Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1649/14.0BESNT
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:06/21/2018
Relator:VITAL LOPES
Descritores:REVERSÃO
ÓNUS DE PROVA
Sumário:1.Independentemente da alínea a) ou b) do n.º1 do art.º24.º da LGT ao abrigo da qual se tenha concretizado a reversão, à Administração tributária cabe sempre fazer a prova do exercício efectivo, ou de facto, da gerência/direcção do oponente na entidade devedora originária.

2.Não se pode concluir pela efectividade de funções directivas se o director renunciou ao cargo antes da data limite de pagamento voluntário da dívida e nesta data a devedora originária já tinha sido judicialmente declarada insolvente e nomeado um administrador da insolvência, apenas porque do cadastro da DGCI consta o recebimento pelo revertido/oponente de remunerações ao serviço da devedora originária.

3.E isso, porque o recebimento de remunerações ao serviço da entidade devedora originária bem pode referir-se ao exercício de funções que não se prendem com a efectividade do cargo directivo, que é a fonte da responsabilidade subsidiária a que alude o art.º24.º da LGT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a oposição deduzida por Manuel …………….. à execução fiscal n.º………… contra ele revertida e originariamente instaurada contra a cooperativa “R……… – Electricidade, ….., CRL.” por dívida proveniente de IVA do período de Junho/2013, no valor total de 1.914,64 Euros.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.109).

Nas alegações de recurso, a Recorrente formulou as seguintes «Conclusões:

A. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a oposição judicial, intentada por MANUEL …………….., já devidamente identificado nos autos e que, em consequência, ordenou a extinção da execução por dívidas da sociedade “R……………….. – ………………………., CRL.” quanto ao Oponente (PEF ………………………. e apenso).

B. Na Sentença ora recorrida, julgou-se procedente a Oposição acima identificada com o fundamento de que, por força da declaração de insolvência, o revertido ficou inibido do exercício de facto da gerência da devedora originária.

C. A Fazenda Pública não se conforma com o entendimento subjacente à decisão de procedência da Oposição, antes entendendo que, in casu, após a declaração de falência da devedora originária, encontrava-se legitimado o prosseguimento dos processos de execução fiscal, nomeadamente, para efeitos de efectivação da responsabilidade subsidiária, uma vez que a extinção da personalidade jurídica da devedora originária, não implica a extinção das dívidas constituídas anteriormente.

D. Com a devida vénia, o douto Tribunal a quo, não podia ter decidido que, pelo simples facto de ter sido nomeado um administrador de insolvência para a sociedade devedora originária, se encontra o Oponente afastado de todos os actos societários.

E. Não obstante, ter sido nomeado um Administrador de Insolvência, tal não significa que o gerente se demitiu das suas funções na sociedade, pois que este limita as suas funções ao processo de insolvência.

F. À luz do art.º 82º, n.º1 do CIRE, mesmo que tenha sido decretada a insolvência da Devedora Originária, deve-se ter presente que o gerente se mantém em funções.

G. Mais ainda refira-se que, nos autos, não ficaram provados factos que atestem ter o administrador de insolvência apreendido, em cumprimento da sentença que declarou a insolvência, os elementos contabilísticos da devedora originária em data anterior à data limite de pagamento dos tributos em cobrança coerciva.

H. Dúvidas não restam, de que o oponente foi gerente da devedora na data em que se deu a data limite de pagamento dos impostos em questão, como se infere da certidão do registo comercial.

I. De facto, atentas as provas produzidas, bem como a demais matéria factual do caso concreto, não existe outra conclusão que não seja, com o devido respeito, a de que o Oponente sempre se manteve como gerente de facto da sociedade devedora originária durante o prazo legal de pagamento das dívidas ora em cobrança, contrariamente ao que foi postulado pelo Douto Tribunal a quo.

J. Com o devido e muito respeito, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, menosprezou o entendimento consolidado e reiterado da jurisprudência vertida pelos Tribunais Superiores, estribando o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais, designadamente os art.ºs 24º da LGT e art.º 82º, n.º 1 do CIRE.

Termos em que, e com o douto suprimento de vossas excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença ora recorrida, com as demais e devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!».

O Recorrido apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes «Conclusões:

1. Por sentença proferida em 26.07.2017, decidiu o Tribunal a quo, e muito bem, julgar procedente por provada, a oposição à execução, determinando-se em consequência a extinção da execução por dívidas da sociedade R…………- Electricidade ……………………, CRL, em relação ao aqui oponente.

li. Ora, veio a Fazenda Pública interpor recurso da douta sentença, alegando para o efeito que existíndo elementos nos autos que impunham decisão diversa na apreciação dos factos relevantes, promoveu uma errónea aplicação do direito a estes mesmos factos, ao considerar que a declaração de insolvência por si só implica o afastamento do exercício da gerência de facto por parte do oponente.

Ili. Porém não lhe assiste qualquer razão.


IV. Pois que o tribunal a quo se !imitou muito correctamente a aplicar a lei, aos factos dados
como provados nos autos.

Vejamos;

V. A reversão assentou na alínea b) e não na a) do n.01 do art. 24.' da LGT,

VI. Ora, resulta da matéria de facto dada como provada na douta sentença, que a divida em execução fiscal, proveniente de IVA, tinha como data limite para pagamento voluntário o dia 04.11.2013.

VII. Mais resultou provado que por sentença de 29.07.2013, foi declarada a insolvência da devedora originária, "R………… - ELECTRICIDADE, ………………….", tendo sido desde logo nomeado, e empossado nas respectivas funções, o Administrador da Insolvência.

VIII. Ora subsumindo os factos ao direito, decorre do n.0 1 do artigo 81.' do GIRE, que o insolvente fica imediatamente privado dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente, que passam para o administrador de insolvência.

IX. Pelo que concluiu o tribuna! a quo na sua douta sentença que, "não pode conceber-se, de modo algum, que após essa data ocorra uma situação de direcção de facto por parte dos directores designados no respectivo registo comercial.

X. Razão pela qual, refere e bem a douta sentença, que "passa o administrador de insolvência a assumir, a responsabilidade sobre as dividas tributárias verificadas após a verificação de insolvência e que por ele não sejam pagas na data dos respetivos vencimentos."

XI. Nestes termos entende o aqui oponente, que decidiu bem, o tribunal a quo, quando na sua sentença julgou procedente por provada a oposição à execução, determinando-se em consequência a extinção da execução por dívidas da sociedade R……….. - …………………….., CRL, em relação ao aqui oponente.

XII. Pois, decorre do arL 24.0 n.01 ai B) da LGT o aqui oponente só seria responsável por dividas fiscais, cujo prazo legal de pagamento tivesse terminado no período do exercício do cargo de director.

XIII. E não obstante só ter o aqui oponente renunciado a tal cargo em 25.09.2013, a verdade é que desde a daia de declaração de insolvência, que se encontrava o aqui oponenie pnvado/inibido da pratica de qualquer acto de gestão.

XIV. Pois que com a declaração de sentença proferida por sentença de 29/07/2013, deixou o
aqui oponente de poder exercer a direcção de facto da devedora originária.

XV. Razão pela qual não podla ser o mesmo responsável pelo pagamento de uma obrigação fiscal cujo prazo para pagamento terminava em data em que não dispunha de poderes de gestão de facto.

XVI. Pelo que se considera o aqui oponente parte ilegítima na citada execução fiscal.

Nestes termos e nos demais de direito que serão doutamente supridos por Vossas Excelências:
Deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida e em consequência, manter-se a extinção da execução por dívidas da sociedade originária em relação ao aqui oponente».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica por não sofrer dos vícios que lhe vêm assacados.

Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC),a questão central que importa resolver reconduz-se a indagar quer dos efeitos da renúncia ao cargo directivo e da declaração judicial de insolvência da devedora originária sobre o regime de responsabilidade subsidiária de terceiros, nomeadamente no que respeita à repartição do ónus de prova na efectivação dessa responsabilidade.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual:

«Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as soluções de direito plausíveis, considera-se provada a seguinte factualidade:

A) Por deliberação de 08.12.2012 foram designados diretores da sociedade “R………… – ELECTRICIDADE, ………………………, CRL.”, entre outros, o ora Oponente – cfr. doc. 2 junto com a p.i. (fls. 23 dos autos).

B) Em 25.09.2013 o ora Oponente renunciou ao cargo de direção identificado em A), facto registado pela Ap. 3/20131002 – cfr. doc. 2 junto com a p.i. (fls. 23 dos autos).

C) A sociedade “R – ELECTRICIDADE, ……………...”, foi declarada insolvente por sentença proferida em 29.07.2013 no âmbito do processo n.º …………………, do Juízo de Comércio da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste Sintra – cfr. docs. n.º 2 (fls. 24 dos autos) n.º 5 (fls. 29) juntos com a p.i.

D) Na sentença que antecede foi designado administrador da insolvência, determinando-se a assunção imediata das respetivas funções; determinada a entrega imediata ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, e foi ainda designado o dia 04.01.2013 para a realização da assembleia de credores – cfr. doc. n.º 5 junto com a p.i.

E) Em 20.11.2013 foi instaurado no Serviço de Finanças de Sintra 4 (Queluz) contra a sociedade “R……….. – ELECTRICIDADE, ………………., CRL.” o processo de execução fiscal n.º …………………. para cobrança coerciva da quantia de € 1.885,14, relativa ao IVA do mês de junho e 2013, com data limite de pagamento voluntário em 04.11.2013 – cfr. fls. 1 a 3 do PEF apenso.

F) Por despacho de 21.04.2014 do Chefe do Serviço de Finanças, foi revertida a execução que antecede contra o ora Oponente, pelo valor de € 1.914,64, com os seguintes fundamentos:
Fundamentos da emissão central.
Insuficiência de bens da devedora originária (artº 23/2 e 3 da LGT): decorrente da situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal.
Gerência (administrador, gerência ou director) de direito (art.º 24/1/b da LGT), no términus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos art.º 255.º e /ou 399.º do Código das Sociedades Comerciais – cfr. fls. 98 dos PEF apenso.

G) Na carta de citação, com a mesma data, foram indicados os seguintes fundamentos:
Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23º/n.º2 da LGT):
Fundamentos da emissão central.
Insuficiência de bens da devedora originária (artº 23/2 e 3 da LGT): decorrente da situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal.
Gerência (administrador, gerência ou director) de direito (art.º 24/1/b da LGT), no términus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos art.º 255.º e /ou 399.º do Código das Sociedades Comerciais – cfr. fls. 103 dos PEF apenso.

H) A citação ocorreu em 29.04.2014 – cfr. fls. 104/105 do PEF apenso.

I) A oposição foi dirigida, por via postal, ao Serviço de Finanças em 29.05.2014 – cfr. fls. 37 dos autos.
*
Não existem outros factos, com relevância para a decisão da causa, que importe dar como provados ou não provados.

Motivação da decisão de facto:

A decisão da matéria de facto assenta nos elementos constantes dos autos e do PEF apenso aos presentes autos, conforme indicado nas respetivas alíneas do probatório».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Sendo as conclusões da alegação do Recorrente que delimitam o âmbito objectivo do recurso, a questão colocada à apreciação deste tribunal de apelação reconduz-se a indagar se no caso em apreciação por virtude da declaração judicial de insolvência da devedora originária e nomeação de um administrador da insolvência cessaram os pressupostos da responsabilidade subsidiária do revertido director pelas dívidas exequendas cujo termo final de pagamento recai em data posterior àquela declaração de insolvência e nomeação de um administrador da insolvência.

A Recorrente entende que não, porquanto o revertido oponente se manteve inscrito em funções directivas até 25/09/2013 e manteve-se no exercício efectivos do cargo pelo menos até à data do termo final de pagamento da dívida exequenda, embora com as limitações decorrentes da declaração de insolvência da entidade devedora originária.

A diferente conclusão chegou a sentença, em suma no entendimento de que, nomeado judicialmente um administrador da insolvência é ele quem assume a responsabilidade pelas dívidas tributárias posteriores à declaração de insolvência, ficando os gerentes, directores e administradores da insolvente privados dos poderes de gerência, direcção e administração que detinham.

Vejamos então.

Estabelece o n.º1 do artigo 24.º da LGT o seguinte regime de responsabilidade subsidiária dos membros de copos sociais por dívidas tributárias:
«Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento».
2 – (…)».

Na repartição do ónus de prova quanto aos pressupostos da responsabilidade subsidiária dos gerentes que decorre desse preceito, (i) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício (al. a) do nº 1 do art.º24º da LGT); (ii) incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo (al. b) do nº 1 do art.º24º da LGT).

Independentemente da alínea do n.º1 do art.º24.º da LGT ao abrigo da qual se tenha concretizado a reversão, à Administração tributária cabe sempre fazer a prova do exercício efectivo, ou de facto, da gerência/ cargo directivo do oponente na sociedade devedora originária.

Resulta desse normativo que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente/ director e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência/ direcção de facto, real e efectiva, constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes/ directores, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, ou o que se designa por gerência nominal ou de direito.

Ora, é sobre a Administração tributária, enquanto titular do direito de reversão, que recai o ónus de demonstrar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente/ director da devedora originária e, nomeadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência/direcção, de acordo com a regra geral de direito probatório segundo a qual, àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito que alega – cf. artigos 342º, nº 1, do Código Civil e 74º, nº 1, da LGT.

Fazendo apelo à doutrina vertida no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 28/02/2007, proferido no proc.º01132/06, resulta claramente explicado nesse Acórdão (embora referenciado ao regime do art.º13.º do CPT, mas transponível para os autos) que “No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social.”
”Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário”, pelo que, “competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência”.

Na mesma linha de entendimento e já no domínio do regime de responsabilidade subsidiária dos gerentes/directores/administradores comtemplado na LGT, deixou-se consignado no Acórdão do STA, de 02/03/2011, proferido no proc.º0944/10, o seguinte:
«Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC).
As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.
As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar».

Feitos os considerandos pertinentes e regressando aos autos, mostra o probatório que a reversão se concretizou pela alínea b) do n.º1 do art.º24.º da LGT (pontos F) e G) da matéria assente)

Assim, à AT cabia fazer prova do exercício efectivo do cargo directivo do oponente na devedora originária à data do termo legal de pagamento ou entrega do imposto exequendo, informando o probatório que a dívida exequenda tinha data limite de pagamento voluntário em 04/11/2013 (cf. ponto E)).

Ora, se por um lado, à data de 25/09/2013 o oponente renunciou ao cargo directivo da devedora originária cessando de jure as funções de director, por outro, em 29/07/2013, a devedora originária já fora judicialmente declarada insolvente e nomeado então um administrador da insolvência.

Assim, à data de 04/11/2013, em que recaía o termo legal de pagamento ou entrega do imposto exequendo, já o oponente renunciara ao cargo directivo que ocupava na devedora originária e, esta encontrava-se na situação de insolvência declarada por sentença judicial e com um administrador da insolvência designado.

Pretende a Recorrente que o oponente, não obstante a renúncia ao cargo directivo e a declarada de insolvência da devedora originária, se manteve no exercício do cargo para que estava inscrito, com as restrições decorrentes da declaração de insolvência.

Mas a verdade é que não há factos que minimamente permitam extrair tal conclusão.

É certo que o despacho de reversão refere “remuneração da categoria A auferida (pelo oponente) ao serviço da devedora originária no período em questão”.

Mas não resulta esclarecido se o recebimento pelo oponente de remunerações ao serviço da devedora originária o foi pelo exercício do cargo directivo ou se pelo exercício de funções eventualmente técnicas, ou de outra natureza, não associadas ao cargo directivo para que o oponente estava inscrito no registo.

Com efeito, como bem se compreenderá, se alguém desempenha funções directivas numa empresa e as acumula com funções predominantemente técnicas, administrativas ou de supervisão, não se vê que tenha de cessar estas últimas por virtude da declaração de insolvência e designação de um administrador da insolvência, pois apenas se mostrará incompatível com a situação de insolvência o exercício efectivo de funções directivas e são estas a fonte da responsabilidade subsidiária prevista no art.º24.º da LGT.

Assim, não resultando demonstrado o exercício efectivo de funções directivas do oponente na devedora originária na data limite de pagamento voluntário da liquidação exequenda de IVA, sendo que o ónus dessa prova recaia sobre a Fazenda Pública, o oponente é parte ilegítima na execução, a qual deve ser extinta em relação ao oponente como bem decidiu a sentença recorrida que, assim, merece ser confirmada, negando-se provimento ao recurso.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Condena-se a Recorrente em custas.

Lisboa, 21 de Junho de 2018
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Vital Lopes
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Benjamim Barbosa


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Anabela Russo