Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05593/12
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:10/16/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”). CONCEITO E ÂMBITO DESTA NULIDADE.
ERRO DE JULGAMENTO (DE FACTO OU DE DIREITO).
ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO ARTº.204, Nº.1, AL.A), DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE POR PARTE DOS TRIBUNAIS.
FALSIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO.
REQUISITOS DE EXISTÊNCIA NO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes.

2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma.

3. O erro de julgamento (de facto ou de direito) consubstancia-se em o juiz decidir mal, decidir contra lei expressa ou contra os factos apurados. Contrariamente ao erro material, ao qual se aplica o regime previsto no artº.667, do C.P.Civil, quanto ao erro de julgamento, de facto ou de direito, somente pode ser banido pela via do recurso.

4. A factualidade que o recorrente refere (o não recebimento de facturas emitidas nos períodos de I.V.A. em questão, factualidade que influencia automaticamente os apuramentos realizados nas declarações periódicas enviadas pelo próprio S. P.) reconduz-se à alegada discussão da ilegalidade concreta ou relativa da dívida exequenda. Ora, tal matéria não pode constituir fundamento do processo de oposição a execução fiscal, salvo se a lei não assegurar (o que não é o caso) meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação, conforme é jurisprudência e doutrina assentes, assim não sendo necessário o carreamento da mesma para o probatório na decisão do presente processo (cfr.artºs.236 e 286, nº.1, al.g), do C.P.Tributário; artº.204, nº.1, al.h), do C.P.P.Tributário), assim não vislumbrando o Tribunal “ad quem” que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de facto.

5. Nos termos do artº.204, nº.1, al.a), do C. P. P. Tributário, é enquadrável como fundamento de oposição qualquer ilegalidade substantiva agravada (absoluta ou abstracta), vício que não se refere ao concreto acto de liquidação, mas antes se reportando à ilegalidade da norma em que o mesmo acto tributário se baseia. Deve considerar-se que cabem no citado conceito de ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação todos os casos de actos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, normas constitucionais.

6. O que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que das mesmas normas possam ser efectuadas por aquelas decisões.

7. A falsidade do título executivo encontra-se prevista no artº.204, nº.1, al.c), do C.P.P. Tributário (cfr.anterior artº.286, nº.1, al.c), do C.P.Tributário), enquanto fundamento de oposição a execução fiscal.

8. No que diz respeito à falsidade documental, a lei substantiva só prevê a possibilidade da sua invocação quanto a tipos de documentos aos quais atribui eficácia probatória plena. Tal conclusão resulta, de forma evidente, do confronto entre os artºs.346 e 347, do C. Civil. Somente o artº.347, do C. Civil, exige a prova do contrário, incumbindo o respectivo ónus (através do incidente de falsidade) a quem se quiser opôr à prova plena resultante do documento.

9. No processo de execução fiscal o título executivo consiste numa certidão ou em qualquer outro documento a que, por lei especial, seja atribuída força executiva (cfr.artº.162, do C.P.P.Tributário), estando os respectivos requisitos consagrados no artº.163, do C.P.P.Tributário.

10. A falsidade do título executivo que pode servir de fundamento à oposição a execução fiscal não é a intelectual, consistente em certificar uma obrigação alegadamente inexistente por o opoente nada dever. A falsidade do título susceptível de suportar a oposição consiste, antes, na desconformidade do seu conteúdo face à realidade certificada, não sendo falso o título que reflecte correctamente o suporte de onde foi extraído, ainda que o conteúdo desse suporte seja, porventura, inverídico. Este fundamento de oposição não deve, portanto, confundir-se com a inveracidade dos pressupostos de facto da liquidação.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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“V ………….., S.A.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.44 a 49 do processo, através da qual julgou totalmente improcedente a oposição a execução fiscal com o nº…………………., instaurada contra a recorrente no Serviço de Finanças de Porto Mós, visando a cobrança coerciva de dívidas de I.V.A., referentes aos meses de Setembro a Dezembro de 2009 e no valor total actual de € 33.312,36.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.67 a 71 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-A douta sentença é de todo omissa quanto a fundamentação para concluir, sobre a alegação do oponente, quanto a ilegalidade concreta, ao invés de abstracta conforme alegado pelo oponente quanto à inconstitucionalidade na interpretação dada ao artigo 27, nº.1 e artigo 19, nº.1, ambos do C.I.V.A.;
2-Esta omissão total na fundamentação, constitui nulidade de sentença;
3-A definição dos conceitos de ilegalidade em abstracto corresponde inexoravelmente, com a inconstitucionalidade das normas ou inconstitucionalidade da interpretação das mesmas;
4-Por a A. T. entender exigível montantes de I.V.A. facturados pela oponente mas ainda não recebidos dos seus clientes com base numa interpretação que se entende inconstitucional;
5-Deve o Tribunal acrescentar à matéria de facto assente, o não recebimento de facturas emitidas nos períodos de I.V.A. em questão influenciando automaticamente os apuramentos realizados nas declarações periódicas enviadas pelo próprio S. P., uma vez que estes factos não foram contestados pela RFP;
6-Não menos importante e de conhecimento geral e do Tribunal, a forma de preenchimento das declarações periódicas de I.V.A. são fruto das instruções da A. T.;
7-Instruções que referem explicitamente que o I.V.A. apurado a favor do Estado deve reflectir todas as facturas emitidas incluindo as não recebidas;
8-Essas instruções da A. T. apresentam na sua génese interpretação inconstitucional, não restando qualquer dúvida, ainda que tratando-se de autoliquidação, que a responsabilidade dos valores declarados é da A. T.;
9-Se já é entendimento geral e assente sobre a relevância da data de citação, quando confrontada com datas de instauração, então, na mesma esteira de raciocínio percebemos também a importância daquela data sobre a data de emissão do título executivo;
10-Por critérios de segurança jurídica e de possibilidade de verificação e contraditório entre as partes, as datas quer de instauração do processo executivo quer da data de emissão do título executivo devem sucumbir pela extrema acuidade e pertinência da data de citação;
11-Desta forma, reiterando o fundamento da oposição quanto a esta matéria, deverá decidir-se pela falsidade do título tendo em conta que até mesmo no momento da instauração do processo executivo bem como no momento da citação, os valores constantes do título estavam e estão errados;
12-Donde, deveria o S. de Finanças local anular o título executivo com erro e, como órgão competente, emitir novo título executivo pois conhecia o pagamento realizado pelo S. P. dois dias depois da pretensa emissão da primeira certidão de dívida;
13-Termos em que nos melhores de direito, devem as presentes alegações ser aceites, por estarem em tempo concedendo-se provimento ao recurso, por provado, decidindo a douta decisão pela revogação da decisão proferida em 1 ª. Instância.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.91 dos autos), no qual pugna por que se negue provimento ao recurso e se mantenha a sentença recorrida na ordem jurídica.
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.94 e 95 do processo), vem o processo à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.45 dos presentes autos):
1-Com base nas certidões de dívida de fls.2 a 5 do apenso, datadas de 24/04/2010, que se dão por integralmente reproduzidas, foi instaurada contra a oponente a execução fiscal nº……………………., para cobrança coerciva das dívidas provenientes de I.V.A., dos meses de Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2009, cujas datas limite de pagamento ocorreram, respectivamente, em 10-11-2009, 20-12-2009, 11-01-2010 e 10-2-2010 (cfr.documentos juntos a fls.2 a 5 do processo de execução fiscal apenso);
2-Em 26/04/2010, a oponente efectuou pagamentos para os meses de Setembro de 2009 - € 4.251,69 - e Dezembro de 2009 - € 25,00 (cfr.documentos juntos a fls.12 e 13 do processo de execução fiscal apenso; informação exarada a fls.11 a 13 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão, não se provaram outros factos…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal baseou-se em cada um dos documentos referidos nas alíneas anteriores…”.
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Levando em consideração que a factualidade em análise nos presentes autos se baseia em prova documental, este Tribunal julga provados mais os seguintes factos que se reputam relevantes para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), e 2, do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
3-As certidões a que alude o nº.1 supra titulavam dívida no montante total de € 34.272,60, sendo o acrescido relativo a juros de mora e custas na quantia de € 2.003,06 (cfr.documentos juntos a fls.2 a 5 do processo de execução fiscal apenso);
4-Em 7/5/2010, a sociedade executada/opoente, “V………….., S.A.”, com o n.i.p.c. ………………, foi citada no âmbito do processo de execução fiscal identificado no nº.1, com vista ao pagamento da quantia exequenda total de € 36.275,66 (cfr.documentos juntos a fls.6 a 8 do processo de execução fiscal apenso);
5-Em 8/6/2010, a sociedade opoente/recorrente apresentou oposição junto do Serviço de Finanças de Porto de Mós na qual alega, além do mais, a desconformidade dos títulos executivos com a realidade, em virtude dos pagamentos identificados no nº.2 supra (cfr.documento junto a fls.11 e seg. do processo de execução fiscal apenso);
6-Em 25/6/2010, foi exarado despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Porto de Mós no qual se ordena a imputação dos pagamentos identificados no nº.2 do probatório na dívida exequenda do processo de execução fiscal nº………………… e a consequente nova citação da sociedade executada/opoente levando em consideração os novos valores da dívida exequenda (cfr.documento junto a fls.11-G do processo de execução fiscal apenso);
7-Em 9/8/2010, no âmbito do processo de execução fiscal nº………………….. foi emitido mandado de citação da sociedade executada/opoente pelo montante total de dívida exequenda, já incluindo o acrescido, de € 33.312,36 (cfr.documento junto a fls.14 do processo de execução fiscal apenso);
8-Em 10/8/2010, a sociedade executada/opoente foi citada no âmbito do processo de execução fiscal, com vista ao pagamento da quantia exequenda total de € 33.312,36 (cfr. documentos juntos a fls.15 e verso do processo de execução fiscal apenso);
9-Em 10/9/2010, deu entrada no Serviço de Finanças de Porto de Mós a p.i. de oposição que originou os presentes autos (cfr.data de entrada aposta a fls.3 dos presentes autos).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos e informações oficiais referidos em cada um dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida, em síntese, julgou totalmente improcedente a oposição que originou o presente processo, em consequência do que ordenou a prossecução da execução fiscal contra o opoente.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando antes de mais, como supra se alude, que a sentença recorrida é de todo omissa quanto a fundamentação para concluir, sobre a alegação do oponente, quanto a ilegalidade concreta, ao invés de abstracta conforme alegado pelo oponente quanto à inconstitucionalidade na interpretação dada ao artigo 27, nº.1 e artigo 19, nº.1, ambos do C.I.V.A. Esta omissão total na fundamentação, constitui nulidade de sentença. A definição dos conceitos de ilegalidade em abstracto corresponde inexoravelmente, com a inconstitucionalidade das normas ou inconstitucionalidade da interpretação das mesmas (cfr.conclusões 1 a 4 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, segundo entendemos, nulidade por omissão de pronúncia da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.668, do C. P. Civil.
Face ao preceituado no citado artº.668, nº.1, al.d), do C. P. Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.660, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A. Sul, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A. Sul, 3/5/2011, proc.4629/11; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.).
Mais, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia.
Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.660, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.494 e 495, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº. 133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac. T.C.A. Sul, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul, 18/9/2012, proc.3171/09; Jorge Lopes de Sousa, ob.cit., pág.912 a 914).
No caso “sub judice”, o que o recorrente pretende, segundo entendemos, é que o Tribunal “a quo” devia ter conhecido da eventual ilegalidade abstracta que consistia na inconstitucionalidade das normas constantes dos artºs.19, nº.1, e 27, nº.1, ambos do C.I.V.A., no que diz respeito à sua aplicação ou interpretação por parte da A. Fiscal, na medida em que as mesmas normas permitem ao Estado receber quantias de I.V.A. do sujeito passivo, mesmo que este não haja recebido as quantias de terceiro.
Ora, quanto a este fundamento do recurso, a douta sentença recorrida refere o seguinte e passamos a transcrever (cfr.fls.45 e 46 dos presentes autos):
“A oponente diz fundar a presente oposição na alínea a) do Art. 204.° do CPPT, ao alegar a interpretação inconstitucional resultante da conjugação do Art. 27.°, n.° 1 e Art. 19.°, n.° 1, ambos do CIVA, na medida em que as mesmas permitem ao Estado receber quantias de IVA do sujeito passivo de direito, mesmo que este não haja recebido as quantias de terceiro.
Conforme decorre da letra da referida alínea a), prevê-se ali a ilegalidade abstracta da liquidação, decorrente da inexistência do imposto nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, de não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação.
Porém, o que a oponente alega como fundamento da ilegalidade abstracta das liquidações exequendas, não é nenhum dos casos previstos na alínea em causa.
Assim, a ilegalidade apontada não pode ser configurada como abstracta mas, antes, como concreta e, por isso, o meio judicial adequado para conhecer desse fundamento é o processo de impugnação.”.
Atento tudo o acabado de mencionar é evidente a sem razão do recorrente, não vislumbrando este Tribunal que a sentença recorrida tenha omitido pronúncia sobre a questão suscitada e não ocorrendo, portanto, a respectiva nulidade, em consequência do que improcede este esteio da apelação.
Como fundamento do presente salvatério alega igualmente o apelante que deve o Tribunal acrescentar à matéria de facto assente o não recebimento de facturas emitidas nos períodos de I.V.A. em questão, factualidade que influencia automaticamente os apuramentos realizados nas declarações periódicas enviadas pelo próprio S. P., uma vez que estes factos não foram contestados pela Fazenda Pública (cfr.conclusão 5 do recurso). Com base em tal argumento pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O erro de julgamento (de facto ou de direito) consubstancia-se em o juiz decidir mal, decidir contra lei expressa ou contra os factos apurados. Contrariamente ao erro material, ao qual se aplica o regime previsto no artº.667, do C.P.Civil, quanto ao erro de julgamento, de facto ou de direito, somente pode ser banido pela via do recurso (cfr. ac.T.C.A.Sul, 10/7/2012, proc.5256/11; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130).
No caso “sub judice” não vislumbra o Tribunal que a factualidade chamada à colação pelo recorrente tenha interesse para a decisão da causa, contrariamente à matéria de facto já aditada ao probatório por esta instância judicial de revisão e supra exarada.
Assim é, porque nos encontramos perante processo de oposição a execução fiscal, espécie processual onde os fundamentos admissíveis definidos na lei se encontram consagrados no artº.204, nº.1, do C. P. P. Tributário (cfr.artº.286, do anterior C.P. Tributário), preceito que consagra uma enumeração legal taxativa dado utilizar a expressão “...a oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos...”. Tal regime de fundamentação da oposição a execução fiscal, o qual já se encontrava consagrado nos artºs.84 e 86, do Código das Execuções Fiscais de 1913, visa, em princípio, evitar o protelamento excessivo da cobrança coerciva dos créditos do Estado. O legislador teve, por isso, a preocupação de limitar as possibilidades de defesa em processo de execução fiscal aos casos de flagrante injustiça (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/3/95, rec.18898, Ap.D.R., 31/7/97, pág.781 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.Edição, Almedina, 1996, pág.449; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.322 e seg.).
Voltando ao caso concreto, a factualidade que o recorrente refere (o não recebimento de facturas emitidas nos períodos de I.V.A. em questão, factualidade que influencia automaticamente os apuramentos realizados nas declarações periódicas enviadas pelo próprio S. P.) reconduz-se à alegada discussão da ilegalidade concreta ou relativa da dívida exequenda. Ora, tal matéria não pode constituir fundamento do processo de oposição a execução fiscal, salvo se a lei não assegurar (o que não é o caso) meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação, conforme é jurisprudência e doutrina assentes, assim não sendo necessário o carreamento da mesma para o probatório na decisão do presente processo (cfr.artºs.236 e 286, nº.1, al.g), do C.P.Tributário; artº.204, nº.1, al.h), do C.P.P.Tributário; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/4/86, Acórdãos Doutrinais, nº.298, pág.1200 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/3/95, rec.14175, Ap. D.R., 31/7/97, pág.633 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/3/95, rec.18898, Ap.D.R., 31/7/97, pág.781 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.592; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.366 e seg.).
Concluindo, não vislumbra o Tribunal “ad quem” que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de facto, sendo forçoso julgar improcedente também este fundamento do recurso.
O recorrente dissente do decidido sustentando, igualmente e como supra se alude, que é de conhecimento geral e do Tribunal que a forma de preenchimento das declarações periódicas de I.V.A. são fruto das instruções da A. Fiscal, as quais referem explicitamente que o I.V.A. apurado a favor do Estado deve reflectir todas as facturas emitidas incluindo as não recebidas. Ora, tais instruções da A. Fiscal apresentam na sua génese interpretação inconstitucional, não restando qualquer dúvida, ainda que tratando-se de autoliquidação, que a responsabilidade dos valores declarados é da Fazenda Pública (cfr.conclusões 6 a 8 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
No entender do Tribunal a factualidade alegada pelo recorrente constitui fundamento possível do processo de oposição, nos termos do artº.204, nº.1, al.a), do C. P. P. Tributário, alínea onde é enquadrável qualquer ilegalidade substantiva agravada (absoluta ou abstracta) como é a eventual inconstitucionalidade da norma (ou normas) que fundamental a liquidação que constitui a dívida exequenda. Está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, que se distingue da “ilegalidade em concreto” por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação concretamente levada a efeito. Isto é, na ilegalidade abstracta a ilicitude não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação material a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado. Por outras palavras, o vício não se refere ao concreto acto de liquidação, mas antes se reportando à ilegalidade da norma em que o mesmo acto tributário se baseia (cfr. ac.T.C.A.Sul, 17/4/2012, proc.4796/11; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.590 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.322 e seg.; João António Valente Torrão, C.P.P. Tributário anotado e comentado, Almedina, 2005, pág.787).
Voltando ao caso concreto, o que o recorrente defende, segundo percebemos, é que as instruções da A. Fiscal com vista ao preenchimento das declarações de I.V.A. apresentam na sua génese interpretação inconstitucional, mais chamando à colação os artºs.19, nº.1, e 27, nº.1, ambos do C.I.V.A.
Encontramo-nos perante alegados vícios de inconstitucionalidade material e que buscam uma fiscalização concreta e com características oficiosas (cfr. artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.940 e seg.).
No entanto, o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.artº.204, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.518 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/4/2006, proc.64561/96).
Por outro lado, não substancia a opoente/recorrente qual a norma ou princípio constitucional violado pelas ditas instruções da A. Fiscal ou pelos citados artºs.19, nº.1, e 27, nº.1, ambos do C.I.V.A.
Apesar disso, sempre se dirá que não visualiza este Tribunal que as citadas normas constantes dos artºs.19, nº.1 (norma que consagra as regras de dedução do I.V.A.), e 27, nº.1 (preceito que consagra a necessidade notificação do contribuinte com vista ao pagamento do I.V.A.), ambos do C.I.V.A., e recorde-se que somente elas podem ser objecto de juízo de inconstitucionalidade concreta, ofendam qualquer preceito ou princípio constitucional.
Sem mais, julga-se improcedente também este fundamento do recurso.
Por último, alega o recorrente que se deverá decidir pela falsidade do título tendo em conta que, tanto no momento da instauração do processo executivo, bem como no momento da citação, os valores constantes do título estavam e estão errados. Que deveria o S. de Finanças local anular o título executivo com erro e, como órgão competente, emitir novo título executivo pois conhecia o pagamento realizado pelo S. P. dois dias depois da pretensa emissão da primeira certidão de dívida (cfr.conclusões 9 a 12 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
A falsidade do título executivo encontra-se prevista no artº.204, nº.1, al.c), do C.P.P.Tributário (cfr.anterior artº.286, nº.1, al.c), do C.P.Tributário), enquanto fundamento de oposição a execução fiscal.
A falsidade pode apresentar-se sob diversos aspectos no que diz respeito ao direito processual. Pode, em primeiro lugar, ser objecto de acção declarativa. Em segundo lugar, pode servir de fundamento ao recurso de revisão (cfr.artº.771, al.b), do C.P.Civil). Em terceiro lugar, pode servir de fundamento à dedução de embargos de executado (cfr.artº.813, al.b), do C.P.Civil). Por último e no que em concreto nos interessa, pode surgir como incidente, o que pressupõe a pendência de uma acção declarativa ou executiva ou como fundamento de oposição a execução fiscal (cfr.artº.546, do C.P.Civil; artºs.166, nº.2, e 204, al.c), do C.P.P.Tributário).
No que diz respeito à falsidade documental, a lei substantiva só prevê a possibilidade da sua invocação quanto a tipos de documentos aos quais atribui eficácia probatória plena. Tal conclusão resulta, de forma evidente, do confronto entre os artºs.346 e 347, do C. Civil. Somente o artº.347, do C. Civil, exige a prova do contrário, incumbindo o respectivo ónus (através do incidente de falsidade) a quem se quiser opôr à prova plena resultante do documento (cfr.José Lebre de Freitas, A Falsidade no Direito Probatório, Almedina, Coimbra 1984, pág.123 a 125).
No processo de execução fiscal o título executivo consiste numa certidão ou em qualquer outro documento a que, por lei especial, seja atribuída força executiva (cfr.artº.162, do C.P.P.Tributário), estando os respectivos requisitos consagrados no artº.163, do C.P.P.Tributário.
A falsidade do título executivo pode consistir na desconformidade entre a certidão e o original certificado. Pode, igualmente, consistir na certificação de um facto que na realidade se não verificou. Ocorrerá, ainda, falsidade do título se na certidão de relaxe constar, por lapso, uma quantia em dívida superior à do conhecimento relaxado (viciação do contexto). São estes os casos de falsidade passíveis de ocorrer face ao título executivo que fundamenta uma execução fiscal (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, 2000, pág.490 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.357 e seg.).
Por outro lado, diremos que a falsidade do título executivo que pode servir de fundamento à oposição a execução fiscal não é a intelectual, consistente em certificar uma obrigação alegadamente inexistente por o opoente nada dever. A falsidade do título susceptível de suportar a oposição consiste, antes, na desconformidade do seu conteúdo face à realidade certificada, não sendo falso o título que reflecte correctamente o suporte de onde foi extraído, ainda que o conteúdo desse suporte seja, porventura, inverídico. Este fundamento de oposição não deve, portanto, confundir-se com a inveracidade dos pressupostos de facto da liquidação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/4/96, Acs. Douts., nº.419, pág.1287; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/2/2000, Acs. Douts., nºs.464/465, pág.1084; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.596).
“In casu”, o recorrente não alega qualquer fundamento válido de falsidade do título executivo, antes se limitando a aludir ao facto de os títulos executivos que inicialmente serviram de suporte à instauração da execução fiscal nº.1457-2010/100670.3 não levarem em conta os pagamentos entretanto efectuados (cfr.nºs.1 a 3 do probatório). Ora, conforme igualmente se retira do probatório, os títulos executivos e o consequente montante total da dívida exequenda foram actualizados levando em consideração os aludidos pagamentos (cfr.nºs.6 a 8 da matéria de facto provada), mais tendo sido citada a sociedade opoente/recorrente com base nos novos valores da dívida exequenda, situação que a lei prevê ao admitir o suprimento de qualquer deficiência do título executivo através de prova documental junta ao processo (cfr.artº.165, nº.1, do C.P.P.Tributário; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, 2000, pág.411; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.112).
Concluindo, os títulos executivos constantes da execução fiscal nº.1457-2010/100670.3 não sofrem do vício de falsidade que lhe é imputado pelo recorrente.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente este último alicerce do recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, a qual não padece dos vícios que lhe são assacados pelo recorrente, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 16 de Outubro de 2012

(Joaquim Condesso - Relator)

(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)