Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2208/13.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/28/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:
REVERSÃO;
NOTIFICAÇÃO PARA O DIREITO DE AUDIÇÃO;
CARTA REGISTADA.
Sumário:I. Sendo a notificação efectuada por carta registada estabelece a lei que a mesma se presume efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (cfr.n.º 1 do artigo 39.º).

II. Mas esta presunção apenas funciona se a carta não for devolvida. A carta só é devolvida ao remetente quando não chega ao destinatário, quando lhe não é entregue. E se não lhe é entregue não se pode, em regra, presumir a notificação.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO
E................, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a oposição que deduziu à execução fiscal nº ............., instaurada contra a sociedade «S............, Lda.», por dívida de IVA, respeitante a Fevereiro de 2007, no montante de € 5.927,32, e que contra ela reverteu.

Terminou a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões:
« a) Embora a recorrente entenda que, com relativa facilidade, a atual redação da alínea E) do rol dos factos provados se interpreta como a prova da não receção da mesma pelo recorrente, à cautela, e para que dúvidas não se possam suscitar, requer-se a V. Exa. que, face ao documento constante de fls 10 do PEF apenso, seja reformulada a alínea E) do rol dos factos provados para a seguinte redação: “A carta a que se refere a alínea precedente, não foi recebida pelo oponente, tendo sido de devolvida em 16.08.2013, com a menção de “objecto não reclamado”
b) Resulta, insofismavelmente, dos factos provados que o recorrente não recebeu a notificação para o exercício de audição prévia - facto provado D e E - pelo que dúvidas não há que a Administração Tributária - por ter a carta de notificação em seu poder - sabia que o recorrente a não tinha recebido e que, por isso, nunca poderia ter exercido o seu direito de audição prévia, por desconhecer que, supostamente, estaria notificado para tal.
c) Contrariamente ao que resulta, que se crê de forma uniforme de toda a jurisprudência conhecida e supra citada, o Tribunal a quo, na sua douta sentença, vem dizer que, embora resulte provado que o recorrente não recebeu a notificação para o exercício de audição prévia por esta ter sido devolvida - facto provado D) e E) - ainda, assim, deve-se considerar que este foi notificado do projeto de reversão porquanto o Tribunal a quo entende que in casu não é aplicável o regime das notificações previsto nos n.° 5 e 6.° do artigo 39.° do CPPT, porquanto tal regime só se aplica às cartas registadas com aviso de receção. Ora, salvo melhor e mais douto entendimento, a interpretação efetuada pelo Tribunal do disposto no artigo 39.° do CPPT é, na nossa modesta ótica, errada, sendo a douta decisão totalmente desconforme com o que resulta, de forma cristalina, dos factos provados e da melhor interpretação deste mesmo normativo que tem vindo a ser efetuada pelo nossos Tribunais.
d) Ora, in casu, constatamos que, para além de resultar provado que o recorrente não recebeu a notificação em causa, ainda acresce que a Administração Tributária, nem sequer, fez a segunda notificação que lhe era exigida nos termos do n.° 5 do artigo 39.° do CPPT, razão pela qual, salvo melhor e mais douto entendimento, em caso algum se poderá considerar o recorrente foi notificado do despacho para exercer o seu direito de audição prévia, o que, como bem se compreenderá, tem efeitos imediatos na sua falta de notificação para exercer este seu direito legal e constitucional, pelo que, tal como já resultava da oposição apresentada, ter-se-á de considerar que a Administração Tributária ao agir como agiu violou o direito de audição prévia do recorrente, com as legais consequências.
e) Estando demonstrado que o recorrente não recebeu a notificação do projeto de reversão, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo tem de se considerar que este não foi notificado para exercer o seu direito de audição prévia, pelo que, salvo melhor e mais douto entendimento, ter-se-á de concluir que in casu existiu uma violação do direito de audição prévia do recorrente previsto no artigo 60.° da LGT que transpôs para o procedimento tributário o princípio constitucional da participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes dizem respeito, expresso no artigo 267.° n.° 5 da Constituição da República Portuguesam, sendo que a inobservância do dever de audição do contribuinte é fundamento da invalidade da presente reversão, por vício de forma.
f) Pelo exposto, salvo melhor e mais douto entendimento, mal andou o Tribunal a quo quando decidiu como decidiu, em violação do disposto nos artigos 267.° n.° 5 da CRP, 60.° da LGT e artigos 39.° n.° 1, 2, 5 e 6.° do CPPT.
g) Assim sendo, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por douto acórdão - que segundo a jurisprudência que se crê ser uniforme- que considere que existiu violação do direito de audição prévia, com as legais consequências, já que em caso algum de poderá considerar que o recorrente foi notificado do projeto de reversão para exercício de audição prévia.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve a douta sentença ser revogada e substituída por douto acórdão que considere a oposição apresentada como totalmente procedente, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.»

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A Fazenda Pública, ora recorrida, não apresentou contra-alegações.

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O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões as questões a decidir são as seguintes:

- impugnação da matéria de facto;

- saber se a sentença fez correcto julgamento quando atendeu que o Oponente foi notificado para o exercício do direito de audiência prévia à reversão.


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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A) Em 23.05.2007, no Serviço de Finanças de Odivelas, foi instaurado contra a sociedade "S............, Lda.", com base na certidão de dívida………., o processo de execução fiscal n° ............., para cobrança coerciva de dívida de IVA, respeitante a Fevereiro de 2007, no montante de € 5.927,32 (cfr. fls. 1 e 2 do PEF apenso);
B) Em 30.07.2013, foi exarado no Serviço de Finanças de Odivelas o auto de diligências, com o seguinte teor: 
"(...) Feita a pesquisa nos vários sistemas informáticos, verifica-se que não constam quaisquer bens susceptíveis de penhora.
Foi instaurado o Processo Administrativo de Insolvência no Tribunal do Comércio de Lisboa em 21-052010, tendo sido proferida a decisão de encerramento em 11-01-2011, por insuficiência da massa insolvente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa nos termos dos artigos 230° n ° 1 al. d) e artigo 232° n °2 do CIRE.
A executada iniciou a actividade em 1989-01-01, tendo sido cessado oficiosamente actividade no âmbito do saneamento automático com a data de 31-12-2011.
Em 07.03.2012 foi registado na CRComercial o Encerramento da Liquidação e o Cancelamento da Matrícula.
Os presentes autos foram instaurados por dívida de IVA do mês de Fevereiro do ano de 2007 no montante de € 5.927,32, ao qual acrescem juros de mora e custas processuais.
Solicitou o pagamento em prestações, no entanto não efectuou qualquer pagamento, pelo que foi interrompido.
A dívida total existente nesta data é a seguinte:



Consultando a certidão permanente, verifica-se que foram gerentes:
- E................, NIF ............, desde 25-09-1986 até 31-03-2008, data em que renunciou e, (...).
Em face do exposto, verifica-se uma insuficiência/inexistência de bens por parte do devedor, pelo que é meu parecer que se proceda à reversão contra o responsável subsidiário, a fim de se cumprirem os requisitos estipulados no art.153.° do CPPT. (...)" (cfr. fls. 5 e 6 do PEF apenso);
C) Por despacho lavrado em 30.07.2013, pelo Chefe de Finanças, foi determinada a preparação do processo para efeitos de reversão contra o Oponente (cfr. fls. 7 e 8 do PEF apenso);
D) Em 05.08.2013, foi remetido ao Oponente, por meio de carta registada, para a morada Av. 9 de Julho, 98 2° Dto, ……..Venda Pinheiro, o ofício n° 5518, concedendo o prazo de 15 dias para efeitos do exercício do direito de audição prévia ao projecto de reversão, cuja fundamentação é a seguinte:
"Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23°, n° 2 da LGT)
Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24°/ n° 1/b) LGT]" (cfr. fls. 9 e 10 do PEF apenso); 
E) A carta a que se refere a alínea precedente foi devolvida em 16.08.2013, com a menção "objecto não reclamado" (cfr. fls. 10 do PEF apenso);
F) Em 27.08.2013, foi elaborada, pelo Serviço de Finanças, a seguinte informação:
"(...) Em 08-08-2013 foi o responsável subsidiário E................, ..., notificado nos termos do n.°1 e 5 do artigo 39.°do Código do Procedimento e Processo Tributário, para no prazo de quinze dias a contar daquela data, se pronunciarem sobre o projecto de reversão, nos termos do n.°4 do artigo 23.° e do artigo 60.°, ambos da Lei Geral, não tendo, no entanto apresentado qualquer alegação, pelo que não foi trazido nenhum novo elemento aos autos.
Sendo sócio gerente da sociedade nas datas em que terminaram os prazos para pagamento voluntário dos impostos objecto de cobrança coerciva nos presentes autos, e não tendo provado que não lhes foi imputável tal falta de pagamento, é nos termos do artigo 24.° n.°1 alínea b) da Lei Geral tributária e alínea b) do n°1 do art.° 8.° do Regime Geral das Infracções Tributárias, responsável subsidiário pela execução. Assim, em face destes elementos, sou de parecer que a execução reverta para o sócio gerente supra mencionado." (cfr. fls. 11 do PEF apenso);
G) Em 28.08.2013, foi exarado pelo Chefe de Finanças, o despacho de reversão das dívidas tributárias contra o Oponente, na qualidade de responsável subsidiário, do qual consta, designadamente: "Face às diligências que antecedem e estando concretizada a audição do(s) responsável (veis) subsidiário (s) prossiga-se a reversão da execução fiscal contra E................ (...). (...) proceda-se à citação do(s) executado (s) por reversão" (cfr. fls. 12 do PEF apenso);
H) Foi remetido ao Oponente o ofício "Citação (Reversão)" n° 61690, através de carta registada com A/R, expedida em 06.09.2013, (cfr. fls. 13 a 15 do PEF apenso);
I) Face à devolução do correio antecedente, foi efectuada 2§ citação, através do ofício n° 693620, cujo A/r foi devolvido sem assinatura (cfr. fls. 16 a 18 do PEF apenso);
J) Os autos de Oposição foram apresentados junto do Serviço de Finanças de Odivelas em 28.10.2013 (cfr. fls. 4 dos autos).
Mais se provou que:
K) À data dos factos, o Oponente tinha o seu domicílio na Av. 9 de Julho 98, 2° Dto, em Venda Pinheiro (confissão);
L) Em 11.01.2011, foi proferida pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, decisão de encerramento dos autos de insolvência da Executada originária "S............, Lda.", determinada por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa (cfr. fls. 31 a 33 do PEF apenso).

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Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

MOTIVAÇÃO:
Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental constante dos autos e PEF apenso, conforme especificado em cada uma das alíneas supra.»
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Impugnação da matéria de facto

Em primeira linha, extrai-se das conclusões do recorrente que este discorda da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal «a quo», entendendo que a redacção do facto vertido na alínea E) dos factos provados deve ser alterada, de modo a dele constar, o seguinte:

«A carta a que se refere a alínea precedente, não foi recebida pelo oponente, tendo sido de devolvida em 16.08.2013, com a menção de “objecto não reclamado”.» ( sublinhado nosso)

O aditamento pretendido («não foi recebida») encerra um juízo de valor só possível de alcançar mediante o recurso a critérios de ordem jurídico-normativa aplicados a uma realidade factual e que no caso, contêm, em si, a solução jurídica da causa.

Relembre-se, que a questão decidenda é saber se o recorrente foi ou não notificado para audiência antes do despacho de reversão, por isso, a indicada expressão não pode integrar a matéria de facto.

Nestes termos, improcede a pretendida alteração à matéria de facto.

B. DO DIREITO

Está em causa a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a oposição deduzida pelo recorrido à execução fiscal originariamente instaurada contra a sociedade «S............, Lda» para cobrança coerciva de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo a Fevereiro de 2007, no montante de € 5.927,32, contra este revertido, com fundamento na improcedência do alegado vício de forma por falta de audição prévia do Projecto de reversão.

Neste contexto considerou o Tribunal «a quo» : « (…) validamente cumprida a notificação em causa, nos termos dos artigos 60º, nº 4 e 23º, nº 4 da LGT e 38º, nº 3 do CPPT, e aplicável e operante a presunção prevista no nº 1 do artigo 39º do CPPT.».

O recorrente insurge-se contra o assim decidido, sustentando que a sentença incorreu em errada interpretação do disposto no artigo 39.° do CPPT «[s]endo a douta decisão totalmente desconforme com o que resulta, de forma cristalina, dos factos provados e da melhor interpretação deste mesmo normativo que tem vindo a ser efetuada pelo nossos Tribunais.».

A questão submetida a este Tribunal Central, conforme avançado supra, consiste unicamente em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito ao ter julgado que não ocorrera a preterição de uma formalidade legal na âmbito da execução, por falta de notificação do Opoente para o exercício do direito de audição prévia antes de ser ordenado o acto de reversão.

Como a sentença sob recurso bem deu conta, a audição prévia do responsável subsidiário é a concretização do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhe digam respeito consagrado no artigo 267.º, n.º4 da Lei Fundamental Portuguesa e sua notificação é direito igualmente resultante do imperativo constitucional consagrado no artigo 268º., n.º3 da mesma Lei.

Estabelece o artigo 23.º, n.º4 da LGT que «a reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação». Por seu turno, estabelece o artigo 60.º, nº 4, do mesmo compêndio, que tal notificação para o exercício do direito de participação deve ser concretizada por correio postal registado – «o direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte».

À data dos factos, dispunha o artigo 39.º do CPPT, sob a epígrafe «Perfeição das notificações» o seguinte:

«1 - As notificações efectuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

2 - A presunção do número anterior só pode ser ilidida pelo notificado quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida, devendo para o efeito a administração tributária ou o tribunal, com base em requerimento do interessado, requerer aos correios informação sobre a data efectiva da recepção.

3 - Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.

4 - O distribuidor do serviço postal procederá à notificação das pessoas referidas no número anterior por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial.

5 - Em caso de o aviso de recepção ser devolvido ou não vier assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.

6 - No caso da recusa de recebimento ou não levantamento da carta, previstos no número anterior, a notificação presume-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

7 - Quando a notificação for efectuada por telefax ou via Internet, presume-se que foi feita na data de emissão, servindo de prova, respectivamente, a cópia do aviso de onde conste a menção de que a mensagem foi enviada com sucesso, bem como a data, hora e número de telefax do receptor ou o extracto da mensagem efectuado pelo funcionário, o qual será incluído no processo.

8 - A presunção referida no número anterior poderá ser ilidida por informação do operador sobre o conteúdo e data da emissão.

9 - O acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data.

10 - O presente artigo não prejudica a aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária.»

A propósito do preceito parcialmente transcrito, regista a jurisprudência:

« [A] presunção de notificação prevista nos nºs 5 e 6 do artigo 39º do CPPT funciona em duas situações, a saber:- recusa do destinatário a receber a notificação; - não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou alteração do seu domicílio fiscal.» (Acórdão do STA de 21.01.2010, proferido do processo n.º 807/09, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

No nosso caso, ficou provado que o Serviço de Finanças de Odivelas enviou o Projecto de Reversão por carta registada remetida para o domicílio fiscal do recorrente, tendo a carta sido devolvida com indicação «Objeto não reclamado» ( cfr. alíneas D) e E) do probatório).

Ora, sendo a notificação efectuada por carta registada (como aqui), estabelece a lei que a mesma se presume efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (cfr. n.º 1 do artigo 39.º do CPPT).

Mas esta presunção apenas funciona se a carta não for devolvida. A carta só é devolvida ao remetente quando não chega ao destinatário, quando lhe não é entregue. E se não lhe é entregue não se pode, em regra, presumir a notificação.

Do que vem dito, já que se vê que não acompanhamos a sentença recorrida no sentido de que tendo a correspondência sido remetida para domicílio do recorrente, o não recebimento só a si pode ser atribuído e imputável a falta de conhecimento.

Na verdade, «(…) a lei presume que a comunicação postal demora três dias posteriores ao registo, que se transfere para o 1º dia útil, se o último dia não for dia útil (cfr. nº 1 do art. 39º do CPPT e nº 6 do art. 45º da LGT).

O registo da carta faz presumir que o seu destinatário provavelmente a receberá, ou terá condições de a receber, três dias após a data registo. Trata-se pois de uma presunção legal destinada a facilitar à administração tributária a prova de que a notificação foi introduzida na esfera de cognoscibilidade do notificando.

A atribuição legal de certa relevância ao registo da carta não permite porém inferir a certeza de que o seu destinatário a recebeu naquele prazo. Como tal forma de notificação não exclui o risco da carta não ser efectivamente recebida pelo destinatário, o nº 2 do artigo 39º permite que o notificado possa ilidir tal presunção “quando não lhe seja imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida”, solicitando à administração tributária e ao tribunal que requeiram aos correios a informação sobre «a data efectiva da recepção». Esta norma põe em luz o efeito que a lei quer atribuir ao registo: trata-se de uma presunção juris tantum da demora que levará a fazer a comunicação postal (cfr. Ac do STA, de 2/3/2011, rec nº 0967/10). Se o registo da carta liberta a administração tributário do ónus de provar que a mesma ficou em condições de ser recebida pelo destinatário em três dias, este tem o ónus de provar que, na situação concreta, a recebeu posteriormente.

Mas se a carta for devolvida, em regra, não se pode inferir que o registo faz presumir que ela foi colocada na esfera de cognoscibilidade do destinatário. Se nenhum aviso foi deixado no domicílio do notificando, nem sequer há a garantia da cognoscibilidade da existência da carta; e se o aviso foi deixado, vicissitudes várias, como a ausência temporária do domicílio (vg. trabalho, férias, doença, etc.), podem impedir o acesso à carta. Daí que a presunção legal só pode funcionar se a carta for recebida no domicílio do notificando. A consequência lógica que a lei deduz do registo da carta, ou seja, que se presume que demora três dias a ser posta alcance do destinatário, deixa de poder ser feita, pelo menos com o mesmo grau de probabilidade, se a carta for devolvida. Certamente por isso, o nº 2 do art. 39º apenas prevê a possibilidade da prova em contrário na situação em que a notificação ocorre em data posterior à presumida, sem aludir à situação em que não há notificação. Desde há muito, e pelo menos no que se refere aos particulares, a jurisprudência deste Tribunal tem vindo a defender que «a presunção do nº 2 do artigo 39º do CPPT, não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida», quer na situação de carta registada (cfr. acs. de 18/2/87, rec nº 004015, de 2/6/99, rec. 022529, e mais recentemente, acs. de 6/5/2009, rec nº 0270/09 e de 13/4/2011, rec. nº 0546/10), quer na situação de carta registada com aviso de recepção, devolvida sem assinatura deste e sem nada se dizer a respeito de não ter sido reclamada ou levantada (cfr. acs. de 21/5/2008, rec nº 01031/07 e de 8/7/2009, rec nº 0460/09).» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 31.01.12, proferido no processo n.º 017/12, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Pelo que, e não contendo os n.ºs 1 e 2 artigo 39.º do CPPT, uma resposta directa à questão dos efeitos decorrentes da devolução da carta registada simples, deve-se aplicar o regime que esse artigo prevê para a forma de notificação com aviso de recepção, previsto nos n.ºs 5 e 6 do citado preceito, de que resulta a imposição de envio de uma segunda carta registada e a faculdade do destinatário poder invocar o justo impedimento na recepção da carta. (neste sentido, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.06.2013, proferido no processo n.º 595/13, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

Neste quadro, competia ao Serviço de Finanças, nos termos do n.º 5 do artigo 39.º do CPPT, no prazo de 15 dias seguintes à devolução, proceder ao envio de nova carta registada com aviso de recepção para o domicílio fiscal do recorrente, destinado a notificá-lo para o exercício de audição prévia, o que não fez, não podendo assim prevalecer-se das presunções contidas nos n.ºs 1 e 5 do artigo 39.º do CPPT, porquanto o primeiro e único ofício de notificação foi devolvido.

Ora, considerando tudo o que acima se disse, a falta de notificação para o exercício do direito de audição gera, no caso, a invalidade do despacho de reversão proferido que se traduz na anulabilidade do despacho de reversão mediante o qual o recorrente foi chamado à execução.

O que significa, em conclusão, que assiste razão ao recorrente, com a consequente procedência do recurso e revogação da sentença recorrida.

IV. CONCLUSÕES

I.Sendo a notificação efectuada por carta registada estabelece a lei que a mesma se presume efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (cfr.n.º 1 do artigo 39.º).

II.Mas esta presunção apenas funciona se a carta não for devolvida. A carta só é devolvida ao remetente quando não chega ao destinatário, quando lhe não é entregue. E se não lhe é entregue não se pode, em regra, presumir a notificação.

V.DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes que integram a 1ª Subsecção deste Tribunal Central Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a oposição fiscal, anulando-se, em consequência, o despacho de reversão e absolvendo-se o Oponente da instância executiva.

Custas a cargo da Recorrida.


Lisboa, 28 de janeiro de 2021


[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]