Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1478/16.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/13/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:REGRAS QUE DEFINEM A ALÇADA DOS TRIBUNAIS.
REGRAS QUE DISCIPLINAM A ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS.
NÃO DEFINITIVIDADE DA DECISÃO DE ADMISSÃO DO RECURSO.
PRESSUPOSTOS DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.
VALOR DA CAUSA E SUCUMBÊNCIA.
ALÇADA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS DE 1.ª INSTÂNCIA.
REGIME DOS RECURSOS APLICÁVEL AO PROCESSO ESPECIAL DE DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO.
ARTº.280, Nº.4, DO C.P.P.T., NA REDACÇÃO RESULTANTE DO ARTº.220, DA LEI 82-B/2014, DE 31/12.
APLICAÇÃO A TODAS AS ESPÉCIES PROCESSUAIS CUJA FASE DE RECURSO SEGUE A TRAMITAÇÃO PREVISTA NO ARTº.280 E SEG. DO C.P.P.T.
QUESTÃO PRÉVIA DA IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO DO TRIBUNAL "A QUO".
Sumário:1. As regras que definem a alçada dos Tribunais são regras de organização judiciária. A sua função é ainda a de delimitar o âmbito das disposições que fixam a competência de determinados Tribunais (a competência para um Tribunal decidir sem recurso e, concomitantemente, a competência de outro Tribunal para intervir na causa, em via de recurso). Pelo que o lugar próprio para definir a alçada são as leis de organização judiciária, e não as leis do processo. As regras que disciplinam a admissibilidade dos recursos são regras processuais. A sua função é a de regular o acesso à fase dos recursos nos processos judiciais. Pelo que o lugar próprio para as estabelecer são as leis de processo, e não as leis de organização judiciária (cfr.artº.280, do C.P.P.T.).
2. O Tribunal "ad quem" não se encontra vinculado à decisão proferida pelo Juiz "a quo" que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o seu efeito, atento o preceituado no artº.641, nº.5, do C.P.C., na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (aplicável "ex vi" do artº.281, do C.P.P.T.).
3. A admissibilidade do recurso ordinário implica a verificação cumulativa, quer do requisito atinente ao valor da causa em que é proferida a decisão (a causa deve ter valor superior à alçada do tribunal de que se recorre), quer do requisito atinente à própria decisão impugnada (esta tem que ser desfavorável para o recorrente em valor também superior a metade do valor da alçada desse tribunal), conclusão que se retira da conjugação do disposto nos artºs.280, nº.4, do C.P.P.T., e 629, nº.1, do C.P.Civil (este aplicável "ex vi" da alínea e), do artº.2, do C.P.P.T.).
4. O valor da alçada dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância foi fixado em € 5.000,00 pela Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2015 (Lei 82-B/2014, de 31/12), que conferiu nova redacção ao artº.105, da L.G.T., tal como ao artº.280, nº.4, do C.P.P.T.
5. Estamos perante um processo especial de derrogação do sigilo bancário, consubstanciando um processo judicial tributário incluído no artº.97, nº.1, al.q), do C.P.P.T. (outros meios processuais previstos na lei), regulado nos termos do artº.146-A e seg., do C.P.P.T., cujo regime de recursos segue as regras previstas no artº.279 e seg. do mesmo C.P.P.T.
6. Apesar do artº.280, nº.4, do C.P.P.T., na redacção resultante do artº.220, da Lei 82-B/2014, de 31/12, continuar a identificar os processos de impugnação judicial e de execução fiscal, como aqueles em que não deve ser admitido recurso das decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância, quando o valor da causa não ultrapassar o valor da alçada dos mesmos Tribunais, o certo é que a alteração legislativa produzida pelo citado artº.220, da Lei 82-B/2014, de 31/12, se deve aplicar a todas as espécies processuais cuja fase de recurso segue a tramitação prevista no artº.280 e seg. do C.P.P.T., como é o caso do processo especial de derrogação do sigilo bancário.
7. Nesse sentido vai, de resto, o artº.220, da Lei 82-B/2014, de 31/12, normativo onde o legislador não consagra qualquer distinção entre as diferentes espécies processuais existentes no contencioso tributário (elemento histórico de interpretação). E recorde-se que na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr.artº.9, nº.3, do C.Civil). Nenhum sentido fazia que o legislador, com as alterações introduzidas pelo artº.220, da Lei 82-B/2014, de 31/12, tanto no artº.105, da L.G.T., como no artº.280, do C.P.P.T., quisesse somente abranger o regime de pressupostos de admissibilidade do recurso em sede das espécies processuais de impugnação judicial e de execução fiscal.
8. Não ultrapassando o valor da causa o montante identificado no nº.4 pode colocar-se a questão prévia da irrecorribilidade da decisão do Tribunal "a quo".
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

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RELATÓRIO

X


“G..., L.DA.”, com os demais sinais dos autos, deduziu salvatério dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F de Sintra exarada a fls.604 a 625 dos presentes autos, através da qual julgou improcedente o salvatério por si deduzido, nos termos do artº.146-B, do C.P.P.T., visando decisão da Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datada de 25/11/2016, que permitiu o acesso a elementos bancários de que é titular.

X

O recorrente termina as alegações do recurso formulando as seguintes Conclusões, sintetizadas após convite para o efeito (cfr.fls.789 a 801 dos presentes autos):

1-O Tribunal a quo não procedeu ao exame crítico da prova nos termos legalmente exigidos;

2-Não sendo suficiente a remissão para um documento sem exame do mesmo;

3-Desta forma, encontra-se violado o art. 607.º, n.º 4 do CPC, ex vi, art. 2.º, n.º 1, alínea e) do CPPT e, como tal, a decisão recorrida é nula nos termos do art. 125.º, n.º 1do CPPT e art. 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, ex vi, art. 2.º, n.º 1, alínea e) do CPPT;

Ademais,

4-Caso se entenda que remeter para um documento sem análise critica do mesmo, não constitui falta de fundamentação da matéria de facto levando à nulidade da decisão (artigos 125.º, n.º 1do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, ex vi, art. vi, n.º 1, alínea e) do CPPT) é uma interpretação normativa dos referidos preceitos materialmente inconstitucional por violação do art. 205.º, n.º 1da CRP;

5-Bem como é materialmente inconstitucional a interpretação normativa dos artigos 125.º, n.º 1 do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, ex vi, art. 2.º, n.º 1, alínea e) do CPPT por violação do art. 205.º, n.º 4 da CRP nos termos da qual apenas é considerada falta de fundamentação da matéria de facto a sua falta total e absoluta;

Por outro lado,

6-Não obstante terem sido carreados para o processo factos essenciais para a decisão da causa na sentença recorrida não consta a discriminação dos factos não provados;

7-A especificação dos factos não provados é uma exigência do art. 607º, n.º 3 e 4 do CPC, ex vi; art. 2.º, n.º 1, alínea e) do CPPT e a sua não especificação é causa de nulidade da sentença (arts. 125.º, n.º 1 do CPPT e 615º, n.º 1, alínea b) do CPC, ex vi, art. 2.º, n.º 1, alínea e) do CPPT);

Por outro lado,

8-A ora recorrente alegou vários factos essenciais para a decisão da causa que não foram considerados provados ou não provados;

9-Nomeadamente, procedeu à alegação e à junção como doc. 37 do Requerimento Inicial, que o MP, no âmbito do processo n.º 23/12.7IDLRA, julgou todos os elementos bancários igualmente constantes do processo de inspecção tributária inválidos;

10-Pelo que, a decisão recorrida é nula (arts. 125.º, n.º 1 do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, ex vi, art. 2.º, n.º 1, alínea e) do CPPT) por omissão de pronúncia;

Ademais,

11-Na decisão recorrida - ponto relativo à nulidade do acto recorrido por usurpação de poder - não existe fundamentação jurídica tal como é imposto pelo art. 607.º, n.º 3 do CPC, ex vi, art. 2.º, n.º 1, alínea e) do CPPT;

12-Não indicando o Tribunal a quo qual a norma específica e individualizada em que repousa a solução de direito;

13-Prejudicando o direito ao recurso da decisão jurídica à ora recorrente não lhe permitindo cumprir o ónus de identificação da norma incorrectamente aplicada;

14-Pelo que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação de direito (arts. 125.º, n.º 1do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, ex vi,art. 2.º, n.º 1, alínea e) do CPPT);

15-Sendo materialmente inconstitucional por violação do art. 205.º, n.º 1 da CRP a interpretação normativa dos artigos 125.º, n.º 1do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, ex vi, art. 2.º, n.º 1, alínea e) do CPPT nos termos da qual a fundamentação de direito de sentença se basta com a remissão para um preceito sem indicação e interpretação expressa da norma que funda a decisão da questão jurídica;

Não obstante, caso assim não se entenda,

16-A matéria de facto constante da decisão recorrida é insuficiente para escorar a decisão de direito e existem factos essenciais alegados pela recorrente que não foram julgados provados ou não provados;

17-Assim, devem ser aditados os seguintes factos aos factos provados:

 

a) No âmbito do processo n.º 23/12.71DLRA, por ofício datado de 09/05/2016, da Divisão de Processos Criminais Fiscais da Direcção de Finanças de Lisboa foi solicitada ao ..., informação bancária relativa a cheques emitidos em nome da recorrente - docs. 18, 24 e 25 do Requerimento Inicial

b) Na sequência do ofício datado de 09/05/2016 o ... procedeu à junção ao processo n.º 23/12.71DLRA, por carta datada de 18/05/2016, de 26 de cópias de cheques sacados sobra a conta n.º 45405384460 e 15 cópias de cheques sacados sobre a conta n.º 45353975915" -docs. 1 folha 12 verso e 26 do Requerimento Inicial;

c) Por ofício datado de 02/06/2016 a Divisão de Processos Criminais Fiscais da Direcção de Finanças de Lisboa solicitou ao ... a "cópia das fichas de assinatura, com identificação dos respectivos titulares, das contas n.º 45409998265 e n.º 45384155719" - docs. 20 e 27 do Requerimento Inicial;

d) Por carta datada de 13 de Junho de 2016, sob o assunto conta n.º 45409998265 e conta n.º 45384155719, o ... juntou ao processo n.º 23/12.71DLRA fichas de assinatura e identificação dos titulares das contas em epígrafe" - docs. 01, fIs. 34 verso a 37 verso, 21 e 28 do Requerimento Inicial;

e) Por ofício datado de 02/06/2016 da Divisão de Processos Criminais Fiscais da Direcção de Finanças de Lisboa foi solicitado ao ... "a cópia frente e verso, dos cheques emitidos em nome de G..., Lda., sacados sobre a conta n.º 45353975915 do ... e apresentados a pagamento nessa instituição bancária e cópia das fichas de assinatura, com identificação dos respectivos titulares, das contas nas quais foram depositados ou apresentados a pagamento os referidos cheques - doc. 22 do Requerimento Inicial;

f) Em 17/08/2016 e de 19/08/2016 o ... procedeu à junção ao processo n.º 23/12.7IDLRA de cópias frente e verso de cheques em nome da sociedade G..., Lda. - docs. 34-A, fls. 6 a 13 e 01, fls. 45 do Requerimento Inicial;

g) O ... procedeu à junção ao processo n.º 23/12.7IDLRA de cópia do cheque n.º 15.87717005 e cópias das fichas de assinatura da conta onde foi creditado (conta n. 000708298366)" - docs. 01 fIs 41 a 44, 31 e 32 do Requerimento Inicial;

h) O ..., S.A., através de carta datada de 08/06/2016, procedeu à junção ao processo n.º 23/12.7IDLRA de cópia do cheque n.º 1587722049 e informação de depósito na conta n.º 0003.22037931020, da qual remeteu ficha de assinatura - docs. 33, 34 e 1, fIs. 38 a 40;

i) Os elementos bancários constantes do processo nº 23/12.7IDLRA são os mesmos elementos cujo acesso foi autorizado pela decisão de derrogação do sigilo bancário proferida em 18/11/2016 pela Directora Geral da AT - doc. 01, 17, 25, 26 fls. 10 e ss, 28, 29, 31, 32, 33 e 34 do Requerimento Inicial;

j) Nem do processo n.º 23/12.7IDLRA nem no âmbito do procedimento de inspecção tributária à G..., Lda. esta entidade ou quem a represente deu o seu consentimento para que a AT acedesse a elementos bancários;

k) Após o acesso a elementos bancários por parte da AT no âmbito do processo n.º 23/12.7IDLRA não foi aberto um novo processo de inspecção tributária referente à sociedade G..., Lda. - docs. 01, 10 folha 3 do Requerimento Inicial;

l) Em 09/12/2016, no processo n.º 23/12.7IDLRA os elementos bancários coligidos pela AT foram julgados inválidos - doc. 37 do Requerimento Inicial;

m) A AT não pediu à recorrente que lhe facultasse acesso aos elementos bancários objecto do processo de derrogação de sigilo bancário;

18-Não obstante, caso o Venerando TCA Sul entenda não poder lançar mão dos poderes que lhe permitem alterar e ampliar, mesmo oficiosamente, a matéria de facto deve anular a decisão proferida e ordenar à 1.ª instância essa mesma ampliação, nos termos do art. 662.º, n.º 2, alínea c), 1.ª parte do CPC, ex vi, art. 2.º, n.º 1, alínea e) do CPPT;

Por outro lado,

19-O ponto 1 dos factos provados encontra-se incorrectamente julgado;

20-Uma vez que o processo n.º 23/12.7IDLRA ainda está em fase de inquérito;

21-Facto que resulta do acordo das partes;

22-Devendo ser dado como provado: "Encontra-se a correr termos, no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa o processo de Inquérito n.º 23/12.7IDLRA, instaurado por indícios de crime de fraude fiscal, no âmbito do qual foi constituída arguida a ora recorrente, "G..., Lda.";

Ademais,

23-No que respeita ao vício de usurpação de poderes o Tribunal a quo incorreu em erro de determinação da norma jurídica aplicável;

24-Aplicando ao caso concreto o art. 63.º-B, n.º 1, alínea a) e n.º 4 da LGT e assim afirmando a competência da Directora Geral da AT;

25-Contudo, ao caso é aplicável o art. 63.º-B, n.º 9 da LGT conjugado com o art. 79.º, n.º 2, alínea d) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e o art. 1.º,alínea b) do CPP;

26-Sendo a inspecção tributária desenvolvida no âmbito do processo judicial n.º 23/12.7IDLRA, a competência para conferir acesso aos elementos bancários pertencia ao MP;

27-Não sendo o acto de acesso a elementos bancários no âmbito de um processo penal na fase de Inquérito um acto que possa ser alvo de delegação de competências por parte do MP (art. 270.º, n.º 2, alínea e) do CPP e art. 79º, n.º 2, alínea d) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras);

28-Sendo que o MP constitucionalmente integrado no Poder Judicial do Estado (Título V da CRP);

29-Pelo que a decisão da Directora Geral da AT de derrogação do sigilo bancário é nula porquanto praticada com usurpação de poderes (arts. 2.º, alínea c) da LGT, 2.º, n.º 1,alínea e) do CPPT e 161.º, n.º 2,alínea a) do CPA);

Caso assim não se entenda,

30-A interpretação normativa do art. 63-B, n.º 1 e 4 da LGT efectuada pelo Tribunal a quo está incorrecta;

31-Uma vez que a possibilidade de valoração de elementos bancários recolhidos em processo-crime no âmbito de um processo de inspecção tributária apenas pode ocorrer verificados dois requisitos cumulativos: os elementos serem submetidos ao procedimento de derrogação do sigilo bancário e a prova ter sido adquirida legitimamente no processo crime;

32-Sendo que os elementos bancários do presente processo foram declarados inválidos no processo-crime;

33-Além de estarem afectados por uma proibição de valoração de prova nos termos dos artigos 32.º, n.º 8 e 26.º, n.º 1 da CRP e art. 126.º, n.º 3 do CPP;

34-Assim, a interpretação normativa efectuada pelo Tribunal a quo segundo a qual, nos termos do art. 63.º-B, n.º 1 e 4 da LGT, os elementos bancários obtidos no decurso de  um  processo-crime  declarados,  pela  autoridade  judiciária competente, inválidos podem ser utilizados pela AT em sede de procedimento de inspecção tributária, desde que antes os submeta ao procedimento previsto no art. 63.-B da LGT é ilegal;

35-Sendo a interpretação correcta das referidas normas jurídicas a seguinte: a AT apenas pode utilizar dados bancários obtidos no decurso de um processo-crime no âmbito de um procedimento de inspecção tributária, caso submeta tal utilização ao mecanismo de derrogação do sigilo bancário, previsto no art. 63.º-B da LGT e essa mesma prova não tiver sido julgada inválida no processo em que foi adquirida;

Por fim,

36-Entendendo-se que o art. 63.º-B da LGT permite a interpretação segundo a qual se determinados elementos bancários obtidos no decurso de um processo-crime forem declarados inválidos mesmo assim pode a AT utilizar tais elementos, desde que antes os submeta ao procedimento previsto no art. 63.-B da LGT, é inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito democrático (art. 2.º da CRP), do direito à reserva da vida privada (art. 26, n.º 1 da CRP), do princípio da aplicação directa e imediata dos direitos fundamentais a quaisquer entidades públicas ou privadas e do princípio da proporcionalidade (art. 18.º da CRP) e do princípio da legalidade a que a Administração Pública se encontra submetida (art. 266.º, n.º 2 da CRP);

37-Encontrando-se igualmente violado o art. 8.º, n.º 1 e 2 da CEDH;

38-Pelo que, também por esta razão, deve a decisão recorrida ser revogada, e substituída por outra que declare ilegal o despacho de 25/11/2016 da Directora Geral da AT;

39-Nestes termos, analisada a globalidade dos presentes autos devem, V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a)Julgar a decisão recorrida nula por falta de fundamentação da matéria de facto, nos termos dos artigos 607.º, n.º 4 e 615.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPC, ex vi, art. 2.º, n.º 1, alínea e) do CPPT;

Ou, caso assim não se entenda,

b)Ser a interpretação normativa do art. 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, ex vi, art. 2.º, n.º 1, alínea e) do CPPT nos termos da qual a remissão para um documento, sem qualquer análise crítica da prova, não constitui falta de fundamentação da matéria de facto julgada inconstitucional por violação do art. 205.º, n.º 1da CRP;

E

c)Ser a interpretação normativa do art. do art. 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, ex vi, art. 2.º, n.º 1, alínea e) do CPPT nos termos da qual apenas é considerada falta de fundamentação da matéria de facto a sua total e absoluta ausência julgada materialmente inconstitucional por violação do art. 205.º, n.º1 da CRP;

Ou, caso assim não se entenda,

d)Julgar a decisão recorrida nula por não especificação dos factos não provados nos termos do art. 125. , n.º 1 do CPPT e igualmente nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, ex vi, art. 2.º, n.º 1, alínea e) do CPPT;

Ou, caso assim não se entenda,

e)Julgar a decisão recorrida nula nos termos do art. 125.º, n.º 1 do CPPT e nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, ex vi, art. 2.º, n.º 1, alínea e) do CPPT por omissão de pronúncia, na medida em que foram alegados factos essenciais e relevantes para a decisão da causa que não foram tidos por provados ou não provados;

Ou, caso assim não se entenda,

f)Julgar a decisão recorrida nula por falta de fundamentação jurídica da sentença nos termos dos artigos 125.º, n.º 1 do CPPT e 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, ex vi, art. 2.º, n.º 1, alínea e) do CPPT;

Ou, caso assim não se entenda,

g)Julgar a interpretação normativa do art. 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC ou o próprio art. 125.º, n.º 1 do CPPT, nos termos da qual a fundamentação de direito não exige a aplicação e interpretação concreta de uma norma inserida num determinado preceito, bastando-se com a aplicação em bloco de um preceito, materialmente inconstitucional por violação do art. 205.º, n.º 1 da CRP;

Ou, caso assim não se entenda,

h)Proceder o Venerando TCA Sul à ampliação da matéria de facto nos termos expostos por via do art. 662.º, n.º 1 e 2, alínea e) do CPC, ex vi,art. 2.º, nº 1, alínea e) do CPPT;

Ou, caso assim não se entenda,

i)Entendendo o Venerando TCA Sul que não pode proceder à ampliação da matéria de facto anular a decisão e remetê-la à 1ª Instância para que esta efectue tal ampliação;

E,

j)Proceder, face à prova constante dos autos, o Venerando TCA Sul à alteração da matéria de facto nos termos expostos nas alegações e conclusões de recurso por erro de julgamento;

E

l)Proceder o Venerando TCA Sul à modificação da decisão de Direito por erro de julgamento com base nos argumentos expostos nas alegações e conclusões do recurso e, por consequência, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere a decisão da Directora Geral da AT proferida em 25/11/2016 ilegal.

Assim se fazendo a costumada Justiça!


X

A entidade recorrida produziu contra-alegações, sem formular conclusões (cfr.fls.717 a 718 dos presentes autos), mas arguindo a questão prévia da irrecorribilidade da decisão em função do valor da causa não ser superior à alçada do Tribunal “a quo”.

X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.807 a 810 dos autos) no sentido de se indeferir a questão prévia de irrecorribilidade da decisão em função do valor da causa não ser superior à alçada do Tribunal “a quo”, mais se devendo negar provimento ao recurso.

X

Notificada para esse efeito, a sociedade recorrente juntou requerimento ao processo, no qual pugna pelo indeferimento da questão prévia da irrecorribilidade da decisão em função do valor da causa não ser superior à alçada do Tribunal “a quo” (cfr.fls.815 a 819 dos autos). 

X

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.146-D, nº.1, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para deliberação.

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FUNDAMENTAÇÃO

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DE FACTO

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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.606 a 610 dos autos - numeração nossa):

“Com interesse para a decisão da causa, com base na documentação junta aos autos, bem como na posição assumida pelas partes, consideramos provados os seguintes factos:

1-Correu termos no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa o processo de Inquérito nº 23/12.7IDLRA, instaurado por indícios de crime de fraude fiscal, no âmbito do qual foi constituída arguida a sociedade ora recorrente, “G..., Ldª” (cfr. documentos juntos a fls.111 a 113 dos presentes autos, os quais se dão, aqui, por integralmente reproduzidos);

2-No âmbito do processo de inquérito referido no nº.1, que antecede, por ofício datado de 09/05/2016, da Divisão de Processos Criminais Fiscais da Direcção de Finanças de Lisboa, com a fundamentação que do mesmo consta, foi solicitada ao ... Portugal, SA, informação bancária relativa a cheques emitidos em nome da recorrente (cfr.documento junto a fls.241 dos presentes autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido);

3-No ofício referido no nº.2 foi feita referência a delegação de competências do Ministério Público àquela DFL (cfr.documento junto a fls.241 dos presentes autos);

4-No âmbito do processo de inquérito referido no nº.1, que antecede, por ofício datado de 02/06/2016, da Divisão de Processos Criminais Fiscais da Direcção de Finanças de Lisboa, com a fundamentação que do mesmo consta, foi solicitada ao ..., informação bancária relativa a cheques emitidos em nome da recorrente (cfr.documento junto a fls.297 dos presentes autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido);

5-No ofício referido no nº.4 foi feita referência a delegação de competências do Ministério Público àquela DFL (cfr.documento junto a fls.297 dos presentes autos);

6-No âmbito do processo de inquérito referido no nº.1, que antecede, por ofício datado de 02/06/2016, da Divisão de Processos Criminais Fiscais da Direcção de Finanças de Lisboa, com a fundamentação que do mesmo consta, foi solicitada ao Banco ..., SA, informação bancária relativa a cheques emitidos em nome da recorrente (cfr. documento junto a fls.307 dos presentes autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido);

7-No ofício referido no nº.6 foi feita referência a delegação de competências do Ministério Público àquela DFL (cfr.documento junto a fls.307 dos presentes autos);

8-Em 17/08/2016 a Chefe de Divisão ... remeteu nota de serviço interna ao Chefe de Divisão da Inspecção Tributária, com o seguinte teor: “Conforme solicitado por esses serviços, (…) junto se remete informação bancária recolhida no âmbito do processo de inquérito nº 23/12.7 IDLRA, a qual assume a natureza de indício para o procedimento inspectivo, pelo que deverá ser desencadeado, por esses serviços, o procedimento constante do artigo 63º B da LGT para efeitos de fundamentação das correcções que tiverem lugar. (…)” (cfr.documento junto a fls.327 dos presentes autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido);

9-Em 29/09/2016 a Chefe de Divisão ... remeteu nota de serviço interna ao Chefe de Divisão da Inspecção Tributária, com o seguinte teor: “Em complemento da informação bancária recolhida no âmbito do processo de inquérito nº 23/12.7 IDLRA e já remetida a esses serviços através da n/ NSI nº JTDA20160469, envia-se agora informação bancária posteriormente recolhida por DPCF junto do ....(…)” (cfr.documento junto a fls.420 dos presentes autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido);

10-Pela ordem de serviço n.º OI201400046 a recorrente foi objecto de uma acção inspectiva como consequência da proposta de inspecção nº PIP201306081, de 17/07/2013, na sequência do processo de Inquérito n.º 23/12.7ILDRA (cfr.informação junta a fls.477 a 480 dos presentes autos, a qual se dá, aqui, por integralmente reproduzida);

11-No decurso da acção inspectiva, os serviços da AT verificaram, da análise aos elementos contabilísticos recolhidos referentes à Conta SNC “6211- Subcontratos direito dedução”, do exercício de 2011, a contabilização de um conjunto de pagamentos efectuados pela G..., provenientes da prática de actos isolados por prestadores de serviços. (…) verificou-se que, em algumas situações, foram emitidos dois cheques por cada operação, um dirigido ao Instituto de Gestão de Tesouraria e do Crédito Público, no valor do IVA que recaiu sobre a operação de prestação de serviços de limpeza e outro cheque no valor dos honorários que o prestador de serviço tem a receber. Acresce que este último cheque é emitido ao portador e por esse facto não temos conhecimento de quem o levantou e as consequências fiscais resultantes, ou não, de tal acto (cfr. informação junta a fls.477 a 480 dos presentes autos, a qual se dá, aqui, por integralmente reproduzida);

12-Em 26/09/2016 foi elaborada Informação, pela Divisão VI, do Departamento B, da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, com o assunto “Pedido de autorização para levantamento do sigilo bancário do sujeito passivo G..., Ldª ao abrigo do disposto da alínea a) do nº1 do artigo 63ºB da LGT. Processo de Inquérito nº 23/12.7 IDLRA, da qual se destaca o seguinte: “(…) atendendo à importância dos documentos bancários enviados pela DPCF no apuramento da concreta situação tributária da G... e bem assim, atentos os fortes indícios da prática do crime fiscal de celebração de negócio simulado (alínea c) do nº1 do artigo 103º do RGIT), torna-se necessário que seja autorizada a utilização da informação bancária no âmbito do procedimento inspectivo, para apuramento das consequências fiscais em sede de IRC e IVA; (…)” (cfr.documento junto a fls.59 a 61 dos presentes autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido);

13-Em 11/11/2016 foi elaborada informação pela Divisão de Planeamento a Apoio Técnico, da DSPCIT, da Autoridade Tributária e Aduaneira, sob a forma de nota técnica, para os termos e efeitos de acesso a informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos, conforme o regime jurídico-tributário constante dos artigos 63º e 63ºB, ambos da LGT, relativamente ao contribuinte G... Ldª, NIPC ..., para efeitos do apuramento da sua real situação tributária relativamente ao ano de 2011 (cfr.documento junto a fls.55 a 58-v dos presentes autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido);

14-Em 25/11/2016 foi proferido despacho, pela Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, no âmbito do procedimento de derrogação referido no número antecedente, nos seguintes termos: “1. Nos termos e com os fundamentos constantes da Informação da Divisão de Inspecção Tributária – Departamento B – Divisão VI, da Direcção de Finanças de Lisboa, prestada no âmbito da Ordem de Serviço nº OI201400046, bem como com os pareceres e despachos nela exarados, verificando-se os condicionalismos previstos na alínea a) do nº1 do artigo 63ºB da Lei Geral Tributária, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo nº4 do mesmo preceito legal, autorizo que funcionários da Inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituição de crédito portuguesas, de que seja titular o sujeito passivo G..., Ldª, com o número de identificação fiscal ..., com referência ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Dezembro de 2011.(…)” (cfr.documento junto a fls.54 dos presentes autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido);

15-Por ofício datado de 06/12/2016 foi a ora recorrente notificada da decisão referida no nº.14 que antecede (cfr.documento junto a fls.53 dos presentes autos).


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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa…”.

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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apensos, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):

16-O valor da presente acção atribuído pelo ora recorrente no articulado inicial e fixado pelo Tribunal foi de € 5.000,00 (cfr.p.i. junta a fls.3 a 49 dos presentes autos; dispositivo da sentença junta a fls.604 a 625 dos presentes autos).


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ENQUADRAMENTO JURÍDICO

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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar improcedente o presente salvatério, deduzido nos termos do artº.146-B, do C.P.P.T., mantendo a decisão da Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, datada de 25/11/2016 (cfr.nº.14 do probatório).

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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).

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A título de questão prévia, a entidade recorrida, no âmbito do presente recurso, suscita o assunto da irrecorribilidade da decisão em função do valor da causa não ser superior à alçada do Tribunal “a quo”.

As regras que definem a alçada dos tribunais são regras de organização judiciária. A sua função é ainda a de delimitar o âmbito das disposições que fixam a competência de determinados Tribunais (a competência para um Tribunal decidir sem recurso e, concomitantemente, a competência de outro Tribunal para intervir na causa, em via de recurso). Pelo que o lugar próprio para definir a alçada são as leis de organização judiciária, e não as leis do processo.

As regras que disciplinam a admissibilidade dos recursos são regras processuais. A sua função é a de regular o acesso à fase dos recursos nos processos judiciais. Pelo que o lugar próprio para as estabelecer são as leis de processo, e não as leis de organização judiciária (cfr.artº.280, do C.P.P.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/09/2017, proc. 3255/16.5BELRS-A; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª. Edição, Almedina, 2014, pág.37 e seg.).

Recorde-se que este Tribunal não se encontra vinculado à decisão proferida pelo Juiz "a quo" que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o seu efeito, atento o preceituado no artº.641, nº.5, do C.P.C., na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (aplicável "ex vi" do artº.281, do C.P.P.T.).

No caso em apreço o valor da acção atribuído pelo ora recorrente no articulado inicial e fixado pelo Tribunal foi de € 5.000,00 (cfr.nº.16 do probatório).

A admissibilidade do recurso ordinário implica a verificação cumulativa, quer do requisito atinente ao valor da causa em que é proferida a decisão (a causa deve ter valor superior à alçada do Tribunal de que se recorre, mais se consubstanciando esta como o limite de valor até ao qual o Tribunal julga sem possibilidade de existência de recurso ordinário), quer do requisito atinente à própria decisão impugnada (esta tem que ser desfavorável para o recorrente em valor também superior a metade do valor da alçada desse Tribunal - sucumbência), conclusão que se retira da conjugação do disposto nos artºs.280, nº.4, do C.P.P.T., e 629, nº.1, do C.P.Civil, este aplicável "ex vi" da alínea e), do artº.2, do C.P.P.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/07/2016, proc.9718/16; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.220; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª. Edição, Almedina, 2014, pág.37 e seg.).

A alçada dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância era de € 935,25 para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007 e de € 1.250,00 para processos iniciados a partir de 1 de Janeiro de 2008, considerando que o artº.280.º, n.º 4, do C.P.P.T., a assentava em um quarto da alçada fixada para os Tribunais Judiciais de 1.ª Instância. Recorde-se que a alçada dos Tribunais Judiciais de 1.ª Instância foi fixada em € 5.000,00, pelo artº.24, nº.1, da Lei 3/99, de 13/1, na redacção do dec.lei 303/2007, de 24/8, só se aplicando a processos iniciados após a sua entrada em vigor, i.e., em 1 de Janeiro de 2008. Já para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007, continua a vigorar a alçada de € 3.740,98, fixada pelo artº.24, nº.1, da Lei 3/99, na redacção dada pelo dec.lei 323/2001, de 17/12 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7619/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/12/2015, proc.9147/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/07/2016, proc.9718/16; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.418).

À data da instauração do presente processo especial de derrogação do dever de sigilo bancário, em 19/12/2016, o valor da alçada dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância encontrava-se já fixado em € 5.000,00 face ao aumento da mesma definida pela Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2015 (artº.220, da Lei 82-B/2014, de 31/12), que conferiu nova redacção ao artº.105, da L.G.T., tal como ao artº.280, nº.4, do C.P.P.T.

Dúvidas não existem de que estamos perante um processo especial de derrogação do sigilo bancário, consubstanciando um processo judicial tributário incluído no artº.97, nº.1, al.q), do C.P.P.T. (outros meios processuais previstos na lei), regulado nos termos do artº.146-A e seg., do C.P.P.T., cujo regime de recursos segue as regras previstas no artº.279 e seg. do mesmo C.P.P.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.6028/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.409; Cristina Flora e Margarida Reis, Recursos no Contencioso Tributário, Quid Juris, 2015, pág.55 e seg.).

Apesar do artº.280, nº.4, do C.P.P.T., na redacção resultante do artº.220, da Lei 82-B/2014, de 31/12, continuar a identificar os processos de impugnação judicial e de execução fiscal, como aqueles em que não deve ser admitido recurso das decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância, quando o valor da causa não ultrapassar o valor da alçada dos mesmos Tribunais, o certo é que a alteração legislativa produzida pelo citado artº.220, da Lei 82-B/2014, de 31/12, se deve aplicar a todas as espécies processuais cuja fase de recurso segue a tramitação prevista no artº.280 e seg. do C.P.P.T., como é o caso do processo especial de derrogação do sigilo bancário. Nesse sentido vai, de resto, o artº.220, da Lei 82-B/2014, de 31/12, normativo onde o legislador não consagra qualquer distinção entre as diferentes espécies processuais existentes no contencioso tributário (elemento histórico de interpretação). E recorde-se que na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr.artº.9, nº.3, do C.Civil). Nenhum sentido fazia que o legislador, com as alterações introduzidas pelo artº.220, da Lei 82-B/2014, de 31/12, tanto no artº.105, da L.G.T., como no artº.280, do C.P.P.T., quisesse somente abranger o regime de pressupostos de admissibilidade do recurso em sede das espécies processuais de impugnação judicial e de execução fiscal.

Por último, também a aplicação subsidiária da norma constante do artº.629, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), levaria à mesma conclusão.        

Ora, atendendo ao valor da causa no presente processo especial de derrogação do sigilo bancário (€ 5.000,00 - cfr.nº.16 do probatório), mais não se enquadrando o recurso sob exame em nenhum dos casos em que no C.P.P.T. e C.P.Civil se admite a dedução de recursos ordinários independentemente do valor da causa (cfr.artº.280, nº.5, do C.P.P.T.; artº.629, nºs.2 e 3, do C.P.Civil; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.419), deve julgar-se procedente a questão prévia da irrecorribilidade da decisão do Tribunal "a quo" lavrada nos presentes autos (falta do requisito atinente ao valor da causa), pelo que não se irá tomar conhecimento do objecto do recurso, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.


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DISPOSITIVO

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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR PROCEDENTE A QUESTÃO PRÉVIA DA IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO DO TRIBUNAL "A QUO" DEVIDO AO VALOR DA CAUSA.

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Condena-se o recorrente em custas.

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Registe.

Notifique.


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Lisboa, 13 de Outubro de 2017

(Joaquim Condesso - Relator)



(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)

(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)