Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:679/12.0BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:01/27/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
AUDIÇÃO PRÉVIA
GREEN FEE
TAXA DE IVA REDUZIDA
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA E BOA FÉ
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E DA JUSTIÇA
JUROS COMPENSATÓRIOS
Sumário:O ato de liquidação encontra-se suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae- possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação-e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efetivo controle da legalidade do ato- aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
II-Contemplando o Relatório Inspetivo as razões de facto e de direito que permitem percecionar o iter volitivo e cognoscitivo em que se fundaram os atos de liquidação impugnados, não padecem os mesmos do vício formal da falta de fundamentação.
III-Aferir se as razões convocadas pela AT são corretas e adequadas para legitimar a emissão do ato tributário já contende com o vício de violação de lei e não com o vício formal de falta de fundamentação.
IV-Se a Recorrente foi notificada para exercer o direito de audição prévia aquando da emissão do projeto de conclusões e antes da emissão do Relatório definitivo em conformidade com o preceituado no artigo 60.º da LGT, e se a AT analisou as razões expendidas no seu articulado e documentação carreada, tendo refutado, fundamentadamente, as razões atinentes à improcedência e à manutenção das correções aritméticas, inexiste qualquer violação do direito de participação.
V-A AT não está obrigada a realizar todas as diligências de prova que os interessados requeiram na fase da audiência prévia, e bem assim a rebater todos os argumentos convocadas pelo interessado, mas, tão-só, a evidenciar quais as razões que fundamentam a sua pretensão. A decisão antagónica à pretensão da Recorrente não traduz preterição de formalidade essencial.
VI-O denominado green fee não se destina a permitir o acesso do jogador ao campo de golfe para participar numa competição, prova ou manifestação desportiva, antes se destina a que o jogador tenha acesso ao campo, para treinar o seu jogo individual, ou acompanhado de outros jogadores, mas sem que se possa atribuir a tal atividade desportiva as características próprias de uma manifestação desportiva, ou prova, enquanto tal.
VII-A “taxa de utilização do campo” não encontrava amparo na verba 2.15 da Lista I anexa ao CIVA, pelo que sobre a mesma incidia, no ano de 2011, IVA à taxa normal de 23%.
VIII-A conduta da AT, objetivamente considerada, não é de molde a justificar noutrem a convicção fundada e aquisição de uma legítima expetativa, não se podendo, assim, retirar da dita conduta, direta ou indiretamente, a intenção da mesma se encontrar vinculada a uma determinada atitude no futuro. Inexiste uma qualquer vinculatividade jurídico-administrativa das referidas expectativas, tudo se reconduzindo a meras expectativas fácticas, sendo que estas não são juridicamente tuteladas, inexistindo, assim, qualquer violação dos princípios da confiança, da boa-fé e da justiça.
IX-Não tendo a liquidação de juros compensatórios de contemplar o juízo de censura, porquanto essa mesma censurabilidade encontra-se nos factos que originam a liquidação do imposto, donde, no respetivo Relatório Inspetivo, e contemplando a mesma o motivo da liquidação, designadamente, que foi liquidada nos termos do 96.º do CIVA, e 35.º da LGT, contendo a referência ao montante de imposto sobre o qual foram liquidados os juros compensatórios, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do artigo 559.º nº 1 do CC), o período de tempo em que tais juros são exigíveis, não se verifica a arguida falta de fundamentação.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O. G., S.A., (doravante Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) respeitantes ao ano de 2011 (períodos de março a outubro) e juros compensatórios, no montante total de €1.534.951,49.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“1. Censura-se a sentença do Tribunal a quo por se sustentar que esta padece de nulidade por omissão de pronúncia, e por esta ter decidido mal no que tange à apreciação dos Factos alegados e dos vícios que a Recorrente imputou às liquidações em crise; em concreto, os vícios de forma e de violação de lei, incluindo constitucional.

2. Subjacente aos presentes Autos encontra-se, essencialmente, a questão de saber se os green fees do Golfe estavam sujeitos de Março a Dezembro de 2011 à taxa reduzida de IVA ou à taxa normal deste imposto; e se, no caso concreto, actuou bem a Administração fiscal ao liquidar adicionalmente a diferença entre as liquidações efectuadas pela Recorrente sobre os jogadores de golfe e as liquidações que a Administração considera deveriam ter sido efectuadas (a diferença de 6% para 23%).

3. O Tribunal a quo sustenta que a taxa de IVA aplicável é de 23% desde 1 de Março de 2011, no pressuposto de que os green fees não são a contraprestação pela concretização de uma «manifestação desportiva» (nos termos em que esta se encontrava prevista na Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA), fazendo tábua rasa, desde logo, da previsão e da estatuição da relevante Verba nos termos em que esta se encontra prevista desde 1986, como o demonstra o presente quadro:


4. Primeiramente, o Tribunal a quo não cumpriu o dever que sobre o mesmo impendia no sentido de apreciar e julgar todas as questões que foram suscitadas pela Recorrente, incorrendo por essa via em omissão de pronúncia.

5. Com efeito, no caso em apreço, a Recorrente invocou como causa para a anulação das liquidações contestadas, entre outras, a inconstitucionalidade material da Verba 2.15, tal como interpretada e aplicada pela Administração fiscal, excluindo da mesma os green fees, resultando tal inconstitucionaolidade de violação dos princípios da confiança, da justiça, e da boa-fé.

6. Sobre esta inconstitucionalidade, que consubstancia uma verdadeira questão e não um simples argumento ou opinião, nada diz o Tribunal a quo na sentença recorrida.

7. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, é nula a sentença que não conheceu de uma questão da inconstitucionalidade suscitada pelo Recorrente na petição inicial, assim como o é a sentença que não se pronuncie sobre questão de inconstitucionalidade, de conhecimento oficioso, suscitada pela Recorrente nas suas alegações finais.

8.Assim sendo, a sentença dos Autos é nula, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 125.° do CPPT e na alínea d), primeira parte, do n.° 1 e no n." 4 do artigo 615.° do CPC, aplicável cx vi do artigo 2.°, alínea é) do CPPT, a qual deverá ser, de imediato, suprida pelo Tribunal de primeira instância e, não o sendo, deverá ser declarada por V. Exas., conhecendo, nesse caso directamente, este douto Tribunal a questão que ficou por apreciar nos termos supra explanados c com os fundamentos constantes da p.i.

9.Também no que respeita às liquidações de juros compensatórios, o Tribunal a quo não aprecia -de todo em todo- qualquer dos fundamentos que, no entendimento da Recorrente tal como este foi expresso na p.i., deveriam conduzir à respectiva anulação.

10.Nesta conformidade, também por esta razão a Recorrente argui a nulidade da sentença dos Autos, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e na alínea d) primeira parte, do n.° 1, e no n.º 4 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea c) do CPPT, a qual deverá ser, desde já, suprida pelo Tribunal de primeira instância e não o sendo deverá ser declarada por V. Exas., conhecendo, nessa circunstância directamente, este douto Tribunal a questão que ficou por apreciar nos termos acima enunciados e com os fundamentos vertidos na p.i., mas que infra se deixaram referidos.

11. O Tribunal a quo decidiu mal quando considerou que «As demais asserções da douta petição constituem conclusões de facto e/ou direito ou considerações pessoais da impugnante ou são inócuas à decisão da causa» - cfr. «Factos não provados», p. 7 da sentença recorrida (cit.) -, decisão que assim, nos termos e para o efeitos do previsto no artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi da alínea c) do artigo 2.º do CPPT, se deixa imediatamente impugnada.

12. Adicionalmente aos factos dados por assentes pelo Tribunal a quo, resultaram ainda provados, pelos documentos juntos aos Autos e pelo comportamento das partes, os seguintes factos com interesse para a decisão da causa que corroboram a necessidade de anulação do acto impugnado e que, deste modo, de acordo com o artigo 662.°, n.° 1, do CPC e cumprindo-se o ónus plasmado do aludido artigo 640.° do CPC, deverão ser aditados à matéria provada:

a. A esmagadora maioria dos jogadores de Golfe que participaram e participam em jogos de Golfe nos campos geridos pela Recorrente são estrangeiros não residentes — Facto que resulta provado dos documentos constantes em anexo à p.i. como doc. n.° 4, em concreto, documento excel que demonstra o número de voltas vendidas pela Recorrente por campo de Golfe e por nacionalidade, atinentes aos anos de 2010 e 2011.

b. Esta é uma tendência que se verifica nos restantes campos de Golfe, em particular naqueles situados no Algarve — Facto que resulta provado pelo doc. n.º 4 em anexo à p.i., especialmente pelo que é dito no boletim informativo do Conselho Nacional da Indústria do Golfe («CNIG») e da consultora D. no sentido de que a indústria do Golfe é altamente exportadora e no Relatório Anual do Golfe, que demonstra que os clientes do Golfe são, fundamentalmente, estrangeiros.

c. Fora da época de Verão, o Golfe é a principal fonte de atracção turística do Algarve — Facto que resulta provado pelo estudo sobre o Golfe realizado para o Turismo de Portugal IP, que salienta a relevância e impacto da indústria do Golfe para o turismo nacional, nomeadamente em época baixa, o qual foi junto aos Autos como doc. n.° 5 em anexo à p.i.

d. A Recorrente presta, para além dos serviços que dão lugar ao pagamento dos green fees, serviços acessórios e/ou conexos com o jogo de Golfe como o aluguer de trolleys e buggies, guarda-tacos, aulas de Golfe, ou ainda o treino de Golfe em local distinto dos greens e, como tal, fora de provas desportivas, como seja a prática de Golfe num drive range — Facto assente por acordo, que consta expressamente do artigo 9.° da Contestação da Administração fiscal, p. 3.

e. Os operadores da indústria do Golfe sempre entenderam que os greens fees estavam sujeitos à taxa reduzida, estando os demais serviços de Golfe (driving range, lições, alugueres, etc.) sujeitos à taxa normal — Facto que ficou demonstrado pela declaração emitida pelo CNIG e junta como doc. n.° 12 em anexo à p.i.

13. Relativamente aos factos considerados provados pelo Tribunal a quo e reflectidos no ponto «Factos provados» — p. 2 e seguintes da sentença recorrida — a Recorrente entende que os pontos c) e d) dos «Factos provados» se mostram incompletos e não reflectem a realidade, o que decorre patente da análise da p.i. e dos docs. n.ºs 6 a 9 em anexo à p.i., os quais, por essa razão, se deixam impugnados ao abrigo do artigo 640.° do CPC já acima referido.

14. O Tribunal não considera provado que desde o início da sua actividade que a Recorrente liquidou IVA sobre os green fees à taxa reduzida — o que foi alegado no artigo 22.° da p.i. e não se pode considerar coberto pela simples referência a «anos anteriores» na alínea c) dos «Factos provados» da sentença, assim como não considerou provado que aos restantes serviços por si prestados a Recorrente aplicou a taxa normal do IVA, o que foi alegado no mesmo artigo da p.i. Mais, o Tribunal a quo na alínea d) do mesmo ponto da sentença, limita-se a fazer referência ao facto de a Administração fiscal ter confirmado a sujeição dos green fees à taxa reduzida do IVA em 2002, sem qualquer referência ao facto de aquela sujeição também ter sido directamente atestada perante a Recorrente, o que foi alegado no artigo 24.º da p.i.

15. Deste modo, por um lado, onde o Tribunal a quo julgou provado que «c) Sobre o valor dos green fee a Impugnante liquidou no ano de 2011 e nos anos anteriores, IVA à taxa reduzida (cfr. relatório de inspecção tributária - fls. 88 do processo apenso);» deveria ter considerado provado que:

f. Desde a entrada em vigor do Código do IVA, i.e., desde 1 de Janeiro de 1986 até ao termo de 2011, que a Recorrente procedeu da forma seguinte:

a) os serviços acessórios e/ou conexos acima referidos foram sujeitos à taxa normal de IVA que, ao longo do tempo, foi variando — Facto que resulta provado pelas facturas juntas como doc. n.° 6 em anexo à p.i. que contêm este tipo de serviços e onde se demonstra a sua sujeição à taxa normal;

b) os green fees foram sujeitos à taxa reduzida do IVA, mediante a previsão e aplicação da Verba relevante da Lista Anexa ao Código do IVA — Facto que ficou provado pelas várias facturas juntas como doc. n." 7 em anexo à p.i., sendo a mais antiga datada de 1986, ano da entrada em vigor do Código do IVA, em que os green fees são sempre sujeitos à taxa reduzida.

16. Por outro lado, onde o Tribunal a quo julgou provado que «d) Através da informação n.º 2082, de 03/12/2002, a Direcção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado, informou, em resposta a pedido de esclarecimento de uma sociedade que não foi possível identificar, «(...) no que se refere à utilização dos campos de golf (Greens), de harmonia com o entendimento Superiormente sancionado por estes Serviços, beneficiam de tributação à taxa reduzida de 5% por enquadramento na verba 2.13 da Lista I anexa ao CIVA», constando no final do texto, de forma dactilografada, «Concordo. Comunique- se. Em 03.12.2012. Maria Angelina T. Silva (Subdirectora-Geral)» (cfr. print de fls. 158 a 159 dos autos, extraído da base de dados da Inforfisco)» deveria ter considerado provado que:

g. A sujeição dos green fees à taxa reduzida do IVA e dos restantes serviços à taxa normal do IVA foi confirmada pela Administração fiscal ao longo dos anos,

a) quer mediante a emissão de orientações — Facto que se demonstra pela Informação n.º 2082, com despacho concordante da Subdirectora-Geral de 03 de Dezembro de 2002, junta como doc. n.° 8 em anexo à p.i.;

b) quer em sede de acções de inspecção tributária levadas a cabo pela Administração fiscal, ao longo de mais de 20 anos, às sociedades que exploram campos de Golfe e que sempre cobraram IVA sobre os green fees à taxa reduzida, assim como pela aceitação e não correcção neste ponto das declarações periódicas de IVA apresentadas por aquelas sociedades, em que se constata ter sido a respectiva actividade sempre essencialmente sujeita à taxa reduzida do IVA — Facto que resulta provado pelo relatório de inspecção relativo aos exercícios de 2000 e 2001 em que a Administração fiscal reconhece que a actividade da Recorrente se sujeita fundamentalmente à taxa reduzida de IVA e declarações periódicas de IVA, os quais estão juntos aos Autos como doc. n.° 9 em anexo à p.i.

Prossigamos com o Direito.

17. Da simples leitura do Relatório de Inspecção dos Autos resulta que este se abstém de identificar, como deveria, o iter cognoscivo que conduziu à emissão das liquidações de IVA em crise, o que se concluiu por não se poder aceitar que a enunciação de certos — e insuficientes — factos e a posterior formulação de meras conclusões não justificadas possa ter-se como fundamentação suficiente.

18. O Relatório cm causa limita-se a invocar a alteração de certa disposição legal — a concretizada à Verba 2.15 pelo Orçamento do Estado para 2011 — e de entendimento interno da mesma Administração fiscal — Ofício-Circulado n.º 30124, de 14 de Fevereiro de 2011 —, para sem mais concluir no sentido da correcta emissão das liquidações em apreço.

19. Simplesmente, como foi salientado pela Recorrente no respectivo exercício do direito de audição, a situação era a seguinte: (i) a alteração perpetrada pelo Orçamento do Estado para 2011, limitou-se a repor a redacção da dita Verba 2.15 anterior a 2008, ao abrigo da qual sobre os green fees sempre incidiu a taxa reduzida do IVA, desde 1986, o que teve concordância e foi confirmado pela Administração fiscal de modo reiterado; (ii) o citado Ofício-Circulado não se refere, em qualquer momento, ao Golfe e, em especial, aos green fees.

20. Pela leitura do Relatório Final de Inspecção a Recorrente constata que a Administração fiscal não procede à efectiva análise dos factos concretos e à sua fundamentada subsunção às normas em causa ou, tão-pouco, ao exame dos argumentos carreados pela Recorrente.

21. Concretamente, ficaram sem qualquer resposta, nomeadamente, as seguintes questões:

i. em que medida um Ofício-Circulado que nada refere quanto à incidência de IVA sobre os green fees pode justificar a alteração da taxa de IVA que os mesmos se teria de aplicar em 2011, quando a relevante Verba (diga-se, a norma de incidência), em vigor naquele exercício é essencialmente igual à que vigorava em 1986 quando o Código do IVA entrou em vigor e já aí os green fees se sujeitavam à taxa reduzida do IVA?

ii. qual a base legal para que desde 1986 até 2007 a Administração fiscal tenha aceite que os green fees estiveram sujeitos à taxa reduzida e em 2011 a Administração tenha passado a sustentar que a previsão «espectáculos, provas e manifestações desportivas» já não abarca os green fees?

iii. o que mudou na Letra da Lei (ou seja, na letra da Verba que determinava a aplicação da taxa reduzida) entretanto?

22. Assim sendo, no caso vertente dos Autos a Administração fiscal deixa plasmados no Relatório Final de Inspecção meros juízos conclusivos, sem qualquer razão de facto ou de direito clara, sem que se possa, ante o exposto, retirar dos mesmos a respectiva lógica ou pressupostos e sem que haja um exposição expressa dos motivos da actuação da Administração fiscal.

23. É absolutamente falsa a alegação de que o Ofício-Circulado n.° 30124, de 14 de Fevereiro de 2011, teria clarificado «sem margem para qualquer dúvida que a prestação de serviços respeitante a prática de golfe é tributada em IVA à taxa normal» — cfr. Relatório Final de Inspecção junto como doc. n.º 16 em anexo à p.i. (cit.) — posto que, em momento algum, este se refere ao Golfe, ou aos green fees. Basta ler o Ofício!

24. Tudo quanto é totalmente bastante para se concluir no sentido de que os actos em crise não se encontram suficientemente fundamentados, nos termos legalmente exigidos, o que deveria levar à respectiva anulação.

25. Por isso mesmo, a sentença dos Autos decidiu mal, violando na sua interpretação designadamente os artigos 77.º, n.º 1, da LGT e 268.º, n.º 3, Constituição, devendo ser revogada e substituída por decisão que considere verificado o vício de falta de fundamentação, o qual inquina as liquidações em apreço.

26. Sem embargo, saliente-se que a Administração fiscal optou por ignorar todos os factos e os argumentos carreados para o exercício do direito de audição pela Recorrente, mantendo, sem mais, a sua posição no sentido de aplicar a taxa normal e não a taxa reduzida do IVA aos green fees, desconsiderando de modo grosseiro aqueles factos e argumentos.

27. E se é assim, então resulta violado o artigo 60.°, n.° 7 da LGT, o qual exige que os elementos novos suscitados no exercício do direito e audição devem ser tidos em conta na decisão final, o que, como é bom de ver, não aconteceu.

28. Face ao exposto, por falta de fundamentação clara, suficiente e congruente, de facto e de direito, devem os actos de liquidação cm crise, baseados no Relatório Final de Inspecção acima mencionado, ser anulados por estarem feridos de vício de forma e deve a sentença dos Autos ser revogada por ter decido, mas mal, em sentido contrário, sendo por decisão que considere verificado o vício de falta de fundamentação por violação do artigo 60.°, n.” 7 da LGT.

29. Versando sobre a interpretação da Verba 2.15, o aresto do Supremo Tribunal Administrativo, citado pela sentença recorrida e que funda a sua decisão, atem-se apenas à letra da Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA na redacção da mesma vigente em 2011 e na sua compatibilização com o que dispunha naquela data a legislação desportiva e as regras do Golfe.

30. A interpretação não se deve limitar à escolha de um dos possíveis sentidos literais do texto, cumprindo não olvidar que o espírito da Lei prevalece sobre a letra e que o mesmo deve ser fixado com recurso aos designados “elementos lógicos”, ou seja, o sistemático, o histórico e o teleológico. Vejamos então.

31. Apesar de, em 1984, o legislador ter optado por sujeitar à taxa reduzida apenas os bilhetes de entrada para espectáculos e manifestações desportivas, logo em 1985, e antes ainda da entrada em vigor do Código do IVA, alterou a relevante previsão legal, passando esta a fazer referência a espectáculos, manifestações desportivas e outros divertimentos públicos; pelo que, em 1985, o legislador recusou limitar a aplicação da taxa reduzida aos bilhetes de entrada para espectáculos e manifestações desportivas.

32. Entendimento díspar implicaria que a alteração legislativa efectuada em 1985 tivesse sido vazia de propósito e que fosse levianamente desconsiderada uma prática de cerca de 21 anos, ratificada sucessivas vezes pela Administração fiscal, quer em sede de inspecções tributárias, quer por escrito em entendimentos de carácter geral.

33. Com efeito, em 2002, a Administração fiscal pronunciou-se no sentido de que a utilização de piscinas, courts de ténis e ginásios para prática a de modalidade desportiva não se encontrava incluída na dita Verba e, nesta medida, devia ser sujeita à taxa normal do IVA, sustentando, simultaneamente que a utilização dos campos de Golfe (greens) se incluía na, então, Verba 2.13 da Lista I e, como tal, os greens fees se sujeitavam à taxa reduzida do IVA.

34. Aliás, para trás (de 1986 a 2002) e para a frente (de 2002 ao final de 2011) sempre as coisas se passaram assim: sobre os green fees aplica-se a taxa reduzida; foi assim para as empresas e foi assim para a Administração fiscal, pelo menos até ao final de 2011.

35. A inclusão na Verba em apreço, para 2008, da referência à «prática de actividade físicas e desportivas» em nada contendeu com os termos anteriores que da mesma já constavam, i.e., «espectáculos, manifestações desportivas e outros divertimentos públicos» contidos na mesma.

36. Ao ser eliminada a referência à «prática de actividade físicas e desportivas» para 2011, o legislador preservou a redacção inicial datada de 1985, a saber, «espectáculos, manifestações desportivas e outros divertimentos públicos», mantendo ainda o termo «provas», que resolvera aditar também para 2008.

37. Ao proceder, com efeitos para 2011, à revisão da Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA, o legislador não reintroduziu a expressão «bilhetes de entrada» nem qualquer outra que permitisse concluir que houve a intenção de repor o sentido da Verba na sua redacção original (1984), e no seu entendimento mais restrito «bilhetes de entrada» numa perspectiva passiva.

38. A redacção da Verba 2.15 vigente em 2011 é, praticamente, um espelho da Verba 3.13 que vigorava em 1986, sendo que então já se aplicava a taxa reduzida do IVA aos green fees e, até hoje, não existiram dúvidas de monta sobre a dita aplicação.

39. O facto de a versão de 2011 da Verba 2.15 ter deixado de incluir a «prática de actividades físicas e desportivas» não pode, simplesmente, ser encarada como uma opção do legislador de limitar o escopo da Verba 2.15 para além do resulta da sua letra e do modo como a mesma sempre foi interpretada e aplicada durante mais de 20 anos.

40. Não se pode aceitar uma interpretação que arrasa a história, o modo e a forma como o preceito foi entendido pelos destinatários do mesmo e pela própria Administração fiscal; e que in casu se explica, designadamente, atentas as características muito particulares do Golfe que já foram acima descritas e considerando que o Golfe é uma área estratégica para o turismo nacional, que enfrenta uma significativa concorrência internacional de países como os países do sul da Europa, os países da Europa de Leste, os países do norte de África e mesmo a Austrália ou a África do Sul.

41. Ante o exposto, a interpretação da Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA defendida pela Administração fiscal, em 2011 que conduziu à prática dos actos sub judice pela mesma Administração e sufragada pelo Tribunal a quo mostra-se desconforme ao enquadramento histórico, sistemático e teleológico da mencionada Verba, resultando necessária a revogação da sentença recorrida e a anulação dos actos ora impugnados por vício de violação de lei.

42. Versemos agora apenas sobre a Letra da Verba ao abrigo da qual a Recorrente sempre liquidou IVA sobre os green fees à taxa reduzida.

43. Considerando o carácter algo abstracto e indeterminado da relevante Verba, desde 1986 que o intérprete foi forçado a encetar um esforço exegético de concretização, de modo a precisar quais os «espectáculos», as «manifestações desportivas», as «provas» (desde 2008 e até 2012) e «outros divertimentos públicos» que aquele quis abranger, tanto numa análise isolada, per se como em conjugação entre si.

44. Ora, a Verba 2.15 enunciava, durante todo o ano de 2011, três tipos de serviços, a saber, (i) os espectáculos, (ii) as provas desportivas, (iii) as manifestações desportivas e (iii) outros divertimentos públicos.

45. Assim sendo, ao eliminar a referência à «prática de actividade físicas e desportivas» para 2011 (que só gozou deste tratamento durante cerca de 3 anos, 2008 a 2010), o legislador quis preservar a redacção inicial (desde 1985 e que se mostrou aplicável desde o início da vigência do Código o IVA em 1986), mantendo, concomitantemente, o termo «provas», que resolvera aditar também para 2008, sendo ao abrigo daquela redacção inicial que aos green fees sempre se aplicou a taxa reduzida de IVA, de acordo com o expresso entendimento do Fisco.24[Quer na Informação nº 2082, com Despacho concordante da Subdirectora Geral de 03 de dezembro de 2002, quer nas várias acções de inspecção realizadas ao longo dos anos] E porquê?

46. Tudo quanto se pode explicar designadamente ante as características singulares do Golfe, o qual constitui um desporto auto regulado, com regras específicas de carácter supranacional e de aplicação quase universal, em que o acesso a um campo de Golfe para jogar só é permitido a pessoas que sejam federadas e que demonstrem ter um certificado específico que as habilite a competir: o certificado de handicap (o qual representa, através de um valor numérico, a habilidade de jogo de um praticante amador).

47. Precisamente por ser obrigatória a obtenção e manutenção de handicap para ter acesso à generalidade dos campos de Golfe, e considerando o modo de o obter, podemos concluir que, mesmo no caso de jogos de Golfe que são realizados individualmente, ou seja, em que não há uma concorrência directa entre vários jogadores, o jogador individual está sempre em competição, neste caso «contra o próprio campo».

48. Mas não só; igualmente tendo em conta as características especiais do jogo do Golfe feito nos greens por jogadores federados, titulares de handicap, afigura-se que o jogador de Golfe nessas circunstâncias não está apenas a concretizar actividade física ou desportiva, o jogador de Golfe encontra-se a realizar um jogo de Golfe segundo as regras estabelecidas pela respectiva federação, jogo esse que, nessa medida, se mostra como a «manifestação» deste desporto, i.e., como uma verdadeira manifestação desportiva.

49. Assim, os green fees são sempre a contrapartida pela prestação do serviço «manifestações desportivas», afigurando-se-nos, nesta medida, forçoso o respectivo enquadramento na letra da Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA em vigor durante o ano de 2011.

50. O Ofício-circulado n.º 30124, de 14 de Fevereiro de 2011, não só não tem carácter vinculativo e não contém qualquer interpretação autêntica da Lei (o que ademais seria inconstitucional), como também sufraga entendimento que não tem qualquer reflexo na letra da Verba sub judice, no que às manifestações desportivas diz respeito.

51. Efectivamente, não é possível retirar da letra da disposição legal cm crise, sem mais, que o legislador pretendeu limitar o seu escopo a «entradas ou bilhetes de ingresso» num plano passivo, seja em espectáculos, ou em provas e manifestações desportivas e outros divertimentos públicos, pelo contrário.

52. Sobre este ponto não se pode aceitar, nem tal resulta da letra da Verba 2.15 ou sequer das normas da legislação em sede desportiva invocadas pelo Tribunal a quo — v. Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto e o Decreto Regulamentar n.° 2-A/2005, de 24 de Março —, que apenas se possa ter como manifestação desportiva a que «exija uma preparação anterior, uma organização anterior que implica uma divulgação pública, adequação de espaços, disponibilização de pessoal qualificado para tarefas auxiliares ou de arbitragem, obtenção e licenças, etc...» — cfr. sentença recorrida, pp. 15 e 16 (cit.).

53. O facto de os jogadores de Golfe que sejam membros de um clube não terem de pagar um green fee por cada vez que acedem ao green, não significa que aquando daquele acesso e da concretização do jogo do Golfe não estejam a concretizar uma «manifestação desportiva», desde logo tendo em conta que, como o Tribunal não deixa de reconhecer, também eles terão de ser federados e titulares de um handicap, significa apenas que os green fees são absorvidos pelas quotas que estes pagam aos respectivos Clubes, as quais se encontram imediatamente isentas de IVA, pelo que não chega a ter de se ponderar da sua sujeição, ou não, à taxa reduzida deste imposto.

54. A Recorrente — e a própria Administração fiscal — distinguem bem o «jogo de Golfe» nos greens por jogadores federados titulares de handicap, da simples prática, recreativa ou com vista à aprendizagem deste desporto, na medida em que as aulas de golfe, assim como o treino no drive range estiveram desde sempre sujeitos à taxa normal do IVA.

55. Tudo visto, a interpretação da redacção da Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA, em 2011, defendida pela Administração fiscal e adoptada pela sentença recorrida, que conduziu à emissão dos actos cm crise pela Administração fiscal mostra-se desconforme à própria letra da mencionada Verba, resultando necessária a revogação daquela sentença e a anulação dos ditos actos por vício de violação de lei.

56. No que tange à invocada inconstitucionalidade pela violação do princípio da legalidade, o Tribunal a quo limita-se a referir que o Ofício-Circulado, em que alegadamente se fundam as liquidações em sede de IVA em crise, adopta interpretação consentânea com a letra da Lei, não violando qualquer princípio constitucional.

57. A Recorrente no capítulo respeitante à violação dos princípios da legalidade, da confiança, da justiça e da boa-fé invocou inconstitucionalidade normativa da Verba 2.15 sob análise, na interpretação que foi sustentada pela Administração fiscal e que foi caucionada pelo Tribunal a quo no sentido que os green fees não se encontravam abrangidos pelo âmbito de aplicação da mesma Verba.

58. Deste modo, conforme já se havia invocado perante o Tribunal de 1ª instância, a ora Recorrente entende que os actos impugnados violam os princípios constitucionais da legalidade tributária, da protecção da confiança, da justiça e da boa-fé por duas vias:

i. Os princípios em causa são directamente violados pelos actos impugnados, e pela própria decisão recorrida, que coonestou a sua prática.

ii. O princípio da protecção da confiança, verifica-se ainda que o mesmo é posto em causa pela interpretação normativa da Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA na redacção do artigo 103.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011) que foi adoptada pela decisão recorrida.

59. Em primeiro lugar, cumpre, de novo, realçar que a expressão «espectáculos e manifestações desportivas» constou da Verba incluída na lista de bens e serviços sujeitos a taxa reduzida do IVA desde 1986 a 2011 e foi uniformemente aplicada e interpretada pela Administração fiscal no sentido de se encontrar aí abrangido o Golfe, sendo absolutamente claro que esta manifestação desportiva não se encontrava abrangida por nenhuma das excepções previstas pelo legislador.

60. Em 2011, a mesma expressão foi interpretada e aplicada pelos actos impugnados no sentido de excluir o Golfe (green fees) como «manifestação desportiva», sem que tivesse ocorrido qualquer alteração legislativa relevante, uma vez que a verba correspondente contida nas listas de bens e serviços sujeitos a taxa reduzida do IVA continuou a incluir, para o ano de 2011 a mencionada expressão, sem que fosse prevista uma excepção contemplando o Golfe.

61. Perante esta realidade, o contribuinte não podia, de modo algum, à luz do disposto nas disposições legais em vigor, e enquanto estas se mantiveram em vigor, antecipar que a participação do jogo de Golfe num green deixasse de ser encarado como um serviço sujeito a taxa reduzida do IVA.

62. Note-se que à luz das redacções anteriores da Verba 2.15 da Lista I do anexo ao Código do IVA já a Administração fiscal, interpretando o conceito de «manifestação desportiva» havia afirmado o entendimento de que a utilização de campos de Golfe (Greens) beneficiava de tributação à taxa reduzida do IVA, e a nova doutrina administrativa, emitida em 2011 através do Ofício- Circulado a que acima fizemos referência, não tem qualquer ao conceito de «manifestação desportiva» e/ou à utilização dos campos de Golfe (greens).

63. Dito isto, os actos impugnados carecem de ser confrontados com as exigências do princípio da legalidade tributária, não na sua dimensão formal de reserva de lei parlamentar em matéria fiscal, mas na sua dimensão material de tipicidade ou determinabilidade da lei de imposto.

64. Com efeito, a mera dimensão formal da reserva de lei parlamentar sairia largamente frustrada «se o parlamento definisse os elementos essenciais dos impostos através de meras fórmulas abertas ou se remetesse toda a sua concretização para o juízo casuístico da administração» — cfr. Sérgio Vasques, ob. e loc. (cit.).

65. Foi precisamente isto o que ocorreu no caso dos Autos: a Administração fiscal apenas pode alterar radicalmente o seu entendimento sobre o conceito de «manifestação desportiva», na ausência de qualquer alteração da lei pelo parlamento, nos casos em que a lei em vigor não cumpre as exigências de tipicidade e determinabilidade, mas, ainda assim, com limites, precisamente para garantir os princípios constitucionais em jogo.

66. Neste contexto, não se ignorando que a doutrina jurídico-tributária admite hoje, dentro de certos limites, a atribuição de poderes discricionários à Administração fiscal, bem como o exercício, por parte desta, de uma margem de livre apreciação na aplicação de conceitos indeterminados, a interpretação e aplicação de tais conceitos indeterminados, como sucede com o de «manifestação desportiva», não pode ter como resultado negar ao indivíduo «a oportunidade de conformar o seu comportamento à lei».

67. A situação que ocorreu no caso dos Autos viola de modo flagrante o princípio da legalidade fiscal, na medida em que à uma, os actos impugnados foram praticados contrariando a prática administrativa anterior; e, à outra, a doutrina administrativa invocada pela sentença recorrida para legitimar a prática dos actos impugnados nada tem a ver com a questão da prática do Golfe.

68. Deste modo, os actos impugnados e a sentença recorrida violam claramente o princípio da legalidade fiscal, previsto no artigo 103.°, n.° 2, da Constituição, na sua vertente material de efectiva limitação da margem de livre apreciação da Administração na concretização dos elementos essenciais dos impostos, bem como a limitação do uso de conceitos indeterminados na definição de tais elementos.

69. Relativamente ao princípio da protecção da confiança, ao princípio constitucional da justiça, e ao princípio constitucional da boa fé, é omissa a sentença dos Autos, razão pela qual, como já se invocou acima, esta padece de manifesta nulidade que deve ser declarada e sanada.

70. A ora Recorrente e os demais operadores do IVA conformaram o seu comportamento com a (i) redacção da relevante Verba da Lista anexa ao Código do IVA; (ii) interpretação e aplicação da mesma Verba feita sem cessar durante o período de 1986-2011, e a (iii) posição confirmada pela Administração fiscal de que aos green fees se aplicava a taxa reduzida do IVA.

71. Nesta conformidade, a interpretação e aplicação da norma vertente da Verba 2.15 da Lista anexa ao Código do IVA, no sentido de excluir do conceito de «manifestações desportivas» e, como tal, do âmbito daquela Verba, os green fees, ao arrepio de uma interpretação constante e seguida durante mais de 20 anos pelo sector do Golfe e pela Administração fiscal, e limitada apenas a uma zona do país (Algarve), é manifestamente inconstitucional por violação dos princípios da protecção da confiança, da justiça e da boa fé e da igualdade, tal como estes se encontram constitucionalmente consagrados — vide artigos 2.° e 266.° da CRP.

72. Ademais, note-se que a Recorrente ver-se-á forçada a suportar in totum o valor apurado nas liquidações adicionais de IVA que lhe foram notificadas, sem que estes valores possam ser repercutidos nos clientes, o que é extremamente penoso e desproporcionado, sobretudo aquando constatam que sendo o IVA um imposto neutral para os sujeitos passivos (i.e. devem ser os consumidores a suportá-lo), a verdade é que, com esta interpretação passa a ser a ora Recorrente a suportá-la...

73. Sublinhe-se que o Ofício n.° 30124, de 14 de Fevereiro de 2011, visou apenas clarificar as consequências decorrentes de, com a publicação da Lei do Orçamento do Estado para 2011, o legislador ter suprimido do texto legal a expressão «prática de actividades físicas e desportivas», quando é certo que tal expressão não constava de anteriores versões da Verba da Lista I anexa ao Código do IVA à luz das quais sempre foi admitida a aplicação da taxa reduzida do IVA à prática do Golfe.

74. Este Ofício-Circulado foi publicado para tratar de realidades que começaram a beneficiar da taxa reduzida em 2008, muito em particular os ginásios e health clubes, os quais deixaram, mercê do Orçamento do Estado para 2011, de beneficiar daquela mesma taxa reduzida logo naquele ano de 2011.

75. Tudo visto, de novo se reafirma que a interpretação e aplicação da norma vertente da Verba 2.15 da Lista anexa ao Código do IVA, no sentido de excluir do conceito de «manifestações desportivas» e, como tal, do âmbito daquela Verba, os green fees, ao arrepio de uma interpretação constante e seguida durante mais de 20 anos pelo sector do Golfe e pela Administração fiscal, é manifestamente inconstitucional por violação dos princípios da protecção da confiança, da justiça, e da boa fé e da igualdade e proporcionalidade, tal como estes se encontram constitucionalmente consagrados (v. artigos 2.°, 3.° e 266.º daCRP).

76. Devem, pois, ser anulados os actos em crise por violação clara dos princípios da legalidade fiscal e da protecção da confiança, da justiça e da boa fé e a sentença dos Autos que, assim, por violação das disposições acima referidas, não o decidiu.

77. Adicionalmente, e como acima se afirmou e resulta da p.i. dos Autos, a questão da protecção da confiança configura ainda uma questão de constitucionalidade normativa.

78. Sobre esta matéria, de imediato se diga que, no presente caso é inquestionável que (i) o Estado (mormente o legislador) encetou comportamentos capazes de gerar nos privados expectativas de continuidade, quer ao prever nas sucessivas redacções da verba relevante da lista anexa ao Código do IVA, que previa os bens e serviços sujeitos à taxa reduzida do IVA, o conceito de «manifestação desportiva», quer ao interpretar de modo constante, ao longo de mais de 20 anos, designadamente através de ofícios e inspecções, essa mesma verba no sentido de abranger no conceito de «manifestações desportivas» a prática do Golfe, através dos green fees.

79. Para além disso, é também inquestionável que (ii) as expectativas dessa forma geradas pelo Estado são legítimas, pois se fundam nas sucessivas redacções da lei aplicável e na própria interpretação da Administração fiscal.

80. Em terceiro lugar, é também claro que (íii) os privados, em especial a Recorrente, fizeram feitos planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do comportamento estadual.

81. Em quarto e último lugar, é também evidente que (iv) que não ocorrem razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.

82. Em conclusão, resulta inequívoco que a interpretação da Verba 2.15 da Lista I anexo ao Código do IVA, na versão do artigo 103.° da Lei n.° 55-A/2010, de 31 de Dezembro, no sentido de que a mesma não é aplicável aos green fees, viola os princípios da protecção da confiança, da justiça e da boa fé, pelo que cabe anular a sentença que considerando improcedente a impugnação dos Autos nem tão-pouco esta questão.

83. No que tange às liquidações de juros compensatórios — sobre as quais, como vimos o Tribunal a quo não emitiu qualquer pronúncia — e apreciando os motivos que devem conduzir à sua anulação, cumpre esclarecer imediatamente que estas apenas seriam possíveis se se considerasse que no caso sub judice era devido o imposto em apreço, o que já vimos não poder justificar-se ou ter qualquer base legal.

84. De outro passo, caso viesse a tese contrária a obter vencimento — o que apenas se admite por mero dever de patrocínio e sem conceder — ainda assim as liquidações de juros compensatórios no presente caso deviam ser consideradas ilegais por razões substanciais.

85. No que respeita à existência de uma situação de confiança carente de tutela, a Recorrente remete para o que se disse anteriormente, onde já se concluiu que mais de 20 anos de interpretação e aplicação constantes da Verba relevante criaram uma situação geradora de confiança para os contribuintes, e em particular para a Recorrente.

86. O que permite, desde logo, concluir que sob pena de violação dos princípios da confiança e da boa-fé — nos mesmos termos referidos para as liquidações de IVA supra —, não poderão as liquidações de juros compensatórios em crise subsistir.

87. De outro passo, resulta evidente que a não liquidação em tempo, pela Recorrente, do IVA alegadamente em falta se justifica, plenamente, pelo facto de a mesma Recorrente considerar que os green fees se encontravam, em 2011, abrangidos pela Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA.

88. Deste modo, ainda que se considere ser erróneo o entendimento da Recorrente, sempre se diria que esses erros resultam de simples divergência, não culposa e que não permitiam alegar da existência de dolo ou negligência, pelo que as liquidações de juros compensatórios devem ser anuladas por evidente violação da letra e ratio da norma expressa no artigo 35.° da LGT.

89. A Administração fiscal não fundamentou de forma suficiente e nos termos legalmente prescritos as liquidações de juros compensatórios em apreço, designadamente no que tange ao necessário juízo de censurabilidade da actuação da Recorrente, pressuposto essencial da liquidação de juros compensatórios.

90. No caso em apreço não estamos face a uma situação de falta de comunicação da fundamentação, mas sim ante uma situação de falta de fundamentação intrínseca aos próprios actos de liquidações de juros compensatórios, pelo que seria inútil o recurso ao artigo 37.° do CPPT.

91. Finalmente, ao abrigo do n.º 1 do artigo 74.° da LGT, cabe à Administração fiscal provar o nexo de causalidade e do juízo de censura sobre a conduta do contribuinte que permitem a liquidação de juros compensatórios, uma vez que se tratam de factos constitutivos de um direito seu.

92. Face ao exposto, resta-nos concluir que as liquidações a título de juros compensatórios de que a Recorrente foi alvo são absolutamente ilegais, e, assim sendo, semelhantes liquidações enfermam do vício de violação da lei, pelo que devem ser anuladas, sendo revogada a sentença que assim não decidiu.

XI. DO PEDIDO

Termos em que, deve ser:

(i) declarada a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, com os devidos efeitos; e,

(ii) concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando- se a decisão emitida pelo Tribunal a quo, a qual deve ser substituída por outra que (i) anule as liquidações adicionais de IVA e as liquidações de juros compensatórios, por vícios de forma e/ou de violação de lei, também constitucional, com todas as consequências legais, nomeadamente, (ii) indemnizando a Recorrente pelos custos incorridos e em que venha a incorrer para efeitos de suspensão dos relevantes processos de execução fiscal, ao abrigo do artigo 53.º da LGT, nomeadamente, considerando as garantias bancárias já apresentadas, e ainda (iii) determine que a Recorrente seja reembolsada dos montantes de IVA e juros já pagos, condenando-se a Administração fiscal ao pagamento dos respectivos juros indemnizatórios, de acordo com os artigo 43.° da LGT e 61.° do CPPT.”


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O Recorrido devidamente notificado não apresentou contra-alegações.

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Na sequência da arguição das nulidades, foi proferido despacho com o seguinte teor:

“Analisadas as alegações da recorrente, verifica-se que arguiu a nulidade da sentença a que alude a alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

Nos termos do artigo 641.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, deve o juiz pronunciar-se sobre as nulidades arguidas.

Cumpre apreciar.

A recorrente estriba as suas alegações de recurso na não pronúncia, pelo Tribunal a quo, quanto às questões da inconstitucionalidade das liquidações de IVA e falta de fundamentação das liquidações de juros compensatórios.

De acordo com o artigo 125º do CPPT, constitui nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar (cfr. artigos 608.º n.º 2 e 615.º, alínea d), ambos do Código de Processo Civil)

O exacto conteúdo do que sejam as questões a resolver de que falam tais normativos foi objecto de abundante tratamento doutrinal e jurisprudencial, havendo neste momento um consenso no sentido de que não se devem confundir as questões a resolver propriamente ditas com as razões ou argumentos, de facto ou de direito, invocadas pelas partes, para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver e, assim, a nulidade não se verifica quando o juiz deixe de apreciar algum ou todos os argumentos invocados, conhecendo contudo da questão.

Não concordamos com o entendimento que à decisão recorrida possa ser assacado tal vício, conforme decorre do teor da sentença, nem que tenha violado qualquer norma jurídica.

Com efeito, a decisão recorrida tomou posição expressa quanto ao enquadramento jurídico do green fee na taxa normal de IVA, tendo concluindo que não viola qualquer norma ou princípio constitucional.

No que respeita aos juros compensatórios, refere a recorrente na sua p.i. que a liquidação de juros compensatórios não se mostra fundamentada, por caber à Administração Tributária provar o nexo de causalidade e juízo de censura sobre a conduta do contribuinte.

Na verdade, a liquidação de juros compensatórios deve indicar as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos, para que um contribuinte normal poder ajuizar acerca da conformidade legal dos juros exigidos. Ora esse mínimo encontra-se expresso nas liquidações e no relatório da inspecção tributária.

Por outro lado, conforme se lê no relatório de inspecção tributária: VII. INFRACÇÕES VERIFICADAS A falta de entrega do IVA no s termos do artigo 27.º do IVA (CIVA), nos meses de março a dezembro de 2011, configura contraordenação punível pelo artigo 114.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).

O S.P. efectuou no dia 27 de fevereiro de 2012 o pedido de redução de coimas, nos termos do artigo 29.º do RGIT, pelo que será elaborado o relatório sucinto de faltas.

Sendo devido o imposto em crise e configurando a actuação do sujeito passivo a prática de um contraordenação, por si aceite, encontra-se devidamente provado a censurabilidade a título de dolo ou negligencia.

Sempre se dirá que, uma coisa é dar-se nota da interpretação duma norma legal em abstracto e, outra bem diferente, é a subsunção duma determinada situação factual em concreto a essa norma legal, em conformidade com a interpretação efectuada.

Olhando de novo a douta petição inicial, temos que as questões suscitadas pela impugnante ao tribunal constituem argumentos na defesa da tese da impugnante quanto à demonstração das questões suscitadas: ausência de fundamentação e violação dos princípios da legalidade, da confiança, da justiça e da boa-fé.

Nestes termos, é nossa convicção, que a decisão sob recurso não padece dos alegados vícios, por via do que não violou o preceituado nos artigos 125º do CPPT e alínea d) do artigo 615.º do CPC.”


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Assegurado o contraditório do aludido despacho, e atento o teor do mesmo a Recorrente apresentou articulado denominado de “alegações complementares”, tendo concluído, como se descreve:

“a. No seguimento do recurso interposto pela Recorrente em que esta, para além de solicitar a revogação da sentença recorrida por ser incorrecta a decisão na mesma plasmada relativamente às liquidações de IVA impugnadas, arguiu a respectiva nulidade por omissão de pronúncia, o Tribunal a quo emitiu, em 21 de Janeiro de 2016, despacho em que, materialmente, supriu a nulidade alegada no que tange às liquidações de juros compensatórios, ao se ter pronunciado, pela primeira vez, sobre aquelas liquidações, sustentando a sua legalidade.

b. Ademais, o Tribunal basta-se em afastar a relevância da inconstitucionalidade material da Verba 2.15, interpretada e aplicada no sentido de que a mesma não é aplicável aos green fees, por violação dos princípios da protecção da confiança, da justiça e da boa-fé, consagrados nos artigos 2.º, 3.º e 266.º da Constituição, suscitada pela Recorrente e ignorada pelo Tribunal a quo na sentença.

c. Perante esta realidade, tendo em conta que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 617.º do CPC, o recurso já submetido passa a ter como objecto a sentença recorrida complementada pelo despacho do Tribunal a quo no qual se supriu a nulidade anteriormente invocada e considerando a alteração à sentença assim concretizada, o Recorrente alarga o âmbito do dito recurso para poder contestar o sentido e conteúdo do despacho do Tribunal a quo de 21 de Janeiro de 2016.

d. Desde logo, mal andou o Tribunal a quo ao sustentar naquele despacho quanto à alegada falta de fundamentação das liquidações de juros compensatórios que esta não se verificaria na medida em que daquelas liquidações constaria o mínimo de fundamentação exigida pela Lei e por estar demonstrada a censurabilidade do seu comportamento por a Administração fiscal ter propugnado, no relatório de inspecção, no sentido da «prática de contra-ordenação» que teria sido aceite pela Recorrente ao apresentar pedido de redução de coima nos termos do artigo 29.º do RGIT.

e. É que, ao contrário do que afirma o Tribunal a quo pela primeira vez no despacho de 21 de Janeiro de 2016, a Recorrente não aceitou — como não aceita — a prática de qualquer infracção susceptível de ser punida como contra-ordenação no que respeita à liquidação de IVA durante o ano de 2011 à taxa de 6% sobre os gree fees.

f. Efectivamente, no seguimento de notificação para o efeito, realizada pela Administração fiscal depois da emissão do referido relatório de inspecção e no seguimento da instauração de processo de contra-ordenação (que terá sido entretanto suspenso), a Recorrente apresentou defesa no âmbito daquele processo, a qual não se restringe à apreciação da legalidade do comportamento da Recorrente que aí lhe é imputado e, por isso, à verificação ou não de um ilícito típico, versando também sobre outros aspectos fundamentais na efectivação do juízo de responsabilidade sancionatória, maxime a (ausência de) culpa.

g. De outro passo, o entendimento sufragado pelo Tribunal, ao pretender extrair do requerimento apresentado ao abrigo do artigo 29.º do RGIT (que nem sequer produziu quaisquer efeitos, tendo em conta que o processo de contraordenação seguiu os seus termos normais), uma espécie de confissão de culpa — mostra-se tanto mais incorrecto, e infundado, quanto é pacífico que o arguido em processo contra-ordenacional, mesmo que proceda voluntariamente ao pagamento da coima, mantém o pleno direito de contestar em todos os seus aspectos (tipicidade objectiva e subjectiva, ilicitude, culpa, punibilidade, etc.) a infracção que lhe é imputada.

h. Dito isto, diferentemente do que entende o Tribunal a quo, não foi-de todo em todo-demonstrada pela Administração fiscal a censurabilidade do comportamento da Recorrente em termos que a permitissem emitir as liquidações de juros compensatórios em crise.

i. O que não o fez em clara violação do disposto n.º 1 do artigo 74.º da LGT, como foi invocado pela Recorrente neste processo, mas igualmente na medida em que aquela prova não lhe era possível.

j. Com efeito, é desde logo fundamental não olvidar a existência in casu de uma situação de confiança que se mostra carente de tutela e deveria ter impedido a liquidação de juros compensatórios e, neste momento, terá de conduzir à respectiva anulação.

k. Como largamente a Recorrente fez constar nas alegações de recurso inicialmente apresentadas aos Autos, para as quais remete e dá sobre nesta matéria aqui por reproduzidas, mais de 20 anos de interpretação e aplicação constantes da Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA (nas suas várias numerações) criaram uma situação geradora de confiança para os contribuintes, em particular para a Recorrente, no sentido de que sobre os green fees incidiria IVA à taxa reduzida e não à taxa normal.

l. O que permite, desde logo, concluir que sob pena de violação dos princípios da confiança e da boa-fé-nos mesmos termos referidos para as liquidações de IVA supra-, não poderão as liquidações de juros compensatórios em crise subsistir.

m. De outro passo, resulta evidente que a não liquidação em tempo, pela Recorrente, do IVA alegadamente em falta se justifica, plenamente, pelo facto de a mesma Recorrente considerar que os green fees se encontravam, em 2011, abrangidos pela Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA.

n. A esta luz, ainda que se considere ser erróneo o entendimento da Recorrente, sempre se diria que esses erros resultam de simples divergência, não culposa e que não permitiam alegar da existência de dolo ou negligência, pelo que as liquidações de juros compensatórios devem ser anuladas por evidente violação da letra e ratio da norma expressa no artigo 35.º da LGT.

o. A Administração fiscal não fundamentou de forma suficiente e nos termos legalmente prescritos as liquidações de juros compensatórios em apreço, designadamente no que tange ao necessário juízo de censurabilidade da actuação da Recorrente, pressuposto essencial da liquidação de juros compensatórios.

p. No caso em apreço não estamos face a uma situação de falta de comunicação da fundamentação, mas sim ante uma situação de falta de fundamentação intrínseca aos próprios actos de liquidações de juros compensatórios, pelo que seria inútil o recurso ao artigo 37.º do CPPT.

q. Finalmente, ao abrigo do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, cabe à Administração fiscal provar o nexo de causalidade e do juízo de censura sobre a conduta do contribuinte que permitem a liquidação de juros compensatórios, uma vez que se tratam de factos constitutivos de um direito seu.

r. Face ao exposto, resta-nos concluir que as liquidações a título de juros compensatórios de que a Recorrente foi alvo são absolutamente ilegais, e, assim sendo, semelhantes liquidações enfermam do vício de violação da lei, pelo que devem ser anuladas, sendo revogada a sentença, complementada pelo despacho de 21 de Janeiro de 2016, que assim não decidiu

s. Tudo quanto se sustenta sem prescindir da certeza de que, como largamente exposto nas alegações de recurso anteriormente submetidas, as liquidações de IVA impugnadas devem ser impugnadas, caso em que, evidentemente, não poderão subsistir as liquidações de juros compensatórios que foram praticadas com base naquelas.

t. Por fim, no que respeita à inconstitucionalidade material da Verba 2.15, pela violação dos princípios da confiança, da justiça, e da boa-fé, interpretada no sentido propugnado pela Administração fiscal que exclui da mesma os green fees e que foi igualmente invocada pela Recorrente e não foi apreciada pelo Tribunal a quo na sentença dos Autos, importa ter em conta que, ao contrário do que este parece veicular no despacho emitido em 21 de Janeiro de 2016, aquela insconstitucionalidade não se trata de um mero argumento, mas sim de uma verdadeira questão.

u. Questão essa que se relaciona com a interpretação e aplicação da norma da Verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA, na versão do artigo 103.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.

v. Na verdade, como foi desde o início deste processo invocado pela Recorrente, aquela norma interpretada e aplicada no sentido de que a mesma não é aplicável aos green fees, por não estarem aqui em causa as características próprias de uma manifestação desportiva, ou prova, adoptado pela decisão recorrida, e que contraria uma interpretação e aplicação da mesma norma no sentido exactamente contrário, perfilhada pela Administração fiscal durante mais de 20 anos, isto é, desde a entrada em vigor do Código do IVA, viola os princípios constitucionais da protecção da confiança, da justiça e da boa-fé, consagrados nos artigos 2.º, 3.º e 266.º da Constituição.

w. Esta inconstitucionalidade consubstancia uma verdadeira questão, um dissídio concreto, e não simples argumento ou opinião e carece de ser objecto de apreciação e pronúncia por este Tribunal, considerando que o Tribunal a quo não o fez, estando a decisão assim emitida de manifesta nulidade por omissão de pronúncia.”


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Foi assegurado o contraditório relativamente ao requerimento da Recorrente, nada vindo dizer ou requerer o DRFP.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a seguinte factualidade:

“a) A impugnante iniciou a actividade em 28/12/1989, tem como actividade principal a gestão, no Algarve, de vários campos de golfe, que aluga mediante o pagamento de um green fee, e, em sede de IVA, encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal (cfr. fls. 88 do processo administrativo apenso; pontos 1., 2. e 14. da p.i; e fls. 60 e 61 dos presentes autos .);

b) O golfe é um desporto auto regulado, através de regras específicas, em que o acesso ao campo só é permitido a quem demonstre ter um handicap válido, que o habilite a praticar o desporto, e pague um green fee, correspondendo este a um valor em numerário que permite ao jogador jogar uma volta ao campo, de forma individual ou acompanhado de outros jogadores (cfr. fls. 172 a 231 a 232 a 244 dos presentes autos);

c) Sobre o valor dos green fee a Impugnante liquidou no ano de 2011 e anos anteriores, IVA à taxa reduzida (cfr. relatório de inspecção tributária – fls. 88 do processo apenso);

d) Através da informação n.º 2082, de 03/12/2002, a Direcção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado, informou, em resposta a pedido de esclarecimento de uma sociedade que não foi possível identificar, «(…) no que se refere à utilização dos campos de golf (Greens), de harmonia com o entendimento Superiormente sancionado por estes Serviços, beneficiam de tributação à taxa reduzida de 5% por enquadramento na verba 2.13 da Lista I anexa ao CIVA», constando no final do texto, de forma dactilografada, «Concordo. Comunique-se. Em 03.12.2012. Maria Angelina T. Silva (Subdirectora-Geral)» (cfr. print de fls. 158 a 159 dos autos, extraído da base de dados da Inforfisco);

e) Através do Ofício-Circulado n.º 30088/2006, de 19 de Janeiro, a Direcção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado, veiculou o entendimento, que mereceu despacho concordante do Subdirector-Geral, em substituição do Director–Geral dos Impostos, exarado na informação n.º 1.006, de 13/01/2006, no que respeita à verba 2.13 da Lista I, anexa ao CIVA, que na citada verba «(…) não se incluem apenas os respectivos bilhetes de ingresso mas, igualmente, a utilização de instalações destinada à prática desportiva e a espectáculos ou outros divertimentos públicos. Deste modo, devem entender-se como abrangidas pela taxa reduzida de 5%, por enquadramento na verba 2.13 da Lista I anexa ao CIVA, os bilhetes de ingresso, em espectáculos, manifestações desportivas e outros divertimentos públicos, bem como a utilização de instalações destinadas à prática desportiva e a espectáculos ou outros divertimentos públicos, obviamente com as excepções referidas nas alíneas a) e b) da citada verba 2.13.» (cfr. fls. 94 do processo apenso);

f) Após a entrada em vigor da alteração ao artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do CIVA e à verba 2.15 da Lista I anexa ao CIVA, introduzida pelo artigo 103.º, da Lei n.º 55-A/2010, de 21 de Dezembro (OE2011), o Director-Geral dos Impostos, através do ofício n.º 30124, de 14/02/2011 da Direcção do Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado, de fls. 95 a 96 do processo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido, veiculou o entendimento de que «(…) o legislador suprimiu do texto a expressão “prática de actividades físicas e desportivas”, devolvendo à norma, no essencial, a redacção que detinha e que fora a razão das instituições administrativas que a pretendiam clarificar (…) a verba 2.15 da Lista I Anexa ao CIVA contempla, apenas, as entradas ou bilhetes de ingresso em espectáculos, provas e manifestações desportivas e outros divertimentos públicos.», e determinou a produção de efeitos a partir de 1 de Março de 2011, para permitir os sujeitos passivos procederem aos ajustamentos necessários, sanando as operações efectuadas em Janeiro e Fevereiro que tenham beneficiado da verba 2.15 com base nos entendimentos revogados;

g) O Ofício identificado na alínea anterior revogou o Ofício-Circulado n.º 30088, de 19/01/2006 e quaisquer outros entendimentos contrários à doutrina por ele divulgada (cfr. fls. 96 do processo apenso);

h) Na sequência da ordem de serviço n.º O1201101886 da Direcção de Finanças de Faro, a impugnante foi alvo de uma acção parcial de inspecção externa realizada no âmbito de IVA, meses de Março a Dezembro de 21011, que teve início em 26/10/2011 e foi concluída em 23/02/2012 (cfr. do relatório de inspecção, fls. 88 do processo apenso);

i) Através do ofício nº 5069, datado de 23/12/2012 foi a impugnante notificada para exercício do direito de audição (cfr. fls. 246 a 253);

j) Na sequência da notificação para exercício do direito de audição o impugnante apresentou em 07/02/2012 o requerimento de fls. 254 a 263, que aqui se dá por integralmente reproduzido, onde defende que a taxa de IVA a aplicar no ano de 2011 ao green fee continua a ser a taxa reduzida e contesta diversos valores que discriminou, por no seu entendimento, terem sido indevidamente incluídos nos cálculos efectuados pelos serviços de inspecção (cfr. fls. 254 a 263);

k) Em resultado da acção de inspecção ao exercício de 2011 foram propostas correcções meramente aritméticas, no período compreendido entre Março e Dezembro de 2011, às declarações apresentadas pela impugnante relativamente a IVA, no valor total de € 1.690.645,21, com a fundamentação constante do Relatório da Inspecção Tributária de fls. 84 a 93, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, resultantes da impugnante ter aplicada a taxa reduzida de IVA aos green fees e não a de 23%, a que no entender da administração tributária estaria obrigada (cfr. fls. 370 a 462);

l) As correcções propostas no relatório de inspecção, referidas na alínea anterior, têm por base a aplicação das orientações definidas no Ofício a que alude a alínea f) supra;

m) No relatório de Inspecção Tributária, o Chefe de Equipa, exarou o seguinte parecer «Confirmo as correcções de natureza meramente aritméticas que resultam em sede de IVA na liquidação adicional do montante de € 1.690.645,21 no período compreendido entre o mês de março e o mês de dezembro de2011, distribuídos pelos respectivos períodos de imposto conforme resulta do quadro no capítulo III, de harmonia com o disposto no alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, conjugado com a alteração operada na verba 2.15 da Lista I anexa ao CIVA pelo artigo 103.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 dezembro (OE2011) e em obediência à doutrina administrativa emanada pela respectiva Direcção de Serviços através do Ofício-Circulado n.º 30.124, de 2011-02-14.

Após notificação para o exercício do direito de audição, o sujeito passivo vem contestar os valores de correcção propostos baseando a sua argumentação, por um lado, no enquadramento legal da tributação da prática do golfe (green fee), à qual se deve aplicar a taxa reduzida de IVA, e por outro lado, no incorrecto apuramento efectuado, em sede de Projecto de Relatório do IVA a liquidar adicionalmente. Na apreciação efectuada no capítulo IX explanam-se os motivos da alteração da taxa a aplicar a partir do mês de março de 2011, mantendo-se por isso a aplicação da taxa normal de IVA às operações em causa.

Relativamente ao apuramento do IVA em falta anteriormente efectuado, e por assistir razão ao sujeito passivo, foi deduzido o montante de € 2.970,29 respeitante à venda de bilhetes para acesso à prova desportiva “Portugal Masters”, bem como o montante de € 29,43 referente a alojamentos, mantendo-se as restantes correcções pelos motivos devidamente fundamentados no Capítulo IX do Relatório. (…)» (cfr. fls. 84 a 93 do processo apenso);

n) Através do ofício n.º 6614, de 14/03/2012 a impugnante foi notificada do relatório de inspecção tributária (cfr. fls. 264 dos presentes autos);

o) Com base nas correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios nºs 12103507, 12103509, 12103511, 12103513, 12103515, 12103517, 12103519, 12103521, 12103508, 12103510, 12103512, 12103514, 12103516, 12103518, 12103520 e 12103522 , no montante total de € 1.534.951,49 (cfr. fls. 44 a 59);

p) A impugnante notificada das liquidações oficiosas de IVA referidas na alínea anterior, com prazo voluntário de pagamento até 31/08/2012, apresentou em 07/11/2012 a presente impugnação (cfr. carimbo fls. 2);

q) Em 25/09/2012, o Serviço de Finanças de Loule-2 instaurou contra a aqui impugnação execução fiscal para cobrança coerciva das liquidações a que se refere a alínea o) supra (cfr. fls. 41 a 73 do processo apenso);

r) O processo de execução fiscal encontra-se suspenso por a impugnante ter apresentado a garantia bancária n.º 00….-02-185…. prestada pelo B. C. P., S.A. (cfr. fls. 400 a 404 dos presentes autos).


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa. As demais asserções da douta petição constituem conclusões de facto e/ou direito ou considerações pessoais da impugnante ou são inócuas à decisão da causa.


***

A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos constantes dos autos e do processo apenso, que não foram impugnados.”


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Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.(1)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação do facto que infra se identifica, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:

l) O Relatório de Inspeção Tributária referido na alínea h), procedeu à realização de correções meramente aritméticas, relativamente aos períodos de março a dezembro de 2011, que originou apuramento de imposto em falta no valor total de €1.690.645,22, do qual se extrai a seguinte fundamentação, na parte que para os autos releva, e que infra se transcreve:

Imagens: Originais nos autos

(…)

Imagem: Original nos autos

(cfr. RIT junto aos autos a fls.264 a 274 dos autos cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

s) Na sequência da ação inspetiva descrita em h), foram emitidas as liquidações de juros compensatórios elencadas na alínea o), com o mesmo teor, apenas divergindo no montante da dívida, período, e respetivos elementos identificativos, sendo delas exemplo a liquidação nº 12103508, referente ao período 201103, que ora se transcreve:



Imagens: Originais nos autos

(Cfr. liquidações a fls. 52 a 59 dos autos cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA respeitantes ao ano de 2011 (períodos de março a outubro) e respetivos juros compensatórios, no montante total de €1.534.951,49.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre apreciar:

ü Se o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, visto que:

o A Recorrente invocou como causa para a anulação das liquidações contestadas, a inconstitucionalidade material da Verba 2.15, tal como interpretada e aplicada pela AT, excluindo da mesma os greens fees, resultando tal inconstitucionalidade de violação dos princípios da confiança, da justiça, e da boa-fé, a qual nunca foi abordada.

o No que respeita às liquidações de juros compensatórios, o Tribunal a quo não aprecia quaisquer dos fundamentos expressos na p.i., e que deveriam conduzir à respetiva anulação.

ü Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto, porquanto, por um lado, não valorou factualidade reputada relevante para a lide, e, por outro lado, valorou incorretamente a factualidade constante no probatório, importando, nessa medida, aquilatar do preenchimento dos requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

ü Se existiu erro de julgamento quanto aos vícios de forma e de procedimento;

ü O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao ter decidido que os green fees do Golfe estavam sujeitos de março a outubro de 2011 à taxa normal deste imposto, liquidando, errada e ilegalmente, a diferença de 6% para 23%.

ü Julgando-se verificadas as aludidas nulidades por omissão de pronúncia, julgar em substituição relativamente às questões omitidas.

Vejamos, então.

Comecemos pelas nulidades por omissão de pronúncia.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º do CPPT, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS(2) “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” .

Apreciando.

A Recorrente começa por sustentar que a decisão recorrida padece da aludida nulidade, porquanto não apreciou a questão da inconstitucionalidade material da verba 2.15, por arguida violação dos princípios da confiança, da justiça, e da boa-fé.

Atentando na petição inicial constata-se, inequivocamente, que a Recorrente arguiu, expressamente, no seu articulado inicial, concretamente, no item epigrafado “da violação dos princípios da legalidade, da confiança, da justiça e da boa fé”, particularmente, nos artigos 154.º a 175.º a inconstitucionalidade da verba 2.15 interpretada de acordo com o Ofício nº 30124, datado de 14 de fevereiro de 2011, “no sentido de que apenas às «entradas ou bilhetes de ingresso em espectáculos, provas e manifestações desportivas e outros divertimentos públicos» excluindo-se os green fees, se aplicaria a taxa reduzida do IVA é manifestamente inconstitucional, violando os princípios da confiança, da justiça e da boa fé, tal como se encontram constitucionalmente consagrados (v. artigos 2.º e 266.º da CRP).”, peticionando, nessa medida, a anulabilidade dos atos de liquidação.

Resulta, portanto, perentório que a Recorrente arguiu a inconstitucionalidade da verba 2.15 atenta a violação dos aludidos princípios constitucionais, sendo que analisando a decisão recorrida verifica-se, efetivamente, que inexiste pronúncia sobre o alegado, a qual representa uma questão autónoma e não se encontrava prejudicada pela solução dada a outras.

É certo que, a Mmª Juiz do Tribunal a quo alega no seu despacho de sustentação de nulidade que a mesma não se verifica visto que a decisão recorrida tomou posição expressa quanto ao enquadramento jurídico do green fee na taxa normal de IVA, tendo concluindo que não viola qualquer norma ou princípio constitucional.

Contudo, assim o não entendemos, e isto porque ainda que tenha existido uma análise do enquadramento jurídico do green fee, e inerente apreciação dos pressupostos de facto e de direito atinentes ao efeito, a verdade é que não foi apreciada, em concreto, a arguida inconstitucionalidade por violação dos visados princípios constitucionais.

Por outro lado, aduz ainda a Recorrente que a decisão recorrida padece, outrossim, da arguida nulidade no âmbito das liquidações de juros compensatórios, visto que o Tribunal a quo não apreciou quaisquer dos fundamentos convocados na p.i. e que cominam de anulabilidade os aludidos atos de liquidação.

Vejamos, então.

De regresso ao articulado inicial, verifica-se que a Impugnante, ora, Recorrente no título V. epigrafado “dos juros compensatórios”, especificamente, nos artigos 176.º a 190.º defende a ilegalidade das aludidas liquidações por razões substanciais, concatenadas com a inexistência de juízo de censurabilidade para fundamentar os atos de liquidação, porquanto ainda que se considere erróneo o entendimento da Impugnante o mesmo advém de simples divergência, não culposa, existindo uma conduta pautada pela boa fé, sendo certo que é a AT que compete provar o aludido nexo de causalidade e juízo de censura.

Concluindo, assim, que “[a]s liquidações a título de juros compensatórios de que a Impugnante foi alvo são absolutamente ilegais, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito da imputação da responsabilidade por juros compensatórios e, assim sendo, semelhantes liquidações enfermam do vício de violação da lei, pelo que devem ser anuladas”.

Pelo que, existe, efetivamente, uma arguição de vícios próprios aos atos de liquidação de juros compensatórios, os quais atentando na fundamentação da decisão recorrida não foram, especifica e individualmente, analisados.

No entanto, a arguida nulidade tem de ser analisada à luz do despacho de sustentação, importando, nessa medida, aferir se, como propugna a Recorrente, o mesmo, materialmente, representa um reconhecimento da nulidade com a respetiva sanação.

Com efeito, no aludido despacho é abordada a questão dos juros compensatórios, na qual se evidencia, expressamente, que “[a] liquidação de juros compensatórios deve indicar as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos, para que um contribuinte normal poder ajuizar acerca da conformidade legal dos juros exigidos. Ora esse mínimo encontra-se expresso nas liquidações e no relatório da inspecção tributária.”

Substanciando, depois, que, “[p]or outro lado, conforme se lê no relatório de inspecção tributária: VII. INFRACÇÕES VERIFICADASA falta de entrega do IVA nos termos do artigo 27.º do IVA (CIVA), nos meses de março a dezembro de 2011, configura contraordenação punível pelo artigo 114.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).”

Materializando, mediante reporte fático que, “O S.P. efectuou no dia 27 de fevereiro de 2012 o pedido de redução de coimas, nos termos do artigo 29.º do RGIT, pelo que será elaborado o relatório sucinto de faltas.”

Concluindo, in fine, que não se verifica o arguido pela Recorrente, porquanto “[s]endo devido o imposto em crise e configurando a actuação do sujeito passivo a prática de um contraordenação, por si aceite, encontra-se devidamente provado a censurabilidade a título de dolo ou negligencia. Sempre se dirá que, uma coisa é dar-se nota da interpretação duma norma legal em abstracto e, outra bem diferente, é a subsunção duma determinada situação factual em concreto a essa norma legal, em conformidade com a interpretação efectuada.”

Ora, atento o supra exposto procedendo-se a uma interpretação articulada do teor do aludido despacho com a decisão recorrida, temos de anuir com a interpretação propugnada pela Recorrente, na medida em que cotejando a decisão recorrida inexiste, efetivamente, qualquer alusão e apreciação das ilegalidades atinentes aos juros compensatórios, donde ter-se-á de inferir que não obstante não exista um reconhecimento expresso e explícito da aludida nulidade, materialmente a abordagem nela contemplada traduz a sanação da arguida nulidade.

E por assim ser, em ordem ao consignado no artigo 617.º, nº2 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, “considera-se o despacho proferido como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão”, pelo que tendo a Recorrente alargado o respetivo âmbito na sequência da pronúncia, a análise da aludida questão será abordada enquanto erro de julgamento e terá, outrossim e sendo caso disso, em consideração as alegações complementares apresentadas para o efeito.

Assim, face a todo o exposto, não tendo, como visto, a sentença tomado conhecimento da questão da inconstitucionalidade por violação dos convocados princípios constitucionais basilares –apenas, como visto, sanado, materialmente, a nulidade inerente aos vícios próprios das liquidações de juros compensatórios,- e não resultando o conhecimento de tal questão prejudicada pelo conhecimento de outras, procede a arguida nulidade por omissão de pronúncia, impondo-se, por isso, dela conhecer, em substituição, ao abrigo do disposto no artigo 665.º, nº1 do CPC, uma vez que os autos reúnem todos os elementos para o efeito, relegando-se o seu conhecimento para fase ulterior.


***


Prosseguindo, ora, com o erro de julgamento de facto.

A Recorrente começa por sustentar que o Tribunal a quo decidiu erroneamente quando considerou que “As demais asserções da douta petição constituem conclusões de facto e/ou direito ou considerações pessoais da impugnante ou são inócuas à decisão da causa”, porquanto existem realidades fáticas que não foram, errada e devidamente, ponderadas e existe factualidade que requer, outrossim, a devida complementação.

Ab initio, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Para o efeito, importa convocar o artigo 640.º do CPC, o qual preceitua o seguinte:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida.(3)

No concernente à observância dos requisitos constantes do citado normativo relativamente à prova testemunhal , após posições divergentes na Jurisprudência, mormente, na Jurisdição Comum o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que “[e]nquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.” (4)

Dir-se-á, portanto, que o que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do artigo 640.º do CPC.(5)

Feitos estes considerandos iniciais, verifica-se que, in casu, a Recorrente requer alterações ao probatório, as quais se consubstanciam em aditamentos por substituição e por complementação, por reporte ao meio probatório que descreve, logo procede à impugnação da matéria de facto decorrente da prova documental, cumprindo os aludidos requisitos legais.

Atentemos, então e per se, nas visadas alterações ao probatório.

A Recorrente requer o aditamento da seguinte factualidade:

“a. A esmagadora maioria dos jogadores de Golfe que participaram e participam em jogos de Golfe nos campos geridos pela Recorrente são estrangeiros não residentes — facto que resulta provado dos documentos constantes em anexo à p.i. como doc. n.º 4, em concreto, documento excel que demonstra o número de voltas vendidas pela Recorrente por campo de Golfe e por nacionalidade, atinentes aos anos de 2010 e 2011.

b. Esta é uma tendência que se verifica nos restantes campos de Golfe, em particular naqueles situados no Algarve —facto que resulta provado pelo doc. n.° 4 em anexo à p.i., especialmente pelo que é dito no boletim informativo do Conselho Nacional da Indústria do Golfe («CNIG») e da consultora D. no sentido de que a indústria do Golfe é altamente exportadora e no Relatório Anual do Golte, que demonstra que os clientes do Golfe são, fundamentalmente, estrangeiros.

c. Fora da época de Verão, o Golfe é a principal fonte de atracção turística do Algarve — Facto que resulta provado pelo estudo sobre o Golfe realizado para o Turismo de Portugal IP, que salienta a relevância e impacto da indústria do Golfe para o turismo nacional, nomeadamente em época baixa, o qual foi junto aos Autos como doc. n.° 5 em anexo à p.i.

d. A Recorrente presta, para além dos serviços que dão lugar ao pagamento dos fees, serviços acessórios e/ou conexos com o jogo de Golfe como o aluguer de trolleys e buggies, guarda-tacos, aulas de Golfe, ou ainda o treino de Golfe em local distinto dos greens e, como tal, fora de provas desportivas, como seja a prática de Golfe num drive range — Facto assente por acordo, que consta expressamente do artigo 9.º da Contestação da Administração fiscal, p. 3.

e. Os operadores da indústria do Golfe sempre entenderam que os greens fees estavam sujeitos à taxa reduzida, estando os demais serviços de Golfe (driving range, lições, alugueres, etc.) sujeitos à taxa normal — Facto que ficou demonstrado pela declaração emitida pelo CNIG e junta como doc. n.° 12 em anexo à p.i.”

Apreciando.

Ab initio, importa, desde logo, relevar que a maioria das asserções supra evidenciadas não tem a roupagem de um facto, consubstanciando-se em meras conclusões, juízos opinativos e coadunados com o próprio thema decidendum.

Com efeito, a seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, sendo que as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante ou indeferido o seu aditamento.
“[q]uestão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais." (6)

“As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado." (7)

Ora, tendo presente os considerandos supra expendidos e aplicando-os aos aditamentos requeridos pela Recorrente, verifica-se que, a sua grande maioria, é insuscetível de integrar o probatório.

Expliquemos, então, porque, assim, o entendemos.

Atentando na alínea a) supra evidenciada, e tendo presente o thema decidendum a mesma não reveste relevo para a decisão da causa, na medida em que para aquilatar do erro sobre os pressupostos de facto e de direito atinentes à aplicação da taxa de IVA na situação sub judice, não se afigura pertinente a delimitação e aferição da nacionalidade dos participantes, sendo, perfeitamente, irrelevante se “a maioria dos jogadores de Golfe que participaram ou participam nos campos de Golfe da Recorrida são estrangeiros não residentes.”

Note-se, neste concreto particular, que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Acresce, outrossim, relevar que a aludida alínea para além de ter uma redação genérica, faltando, desde logo, a devida circunscrição temporal, contempla um juízo conclusivo, donde insuscetível de integrar o probatório.

O mesmo se diga quanto à alínea b) supra evidenciada, sendo irrelevante a existência ou não de uma tendência nos “restantes campos de Golfe”, sendo ademais, tal asserção absolutamente genérica e carecendo de igual substanciação em termos temporais.

Prosseguindo relativamente à alínea c).

Salientando, desde logo, que são transponíveis os considerandos supra expendidos para a redação da aludida alínea, porquanto eminentemente conclusiva, carecendo de relevo para a descoberta da verdade material o impacto da indústria do Golfe para o turismo nacional na medida em que, para a subsunção na verba em apreço e inerente erro de julgamento não poderá, conforme se aferirá em sede própria e sendo caso disso, ser valorado o impacto, em concreto, que uma atividade desportiva tem numa “época baixa”.

Atentemos, ora, na alínea d).

Consubstanciando-se a mesma com os serviços praticados pela Recorrente, e ainda que tal questão seja não controvertida, admite-se o seu aditamento expurgando-se, no entanto, a sua parte final, concretamente, a expressão “[e], como tal, fora de provas desportivas, como seja a prática de Golfe num drive range”, na medida em que nos encontramos perante um juízo conclusivo e concatenado com o thema decidendum, existindo uma assunção valorativa sobre o âmbito e alcance de “provas desportivas”.

Assim, admite-se o aditamento do facto que infra se descreve e com a seguinte redação:

d. A Recorrente presta, para além dos serviços que dão lugar ao pagamento dos fees, serviços acessórios e/ou conexos com o jogo de Golfe como o aluguer de trolleys e buggies, guarda-tacos, aulas de Golfe, ou ainda o treino de Golfe em local distinto dos greens (facto não controvertido, resulta da alegação constante na p.i. e admitido por acordo, conforme resulta expressamente do artigo 9.º da Contestação);

Subsiste, ainda, por analisar o aditamento requerido em e) supra.

Ora, face a todos os considerandos já expendidos e à redação sugerida pela Recorrente, é por demais evidente, que a mesma não tem a roupagem de um facto, porquanto genérica, sem a devida substanciação espácio-temporal, e com caráter valorativo e opinativo, logo insuscetível de integrar o probatório.

Vejamos, ora, os aditamentos por complementação.

A Recorrente, neste âmbito, defende que os factos provados descritos em c) e d) mostram-se incompletos, razão pela qual requer a sua alteração conforme se descreve:

Onde o Tribunal a quo julgou provado que:

“c) Sobre o valor dos green fee a Impugnante liquidou no ano de 2011 e nos anos anteriores, IVA à taxa reduzida (cfr. relatório de inspecção tributária - fls. 88 do processo apenso)” deveria ter considerado provado que:

“f. Desde a entrada em vigor do Código do IVA, i.e., desde 1 de janeiro de 1986 até ao termo de 2011, que a Recorrente procedeu da forma seguinte:

a) os serviços acessórios e/ou conexos acima referidos foram sujeitos à taxa normal de IVA que, ao longo do tempo, foi variando — Facto que resulta provado pelas facturas juntas como doc. n.° 6 em anexo à p.i. que contêm este tipo de serviços e onde se demonstra a sua sujeição à taxa normal;

b) os green fees foram sujeitos à taxa reduzida do IVA, mediante a previsão e aplicação da Verba relevante da Lista Anexa ao Código do IVA — Facto que ficou provado pelas várias facturas juntas como doc. n.° 7 em anexo à p.i., sendo a mais antiga datada de 1986, ano da entrada em vigor do Código do IVA, em que os green fees são sempre sujeitos á taxa reduzida.”

Por outro lado, onde o Tribunal a quo julgou provado que:

“d) Através da informação n.° 2082, de 03/12/2002, a Direcção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado, informou, em resposta a pedido de esclarecimento de uma sociedade que não foi possível identificar, «(...) no que se refere à utilização dos campos de golf (Greens), de harmonia com o entendimento Superiormente sancionado por estes Serviços, beneficiam de tributação à taxa reduzida de 50/o por enquadramento na verba 2.13 da lista I anexa ao CIVA», constando no final do texto, de forma dactilografada, «Concordo. Comunique-se.

Em 03.12.2012. Maria Angelina T. Silva (Subdirectora-Geral)» (cfr. print de fls. 158 a 159 dos autos, extraído da base de dados da Inforfisco)”

Deveria ter considerado provado que:

“g. A sujeição dos green fees à taxa reduzida do IVA e dos restantes serviços à taxa normal do IVA foi confirmada pela Administração fiscal ao longo dos anos,

ii) quer mediante a emissão de orientações — Facto que se demonstra pela Informação n.° 2082, com despacho concordante da Subdirectora-Geral de 03 de Dezembro de 2002, junta como doc. n.° 8 em anexo à p.i.;

b) quer em sede de acções de inspeção tributária levadas a cabo pela Administração Fiscal, ao longo de mais de 20 anos, às sociedades que exploram campos de Golfe e que sempre cobraram IVA sobre os green fees à taxa reduzida, assim como pela aceitação e não correcção neste ponto das declarações periódicas de IVA apresentadas por aquelas sociedades, em que se constata ter sido a respectiva actividade sempre essencialmente sujeira à taxa reduzida do IVA — Facto que resulta provado pelo relatório de inspecção relativo aos exercícios de 2000 e 2001 em que a Administração fiscal reconhece que a actividade da Recorrente se sujeita fundamentalmente à taxa reduzida de IVA e declarações periódicas de IVA, os quais estão juntos aos Autos como doc. n.° 9 em anexo à p.i.”

Vejamos, então.

Quanto à requerida alteração à alínea c) da factualidade assente entende-se que a mesma não é de reformular nos, exatos moldes, peticionados pela Recorrente, visto que a factualidade contemplada na aludida alínea é a única que releva para o dissídio em questão, não carecendo, de todo, de indagar qual a taxa de IVA que foi aplicada a outros serviços que não os green fee.

De todo o modo, e uma vez que a expressão “nos anos anteriores” é demasiado vaga, e tendo em conta as alegações constantes na p.i., admite-se a sua alteração por forma a melhor densificar a questão temporal, passando, assim, a assumir a seguinte redação:

“A Recorrente, desde 1 de janeiro de 1986 até ao termo de 2011, procedeu à liquidação de IVA à taxa reduzida, sobre o valor dos green fee” (facto não controvertido e que extrai do teor doc. n.° 7 anexo à p.i);

Remanesce por analisar a visada alteração à alínea d) da factualidade assente, evidenciando-se, desde já, que não se procede à modificação nos moldes peticionados pela Recorrente, e isto porque a mesma, por um lado, é sobremaneira conclusiva, e por outro lado, irrelevante, particularmente, no atinente às ações inspetivas realizadas a outros sujeitos passivos que, em nada podem abonar, para efeitos da apreciação das causas de pedir visadas nos autos.

Note-se que o que importa registar enquanto asserção fática é o teor da visada informação para depois, sendo caso disso, se extraírem as devidas considerações, ilações e conclusões, razão pela qual se entende alterar o teor da aludida alínea em conformidade com o supra exposto e a adequada técnica jurídica, passando, assim, a consignar-se na alínea d) da factualidade assente, o seguinte:

“A 3 de janeiro de 2012, foi prolatada informação n.° 2082, pela Direção de Serviços do Imposto sobre o Valor Acrescentado, com o seguinte teor:




(cfr. fls. 158 e 159 dos autos);


***


Assim, aqui chegados, estabilizada a matéria de facto, atentemos, ora, no erro de julgamento de direito.

A Recorrente começa por defender que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento quanto aos vícios de forma e de procedimento, uma vez que as liquidações padecem, efetivamente, de falta/insuficiência de fundamentação, sendo certo que foi, igual e erradamente, ponderada a arguição atinente à preterição do artigo 60.º, nº7 da LGT.

Com efeito, aduz, neste particular, que a AT não deixou esclarecido, de modo claro e minimamente congruente, qual o “motivo” da correção que efetuou e que conduziu às liquidações impugnadas, não identificando o Relatório Inspetivo o iter cognoscivo que legitimou a emissão das mesmas, porquanto limita-se a invocar a alteração da Verba 2.15 da Tabela Anexa ao Código do IVA, e o entendimento interno propugnado pela AT.

Mais sustenta que, na sequência da notificação do projeto de relatório, exerceu o competente direito de audição, invocando novos factos e argumentos os quais não foram, devidamente, ponderados pela AT, o que traduz uma clara violação do consignado no artigo 60.º, nº 7 da LGT.

Densificando, ainda, neste conspecto, que não é possível, por um lado, à Recorrente compreender o motivo pelo qual a AT decidiu, com base em orientação administrativa que em nenhum momento faz menção aos green fees, que àqueles deve ser aplicada a taxa reduzida do IVA, e por outro lado, não entende por que razão de 1986 a 2007, sempre os green fees foram sujeitos à taxa reduzida do IVA e em 2011, em que a Verba 2.15 passou a determinar a aplicação da taxa reduzida do IVA aos “Espectáculos, provas e manifestações desportivas” se envereda pelo entendimento de que os green fees estão sujeitos à taxa normal de IVA.

O Tribunal a quo, esteou a improcedência relevando, expressamente, que tendo as liquidações adicionais resultado de ação inspetiva, e que do Relatório de Inspeção Tributária resulta, claramente, “[a] indicação dos factos concretos em que a Administração Fiscal se fundou para proceder às liquidações adicionais pois aí se refere expressamente: - que a impugnante na pratica de golfe liquidou IVA à taxa reduzida de 6% no lugar da taxa de 23%; quais as contas de IVA em causa, discriminando-as, e os cálculos efectuados do IVA em falta;- e o motivo por que se considera que a prestação de serviço respeitante à pratica de golfe é tributada à taxa normal;- indicam-se ainda as normas legais que se consideram violadas.” ter-se-á de concluir pela improcedência do vício formal da fundamentação.

Sublinhando, igualmente, que a argumentação atinente à violação do artigo 60.º, nº7 da LGT não procede, visto que, contrariamente ao evidenciado pela Recorrente, a AT analisou e valorou o articulado de audição prévia, enfatizando, ainda, que é a própria que “[n]o ponto 52 da p.i., na sequência do exercício do direito de audição prévia, a Administração Tributária reviu alguns cálculos atinentes aos montantes da venda de bilhetes e de prestação de serviços de alojamento.”

Adensando, ainda, que “[q]uanto ao mais trata-se de alteração legislativa que importou novo enquadramento jurídico dos green fees devidamente veiculado em oficio-circulado pela Administração Tributária.”, para o qual remete, concluindo, assim, que a AT se pronunciou “[s]obre os elementos trazidos pela impugnante em sede de audição prévia, pelo que não padece o procedimento do vício que lhe é assacado.”

Vejamos, então, se procede o arguido erro de julgamento.

Comecemos pela falta de fundamentação das liquidações.

Ab initio, importa ter presente que a fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.

Ao nível dos atos tributários, encontra-se, especificamente, previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente." (8)

Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente. (9)

“[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto." (10)

É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação.

Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.

Logo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o ato, implicando, por isso, uma análise casuística.
Com efeito, se “[a] fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09)"(11) (destaques nossos).

Feitos estes considerandos apliquemos ao caso vertente.

In casu, não é controvertido que dimanando os atos de liquidação de ação inspetiva os fundamentos que legitimaram as correções meramente aritméticas se tenham de aquilatar por reporte e referência ao respetivo Relatório Inspetivo, com o efeito o que é propugnado, como visto, pela Recorrente, é que atentando no seu teor não se discernem os fundamentos de facto e de direito que estão na génese das correções e que legitimam os atos impugnados.

Porém, assim o não entendemos, tendo o Tribunal a quo interpretado adequada e acertadamente o respetivo regime jurídico à realidade fática em apreço.

Senão vejamos.

Atentando no respetivo Relatório Inspetivo, afere-se, contrariamente ao expendido pela Recorrente, que o mesmo se encontra fundamentado, de facto e de direito.

E isto porque, no item epigrafado de “Descrição dos factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável”, a AT começa por identificar o âmbito da atividade da Recorrente e o seu respetivo enquadramento em sede de IVA, concretizando, neste âmbito, que a atividade principal consiste nos apelidados green fees, os quais define, tendo, ulteriormente, concretizado qual a taxa de IVA que foi aplicada pela Recorrente, no período do facto tributário visado.

Esclarecendo, depois, que face à nova redação da verba 2.15 da Lista I anexa ao CIVA, dada pelo artigo 103.º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de dezembro (Orçamento de Estado para 2011), ter-se-ia de proceder a uma liquidação adicional correspondente ao diferencial entre a taxa normal de IVA e a taxa reduzida.

Remetendo, para o efeito, para o teor do Ofício Circulado nº 30124, de 14 de fevereiro de 2011, no qual aduz se “[c]larificou sem margem para qualquer dúvida que a prestação de serviço respeitante à prática de golfe é tributada em IVA à taxa normal”.

Explicitando, depois, o modus faciendi adotado para efeitos de apuramento do imposto em falta, com a devida densificação do registo contabilístico e enunciação da base legal que fundamentou e legitimou as correções visadas.

Ora, face ao supra expendido dimana inequívoco que o Relatório Inspetivo contempla as razões de facto e de direito que permitem percecionar o iter volitivo e cognoscitivo em que se fundaram os atos de liquidação impugnados.

É certo que a Recorrente entende que o aludido ofício não dará resposta à tributação à taxa normal de IVA, porquanto o seu âmbito objetivo não se circunscreve aos green fees, mas a verdade é que, independentemente da bondade das razões que lhe subjazem, tal argumentação, a proceder, coaduna-se com falta de fundamentação substancial radicada em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, e não na arguida falta de fundamentação formal.

No fundo, aferir se as razões convocadas pela AT são corretas e adequadas para legitimar a emissão do ato tributário já contende com o vício de violação de lei e não com o vício formal de falta de fundamentação.

Assim, estando o ato de liquidação suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae (artigo 487.º nº 2 do Código Civil) possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação-e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efetivo controle da legalidade do ato- aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual, ter-se-á de concluir, face a todo o exposto que, in casu, inexiste a arguida falta de fundamentação.

Neste âmbito, importa chamar à colação o doutrinado no Aresto do Plenário do STA, prolatado no processo nº 0723/15, datado de 07 de junho de 2017, do qual se extrata o seu sumário, com o seguinte teor:

“I - A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

II - No que concerne aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

III - A Administração Tributária cumpre este dever de fundamentação quando, estando em causa um acto de liquidação oficiosa de IVA, dá a conhecer ao sujeito passivo as operações aritméticas a que procedeu para determinar o quantum de imposto em dívida, depois de identificar, individualizar e quantificar os factores que utilizou nessas operações: ratio do sector da actividade exercida, volume de negócios, tributação mínima e declarações periódicas em falta.”

Face ao exposto, nenhuma censura merece o ajuizado pelo Tribunal a quo, neste concreto particular.

Atentemos, ora, na alegada violação do disposto no artigo 60.º, nº7 da LGT.

O princípio da audiência prescrito nos artigos 100.º e seguintes do CPA assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no artigo 8.º do mesmo Código, surgindo na sequência e em cumprimento do comando constitucional contemplado no artigo 267.º da CRP, obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrador à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado.

Tal princípio veio, igualmente, a ser acolhido no âmbito do procedimento tributário no artigo 60.º da LGT, sob a forma de “direito de audição do contribuinte”, e no artigo 45.º do CPPT.

De harmonia com o disposto no artigo 60.º da LGT, sob a epígrafe de direito de participação, com a redação, à data, aplicável dispunha-se que:

“1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou ato administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indiretos, quando não haja lugar a relatório de inspeção;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspeção tributária.
2 - É dispensada a audição:
a) No caso de a liquidação se efetuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;
b) No caso de a liquidação se efetuar oficiosamente, com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.
3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no nº 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projeto da decisão e sua fundamentação.
6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.”
7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.”

Importa, outrossim, ter presente o consignado no artigo 60.º do RCPIT, que sob a epígrafe de “conclusão do procedimento de inspeção tributária” dispõe que:

“1 - Concluída a prática de atos de inspeção e caso os mesmos possam originar atos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspecionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projeto de conclusões do relatório, com a identificação desses atos e a sua fundamentação.
2 - A notificação deve fixar um prazo entre 10 e 15 dias para a entidade inspecionada se pronunciar sobre o referido projeto de conclusões.
3 - A entidade inspecionada pode pronunciar-se por escrito ou oralmente, sendo neste caso as suas declarações reduzidas a termo.
4 - No prazo de 10 dias após a prestação das declarações referidas no número anterior será elaborado o relatório definitivo.”

Resulta, assim, do regime jurídico traçado anteriormente e na parte que para os autos releva que é imposto o direito de audição antes da liquidação, antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições, antes da decisão de aplicação de métodos indiretos, e antes da conclusão do relatório da inspeção tributária, só sendo dispensada tal formalidade quando o sujeito passivo já teve oportunidade de o fazer na fase do procedimento de inspeção, que culminou nos atos de liquidação, quando a liquidação se efetue com base na declaração do contribuinte ou quando a decisão lhe seja favorável.

Dimanando, outrossim, que os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes têm de ser, obrigatoriamente, ponderados na fundamentação da decisão.

Razão pela qual, a falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário suscetível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada podendo, todavia, degradar-se em formalidade não essencial ou em mera irregularidade, se independentemente do exercício de tal direito, aquele ato sempre tivesse de ser da mesma natureza e medida.

Feitos estes considerandos, vejamos, então, o que resulta do acervo probatório dos autos.

In casu, dimana inequívoco que a Recorrente foi notificada para exercer o direito de audição prévia aquando da emissão do projeto de conclusões e antes da emissão do Relatório definitivo em conformidade com o preceituado no citado normativo, e contrariamente ao evidenciado pela Recorrente, a AT analisou as razões expendidas no seu articulado e documentação carreada, tendo refutado, fundamentadamente, as razões atinentes à improcedência e à manutenção das correções aritméticas. Aliás, basta para o efeito, atentar no Relatório Definitivo, no item direito de audição para se percecionar que o direito de audição não funcionou como um mero rito processual, tendo sido, devidamente, ponderado.

Com efeito, compulsado o exercício de audição prévia da Recorrente, verifica-se que o mesmo incide sobre o erróneo enquadramento jurídico dos green fees e aplicação indevida da taxa normal de IVA, explicitando, nesse particular, que, na sua esteira de razão, o Ofício nº 30124, de 14 de fevereiro de 2011, não pode relevar, convocando, para o efeito, o Ofício nº 30088, de 19 de janeiro de 2006, e a informação nº 2082, de 3 de dezembro de 2002, e bem assim um erro de quantum no apuramento da realidade em contenda, porquanto indevidamente incluídos os valores contemplados na conta 2433111061, e 2433121061.

E, a verdade é que, conforme resulta da alínea l) dimana inequívoco que a AT valorou e ponderou as questões suscitadas em sede de projeto de Relatório.

Com efeito, a AT começa, desde logo, por identificar a dualidade das questões convocadas, evidenciando que as mesmas estão coadunadas com o enquadramento legal da tributação, e com o apuramento do imposto a liquidar. Para depois, proceder a uma análise concreta e perfeitamente individualizada das mesmas, reiterando no ponto 1 epigrafado de “Enquadramento legal da tributação” que pese embora a Recorrente entenda que “[o] golfe é uma manifestação desportiva ativa e como tal abrangida pela Verba 2.15 da lista I anexa ao código do IVA”, a verdade é que esclarece e sufraga que a posição da Direção de Serviço de IVA, atinente à taxa a aplicar aos green fees, é a que se encontra vertida “[n]o ofício circulado n.º 30124, de 14 de fevereiro de 2011, de acordo com o qual a prática de qualquer modalidade desportiva, incluindo o golfe, é tributada à taxa normal.”

Substanciando, para o efeito, que “[o]s clientes quando pagam para utilizar um green têm em vista a prática de uma modalidade desportiva que é o golfe e não a participação numa manifestação desportiva, mantendo-se o entendimento do projeto de relatório que a prestação de serviço de golfe é sujeito a taxa normal de IVA de 23%”.

Seguidamente, no ponto 2, intitulado de “apuramento do imposto a liquidar”, analisa o errado apuramento, concluindo, para o efeito, que “Assim em resultado do D.A o total de IVA em falta é de €1.690.645,21 e não o valor apurado no projeto de relatório de €1.699.144,42, situação que já se encontra corrigida no capítulo III do presente relatório de inspeção.”

Pelo que, face ao supra expendido ter-se-á de concluir que inexistiu qualquer violação do consignado no artigo 60.º, nº7 da LGT, porquanto a AT analisou as questões convocadas em sede de audição prévia, ainda que a descontento da Recorrente. De relevar, ainda neste particular que, a AT não está obrigada a realizar todas as diligências de prova que os interessados requeiram na fase da audiência prévia, e bem assim a rebater todos os argumentos convocadas pelo interessado, in casu, a razão subjacente à não aplicação de ofícios sem conexão com a data do facto tributário, mas, tão-só, a evidenciar quais as razões que fundamentam a sua pretensão.

Como doutrinado no Aresto prolatado no processo nº 1161/08, de 09 de junho de 2021, relatado pela, ora, Relatora:

“I-Se a Recorrente foi notificada para exercer o direito de audição prévia aquando da emissão do projeto de conclusões e antes da emissão do Relatório definitivo em conformidade com o preceituado no artigo 60.º da LGT, e se a AT analisou as razões expendidas no seu articulado e documentação carreada, tendo refutado, fundamentadamente, as razões atinentes à improcedência e à manutenção das correções aritméticas, inexiste qualquer violação do direito de participação.
II-A AT não está obrigada a realizar todas as diligências de prova que os interessados requeiram na fase da audiência prévia, bastando que justifique quais as razões atinentes ao efeito. A decisão antagónica à pretensão da Recorrente, (…) não traduz preterição de formalidade essencial.”

E por assim ser, improcede o aludido erro de julgamento de direito assacado à decisão recorrida.

Prosseguindo.

Analisemos, ora, o erro de julgamento por errónea interpretação da verba 2.15 da Lista I Anexa ao CIVA.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo deveria ter considerado, na determinação do sentido da Verba 2.15, designadamente, os seguintes aspetos:

“a) Em 1984, o legislador optou por sujeitar à taxa reduzida apenas os bilhetes de entrada para espetáculos e manifestações desportivas; porém, logo em 1985, e antes ainda da entrada em vigor do Código do IVA, o legislador alterou a relevante previsão legal, passando esta a fazer referência a “espetáculos, manifestações desportivas e outros divertimentos públicos” e deixando de impor a limitação aos «bilhetes de entrada»;

b) Durante mais de 20 anos, de 1986 a 2007, a relevante Verba da lista anexa ao Código do IVA determinou a sujeição à taxa reduzida do IVA apenas para os «espectáculos, manifestações desportivas e outros divertimentos públicos»;

c) Em todos e cada um daqueles anos os green fees foram sujeitos à taxa reduzida do IVA, o que foi interpretado, aplicado e praticado pelas empresas e pela AT (em sede de informação, fiscalizações, reembolsos, etc...);

d) Em 2011 a verba em causa prévia a sujeição à taxa reduzida do IVA para «espectáculos, provas e manifestações desportivas e outros divertimentos públicos»”

Mais propugnando que o entendimento plasmado pela AT no Ofício-circulado n.° 30124, de 14 de fevereiro de 2011, não é, de todo, evidente no sentido de o mesmo permitir inferir e extrair para a situação dos green fees, a aplicação da taxa normal.

Concluindo, assim, que os elementos histórico e sistemático não só corroboram, mas impõem, decisivamente, a conclusão de que a melhor interpretação aponta no sentido de defender a subsunção dos green fees no âmbito da Verba 2.15 (na redação de 2011), sujeitando-os à taxa reduzida do IVA de 6%.

O Tribunal a quo assim o não entendeu tendo, desde logo, relevado que “[a] prática do golfe, a par de qualquer outra actividade física e desportiva, está fora do âmbito de aplicação da verba 2.15 da Lista I, anexa ao CIVA, uma vez que os green fees são a contrapartida de acesso ao campo de golfe para a prática de uma actividade desportiva.”

Convocando, depois a doutrina vertida no Aresto do STA prolatado no âmbito do processo nº 0744/14, de 08 de abril de 2015, a cuja fundamentação jurídica aderiu, densificando, adicionalmente, a utilização do green e a intrínseca ligação ao green fee, por recurso a elementos da Federação Portuguesa de Golfe, concluindo, para o efeito, que “[o] chamado “green fee” não se destina a permitir o acesso do jogador ao campo de golfe para participar numa competição, prova ou manifestação desportiva, antes se destina a que o jogador tenha acesso ao campo, para treinar o seu jogo individual, ou acompanhado de outros jogadores, mas sem que se possa atribuir a tal actividade desportiva as características próprias de uma manifestação desportiva, ou prova, enquanto tal.”

E, de facto, não se afigura que a decisão recorrida mereça a censura que lhe é gizada neste concreto particular, visto que é entendimento deste Tribunal que o pagamento do green fee não é subsumível na aludida verba 2.15, donde encontra-se sujeito à taxa normal de IVA, não logrando, de resto, a assunção de tal posição qualquer interpretação que desvirtue a sua letra e ratio legis.

Mas, explicitemos as razões subjacentes a este entendimento.

Comecemos por atentar no quadro jurídico que releva para o caso sub judice.

Preceituava, o artigo 18.º, nº1, alínea a), do CIVA, na redação da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, à data aplicável, que a taxa de imposto para as prestações de serviços constantes da lista I a ele anexa cifrava-se nos 6%, que não a taxa normal de 23 % prevista na sua alínea c).

Por seu turno, preceituava a verba 2.15 da Lista I anexa ao CIVA, o seguinte:

“Espectáculos, provas e manifestações desportivas e outros divertimentos públicos.

Exceptuam-se:

a) Os espectáculos de carácter pornográfico ou obsceno, como tal considerados na legislação sobre a matéria;

b) As prestações de serviços que consistam em proporcionar a utilização de jogos mecânicos e electrónicos em estabelecimentos abertos ao público, máquinas, flippers, máquinas para jogos de fortuna e azar, jogos de tiro eléctricos, jogos de vídeo, com excepção dos jogos reconhecidos como desportivos”.

No atinente à definição e própria abrangência dos green fees, e conforme expendido pelo Tribunal a quo, encontramo-nos perante taxas de utilização dos “greens” por parte dos jogadores de golfe, nos campos dos quais não sejam sócios ou membros, ou dos campos meramente comerciais, porquanto nos campos explorados por clubes ou associações de que os jogadores sejam membros a utilização do green é um dos direitos do membro, decorrente dessa sua qualidade.

Neste âmbito, importa chamar à colação a Jurisprudência do TJUE, particularmente do Aresto prolatado no âmbito do Processo n.º C-495/12, Commissioners for Her Majesty’s Revenue and Customs contra Bridport and West Dorset Golf Club Limited, datado de 19 de dezembro de 2013, cujo pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 132.°, n.° 1, alínea m), 133.°, primeiro parágrafo, alínea d), e 134.°, alínea b), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do IVA, nele se consignando que os green fee tratam-se da contrapartida económica pela concessão do direito de utilizar esse campo de golfe aos visitantes não-membros desse mesmo organismo.

Nele se evidenciando, de forma expressa que, “atendendo a que o acesso ao campo de golfe é necessário para praticar este desporto, a prestação que consiste na concessão do direito de utilizar um campo de golfe está estreitamente relacionada com a prática de desporto na aceção do artigo 132.°, n.° 1, alínea m), da Diretiva 2006/112, independentemente do facto de se saber se a pessoa em questão pratica golfe de forma regular ou organizada, ou tendo em vista participar em competições desportivas.”

Logo, o apelidado green fee, contrariamente ao expendido pela Recorrente, não se destina a permitir o acesso do jogador ao campo de golfe para participar numa competição, prova ou manifestação desportiva, antes se destina a que o jogador tenha acesso ao campo para treinar o seu jogo individual, ou acompanhado de outros jogadores, mas sem que se possa atribuir a tal atividade desportiva as características próprias de uma manifestação desportiva, ou prova, enquanto tal.

Sobre esta questão já o STA se pronunciou, por diversas vezes, no sentido supra expendido, e com o qual concordamos, na íntegra, particularmente nos processos nºs 0744/14, 745/14, e 0176/13, datados os dois primeiros de 8 de abril de 2015 e o último de 14 de outubro de 2020, razão pela qual convocamos a fundamentação expendida no primeiro dos Arestos citados-prolatado em situação em tudo similar à dos autos-, extratando-se, designadamente, o seguinte:

“No essencial, o que interessa saber é se, a Verba 2.15 da Lista I anexo ao Código do IVA, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55/2010, de 31 de Dezembro, admite a interpretação que lhe foi dada na sentença recorrida, ou deve ser interpretada tal como pretende a recorrente.(…)
utilização do “green” que está intimamente ligado ao dito “green fee”.

Conforme se pode também colher do site da Federação…………................…(http://portal.f................pt/web/guest/clubes), pode-se constatar que são seus filiados, Clubes, Associações e Sociedades – tais como a recorrida –, do conjunto destes membros há alguns que dispõem de “Campo” próprio – tal como a recorrida – , e do conjunto de filiados com “Campo” próprio, só alguns estão habilitados à organização de Torneios – onde não se insere a recorrida.

Além disso, e como se depreende das “Regras de Golfe”, também inseridas na página daquela Federação (http://portal.f...............pt/web/guest/regra-7-treino), na Regra 7, está previsto o treino por contraposição às competições, sendo certo que estas “Regras” estão estabelecidas para a realização de competições entre atletas (profissionais ou amadores), não estando aí expressamente previstas todas as possíveis utilizações do “Campo” de golfe em situações de não competição.

Além disso, por regra, todas as competições de golfe têm um regulamento próprio, onde é estabelecido um número máximo de inscrição de jogadores, o valor a pagar pela inscrição, a modalidade, demais regras e respectiva informação técnica.

Ou seja, daqui se pode concluir, com alguma facilidade, que o chamado “green fee” não se destina a permitir o acesso do jogador ao campo de golfe para participar numa competição, prova ou manifestação desportiva, antes se destina a que o jogador tenha acesso ao campo, para treinar o seu jogo individual, ou acompanhado de outros jogadores, mas sem que se possa atribuir a tal actividade desportiva as características próprias de uma manifestação desportiva, ou prova, enquanto tal.

Na verdade, o conceito de manifestação desportiva, tal como usado pelas Leis Fiscais, na Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, artigo 32.º, e no Decreto Regulamentar n.º 2-A/2005 de 24/03, artigos 2.º e 6.º, implica que a manifestação desportiva, quer se destine à competição, quer se destine à divulgação de actividades desportivas, exige uma preparação anterior, uma organização anterior que implica divulgação pública, adequação de espaços, disponibilização de pessoal qualificado para tarefas auxiliares ou de arbitragem, obtenção de licenças, etc. … Sendo certo, também, que a expressão “manifestação desportiva”, sem carácter de competição, está sempre intimamente ligada a actividade desportiva no espaço público, cfr. os preceitos legais acima referidos.

De resto, o estabelecimento do “Handicap” de cada jogador de golfe, que (pode) ocorre(r) fora de competição, não está intimamente ligado ao pagamento do “green fee”, uma vez que cada jogador pode fazer a “volta” ao campo para estabelecimento desse “Handicap” no âmbito da qualidade de associado de um Clube filiado na F………….. (cfr. http://portal.f.................pt/web/guest/sistema-de-handicaps-ega) e no caso de o fazer no campo do clube de que é membro, como já vimos, não carece de pagar o dito “green fee”, uma vez que já paga uma quota anual.

Assim, e ao abrigo do disposto nos artigos 9.º do Código Civil e 11.º da Lei Geral Tributária, as normas em apreço não são susceptíveis de outra interpretação que não seja esta, posto que, as mesmas expressões usadas pelo legislador nos diversos diplomas legais assumem sempre o mesmo sentido, referem-se sempre à mesma realidade material, ao mesmo facto da vida real que pretendem regular e regulamentar.”

Ora, face ao supra expendido e aderindo, na íntegra, à fundamentação constante nos citados Arestos inteiramente transponíveis para o caso vertente, ter-se-á de concluir que, no ano de 2011, o pagamento pela utilização do campo não encontrava amparo na verba 2.15 da Lista I anexa ao CIVA, pelo que sobre o mesmo incidia IVA à taxa normal de 23%, e não, como propugna a Recorrente, à taxa reduzida.

Note-se, neste particular, que contrariamente ao que vem expendido pela Recorrente, tal entendimento face às razões supra aduzidas, em nada permite propugnar uma interpretação em desconformidade com os seus elementos histórico, teleológico e literal.

De relevar, neste concreto particular, que não se pode descurar tendo de ser, devidamente, valorada a circunstância de 2008 a 2010, a redação da verba contemplar “Espectáculos, provas e manifestações desportivas, práticas de actividades físicas e desportivas e outros divertimentos públicos”, passando a contemplar, a partir de 2011, “Espectáculos, provas e manifestações desportivas e outros divertimentos públicos.”

Noutra formulação, dir-se-á que se o legislador alterou a redação da norma, eliminando a menção “práticas de actividades físicas e desportivas” ter-se-á de concluir que o fez deliberada e intencionalmente, de forma a que apenas as provas e manifestações desportivas possam ser tributadas à taxa reduzida.

É certo que, de 1986 a 2007, fazia menção a “Espectáculos, manifestações desportivas e outros divertimentos públicos”, e a AT pronunciou-se, designadamente, em Ofício Circulado de 2002 que os green fee poderiam considerar-se abrangidos pela aludida verba, mas a verdade é que, tal realidade per se, não permite almejar o efeito pretendido pela Recorrente.

Até porque, o entendimento da AT sobre a interpretação de normas tributárias não é, por um lado, vinculativo, e por outro lado, estanque, e imutável no tempo, tendo de adequar-se às alterações legislativas ocorridas e, mesmo perante a mesma letra da lei, pode, naturalmente, o entendimento ser passível de alteração com as devidas salvaguardas dos efeitos jurídicos, sendo caso disso.

Com efeito, em ordem ao consignado no artigo 9.º, nº2, do CC e seguindo os ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, ter-se-á de ter como assente que o texto da lei, constitui o ponto de partida do processo hermenêutico e também um seu limite, na medida em que não é possível considerar aqueles sentidos que não tenham nas palavras da lei qualquer apoio, “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso." (12)

Logo, ter-se-á de concluir que a interpretação do pensamento do legislador ao suprimir da aludida verba com a redação da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a expressão “prática de atividades físicas e desportivas” foi uma opção deliberada tendente a clarificar o escopo da Verba 2.15, tendo, por isso, de ser ponderada, aquilatada e conjugada com o conceito e abrangência de “provas e manifestações desportivas”, sendo que, conforme devidamente evidenciado, o chamado green fee não se destina a permitir o acesso do jogador ao campo de golfe para participar numa competição, prova ou manifestação desportiva.

Não sendo, nessa medida, defensável a alegação da Recorrente no sentido de que “[p]or ser obrigatória ser obrigatória a obtenção e manutenção de handicap para ter acesso à generalidade dos campos de (golfe e considerando o modo de o obter, e ainda por ser forçoso que o jogador se encontre federado, podemos concluir que, mesmo no caso de jogos de (golfe que são realizados individualmente, ou seja, em que não há uma concorrência directa entre vários jogadores, o jogador individual está sempre em competição, neste caso «contra o próprio campo”.

Destarte, contrariamente ao defendido pela Recorrente a interpretação sufragada não faz tábua rasa das alterações legislativas, não descurando, como visto, este Tribunal todo o percurso legislativo e suas alterações, e bem assim que a AT em 2011 se pronunciou em sentido contrário, designadamente, do entendimento veiculado em 2002, o que, efetivamente, entende é que esse mesmo itinerário não permite, per se, propugnar no sentido almejado pela Recorrente, ou seja, da aplicação da taxa reduzida.

De relevar, in fine, que carecem de qualquer relevância para a questão em contenda as alegações atinentes ao peso do golfe em Portugal, a inerente empregabilidade, a sazonalidade inerente à própria prática do desporto, e bem assim o público alvo, ou seja, é perfeitamente irrelevante se são maioritariamente estrangeiros ou portugueses. O mesmo se diga quanto a decisões emanadas da AT no âmbito de outras ações inspetivas que não coadunadas com a Recorrente.

No atinente ao próprio âmbito do Ofício-circulado n.° 30124, de 14 de fevereiro de 2011, não se concorda, outrossim, com o entendimento da Recorrente no sentido de não é, de todo, evidente no sentido de o mesmo permitir inferir e extrair para a situação dos green fees, a aplicação da taxa normal, bastando, para o efeito, uma leitura conjugada, desde logo, dos pontos 7 e 8.

Por outro lado, e conforme dimana inequívoco a AT funda a sua pretensão na alteração legislativa entendendo, é certo, por remissão para a fundamentação integrante no aludido Ofício que os green fee não podem ser subsumidos na verba 2.15, e daí, como visto e já devidamente densificado, não resulta qualquer erro de julgamento.

De todo o modo, sempre se dirá e sublinha, que todo o juízo de entendimento vertido, e acolhido na fundamentação dos Arestos já citados, está coadunado com a interpretação conferida pela alteração legislativa e com a extensão da verba em contenda, e não com o facto de se aplicar a doutrina vertida num Ofício Circulado, a qual, como é consabido e já evidenciado não é vinculativa, podendo, tão-só, servir enquanto subsídio interpretativo. Com efeito, de uma leitura cuidada dos Arestos citados, verifica-se que a fundamentação corresponde ao resultado da interpretação legislativa e não à aplicação acrítica do Ofício-Circulado da AT, o qual, repita-se, não produz efeitos externos e não é mobilizado pelo Tribunal como regra ou critério de decisão.

Ora, face a todo o expendido e sem necessidade de outros considerandos, conclui-se que a “taxa de utilização do campo” não encontrava amparo na verba 2.15 da Lista I anexa ao CIVA, pelo que sobre a mesma incidia, no ano de 2011, IVA à taxa normal de 23%, logo a sentença recorrida que assim o decidiu não padece do erro de julgamento que lhe é assacado.

Subsiste, ora, por analisar a questão omitida do vício de violação de lei constitucional: da violação dos princípios da legalidade, da violação dos princípios da confiança, da justiça e da boa fé, e que este Tribunal realiza, em substituição, e por dispor de todos os elementos atinentes ao efeito.

A Recorrente entende que os atos impugnados violam os princípios constitucionais da legalidade tributária, da proteção da confiança, da justiça e da boa-fé, relevando, expressamente, que entre 1986 e 2010, a AT interpretou uniformemente a verba em contenda no sentido de aí considerar abrangido o jogo do Golfe em green, sendo absolutamente claro que esta manifestação desportiva não se encontrava abrangida por nenhuma das exceções previstas pelo legislador.

Sendo que, a partir de 2011, a mesma expressão foi interpretada e aplicada no sentido de excluir o jogo de Golfe em green (green fees) como “manifestação desportiva”, sem que tivesse ocorrido qualquer alteração legislativa relevante.

Concluindo, assim, que perante a alteração do quadro traçado, o contribuinte não podia, de modo algum, à luz do disposto nas disposições legais em vigor, e enquanto estas se mantiveram em vigor, antecipar que o jogo de Golfe em green deixasse de ser encarado como um serviço sujeito a taxa reduzida do IVA.

Mais sustenta que é inconstitucional a concretização de conceitos vagos e indeterminados para além dos limites tolerados pelo princípio da legalidade, na sua vertente de tipicidade, porquanto o que o princípio da legalidade exige é a efetiva limitação da margem de livre decisão da Administração na concretização dos elementos essenciais dos impostos, bem como a limitação do uso de conceitos indeterminados na definição de tais elementos.

Sublinhando, para o efeito, que a interpretação e aplicação de tais conceitos indeterminados, como sucede com o de “manifestação desportiva”, não pode ter como resultado negar ao indivíduo “a oportunidade de conformar o seu comportamento à lei”.

Concluindo, assim, que no caso vertente é violado, de modo flagrante o princípio da legalidade fiscal, na medida em que, os atos impugnados foram praticados contrariando a prática administrativa anterior, bem assim, a doutrina administrativa invocada pela sentença recorrida para legitimar a prática dos atos impugnados nada tem a ver com a questão da prática do Golfe.

De relevar, ab initio, que não se verifica qualquer violação dos aludidos princípios constitucionais.

Comecemos pelos princípios da proteção da confiança, da boa fé e da justiça.

A jurisprudência do Tribunal Constitucional(13) sobre o princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, vem afirmando que para que esta última seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:

“a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda

b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição)”.

Dois aspectos são salientados pelo Tribunal Constitucional: Em primeiro lugar, e tendo em conta a autorevisibilidade das leis, não há (…) um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados» (Acórdão nº 287/90)”

Por outro lado o princípio implica uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da actuação do Estado. Porém, a confiança, aqui, não é uma confiança qualquer: se ela não reunir os requisitos que acima ficaram formulados a Constituição não lhe atribui protecção (cf. Acórdão 128/09).

Haverá assim que proceder, em cada caso, como se sublinha no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 304/2001, “a um justo balanceamento entre a protecção das expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as soluções mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam ‘tocadas’ relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte” (destaques e sublinhados nossos).

In casu, não se vislumbra, qualquer inconstitucionalidade na interpretação, ora, propugnada, porquanto não pretere o princípio da proteção da confiança e segurança jurídica decorrente do Estado de Direito Democrático, não só porque, a mesma, como vimos, é aquela que se melhor se adequa aos elementos atinentes à correta interpretação da letra e da ratio legis, mas também porque tal princípio tem ser analisado e balanceado com a necessidade da prossecução do interesse público, na realização da justiça tributária.

De relevar, neste particular, que “a boa fé em sentido jurídico corresponde a uma válida fé, ou seja, a uma confiança válida aos olhos do direito. Incorpora, pois, o valor ético social da confiança. No entanto, apenas quando se trata de uma confiança legítima poderemos reconduzir a tutela da confiança a um corolário da boa fé." (14)

Neste âmbito importa chamar à colação o Aresto do STA, proferido no processo nº 01188/02, de 18 de junho de 2003, extratando-se o seu sumário, na parte que para os autos releva, como se transcreve:

“III-O princípio da boa fé assume-se como um dos princípios gerais que servem de fundamento ao ordenamento jurídico.

IV - Tal princípio apresenta-se como um dos limites da actividade discricionária da Administração.

V - Um dos corolários do principio da boa-fé consiste no principio da protecção da confiança legitima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança.

VI - A exigência da protecção da confiança é também uma decorrência do principio da segurança jurídica, imanente ao principio do Estado de Direito.

VII - Contudo, a aplicação do principio da protecção da confiança está dependente de vários pressupostos, desde logo, o que se prende com a necessidade de se ter de estar em face de uma confiança "legítima" o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito, não podendo invocar-se a violação do principio da confiança quando este radique num acto anterior claramente ilegal, sendo tal ilegalidade perceptível por aquele que pretenda invocar em seu favor o referido principio.

VIII - Por outro lado, para que se possa, válida e relevantemente, invocar tal principio é necessário ainda que o interessado em causa não o pretenda alicerçar apenas, na sua mera convicção psicológica, antes se impondo a enunciação de sinais exteriores produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde seja razoável ancorar a invocada confiança.

IX - As meras expectativas fácticas não são juridicamente tuteladas.

X - O cuidado e as precauções a exigir da parte que reivindica a protecção da sua boa-fé serão tanto maiores quanto mais avultados forem os investimentos feitos com base na confiança, já que se não pretende tutelar o "excesso de confiança". (destaques e sublinhados nossos).

Ora, tendo por base os aludidos conceitos, não pode lograr provimento a esteira de argumentação da Recorrente, visto que a atuação da AT não é reveladora de um qualquer seu propósito de definir a situação jurídica para o futuro.

No caso dos autos, como é bom de ver, a conduta da AT, objetivamente considerada, não é de molde a justificar noutrem a convicção fundada e aquisição de uma legítima expetativa, não se podendo, assim, retirar da dita conduta, direta ou indiretamente, a intenção da mesma se encontrar vinculada a uma determinada atitude no futuro.

É certo que, na sequência da redação dada pelo artigo 103.º da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro (OE 2011) à verba 2.15 da Lista I anexa ao Código do IVA, a AT reviu a posição interpretativa que tinha relativamente à dita verba, através do Ofício-circulado n.º 30124, de 14 de fevereiro de 2011, e fê-lo expressando e reconhecendo a incompatibilidade da interpretação antes veiculada, designadamente no Ofício- Circulado n.º 30088, de 19 de janeiro de 2006, com a eliminação do texto legal da expressão “prática de atividades físicas e desportivas”, revogando, nessa medida, não só o referido Ofício-Circulado, como também quaisquer outros entendimentos que contrariassem essa doutrina.

Mas, é certo, igualmente, que a AT ciente dessa interpretação limitou a produção de efeitos a partir de 01 de março de 2011, salvaguardando as operações efetuadas em janeiro e fevereiro que tenham beneficiado da verba 2.15 com base nos entendimentos revogados.

Assim, à data da prática dos factos tributários o entendimento propugnado pela Recorrente não tem assento nem na letra, nem na ratio legis, não podendo, nessa medida, prevalecer-se do entendimento que a AT tinha da aplicação da norma contida na dita verba 2.15, antes da visada alteração legal.

Conclui-se, assim, que inexiste uma qualquer vinculatividade jurídico-administrativa das referidas expectativas, tudo se reconduzindo a meras expectativas fácticas, sendo que estas não são juridicamente tuteladas, inexistindo, assim, qualquer violação dos aludidos princípios.

De relevar, in fine, que pese embora nos encontremos cientes que a justiça é perspetivada para além de mera legalidade, enquanto dever que impende e tem de nortear toda a sua atuação, até porque, em bom rigor não há “direito sem justiça" ,(15) a verdade é que, in casu, face a todo o exposto entende-se que toda a atuação da AT se pautou e foi exercida na prossecução da justiça (artigo 55.º da LGT).

No atinente ao princípio da legalidade também não logra provimento o entendimento da Recorrente, desde logo, porque face a todo o expendido anteriormente existiu, tão-só, uma interpretação prospetiva perfeitamente legal e legítima.

Não logrando, outrossim, provimento face a todos os considerandos expendidos anteriormente que os atos impugnados e a sentença recorrida violem a legalidade na sua vertente material de efetiva limitação da margem de livre apreciação da Administração na concretização dos elementos essenciais dos impostos, bem como a limitação do uso de conceitos indeterminados na definição de tais elementos.

E isto porque, como evidencia Diogo Freitas Do Amaral, (16) o princípio da legalidade tem de ser visto como um todo, e terá de “[a]barcar todos os aspectos da actividade administrativa, e não apenas aqueles que possam consistir na lesão de direitos ou interesses dos particulares. (…) Designadamente, o princípio da legalidade visa também proteger o interesse público, e não apenas os interesses dos particulares”. No fundo, o princípio da legalidade impõe que o fundamento e o limite da atividade administrativa é a lei, logo em nada se pode discernir a sua violação no caso em análise, bem pelo contrário, porquanto a atuação da AT mais não representa que o cumprimento do princípio da legalidade.

Ademais, não se vislumbra que nos encontremos perante um conceito indeterminado que inviabilize ou torne difícil a interpretação e concreta subsunção da realidade fática nos conceitos contemplados na norma, inexistindo, outrossim, qualquer inconstitucionalidade por violação da legalidade, mas na sua dimensão material de tipicidade ou determinabilidade da lei de imposto.

Neste âmbito, convoque-se o já citado Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 176/13, de 14 de dezembro de 2020, que em situação similar doutrina no sentido, ora, explanado a cuja fundamentação se adere e, ora, se extrata:

“A recorrente suscita ainda o problema da inconstitucionalidade da interpretação veiculada pela AT através do Ofício-Circulado n.º 30124, quer pela vedação constitucional da possibilidade de emitir regulamentos administrativos restritivos do conteúdo de actos legislativos, quer por a interpretação aí consagrada violar os princípios da protecção da confiança legítima, boa fé e justiça.

Em relação à alegada violação dos princípios da hierarquia das fontes, da tipicidade dos actos legislativos e da legalidade, importa dizer que o Ofício-Circulado em questão é uma norma interpretativa que apenas vincula internamente os serviços da AT (para assegurar uma interpretação e aplicação uniforme do Direito por todos os seus serviços) e não, obviamente, os tribunais, pelo que a decisão proferida nos arestos antes mencionados, com uma fundamentação à qual aderimos, correspondem ao resultado da interpretação legislativa a chegou este Supremo Tribunal Administrativo e não à aplicação do Ofício-Circulado da AT, o qual, repita-se, não produz efeitos externos e não é nem foi anteriormente mobilizado pelo Tribunal como regra ou critério de decisão.

Já no que respeita à violação dos princípios materiais da protecção da confiança dos investidores e utilizadores de campos de golfe, cabe sublinhar que a alteração da tributação com efeitos prospectivos, como é o caso aqui, não consubstancia um critério de violação daquele princípio, na medida em que não existem expectativas legitimamente fundadas na imodificabilidade ou não agravamento da tributação, sempre que esta seja efectuada de acordo com as regras legais (como sucedeu neste caso).

Acresce que também não existia nenhum acto ou contrato jurídico, nem sequer uma promessa informal, que permitisse fundar a referida expectativa dos investidores e utilizadores dos greens à permanência dos green fee na taxa mínima de IVA. Em outras palavras, não existindo nenhuma expectativa jurídica quanto à permanência da tributação dos green fee na taxa mínima de IVA, não é sequer necessário averiguar se a mesma poderia ou não considerar-se juridicamente sustentada.

Pela mesma razão – inexistência de expectativas legítimas quanto à manutenção do status quo tributário – não se descortina de que forma é que a alteração de política tributária a respeito da taxa de IVA aplicável à utilização de um bem ou à prestação de um serviço possa reconduzir-se, in casu, à violação dos princípios da boa fé ou da justiça.”

Assim, face a todo o supra expendido dimana inequívoco que inexiste qualquer inconstitucionalidade por violação dos aludidos e convocados princípios basilares.

Resta, então, analisar os vícios próprios atinentes aos juros compensatórios.

No atinente aos juros compensatórios para além de sindicar igual violação dos princípios da confiança e da boa-fé, sufraga, ainda que, de todo o modo, sempre esses erros resultam de simples divergência, não culposa e não permitiam justificar a existência de dolo ou negligência.

Defendendo, a final, que as mesmas padecem de falta de fundamentação.

Em alegações complementares, aduz, ainda, que não é defensável o entendimento sufragado pelo Tribunal, ao pretender extrair do requerimento apresentado ao abrigo do artigo 29.º do RGIT, uma espécie de confissão de culpa, desde logo, porque o arguido em processo contraordenacional, mesmo que proceda voluntariamente ao pagamento da coima, mantém o pleno direito de contestar em todos os seus aspetos a infração que lhe é imputada.

Quanto à aduzida violação dos princípios da confiança e da boa-fé remete-se para o já expendido anteriormente, sob pena se incorrer em juízo repetitivo, concluindo-se, sem mais delongas e atenta a ligação intrínseca entre a liquidação de imposto e os juros compensatórios, que inexiste a arguida violação.

No concernente à concreta necessidade de fundamentação do ato de liquidação de juros compensatórios, é inquestionável, enquanto ato tributário que se encontra sujeito a fundamentação (cfr. artigo 77.º da LGT e artigo 268.º, n.º 3, da CRP).

Sendo que, neste concreto particular a Jurisprudência do STA e dos TCA, vem entendendo, de forma uniforme, que no respeitante aos juros compensatórios, as exigências de fundamentação sejam reduzidas ao mínimo, entendendo-se, nesse âmbito, que uma liquidação de juros compensatórios se encontra fundamentada quando indicar a quantia sobre a qual os mesmos incidem, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, com menção desses elementos no próprio ato de liquidação ou por remissão para documento anexo. (17)

Como sumariado no acórdão do STA proferido no processo n.º 0805/15, datado de 09 de março de 2016: “Está cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 89º do CIVA e 35º da LGT) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art. 559º nº 1 do CCivil) e o valor dos juros.“

Por seu turno, dimana do disposto no nº 1 do artigo 35.º da LGT, que “São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.”

Sendo que para que o sujeito passivo deva juros compensatórios se exige um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sendo que a conduta do sujeito passivo deve ser censurável a título de dolo ou negligência, devendo, em todo o caso, indagar-se se a culpa está ou não excluída em concreto. (18)
Mais importa ter em consideração que a culpa que constitui pressuposto de juros compensatórios é de aferir segundo os deveres gerais de diligência, aptidão, conhecimento e perícia exigíveis a um bonus pater familiae, incumbindo o respetivo ónus probatório à AT. Daí que, a factualidade necessária ao preenchimento do referido conceito de culpa identifica-se com aquela que subjaz à correção da matéria tributável e que dá origem ao imposto em falta. (19)

Com efeito, a atuação do sujeito passivo deve ser a condição necessária e adequada do retardamento da liquidação ou da entrega, isto é, deve existir um nexo de causalidade adequada entre esse retardamento e os prejuízos do Estado. Condição necessária, porque sem esse comportamento não se verificaria tal resultado. Condição adequada, porque para esse resultado não teriam que concorrer outras “circunstâncias excecionais e anómalas”.

Daí que, sempre que uma determinada conduta integre um facto qualificado por lei como ilícito deve inferir-se dessa conduta – por ilação lógica – a existência de culpa (note-se que não no sentido da presunção, porquanto a culpa não se presume, mas sim por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto praticado) e que, por essa via, se deve partir do pressuposto de que existe culpa sempre que a atuação do contribuinte abranja e subsuma a hipótese de qualquer infração tributária.

É certo que essa culpa pode e deve ser excluída quando se retire, à luz das regras de experiência e das provas obtidas, que o contribuinte atuou com a diligência normal no cumprimento das suas obrigações fiscais, razão pela qual se firmou jurisprudência no sentido de que não são devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação se ficou a dever, designadamente, a compreensível divergência de critérios entre a AT e o contribuinte quanto ao enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária ou a erro desculpável do contribuinte.

In casu, face ao supra expendido, dimana inequívoco que as liquidações de juros compensatórios em contenda, não enfermam da arguida falta de fundamentação.

E isto porque, não tendo a liquidação de juros compensatórios de contemplar o juízo de censura, porquanto essa mesma censurabilidade encontra-se nos factos que originam a liquidação do imposto, donde, no respetivo RIT, e contemplando o motivo da liquidação, designadamente, que foi liquidada nos termos do 96.º do CIVA, e 35.º da LGT, contendo a mesma a referência ao montante de imposto sobre o qual foram liquidados os juros compensatórios, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do artigo 559.º nº 1 do CC), o período de tempo em que tais juros são exigíveis, é por demais evidente que a mesma não se verifica no caso vertente.

De relevar, outrossim, que contrariamente ao propugnado pela Recorrente não é possível defender-se que inexista um nexo de imputabilidade e de censura, e que o erro na aplicação da taxa do IVA seja um erro desculpável, quando lido à luz de todo o circunstancialismo supra expendido, já devidamente densificado e para o qual se remete.

É certo que se anui que a aduzida redução das coimas não pode, de todo, ter o efeito de inferir um nexo de causalidade, mas a verdade é que se aquiesce que estando, como visto, subjacente à obrigação dos juros compensatórios uma ideia de censura ou reprovação da conduta do agente porque podia e devia, nas circunstâncias do caso, ter agido diversamente, ter-se-á de concluir que, inversamente ao propugnado pela Recorrente, os presentes erros não resultam de simples divergência, não culposa, não permitindo afastar a existência de um juízo de culpa e censurabilidade, mormente, em termos de negligência. Inexistindo, como já suficientemente explanado, uma “situação de confiança que se mostra carente de tutela”.

Destarte, tendo presente todos os considerandos de direito supra explanados, e bem assim tudo o que já foi, devidamente, aflorado quanto à legalidade dos atos impugnados, ter-se-á de concluir que no caso vertente é possível formular um juízo de censura à atuação da Recorrente, sendo que face à base legal à data da prática do facto tributário e todas as considerações supra que se dão por reproduzidas, não é possível defender-se que não exista uma nexo de imputabilidade e de censura, e que o erro na aplicação da taxa do IVA seja um erro desculpável, quando interpretado e concatenado com todo o circunstancialismo fático já, suficientemente, aflorado.

E por assim ser, atenta a ligação intrínseca entre a liquidação de imposto e a de juros compensatórios, existindo retardamento do imposto e nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sem qualquer causa de exclusão da culpa, tais pressupostos objetivos e subjetivos verificam-se, não se traduzindo em qualquer injustiça e violação do normativo 55.º da LGT, não padecendo, por conseguinte, os atos de liquidação de juros compensatórios dos arguidos vícios.

Assim, tudo visto e ponderado, conclui-se que inexiste o apontado erro de julgamento, devendo, por isso, manterem-se os atos impugnados, donde, a sentença que assim o decidiu deve ser confirmada, mantendo-se, por isso, na ordem jurídica.

No tocante às custas, como referido no Acórdão do STA, de 07.05.2014, proferido no processo nº 01953/13: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade” (sublinhado nosso).

Ora, considera-se que o valor de taxa de justiça devido, calculado nos termos do tabela I.b., do RCP, é excessivo. Assim, não obstante, se entender que, face à pluralidade e complexidade das questões envolvidas e à tramitação dos autos, não deve haver dispensa total do pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda os 275.000,00 Eur., entende-se ser adequado e proporcional, face às caraterísticas concretas dos autos e à atuação das partes, dispensar o pagamento da taxa de justiça, na parte que exceda 375.000,00 Eur.


***


IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
Julgar parcialmente nula, a sentença por omissão de pronúncia, no atinente à arguida inconstitucionalidade, por violação de princípios constitucionais basilares, e, em substituição, julgar improcedente a aludida arguição, no mais NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
Custas pela Recorrente com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda 375.000,00 Eur.

Registe. Notifique.


Lisboa, 27 de Janeiro de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)















1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
2) Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.
3) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
4) Ac. STJ de 01.10.2015, P. 824/11.3TTLRS.L1.S1; Ac. STJ de 14.01.2016, P. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1; Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05; Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção; Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09; Acórdão de 31.5.2016, 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, 449/410; Acórdão do STJ de 27.1.2015, 1060/07.
5) Conforme doutrina o Ac. STJ. de 03/03/2016, no processo nº 861/13.3TTVIS.C1.S.
6) Henrique Araújo: “A matéria de facto no processo civil”, publicado no site do Tribunal da Relação do Porto, acessível em www.trp.pt
7) Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de julho de 2018, proferido no processo nº 1193/16.1T8PRT.P1
8) cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675.
9) neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
10) Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.
11) Vide Acórdão deste TCA, proferido no processo n.º 06134/12, de 04.12.2012
12) Cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 182, 188 e 189.
13) Vide Acórdãos do Tribunal Constitucional aí referenciados, citados no Aresto do STA, proferido no processo 0749/11, de 12.01.2012.
14) Rita Maria Martins Ferraz A Proteção da Confiança: elemento constitutivo do Estado de Direito-FDUP,p.31
15) Vide, Paulo Marques, A Revisão do Acto Tributário, Do mea culpa à reposição da legalidade, Cadernos IDEFF, nº19, pág.117.
16) Curso de Direito Administrativo, Volume II, Coimbra, Almedina, 2004, pág. 42 e 56.
17) Vide, designadamente, Acórdãos do STA, de 21.4.2010, proc. n.º 743/09; de 16.10.2010, proc. n.º 830/10; de 30.11.2011, proc. n.º 619/11; de 29.2.2012, proc. n.º 928/11; e de 14.2.2013, proc. n.º 645/12.
18) Vide Acórdão do STA, proferido em Plenário, no processo nº 01490/13, de 22.01.2014.
19) Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 02414/08, de 05.05.2009.