento de recidiva baseado em parecer médico actualizado, pelo que se mostrava inviável ao demandado diligenciar, em Dezembro de 2017, pela submissão da ora Recorrida à junta médica da ADSE referida no n.º 1 do artigo 24.º com recurso a um relatório médico datado de Agosto de 2017, porventura desactualizado no seu conteúdo.
Em conformidade com todo o exposto, concluímos que a sentença recorrida, ao condenar o Recorrente a requerer a submissão da Recorrida a exame médico da ADSE a exame médico da ADSE para os efeitos previstos no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 503/99 e a pagar as quantias que deixou de lhe abonar desde 18 de Agosto de 2017, sem que o processo de acidente e trabalho estivesse findo, fez uma incorrecta interpretação e aplicação do regime resulta do artigo 24.º citado.
Termos em que procedem na íntegra as conclusões A) a H) (sintetizadas) da alegação do Recorrente, sendo de conceder, nesta parte, provimento ao recurso.


II – DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Face ao que ficou evidenciado supra no ponto I , na medida em que o acto impugnado não padece de qualquer irregularidade, não ocorrem os pressupostos do regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado decorrente da Lei n.º 67/2007 que imponham ao Recorrente o dever de indemnizar a Recorrida.
Na verdade, não havendo qualquer actuação ilícita por parte do Recorrente, também não há culpa, inexistindo, igualmente, e em todo e qualquer caso nexo de causalidade entre o eventual facto ilícito e o alegado dano. É que o nexo causal verificar-se-á quando o facto ilícito for a causa adequada do dano o que não sucede no caso em apreço.
Em face do exposto, improcedem os pedidos condenatórios mencionados no segmento decisório da sentença em B) ( quantias que deixaram de ser abonadas a partir de 18/08/2017 acrescidas de juros moratórios até integral pagamento ) e igualmente as despesas judiciais e com honorários do mandatário judicial em montante a liquidar em execução de sentença, mencionadas no segmento decisório da sentença em C).
Termos em que, procede na íntegra a conclusão K) (sintetizada) , ficando necessariamente prejudicado o conhecimento das conclusões I) e J) (sintetizadas) da alegação do Recorrente.

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IV – DECISÃO

Acordam, pois, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS em conceder provimento ao recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida, com a consequente improcedência da acção.

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Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.


Lisboa, 9 de Maio de 2019

Relator:

António Vasconcelos

Catarina Jarmela

Paula Ferreirinha Loureiro