Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12170/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:06/25/2015
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:ATRIBUTO ESTÁVEL DA PROPOSTA – APOIOS PÚBLICOS AO EMPREGO
Sumário:1.Incorre em violação dos princípios da concorrência, igualdade e imodificabilidade das propostas, devendo ser excluída, a proposta cujo preço incorpora um efeito redutivo fundado em benefício de medidas públicas de apoio ao emprego, previstas no DL 89/95 de 6.5 e Portaria 106/2013, de 14.3, cuja concessão o concorrente não demonstra.

2. O preço proposto incorporado de redução não justificada quanto à sua efectividade não é susceptível de configurar um atributo estável da proposta, v.g. no quadro do critério de adjudicação do mais baixo preço, se do procedimento não constam quaisquer elementos objectivos que, em abstracto, confluam em favor do juízo de certeza quanto à concessão dos incentivos que suportam o efeito redutivo do preço proposto
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:S………, Segurança SA, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco dela vem recorrer, concluindo como segue:

A - Nulidade da sentença por excesso de pronúncia
1. Reconduzindo-se o objecto destes autos à questão de saber se as circunstâncias em que assentou a decisão de exclusão da proposta da S........... integram ou não a previsão da alínea f) e da alínea g) do n.º 2 do art.º 70º do CCP (únicos fundamentos considerados no Relatórios do Júri e na decisão de adjudicação) não podia o Tribunal a quo ter analisado a existências de causas de exclusão novas.
2. Ao decidir que a proposta da S........... deveria ter sido excluída, nos termos do artigo 70º nº 2 ai. e) do CCP, por alegadamente apresentar preço anormalmente baixo, fundamento no qual não assentou a decisão de exclusão da aqui impugnada, e que, por isso, não integra a causa de pedir, o Tribunal a quo tomou conhecimento de questão de que não podia ter tomado conhecimento, verificando-se nulidade da douta sentença sob recurso, por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no art.º 615º, n.º 1, ai. d), do CPC.
B - Da não verificação da previsão da alínea e) do nº 2 do artigo 70º do CCP
3. Atento o disposto nas Cláusulas 2.5 e 2.6.1. do Convite, considera-se anormalmente baixo o preço que seja inferior a 157.137,75€ pelo que o preço da S........... de 299.647, 12€ está longe de poder ser considerado anormalmente baixo.
4. O preço anormalmente baixo é sempre definido por referência ao preço total e não a preços/custos parcelares (artigos 71.º n.ºl, 115.º n.º 3, 132.º n.º 2 e 189.º n.º 3 do CCP e Acórdãos do TCA Norte, Proc. 01274/07.1 BERPT, de 03.04.2008 e do TCA Sul, Proc. 07972/11 de 23.11.2011) pois numa prestação de serviços que implica a realização de toda uma globalidade de serviços, o que releva é o preço proposto para todos e não o preço proposto para um desses serviços.
5. Assim, a Cláusula 2.6.2 do Convite é ilegal não podendo sustentar qualquer decisão de exclusão.
6. Por outro lado, a S........... justificou o preço total proposto pois na "Nota justificativa do preço" discriminou todos os custos e valores que considerou na formação do preço total e enunciou a razoabilidade de tal formação, demonstrando que no preço estão reflectidos todos os custos que efectivamente terá que suportar com a prestação de serviços adjudicando e as concretas condições de que beneficia (medidas de apoio à contratação) que a isentam de fazer face a outros custos.
7. Resultando o preço total da multiplicação dos preços unitários por tipologia pelo número de horas em que cada tipologia de serviço seria prestado, justificado o preço total, justificados estão também os preços unitários (Acórdão do TCA Norte de 03.04.2008, Proc. 01274/07.1 BERPT), pelo que não se verifica a previsão do artigo 70.º n.º2 ai. e) do CCP.
8. Acresce que a S........... não teve oportunidade para, previamente à decisão de exclusão, se pronunciar sobre tal (inexistente) fundamento de apresentação de preço anormalmente baixo não justificado, pelo que uma decisão jurisdicional a julgar verificado aquele fundamento de exclusão viola o disposto nos artigos 147.º e 148.º n.0 2 do CCP e 100.º do CPA.
C - Impugnação da matéria de facto
9. A questão de saber se a S..........., para além do preço de venda, dispõe de outros meios para assegurar a execução do contrato não foi discutida nestes autos, não tendo sido conferida à S........... oportunidade para se pronunciar sobre a mesma e para produzir a prova que reputasse conveniente.
10. Trata-se de facto carecido de prova, não podendo o Tribunal limitar-se a extrair presunções com base numa ausência de documentos contabilísticos que a S........... apenas não juntou porque desconhecia que essa matéria iria ser considerada.
11. Reunindo a S........... os requisitos de capacidade financeira para a celebração do Acordo Quadro nos termos do qual foi lançado o procedimento pré-contratual em causa (facto provado 1), designadamente os ratios de liquidez e autonomia financeira, é patente que tal facto, por si só, afasta qualquer consideração de que a S..........., para executar qualquer contrato celebrado ao abrigo do Acordo Quadro apenas dispõe do preço de venda.
12. Pelo que o facto referido no ponto Ili.li da sentença não pode ser considerado não provado.
D - Da não verificação da previsão das alíneas f) e g) do nº 2 do artigo 70.º do CCP - Da não violação dos princípios da concorrência, da igualdade ou da transparência
13. Não há no CCP nem em legislação do nosso ordenamento jurídico qualquer disposição que delimite os termos ou as regras em que o preço deve ser formado ou que imponha a decomposição do mesmo numa determinada estrutura fixa de custos (Acórdão do TCAS de 29-01-2015, processo 11661/14 e Parecer de Mário Esteves de Oliveira).
14. Atento o princípio da liberdade de gestão empresarial (artigo 61º da CRP) e da autonomia da estratégia empresarial, os operadores têm o direito de organizar a sua actividade como bem entendam, de acordo com os seus próprios critérios e opções (Parecer de Mário Esteves de Oliveira)
15. A imposição de um preço mínimo constitui uma barreira manifestamente falseadora e restritiva da concorrência e da liberdade comercial que impede os agentes económicos mais eficazes de apresentar preços mais vantajosos, gerando uma subida artificial dos preços, com o inerente prejuízo para o interesse público (Parecer Mário Esteves de Oliveira e Parecer de Nuno Ruiz).
16. Nada obriga o concorrente a organizar a sua gestão de custos de molde a imputar os custos com os trabalhadores nos preços dos contratos celebrados com os clientes aos quais esses trabalhadores serão afectos (Acórdão do STA de 14-02-2013, processo 0912/12 e Parecer de Mário Esteves de Oliveira).
17. É a totalidade das receitas obtidas pela empresa no cômputo geral da sua actividade (ou mesmo a totalidade do seu património) que deverá cobrir a totalidade das despesas geradas por essa actividade (Acórdão do STA de 14-02-2013, processo 0912/12).
18. Pelo que o preço proposto num dado contrato pode, simplesmente, espelhar a estratégia comercial do concorrente (Acórdãos do TCA Sul de 07-02-2013, processo n.º 09611 /13 e de 29-01-2015, processo 11661/14)
19. Tais razões estratégicas podem levar à apresentação de propostas que não envolvam a obtenção de lucro ou mesmo a assunção de prejuízos pontuais (Acórdão do STA de 14-02- 2013, processo 0912/12 e do TCA Sul de 29-01-2015, processo 11661/14 e de 12-12-2012, processo 08300/111
20. Daí não decorre qualquer ilegalidade, designadamente, o incumprimento das obrigações retributivas e contributivas, porque o que releva é que os resultados económico-financeiros da empresa no cômputo geral da sua actividade sejam aptos a garantir esse cumprimento (Acórdão do STA de 14-02-2013, processo 0912/12 e Parecer de Mário Esteves de Oliveira).
21. O concorrente é o único responsável pelo preço que propõe, devendo assumir o inerente risco.
22. Por outro lado, as entidades adjudicantes podem (e estão vinculadas a) verificar se as entidades competentes certificaram que o co-contratante cumpre as suas obrigações retributivas e contributivas, quer na fase da adjudicação (artigos 55.º e 81.º n.º l ai. b) do CCP). quer aquando da realização de cada pagamento (artigo 31.º-A do Decreto-Lei 155/92), pelo que o interesse público em não contratar e em não efectuar pagamentos a entidades que não cumprem tais obrigações está devidamente acautelado.
23. Seria manifestamente despropositado impor às entidades adjudicantes que se investissem no papel de fiscal de todo o ordenamento jurídico e que, ademais, procedessem a exercício de futurologia levando-as a, na fase de análise das propostas, presumir o cumprimento ou incumprimento futuro, pelos concorrentes, das suas obrigações retributivas e contributivas (Parecer de Mário Esteves de Oliveira)
24. Concluindo-se que a alínea f) do n,º2 do artigo 70º do CCP não se aplica, pois, aos casos de preços que não reflectem os custos salariais e sociais (Parecer de Mário Esteves de Oliveira)
25. A invocação de que o preço proposto não suporta todos os custos obrigatórios também não integra a previsão da alínea g) do n,º2 do artigo 70,º do CCP (Acórdão do TCAS de 29- 01-2015, processo 11661/14)
26. De qualquer forma, o dumping, no ordenamento jurídico nacional, apenas é proibido nos termos definidos no artigo 5,º do Decreto-Lei 166/2013, sendo que tal disposição apenas é aplicável às (re)vendas de bens e produtos e não às prestações de serviços, assim o determinando os elementos literal, histórico e teleológico da interpretação (Parecer de Mário Esteves de Oliveira e Parecer de Nuno Ruiz)
27. Mais se diga que o conceito de "actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras da concorrência" cuja ocorrência deva ser comunicada à AdC (artigo 70,º nº 2 ai, g) e n,º3 do CCP), apenas se pode reportar às práticas restritivas da concorrência reguladas no Capitulo li da Lei nº 19/2012 sendo que a previsão de tais normas nunca poderia estar verificada, já que não se pode imputar um acordo ou uma prática concertada anti concorrencial a uma única entidade e a S........... não tem uma posição dominante (Parecer de Mário Esteves de Oliveira e Parecer de Nuno Ruiz)
28. Mal andou o Tribunal a quo ao considerar que é anormal a apresentação de preço inferior aos custos e que a prática daquele preço consubstancia violação de normas legais ou regulamentares,
29. De qualquer forma, não é isso que está em causa na proposta da S..........., pois ascendendo os custos com as retribuições e obrigações impostas por lei e cujo valor está estabelecido na lei (salário, subsídios de férias e de Natal, remuneração de trabalho nocturno, remuneração de trabalho em dia feriado, subsidio de alimentação e taxa social única) a 288.613,26€ (valor não questionado nestes autos) e sendo o preço proposto pela S........... de 299.547, 12€ (ou seja, sendo suficiente para fazer face àquele valor e ainda contendo um "excedente" de 10.933,86€) a prática daquele preço nunca poderia consubstanciar violação de normas legais ou regulamentares.
30. E a S........... tem a sua situação perante os trabalhadores e a Segurança Social regularizada como atestam as declarações emitidas pelas entidades competentes.
31. A S........... não declarou nem confessou que iria praticar um preço inferior aos custos mas sim que era titular de circunstâncias que, legitimamente, a isentam de fazer face a certos custos.
32. Em função das concretas condições de que são titulares as empresas podem apresentar propostas mais vantajosas que outras sem que tal viole qualquer regra da concorrência (Acórdãos do STA de 14-02-2013, processo n.º 0912/12 e do TCA Sul de 29-01-2015, processo 11661/14)
33. Impedir os concorrentes susceptíveis de beneficiar de certas condições que reduzem os custos de as reflectir no preço proposto traduzir-se-ia numa violação grosseira do princípio da concorrência e da liberdade comercial.
34. Aliás, se tais condições podem justificar um preço anormalmente baixo (artigo 71.º nº4 do CCP) a maiori ad minus, também podem ser consideradas na formação do preço.
35. No que concerne ao recurso às medidas de apoio à contratação, o TCA Sul já se pronunciou pela possibilidade de os concorrentes a procedimentos de contratação pública reflectirem o valor de tais medidas no preço (Acórdãos de 29-01-2015, processo 11661/14, de 20-03-2014, processo 10857/14 e de 07-02-2013, processo n.º 09611 /13).
36. As medidas previstas no DL 89/95 ou na Portaria 106/2013 são medidas gerais aplicáveis a todo o território nacional, a todos os sectores de actividade e a todas as empresas e não se destinam a auxiliar estes ou aqueles empregadores em função do sector em que actuam ou da actividade que exercem (Parecer de Nuno Ruiz)
37. A sua concessão não constitui uma decisão discricionário mas sim vinculada pois depende de pressupostos objectivos cuja verificação é controlável e, desde que uma empresa os cumpra, o Estado tem que conceder as medidas, não podendo optar por não as conceder, ou só as conceder àquela ou a esta empresa com base num juízo discricionário.
38. Estas medidas não têm carácter selectivo, não afectam ou distorcem a concorrência, nem consubstanciam auxílios de Estado (Parecer de Nuno Ruiz)
39. Também não restringem o princípio da concorrência ou da igualdade entre concorrentes pois são concedidas a qualquer empresa que os requeira.
40. A jurisprudência comunitária admite, inclusivamente, que não viola o princípio da igualdade a possibilidade de concorrerem entidades beneficiárias de certas subvenções, sendo tal compatível com a Directiva 2004/18/CE (Acórdãos de 23-12-2009, processo C-305/08 e de 7-12-2000 - Processo C-94/99).
41. A S........... é alheia às opções dos demais operadores económicos, não podendo ser prejudicada pelo facto de ter sido a única concorrente a recorrer a medidas legais a que qualquer outro concorrente poderia ter também recorrido, nem tal consubstancia qualquer violação do princípio da igualdade entre concorrentes (Acórdão do TCA Sul no de 20 de Março de 2014, processo 10857/14 e Parecer de Nuno Ruiz)
42. A consideração das medidas de apoio em procedimentos de contratação pública não se traduz em qualquer "aproveitamento de meios legais para fins ilegais" pois carecia de toda e qualquer justificação que o Estado, por um lado, criasse incentivos legais à contratação para combater o desemprego e, por outro lado, que excluísse do procedimento de contratação pública empresa que, precisamente, responde à solicitação do Estado, pretende auxiliar no processo de combate ao desemprego, recorrendo a tais incentivos, fazendo-os reflectir na sua proposta (Parecer de Nuno Ruiz)
43. Não é verdade que a concessão dos benefícios seja de verificação incerta ou hipotéf1ca já que, como referido, a decisão é vinculada e dependente de pressupostos objectivos cuja verificação é controlável.
44. A exigência de as medidas estejam já concedidas à data da apresentação da proposta não tem enquadramento legal e viola ostensivamente a disposição do art.º 56º n.º l do CCP.
45. O CCP não exige que, ao assumir o compromisso de contratar, o concorrente disponha dos meios a afectar à prestação de serviço, caso a mesma lhe venha a ser adjudicada.
46. A S........... não apresentou proposta sob a condição de os incentivos à contratação serem concedidos, nem o preço foi proposto sob condição.
47. A S........... declarou de forma firme, clara e inequívoca que irá praticar o preço de 299.647, 12€ assumindo o respectivo compromisso e será (sempre e em qualquer caso) esse o preço que a S........... irá cobrar.
48. Se o benefício não vier a ser concedido, a única consequência que daí advém é que o concorrente continua obrigado a manter o preço da proposta e a pagar a taxa social única ou a retribuição do trabalhador por inteiro (Parecer de Mário Esteves de Oliveira).
49. Sendo que, repete-se, não é o preço a cobrar pela execução de um contrato que deve assegurar o pagamento das despesas inerentes ao mesmo (Acórdãos do STA de 14-02-2013, processo 0912/12 e do TCA Sul de 29-01-2015, processo 11661/14 e Parecer de Mário Esteves de Oliveira).
50. A proposta da S..........., nas condições em que foi apresentada, é certa, segura e idónea.
51. Também não se verifica qualquer violação do princípio da transparência ou tentativa de iludir a entidade adjudicante, já que a S..........., na nota justificativa do preço, indicou, de forma clara e expressa, que na formação do preço tinha recorrido às medidas e o respectivo valor que tinha considerado.
52. A proposta da S..........., nas condições em que foi apresentada, com o preço de 299.647, 12€, é legal, pelo que deveria ter sido admitida e classificada em primeiro lugar.
53. A sentença sob recurso viola o artigo 61.º n.ºI da CRP, os artigos l.º nº 4, 55.º ai. d), e), g) eh), 56.º, 70.º n.º2 ai. d), e), f), g), 71.º, 81.º n.0 1 ai. b), 115.º n.º 3, 132.º n.º 2, 147.º, 148.º n.02 e 189.º n.º 3 do CCP, o artigo 31.º-A do Decreto-Lei 155/92, o artigo 100.º do CPA, o artigo 95.º do CPTA, os artigos 5.º nº 2, 410º , 411.º e 415º do CPC, o Decreto-Lei 89/95, a Portaria n.º 106/2013, o artigo 5.º do Decreto-Lei 166/2013, a Cláusula 2.6 do Convite, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a acção, com o que se fará JUSTIÇA!

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O ora Recorrido Município de Castelo Branco contra-alegou, concluindo como segue:

1. O R. revê-se inteiramente no teor da douta sentença proferida nos autos, considerando improcedentes os vícios que lhe são assacados pela A.;
2. A sentença ora objecto de recurso, não padece do vício de excesso de pronúncia, porquanto o motivo pelo qual, considera que a proposta da A. deverá ser excluída, foi o facto do seu preço corrigido ser de valor superior ao preço-base em violação do disposto nas alíneas f) e g) do art. 70.º do CCP e não com fundamento na al. e) do n.º 2 do referido preceito;
3. Considerou e bem, a sentença recorrida, que apresentando a proposta da A. o valor de 299.647,12€ por subtracção da importância de 28.762.88€ (alegando tratar-se de medidas de apoio à contratação), o valor real da sua proposta seria de 324.854,46€;
4. Tendo deste modo, a proposta da A. de ser excluída por apresentar valor superior ao preço-base que era de 314.275,49€, conforme 2.5 do Convite;
5. As medidas de apoio à contratação definidas do DL 89/95 de 6/05 e Portaria 106/2013 de 14.03, são medidas meramente hipotéticas, a ter eventualmente lugar, depois da adjudicação, não podendo restringir, distorcer ou afectar a concorrência, nem violar os princípios da igualdade e da transparência entre os concorrentes.
6. Quer o DL 89/95 quer a Portaria 106/2013 estabelecem a existência dos respectivos pedidos da instrução dos mesmos, da sua apreciação, do seu deferimento ou indeferimento;
7. Assim, a concessão dos apoios previstos nos referidos preceitos legais não opera ope legis, dependendo de actos de intermediação administrativa (vide Acórdão do STA 9-07- 2003);
8. Não decorrendo a concessão dos incentivos ope legis, não poderia pois o Júri, considerar o valor da proposta da A. em 299.647,26€, mas sim do valor corrigido ou seja de 324.854,46€;
9. E assim, determinar a exclusão da proposta da A. por exceder o preço-base definido no Convite que era de 314.275,49€;
10. Sendo pois a actuação do Júri do procedimento concursal perfeitamente legal, por não ter violado quaisquer princípios e normas pelas quais se deve pautar legalmente a sua actuação;
Termos em que, por tudo quanto antecede e com o douto suprimento de V.Exas., deve ser negado provimento ao recurso apresentado, devendo ser mantida a aliás douta sentença recorrida.

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Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias aos Exmos. Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência – artºs. 36º nºs. 1 e 2 CPTA e 707º nº 2 CPC, ex vi artº 140º CPTA.

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Pelo Tribunal a quo foi julgada provada a seguinte factualidade:

«(Omissis)»

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Pelo Tribunal a quo foi julgada não provada a seguinte factualidade:

1. A Autora, para a execução do contrato a celebrar, dispunha ou dispõe de outros proveitos para além do preço de venda constante da proposta que apresentou.


DO DIREITO



1. excesso de pronúncia;

Em sede de alegações escritas (artº 91º nº 4 CPTA) a ora Recorrente pronunciou-se e concluiu sob os itens III a XI sobre “os argumentos da C........... deduzidos na contestação no sentido da apresentação por parte da S........... de preço anormalmente baixo não justificado” bem como sobre “os argumentos da Entidade Demandada deduzidos na contestação no sentido da apresentação por parte da S........... de preço superior ao preço base”, pelo que, atento o quadro previsto no artº 615º nº 1 d) in fine CPC, não configura excesso de pronúncia o discurso jurídico fundamentador em sede de sentença sobre matéria jurídica com assento em anomalia da proposta apresentada por reporte a preço anormalmente baixo ou superior ao preço base constante do caderno de encargos patenteado.
Trata-se de questão que as partes carrearam para o processo nos respectivos articulados, o que significa que envolve matéria alegada pelos RR e a que a A e ora Recorrente também se lhe referiu e, assim sendo, não tem base adjectiva sustentar que o Tribunal a quo “(..) utiliz(ou) como fundamento da decisão matéria não alegada (..)” incorrendo em excesso de pronúncia. (1)
Questão diversa é saber se o juízo de anomalia conexionado com o instituto do preço anormalmente baixo assume pertinência em razão dos precisos termos da causa de exclusão da proposta da ora Recorrente levados ao procedimento, o que pode configurar erro de julgamento caso se verifiquem cumulativamente duas condições: constituir o argumento decisivo para a improcedência e tal argumento não beneficiar de acolhimento pelo bloco normativo aplicável às circunstâncias de facto do caso concreto, por erro de subsunção ou de estatuição.
Pelo exposto improcede a questão trazida a recurso nos itens 1 e 2 das conclusões.


2. impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

Na hipótese de o Recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, impõe-se-lhe, desde logo, explicitar em sede conclusões essa finalidade impugnatória do probatório consignado na sentença, não bastando concluir pelo fundamento genérico de que “o tribunal apreciou mal a prova”, atendendo a que, por um lado, o objecto do recurso resulta das conclusões, vd. artºs. 635º nº 4 e 639º nºs 1/2 CPC (ex 684º nº 3 e 685º-A nºs 1/2) e, por outro, o erro de julgamento em matéria de facto tem um leque de causas muito vasto e nem todas implicam a observância do ónus estabelecido no artº 640º CPC (ex 685º -B).
Ou seja, se a resposta à matéria de facto quesitada levada ao probatório em sede de sentença é objecto de impugnação no recurso, recai sobre o recorrente o ónus de “(..) especificar osob pena de rejeição …os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados …os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (..)” – vd. artº 640º nº 1 (in fine) b) nº 2 a) CPC ( ex 685º -B, nº 1 a) e b)) – ónus que se impõe em igual medida sobre o recorrido quando exerça esta faculdade - vd. artº 640º nº 2 CPC (ex 684º-A nº 2 e 685-B nº 5).
A lei é de tal modo detalhada nesta matéria que, seguindo a doutrina especializada que vem sendo citada, na circunstância de ter ocorrido a gravação da prova testemunhal produzida, por disposição expressa do artº 640º nº 2 a) CPC (ex 685º -B nº 2) impõe-se, ainda, “(..) indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso (..)” sendo que o não cumprimento deste ónus implica a imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto (..)”. (2)
Na circunstância, verifica-se pela leitura da peça documentada e junta aos autos a fls. 1406-1445/verso, mais precisamente no segmento a fls. 1411-1412/verso, que o normativo processual não foi observado, pois nem as conclusões nem o corpo alegatório cumprem as especificações legais acima expostas no tocante aos pontos de facto, aos meios probatórios e no que deles deriva em sentido inverso à pronúncia de não provado constante da sentença sob recurso.
Questão diversa é saber se se trata, ou não, de quesito conclusivo insusceptível de ser levado ao probatório e, supondo-o admissível, se do ponto de vista jurídico desempenha algum papel relevante na economia dos autos, em razão dos precisos termos da causa de exclusão da proposta da ora Recorrente levados ao procedimento.
Pelo exposto improcede a questão trazida a recurso nos itens 9 a 12 das conclusões.


3. causas de exclusão da proposta – artºs. 1º nº 4 e 70º nº 2 f), g) CCP;

Nos exactos termos do Relatório Final, vd. ponto 10 do probatório, não foi dado provimento à reclamação da concorrente e ora Recorrente apresentada na sequência do Relatório Preliminar, tendo sido excluída a respectiva proposta com fundamento nos artºs. 70º nº 2 f) g) e 1º nº 4 CCP, com referência ao artº 65º da Lei 19/2012 de 8.5.
Como evidencia o probatório, trata-se de um concurso para aquisição de serviços de vigilância e segurança - na sequência de convite para apresentação de propostas dirigido aos adjudicatários do procedimento de acordo-quadro plural -, tendo como único factor levado à concorrência o preço, limitado ao preço-base de € 314.275,79.
No preço apresentado na proposta levada ao procedimento pela ora Recorrente de € 299.647,12 esta considerou explicitamente a redução de € 28.762,88, fundamentada na nota justificativa no sentido de poder vir a obter tal benefício de € 28.762,88 via incentivos à contratação previstos no DL 89/95, 6.5 e Portaria 106/2013, 14.5.
Relativamente a tais incentivos a ora Recorrente sustenta que “(..) a sua concessão não constitui uma decisão discricionária mas antes vinculada já que, preenchidas que sejam os requisitos legalmente estabelecidos, as medidas são automaticamente concedidas a qualquer empresa que as preencha. (..) Assim toda e qualquer empresa, todo e qualquer concorrente é susceptível de beneficiar dessas medidas bastando para tal apresentar a candidatura. (..)” – vd. artigos 47 a 50 da P.I, a fls.14-15 dos autos e no corpo alegatório do presente recurso a fls. 1429-verso dos autos.
No Relatório Final levado ao ponto 10 do probatório, o Município Recorrido considerou que
(i) o preço-base fixado é de € 314.275,79 (..) dele não constando que o mesmo pudesse ser preenchido por incentivos de ordem fiscal sob a roupagem de “medidas de apoio à contratação”(..)”,
(ii) relativamente à incorporação do efeito redutivo dos € 28.762,88 no preço proposto de € 299.647,12 “(..) não fora essa dedução e o valor da sua proposta seria, como foi, de € 324.854,46 (..)”,
(iii) embora a dita redução decorra de medidas de incentivo ao emprego “(..) e não de auxílio directo às empresas para melhoria das suas condições de competitividade. Porque não previstas no convite e caderno de encargos do concurso, a serem consideradas em sede de avaliação de propostas violar-se-ia o princípio da transparência e da igualdade de concorrentes e também da concorrência (artº 1º nº 4 do CCP) (..)”
(iv) e, por referência jurisprudencial que cita no tocante ao efeito redutivo no preço proposto, “a concretização da proposta depende de factores de verificação incertadevendo ser rejeitada”.

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Ou seja, a decisão do órgão adjudicante em concordância com o Relatório Final no que respeita à exclusão da proposta da Recorrente apresenta como causa três razões juridicamente distintas;
(i) tanto o convite como o caderno de encargos não previam expressamente a formação do preço das proposta mediante a aplicação das políticas públicas de incentivos à contratação, caso do regime do DL 89/95, 6.5 conjugado com a Portaria 106/2013, 14.5, pelo que a sua consideração nas propostas apresentadas não é admissível atento o regime dos artºs. 70º nº 2 f) g) e 1º nº 4 CCP;
(ii) em consequência da desconsideração do efeito redutivo de € 28.762,88, o preço constante da proposto da Recorrente ultrapassa o preço-base fixado no procedimento;
(iii) quanto aos benefícios de efeito redutivo no preço apresentado, “a concretização da proposta depende de factores de verificação incertadevendo ser rejeitada
No contexto dos poderes de auto-regulação da entidade adjudicante para conformar o programa do procedimento e o caderno de encargos, o mencionado primeiro plano da fundamentação constante do Relatório Final é aqui interpretado no sentido de que não foi prevista nas peças do procedimento a adjudicação condicionalmente suspensiva (vd. artº 121º CPA), em que o evento exterior operativo dos efeitos jurídicos do acto de adjudicação seria a concessão dos benefícios do DL 89/95 e Portaria 106/2013 reflectidos na estabilidade do preço proposto de € 299.647,12 incorporado do efeito redutivo de € 299.647,12 nos termos justificados na proposta do ora Recorrente.
E, efectivamente, o procedimento não previa - logo no domínio das condições consagradas no procedimento para a formação do acordo-quadro - a adjudicação sob condição suspensiva restrita no âmbito do regime do DL 89/95 e Portaria 106/2013, no sentido de em caso de adjudicação da proposta do ora Recorrente, esta seria operativa mediante a confirmação da concessão do benefício e consequente estabilidade contratual do preço proposto incorporado do efeito redutivo.
Nestas circunstâncias, seguindo as conclusões de recurso quanto às questões enunciadas nos itens 13 a 53, importa saber da bondade do entendimento de que os incentivos previstos no DL 89/95 de 6.5 conjugado com a Portaria 106/2013, 14.3 que a ora Recorrente declara poder vir a incorporar na sua esfera jurídica, podem ser reflectidos na conformação do preço proposto sem que tal configure a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares (artº 70º nº 2 f) CCP) nem um factor lesivo das regras da concorrência (artºs. 70º nº 2 g) e 1º nº 4 CCP, com referência ao artº 65º da Lei 19/2012 de 8.5).


4. objecto do recurso – causas de exclusão expressas no Relatório Final;

Atendendo ao teor expresso do Relatório Final que constitui a fundamentação da exclusão da proposta por remissão expressa na deliberação da ora Recorrente, não relevam para a economia do caso concreto as considerações trazidas ao processo em matéria de “custos de execução do contrato” não cobertos pela proposta de “um preço de venda inferior aos custos por si própria declarados mas sobretudo aos custos legais e obrigatórios aplicáveis à actividade objecto do contrato a celebrar”, vd. segmento da sentença a fls. 667 dos autos.
E consideram-se irrelevantes na medida em que a problemática da formação dos preços propostos e do modo de cálculo de um limiar de anomalia das propostas, v.g. no respeito pelos encargos laborais e sociais mínimos de base legal e regulamentar próprios do sector económico, é matéria que não consta e, portanto, não participa da configuração jurídica que sustenta a motivação expressa do acto de exclusão da proposta da ora Recorrente.
Acresce que tal matéria não é sequer passível de subsunção na previsão do artº 95º nº 2 CPTA na exacta medida em que os factos trazidos ao processo não permitem identificar oficiosamente e reportados ao quadro das mencionadas matérias, causas de invalidade não alegadas pelo A. e ora Recorrente.
Neste sentido, a circunstância de a ora Recorrente chamar ao processo esta matéria nos artigos 88 a 152 no seu articulado inicial, o instituto do preço anormalmente baixo também não releva para a decisão da causa porque o Município ora Recorrido não expressou nenhum juízo de anomalia na vertente do preço anormalmente baixo sobre a proposta de € 299.647,12 apresentada pela ora Recorrente.
A redução dos € 28.762,88 incluída no preço proposto de € 299.647,12 invocando a ora Recorrente o evento futuro de vir a beneficiar do regime do DL 89/95 e Portaria 106/2013, mas que do seu ponto de vista era absolutamente certo, não foi, de facto, considerada pelo ora Recorrido.
Todavia, como já afirmado, o Município ora Recorrido não fundamentou a exclusão da proposta no quadro do instituto do preço anormalmente baixo previsto no artº 71º CCP, pois o motivo expresso no Relatório Final, e transcrevendo, foi no sentido de se tratar de medidas
§ “(..) não previstas no convite e caderno de encargos do concurso, [e que] a serem consideradas em sede de avaliação de propostas violar-se-ia o princípio da transparência e da igualdade de concorrentes e também da concorrência (artº 1º nº 4 do CCP) (..)”,
bem como, relativamente ao mencionado evento futuro invocado pela ora Recorrente, que
§ “a concretização da proposta depende de factores de verificação incertadevendo ser rejeitada
ao que acresce, em consequência de não aceitar a redução € 28.762,88,
§ que o preço da proposta era superior ao preço-base fixado no procedimento,
donde, no seu conjunto, fundamentou a exclusão da proposta apresentada na violação do disposto nos artºs. 70º nº 2 f) e g) e 1º nº 4 ambos do CCP, com referência ao artº 65º da Lei 19/2012 de 8.5.
Pelo exposto, não cabe trazer à colação o regime das propostas de preço anormalmente baixo constante do artº 71º CCP nem as formulações doutrinárias envolventes do juízo de anomalia das propostas nesta matéria; consequentemente, por irrelevância jurídica no caso concreto, não cumpre conhecer da questão trazida a recurso nos itens 3 a 8 das conclusões.

*
A sentença sob recurso acolheu a argumentação do Município ora Recorrido no sentido de atribuir a natureza jurídica de evento de “verificação futura e incerta” relativamente ao benefício invocado pela ora Recorrente na proposta levada ao procedimento quando ao efeito redutivo em € 28.762,88 incluído no preço proposto de € 299.647,12, vd. segmento a fls. 667 dos autos, que a ora Recorrente controverte em sede de recurso nos itens 13 a 53 das conclusões.
Tendo em consideração o leque de questões suscitadas nos citados itens 13 a 53 das conclusões cabe reiterar que no objecto do presente recurso apenas está em causa saber da conformidade jurídica, ou não, dos motivos expressos no Relatório Final pelo júri e que fundamentam a decisão de exclusão da proposta por parte da entidade adjudicante, o Município ora Recorrido, por não aceitação das razões apresentadas pela ora Recorrente na nota justificativa do preço proposto reduzido em € 28.762,88 a título de benefícios a obter via regime de incentivos à contratação previstos no DL 89/95 de 6.5 conjugado com a Portaria 106/2013, 14.3.
No tocante à apresentação do preço de € 299.647,12 reduzido de € 28.762,88 com fundamento nas medidas de apoio à contratação previstas no DL 89/95 de 6.5 conjugado com a Portaria 106/2013, de 14.3 a ora Recorrente sustenta que se trata de benefícios de concessão vinculada desde que o requerente preencha os requisitos legalmente estabelecidos, não atribuindo a lei nenhuma margem de livre apreciação em ordem a valorar caso a caso do interesse público em atribuir o benefício requerido.
Conforme alega, as medidas em causa traduzem-se na dispensa temporária de pagamento de contribuições para a segurança social – artº 5º DL 89/95 e apoio financeiro à entidade patronal pela celebração de contrato de trabalho com trabalhador em situação de desemprego inscrito em centro de emprego ou centro de emprego e formação profissional, com a obrigação de proporcionar obrigação profissional, mediante criação líquida de emprego – artº 3º nº 1 da Portaria, vd. artigos 44 a 47 do articulado inicial, corpo alegatório, fls. 1429-verso dos autos e itens 36 e 37 das conclusões.
De modo que tendo em conta o Relatório Final levado ao item 10 do probatório e acima transcrito, apenas cabe analisar a exclusão da proposta da ora Recorrente no quadro dos precisos fundamentos expressamente invocados pela entidade adjudicante como causas dessa mesma exclusão.
O que significa que não cumpre conhecer de fundamentos de exclusão não expressamente invocados pelo Município ora Recorrido no domínio do concreto procedimento e não enquadráveis no âmbito da matéria de conhecimento oficioso do Tribunal, independentemente de terem sido trazidos ao processo pelas Partes e constarem do juízo jurídico fundamentador em sede de sentença pelo Tribunal a quo, mormente e como já referido supra, no que respeita à problemática da formação dos preços propostos e do modo de cálculo de um limiar de anomalia das propostas, v.g. no respeito pelos encargos laborais e sociais mínimos de base legal e regulamentar próprios do sector económico.


5. intangibilidade das propostas - apoios públicos ao emprego;

Feita esta demarcação, o bloco central de questões trazidas a recurso nos itens 36, 37 (medidas de concessão vinculada) 43 a 45 (verificação incerta ou hipotética da concessão dos benefícios) implica saber se o preço proposto de € 299.647,12 já incorporado do efeito dedutivo de € 28.762,88 na pressuposição do incentivo a obter, permite concluir que essa mesma proposta respeita o princípio da intangibilidade das propostas - refracção dos princípios da concorrência e da igualdade – em todas as suas derivações, concretamente na vertente da imodificabilidade e indisponibilidade decorrido que seja o prazo para a sua apresentação.
A consagração no CCP do princípio da intangibilidade das propostas decorre, dentre o mais, do conceito normativo de proposta (artº 56º nº 1 CCP) conjugado com a regulação em matéria de manutenção das propostas (artº 65º CCP), de pedido de esclarecimentos sobre o respectivo conteúdo para efeitos de análise e avaliação (artº 72º CCP) sendo vedado ao concorrente contrariar, alterar ou completar, por esta via, a conformação documental dada aos atributos e termos ou condições (artº 57º nº 1 b), c) e d) CCP) ou suprir omissões de natureza excludente (artº 70º nº 2 a), 57º nº 1 b), CCP) bem como em matéria de ajustamentos ao contrato a celebrar, atenta a proibição de alteração da equação adjudicatória e dever de manutenção dos aspectos vinculados do caderno de encargos (artº 99º nºs. 1 e 2 CCP).
Nos termos do artº 56º nº 1 CCP, entende-se por proposta a “declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo”.
Neste sentido, a proposta assume a natureza de “(..) acto jurídico público da autoria de particulares, de natureza mista (..)”, que no tocante “(..) aos aspectos submetidos à concorrência, é uma proposta negocial vinculada sujeita a um regime de direito público de aceitação (ou recusa) pelo adjudicante (..)” e que na perspectiva “(..) dos seus efeitos procedimentais, dir-se-á que, com a proposta, com a sua apresentação, o proponente, por um lado assume, perante a entidade adjudicante, o compromisso de a manter, não a alterando nem retirando “sem justa causa” (..) e [investe-se] também no direito de, sendo sua a melhor proposta, celebrar com a entidade adjudicante, em conformidade com o que nela ofereceu, o contrato objecto de procedimento. (..)” (3)
A norma procedimental que estabelece o dever de prossecução do interesse público expresso na adjudicação da proposta de preço mais baixo em conformidade com o critério de adjudicação fixado no procedimento, tem como pressuposto implícito que o mercado responda mediante a apresentação de propostas consistentes, de acordo com os termos gerais da boa-fé negocial.
Este princípio influencia os diversos aspectos da disciplina negocial, designadamente no que respeita à formação do vínculo contratual segundo as regras da boa-fé, artº 227º nº 1 C. Civil e integração da declaração negocial por reporte aos ditames da boa fé, artº 239º C. Civil, não sofrendo dúvidas a eficácia expansiva do princípio da boa-fé como princípio geral de direito concretizado no Direito público, mormente, para o que ora importa, no tocante à protecção da confiança no domínio da formação dos contratos administrativos. (4)

*
No caso dos autos, o único factor que na economia do procedimento assume a natureza de atributo em razão do critério de adjudicação, é o preço, único factor levado à concorrência, sendo-lhe aposto um limite máximo mediante a fixação de preço-base de € 314.275,79 (artº 47º nº 1 CCP).
Cabe saber se o preço proposto pela ora Recorrente de € 299.647,12 já reduzido de € 28.762,88 com fundamento em vir a beneficiar das medidas de apoio à contratação previstas no DL 89/95 de 6.5 conjugado com a Portaria 106/2013, de 14.3, é consistente com o princípio da intangibilidade das propostas na fase prévia à adjudicação, isto é, se no domínio do juízo de avaliação das propostas o preço proposto pelo ora Recorrente confrontado com o preço proposto pelos demais concorrentes, configura um atributo estável quanto ao fundamento do efeito redutivo ou se, pelo contrário, configura um atributo de “geometria variante” quanto à consistência da justificação apresentada em razão de, aquando da apresentação da proposta, não se mostrar assegurado na esfera jurídica do concorrente o benefício redutivo incorporado no preço da proposta.
Nesta segunda hipótese, é uma evidência que no quadro do critério de adjudicação do procedimento, o preço proposto incorporado do benefício que o justifica não é susceptível de configurar um atributo estável da proposta, na medida em que do processo não constam quaisquer elementos objectivos que, em abstracto, confluam em favor do juízo de certeza sustentado pela ora Recorrente quanto à concessão dos incentivos que suportam o efeito redutivo do preço proposto.


6. vinculações legais - margem de livre decisão - DL 89/95, 6.5/Portaria 106/2013, 14.3;

As declarações levadas ao probatório nos itens 13, 14 e 15 do Instituto de Segurança Social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Autoridade para as Condições do Trabalho são irrelevantes em ordem a introduzir um juízo de certeza com fundamento na garantia jurídica decorrente da natureza vinculada do acto de concessão desde que o requerente preencha os requisitos legalmente estabelecidos no tocante às medidas de apoio à contratação previstas no DL 89/95 de 6.5 conjugado com a Portaria 106/2013, de 14.3.
Não sofre dúvidas que o acto administrativo de concessão é predominantemente vinculado na medida da compressão do grau da liberdade da administração (margem de livre decisão) perante a densidade normativa no tocante aos pressupostos que detalhadamente configuram a matéria dos apoios financeiros à criação líquida de emprego e dispensa temporária de pagamento em matéria parafiscal, evidenciada nos citados diplomas, tanto no DL 89/95 como na Portaria.
Todavia, não se pode elaborar um juízo de identidade entre vinculações legais e automaticidade da decisão administrativa, pois não existem actos administrativos totalmente livres nem totalmente vinculados pela razão prática de que as decisões administrativas são definidas no caso individual e concreto, sendo ficcional supor que a função legislativa colmata toda a realidade possível; de modo que há sempre uma margem de abertura normativa em favor da administração em ordem à adaptação do sentido normativo querido pelo legislador ao interesse pretensivo querido pelos interessados nos casos concretos.

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É muito denso o elenco de pressupostos no domínio dos requisitos procedimentais exigidos para a concessão de incentivos, traduzidos na dispensa temporária da obrigação contributiva para a segurança social e no apoio financeiro à criação líquida de emprego por celebração de contratos de trabalho com pessoa à procura do primeiro emprego e desempregada de longa duração.
Basta verificar que a atribuição do apoio financeiro previsto no DL 89/95, artº 17º nºs. 1 e 2, na Portaria 106/2013, artº 3º nºs. 5 e 6, depende da “criação líquida de emprego”, conceito que por sua vez reporta a diversos pressupostos subjectivos e objectivos reportados ao empregador, trabalhador e ao contrato de trabalho celebrado no tocante à tipologia e durabilidade do vínculo, todos enunciados no citado artº 3º da Portaria, obrigações de proporcionar formação profissional, artº 4º da Portaria, devendo as cópias dos contratos de trabalho efectivamente celebrados acompanhar o requerimento da concessão da medida pretendida.
Dada a situação de austeridade orçamental do Estado e na economia privada em geral objectivamente vivida desde 2010, em face dos consabidos desaires por indevida utilização de apoios financeiros comunitários o legislador soube traduzir no bloco normativo citado as cautelas instrutórias documentais tidas por necessárias à elaboração do juízo confirmativo do preenchimento dos requisitos objectivos e subjectivos exigidos, tanto préviamente como de monitorização posterior à concessão do apoio financeiro ou dispensa de pagamento de encargos parafiscais.
Pelas razões expostas e não obstante a natureza predominantemente vinculada do acto de concessão, a exigência em matéria de instrução documental comprovativa dos dados que configuram os pressupostos de facto requeridos para a respectiva concessão e durante a vigência da medida de apoio financeiro ou de dispensa de tributação parafiscal, no tocante ao empregador requerente, ao trabalhador e modalidade de contrato de trabalho não permite sustentar a garantia jurídica do efeito redutivo de € 28.762,88 no preço proposto pelo ora Recorrente com fundamente na futura obtenção de benefícios via regime de incentivos à contratação previstos no DL 89/95 de 6.5 e Portaria 106/2013, 14.3.

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Transpondo para o caso em apreço o complexo procedimental inerente à concessão dos benefícios previstos no DL 89/95 e na Portaria 106/2013, a conclusão imediata é que o preço proposto de € 299.647,12 não configura um requisito certo e firme da proposta quanto ao efeito redutivo incorporado de € 28.762,88 nos termos da nota justificativa apresentada pelo ora Recorrente, e por duas ordens de razões.
Desde logo porque o efeito redutivo incorporado no preço apresentado não configura um requisito certo e firme da proposta à data em que esta foi apresentada, situação imutável até ao momento do encerramento da discussão em 1ª Instância (ex artº 523º nº 2 CPC) ou, atendendo ao direito adjectivo vigente, até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (artº 423º nº 2 CPC), de modo que o ora Recorrente não pode declarar que o efeito redutivo em causa se mostra incorporado na sua esfera jurídica a título de direito subjectivo ou, sequer, a título de expectativa jurídica, o que, na circunstância, é absolutamente decisivo.
Uma vez que no caderno de encargos o preço a pagar pela entidade adjudicante se mostra configurado no campo dos atributos da proposta, matéria em que os concorrentes exercem o seu direito de livre iniciativa negocial, conformando as propostas de acordo com o seu interesse de mercado, tal implica em razão do princípio da igualdade “(..) as propostas devem ser apreciadas tal como são (..) sendo que a decisão de adjudicação “(..) não pode recair sobre outra realidade que não seja a constituída pelas propostas dos concorrentes, tal como elas foram formuladas (..)”. (5)
Sem esta exigência de estabilidade no tocante aos factores levados à concorrência assumidos nas respectivas declarações negociais, estabilidade inerente ao conceito normativo de proposta séria, firme e certa nos exactos termos vazados no artº 56º nº 1 CCP, falha a exigência legal da imodificabilidade e indisponibilidade das propostas decorrido o prazo para a sua apresentação.
O mesmo é dizer que a proposta apresentada configura uma declaração negocial de preço objectivamente competitivo, mas destituída de consistência jurídica quanto à sua realidade de manutenção no quadro concorrencial dos demais concorrentes e falha também de consistência jurídica quanto ao modo pelo qual o ora Recorrente se dispõe a contratar (artº 56º nº 1 CCP) pois que em termos objectivos o preço proposto não se apresenta revestido das características de certeza quanto ao valor nem determinação quanto ao conteúdo para efeitos de ser tomado como tal na fase de análise e avaliação das propostas em vista da adjudicação.
No juízo de avaliação do júri em ordem a concluir pela proposta mais competitiva em razão do interesse público conformado pelo critério de adjudicação, o preço proposto desempenha, como vem sendo dito, um papel absolutamente essencial, tão essencial que é decisivo por ser o único factor levado à concorrência.
Exactamente por isso, porque o efeito redutivo do preço não configura um requisito certo e firme, a proposta apresentada pela ora Recorrente não consegue “(..) passar (n)o teste da manutenção da essencialidade da proposta. A proposta não pode ser uma proposta diferente face àquela que foi apresentada, porque isso põe em causa toda a lógica do procedimento de formação concorrencial, com igualdade de tratamento e protecção da confiança num determinado modo de proceder que foi anunciado. Por isso é que a simples correcção de erros materiais tem de ser sempre admissível: ela representa um retornar da proposta àquilo que é a sua essência, isto é, embora a correcção se traduza, materialmente, numa alteração, ela não se traduz em qualquer alteração à essência da proposta, que foi sempre a mesma. … sempre se admitiu variações às propostas, desde que, precisamente, não ficasse afectada a substância da proposta ou, noutra perspectiva, desde que o objecto da alteração não tivesse incidido sobre o motivo determinante da escolha. (..)” (6)
Por tudo quanto vem de ser dito, conclui-se que o preço proposto de € 299.647,12 incorporado do efeito redutivo de € 28.762,88 nos termos da nota justificativa apresentada pela ora Recorrente, viola os princípios da concorrência, igualdade e intangibilidade das propostas, princípios vigentes no regime da contratação pública, pelo que não merece censura o acto de exclusão fundamentado nos termos do Relatório Final levado ao probatório no item 10.
Pelo exposto improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 13 a 53 das conclusões.


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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso
Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença proferida.


Custas a cargo da Recorrente.
Lisboa, 25.JUN.2015


(Cristina dos Santos) …………………………………………………………………

(Paulo Gouveia)............................................................................................................

(Nuno Coutinho) ……………………………………………………………………..



(1)Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, LEX/1997, pág. 222.
(2) Lebre de Freitas, CPC – Anotado, Vol. 3º Tomo I, 2ª ed. Coimbra Editora/2008, págs.61/62, 45/65/124.
(3)Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concurso e outros procedimentos de contratação pública, Almedina/2011, págs.570/571.
(4) Menezes Cordeiro, Subsídios para a dogmática administrativa com exemplo no princípio do equilíbrio financeiro, O Direito, nº 2, Almedina/2007, págs. 92 e 102.
(5) Rodrigo Esteves de Oliveira, Os princípios gerais da contratação pública - Estudos de contratação pública – I/CEDIPRE, Org. Pedro Gonçalves, Coimbra Editora/2008, pág. 79, citando Marcelo Rebelo de Sousa, O concurso público na formação do contrato administrativo, 1994, págs. 74 e segs..
(6)Miguel Assis Raimundo, A formação dos contratos públicos – uma concorrência ajustada ao interesse público, aafdl/2013, págs-1120-1121.