Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:92/18.6BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/22/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:DECISÃO ARBITRAL;
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO.
Sumário:A errada subsunção dos factos nas normas jurídicas seleccionadas ou a errada apreciação das provas produzidas, não configura a nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615.º do CPC (que se reconduz ao fundamento previsto no artigo 28.º, n.º 1 alínea b) do RJAT) apenas, existe, quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão em sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO


A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA veio, ao abrigo do preceituado nos artigos 26.º e 27.º, ambos do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária, doravante apenas designado por RJAT), impugnar a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo arbitral nº 674/2017-T que, julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela sociedade denominada «M..........., LDA» e consequentemente anulou do acto de liquidação de AIMI de 2017, com a condenação da Administração Tributária à restituição da importância paga em 27 de Setembro de 2017, de € 125.490,96, acrescida de juros indemnizatórios contados até integral e efectivo reembolso do imposto.

No articulado inicial, a Impugnante formulou as seguintes conclusões:

«A.A Impugnante não concorda nem se pode conformar nos termos legais com a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, porquanto se pronunciou sobre questão que não cabia na sua competência [artigo 28.º/1-c), 1.ª parte, do RJAT], e porque, é manifesta a oposição dos fundamentos com a decisão [artigo 28.º/1-b), 1.ª parte, do RJAT].

B.No âmbito das nulidades susceptíveis de serem escrutinadas, não se duvida da integração da questão da incompetência material do Tribunal Arbitral no conceito de pronúncia indevida enquanto fundamento de impugnação de decisão arbitral.

C.O Tribunal arbitral, ao decidir de mérito a questão referente à inscrição matricial do prédios em dissídio e sobre os quais recaiu a incidência objectiva do AIMI, imiscuiu-se em matéria para a qual é materialmente incompetente, isso quer a análise da lei recaia sobre o RJAT, quer recaia sobre a Portaria de Vinculação.

D.A natureza de um prédio (que é aquilo que mediata ou imediatamente pretendeu ver nos presentes autos questionado a Requerente, ora impugnada) não é passível de ser discutida em sede arbitral, pois para tal existem procedimentos próprios constantes no normativo jurídico­fiscal, ademais, a natureza do prédio está fixada documentalmente nos autos e, bem assim, nos dispositivos referente aos factos dados como provados.

E.A Impugnada pretendeu, mediata ou imediatamente, foi que, face à liquidação de AIMI que lhe foi notificada, fosse sindicada a avaliação/inscrição matricial - por si requerida nos exactos termos em que está vertida nas certidões juntas ao autos - dos prédios em causa e que consubstancia o facto tributário que se subsume à liquidação do imposto em causa.

F.De acordo com a vontade expressa do legislador, no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT "fixam-se, com rigor quais as matérias sobre as quais se pode pronunciar o tribunal arbitral", sendo que o rigor dessa fixação exprime-se através da enunciação taxativa da competência desta jurisdição, a saber: pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e pagamentos por conta, e pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

G.A natureza de um prédio (que é aquilo que mediata ou imediatamente pretendeu ver questionado a Requerente) não é passível de ser discutida em sede arbitral, pois para tal existem procedimentos próprios constantes no normativo jurídico-fiscal e a natureza do prédio está fixada documentalmente nos autos.

H.A redacção do artigo 134.º, n.º 3 do CPPT refere que «As incorrecções nas inscrições matriciais dos valores patrimoniais podem ser objecto de impugnação judicial, no prazo de 30 dias, desde que o contribuinte tenha solicitado previamente a correcção da inscrição junto da entidade competente e esta a recuse ou não se pronuncie no prazo de 90 dias a partir do pedido.»

I.A redacção do artigo 129.º do CIMI, refere que «Os sujeitos passivos do imposto, para além do disposto no tocante às avaliações, podem socorrer-se dos meios de garantia previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.»

J.Não está ao dispor dos contribuintes optarem por reclamar preventivamente da matriz junto dos serviços da AT sobre cujo prédio incidirá o acto de liquidação ou, ao invés, aguardar a posterior notificação a final do correspondente acto de liquidação do período pretendido contestar.

K.Quem pretenda a correcção da matriz, in casu, a correcção da classificação dos prédios urbanos em apreço, deve com carácter de obrigatoriedade reclamar administrativamente, nos termos do disposto no artigo 130.º do CIMI e apresentar acção administrativa de anulação de acto administrativo e de condenação à prática de acto devido, que, ante um indeferimento de reclamação matricial apresentado pelos contribuintes, consubstancia o meio de reacção idóneo.

L.O regime da reclamação de matrizes patente no artigo 130.º do CIMI consubstancia um verdadeiro ónus - e não uma faculdade - que deve ser observado pelos contribuintes, caso pretendam fazer prevalecer o direito de que se arrogam, i.e., a necessidade justificada de promover a alteração na matriz do prédio ou prédios de que são proprietários.

M.É também esta a única conclusão que se retira da leitura do artigo 130.º, n.º 8 do CIMI, quando aí se refere que «os efeitos das reclamações, bem como o das correcções promovidas pelo chefe do serviço de finanças competente, efectuadas com qualquer dos fundamentos previstos neste artigo, só se produzem na liquidação respeitante ao ano em que for apresentado o pedido ou promovida a rectificação.»

N.Existe uma obrigatoriedade subjacente no artigo 130.º do CIMI que se traduz na apresentação de recurso administrativo, com natureza imperativa, junto dos serviços competentes da AT, por forma a ver corrigidas as inscrições matriciais e os consequentes efeitos vertidos nos actos de liquidação correspondentes.

O.A impugnação judicial prevista no artigo 129.º e 130.º do CIMI não é passível de substituição pela impugnação arbitral prevista no RJAT, dado que, enquanto no âmbito do CIMI o acto a sindicar se situa no indeferimento de um acto administrativo-tributário que não comporta a apreciação a legalidade de uma liquidação, nos termos do disposto no artigo 2.º do RJAT, o Centro de Arbitragem Administrativa é competente para apreciar, restritivamente, a legalidade de actos de liquidação e/ou de actos de fixação d a matéria tributável que não dêem lugar ao pagamento de imposto.

P.Os factos sobre os quais a Impugnada pretendeu com o seu pedido de pronúncia arbitral questionar, sem que o tenha feito tempestivamente e em sede própria, deixando precludir todos os prazos que tinha ao seu dispor, estão sedimentados na ordem jurídica.

Q.Não é consentâneo com o RJAT, nem com quaisquer normas processuais tributárias, que a Requerente se proponha e ensaie contraditar aquilo que está vertido em documentos oficiais e cujos prazos de reacção já precludiram todos.

R.Ainda que se considerasse, por mero dever de patrocínio, que estivéssemos perante um facto susceptível de sindicância no CAAD, o mesmo haveria que, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do art.º 134.º do CPPT, ver esgotados todos os meios graciosos previstos para o procedimento de avaliação, o que não aconteceu, donde resulta clara a incompetência material do tribunal arbitral.

S.No elenco de competências do CAAD, não cabe a apreciação de actos de indeferimento de natureza administrativa-tributária de correcção de matrizes cadastrais, dado que em substância não se subsume a um acto de liquidação.

T.Leia-se então, por contraponto à Portaria e ao RJAT, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, artigo 49.º ETAF, a propósito da competência dos tribunais tributários, onde, no seu n.º 1, i) e iv), se estipula que, para além de apreciarem os actos de liquidação, têm também competência para apreciar actos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais.

U.O ETAF, ao positivar o limite das suas competências, não apenas muniu os Tribunais Administrativos e Fiscais do poder de decidir de actos de liquidação, como também de decidir outros actos administrativos que versam sobre questões fiscais, ainda que não recaiam sobre actos que versam sobre tributos.

V.Contrariamente, quer na Portaria de Vinculação, quer no RJAT, somente se faz referência à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta e à declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria tributável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

W.Esta jurisdição arbitral não é competente para conhecer da pretensão que subjaz ao pedido efectuado pela Requerente, que implica a correcção/alteração das matrizes dos prédios aqui em discussão, já que a dita rectificação - ainda que tivesse sido atempadamente requerida pela Requerente, que não foi - não traduz um acto tributário de liquidação.

X.A decisão que ora se impugna e que expurgou estes elementos que nunca foram contestados teve o condão de eliminar da ordem jurídica as avaliações feitas pela AT e que nunca foram colocadas em causa pelo sujeito passivo, e ao fazê-lo, extravasou manifestamente a competência material daquele Centro de Arbitragem, porquanto se não tratam de actos de apuramento de imposto a pagar, como, por concepção, acontece com os actos de liquidação.

V.Resulta inequívoco que estamos perante um acto administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legal idade do acto de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1do artigo 97 .º do CPPT.

Z.Por se verificar a incompetência material do tribunal arbitral, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, está-se perante um verdadeiro vício de sentença, por pronúncia indevida, que se consubstancia na respectiva nulidade.

AA.A interpretação normativa da Requerente, que colide com as competências atribuídas ao CAAD nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT e do artigo 2.º da citada Portaria, é inconstitucional por violação do artigo 212.º, n.º 3 da CRP e bem assim por violação do princípio do livre acesso aos tribunais, na vertente do direito ao duplo grau de jurisdição.

BB.Interpretação normativa inconstitucional por violação do artigo 212.º, n.º 3 da CRP, dado que a competência dos tribunais administrativos e fiscais estão especificamente delimitados por lei, cabendo-lhes o julgamento de acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

CC.Nos termos do disposto no artigo 211.º, n.º 2 da CRP, podem existir, é certo, tribunais arbitrais, mas a estes somente competirá dirimir os litígios que por lei lhes estão especificamente acometidos.

DD.Se a lei não atribuiu ao Centro de Arbitragem Administrativa a competência para apreciar actos administrativos-tributários, como é o caso das rectificações das matrizes, e se em decisão judicial o Tribunal Arbitral constituído vier a entender, não obstante, que é sua a competência, há, manifestamente, uma clara violação do teor do artigo 212.º, n.º 3 da CRP.

EE.Pois decide em matéria que vai para além daquilo que o legislador, a lei e as partes que à arbitragem aderiram, pretenderam desde o início: subjugar a apreciação dos actos de liquidação ao Centro de Arbitragem, isso em alternativa aos Tribunais Administrativos e Fiscais; mas salvaguardar outro tipo de actos ao exclusivo escrutínio daqueles mesmos Tribunais Administrativos e Fiscais.

FF.Sujeitar correcções às inscrições matriciais à competência do Centro de Arbitragem, mais não é que sentenciar tais matérias à insusceptibilidade de serem revistas em 2.ª instância, através do recurso ordinário previsto no artigo 280.º do CPPT.

GG.Por se estar ante uma manifesta incompetência absoluta do foro arbitral para conhecer da matéria em que assenta a pretensa ilegalidade da liquidação e que subjaz ao acto impugnado nos presentes autos, infere-se que este Tribunal dela não deve conhecer.

HH.Como ato administrativo autónomo que é, o indeferimento do pedido de rectificação matricial - que, por se tratar de um ónus, deveria ter sido requerido - é um ato judicial mente impugnável no prazo de 3 meses, sendo que a impugnação ocorrerá através de uma acção administrativa dirigida contra o ato administrativo relativo ao benefício fiscal em causa e não contra o ato de liquidação do correspondente imposto.

II.A decisão impugnada recusa assim, frontalmente, a aplicação do artigo 54.º, n.º 1, primeira parte do CPPT, violando os princípios da tutela judicial efectiva e da justiça, designadamente na dimensão normativa de que a impugnação de um ato imediatamente lesivo se apresenta como verdadeiro ónus e não uma mera faculdade, que, omitido, coarcta a impugnação da correspectiva liquidação com base naquele preciso vício.

JJ.Em total oposição à sentença arbitral proferida, tome-se em linha de conta os Autos de Recurso n.º 723/16 do Tribunal Constitucional, que reconhece não existir qualquer violação do princípio da impugnação unitária e da tutela jurisdicional efectiva sempre que um acto seja destacável e imediatamente lesivo como aquele do caso que nos ocupa: «Uma vez que a decisão que incidiu sobre o pedido de reconhecimento consubstancia um ato administrativo com repercussões na esfera jurídica do interessado, a mesma é passível de impugnação contencioso imediata, nos termos do disposto no artigo 95.º, n.º 1, da LGT. [...] Ora, tendo tido o contribuinte ora recorrido plena possibilidade de reagir contenciosamente, nos termos que ficaram expostos, contra o ato de indeferimento do pedido de reconhecimento do benefício fiscal que apresentou, não se vê como a exclusão da possibilidade de invocação dos vícios deste em momento ulterior - isto é, no âmbito da impugnação da legalidade do ato de liquidação do imposto - possa violar o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva.»

KK.«... a não impugnação de um determinado ato dentro do prazo para o efeito fixado implica a respetiva consolidação na ordem jurídica, com consequente preclusão da faculdade de invocação dos vícios que lhe correspondam na âmbito da impugnação de um ato ulterior.».

LL.A decisão ora posta em crise concluiu em sentido claramente diverso do que aquele para o qual tais fundamentos apontam, porquanto na matéria dada como provada conclui o Tribunal Arbitral que "...a partir de 1989, foi sendo solicitada pelo sócio da Requerente, F..........., junto dos serviços da Requerida, a inscrição dos referidos prédios na matriz, mediante submissão dos correspondentes formulários Mod. N.º 129 - "Declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz", dos quais consta tratar-se de prédios destinados a habitação - cf PA.."

MM.Constata-se uma óbvia contradição entre, o que foi a factualidade provada e a decisão final, pois que, num silogismo jurídico, os fundamentos de facto e de direito apontados conduzem, inevitavelmente, a uma decisão oposta à proferida, qual seja, a da verificação do facto tributário na situação sub judice.

NN.Deveria o tribunal ter concluído pela existência da verificação do facto tributário previsto no art.º 135.º-B do CIMI, pois face à factualidade dada como provada e ao direito aplicável relevado pelo Tribunal a quo, acima enunciados, constata-se que na situação dos autos se verificou que entre os factos dados como provados, bem como a veracidade do acervo documental presente nos autos a decisão proferida se está perante uma manifesta oposição entre os fundamentos e a decisão.

OO.Em suma, a decisão proferida nos identificados autos de pronúncia arbitral em matéria tributária, padece de vício de não especificação dos fundamentos de direito que fundamentam a decisão e como tal, de acordo com o estatuído no artigo 272, n.º 1,do RJAT, deve a mesma ser anulada.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser declarada nula a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»



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Admitida a Impugnação e notificada a M..........., LDA veio apresentar resposta, aí concluindo da seguinte forma:

«1.A alusão ao vício de não especificação dos fundamentos de direito na conclusão OO. das alegações da Fazenda trata-se, sem dúvida, de um lapso, porquanto não decorre das conclusões que a antecedem, nem decorre minimamente do teor das alegações.

2.Conforme jurisprudência e doutrina unânimes, o elenco de fundamentos da impugnação da decisão arbitral junto do Tribunal Central Administrativo previsto no n.º 1 do artigo 28.º do RJAT é taxativo (cf., por todos, o recente acórdão do TCA-S de 27-09-2018, proferido no processo n.º 9933/16.1BCLSB, bem como o acórdão do TCA-S de 13-07-2016, proferido no processo n.º 08836/15).

3.A incompetência do Tribunal Arbitral, alegada pela Fazenda, não integra esse elenco, nem é reconduzível ao vício de pronúncia indevida ou excesso de pronúncia.

4.Enquanto corolário do princípio do dispositivo, a pronúncia indevida corresponde aos casos em que “o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado em condições em que está impedido de o fazer” (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 222) – não se verificando aqui nenhuma dessas situações.

5.Ainda que assim não se entendesse, não era o T.A.T. incompetente para apreciar o pedido de anulação da liquidação de AIMI de 2017, porquanto as pretensões relativas à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de tributos integram a competência dos tribunais arbitrais tributários, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

6.O objeto da impugnação arbitral deduzida pela ora impugnada consistia, precisamente, num ato de liquidação de tributo – a liquidação de AIMI de 2017.

7.A ora impugnada não questionou em momento algum a avaliação dos prédios cujos VPT’s constituíram a base de incidência do AIMI, nem formulou nenhum pedido de correção ou alteração das matrizes prediais (cf. a p. 10 do acórdão recorrido).

8.Daí que os efeitos da sentença acham-se circunscritos à anulação da referida liquidação e consequente condenação da AT ao reembolso do imposto que havia sido entretanto pago.

9.Não é verdade que o acórdão recorrido “implicou a correção/alteração das matrizes”, nem que “teve o condão de eliminar da ordem jurídica as avaliações feitas pela AT”.

10.Pelo contrário, quer as avaliações constantes das matrizes, quer as próprias matrizes mantêm-se plenamente na ordem jurídica, totalmente inalteradas pela decisão recorrida.

11.Tanto assim é que foi entretanto a ora impugnada notificada de nova liquidação de AIMI, referente ao ano de 2018, já após o proferimento da douta decisão recorrida (cf. o doc.º n.º 1).

12.É, pois, manifesta a improcedência da questão da incompetência levantada pela AT.

13.O objeto da impugnação deduzida pela ora impugnada é um ato de liquidação de imposto (AIMI), não tendo correspondência com a realidade afirmação em sentido diverso.

14.A decisão recorrida não implicou qualquer pronúncia sobre a manutenção ou alteração de atos de inscrição matricial, mas apenas a apreciação da prova produzida e a aplicação das regras de direito probatório material, em particular no que diz respeito ao alcance da força probatória da matriz predial.

15.O pedido formulado pela ora impugnada consistiu na declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação, matéria inequivocamente da competência do Tribunal Arbitral, nos termos do art.º 2.º, nº 1, al. a), do RJAT e do art.º 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.

16.Entendeu, pois, o TAT que a ora impugnada “apesar de ter declarado erroneamente os prédios urbanos que compõem o empreendimento F........... como destinados a fins habitacionais, demonstrou cabalmente que estes prédios não têm fins residenciais, pois fazem parte de um empreendimento turístico que fornece exclusivamente, desde a data de abertura, que remonta a 1993, serviços de alojamento do tipo hoteleiro e serviços conexos de desporto e lazer.” (cf. p. 19 do acórdão recorrido).

17.Concluindo que “não pode olvidar-se que a incidência do imposto, no que tange aos imóveis urbanos, está associada à destinação real, efetiva, material e objetiva que é dada aos mesmos, independentemente do que venha a constar da inscrição matricial” (cf. p. 20 do acórdão recorrido).

18.Com efeito, as matrizes prediais não têm força probatória plena, o que determina que o contribuinte pode fazer valer que a realidade substantiva é diferente da constante da matriz predial, não podendo essa realidade deixar de predominar enquanto expressão da verdade material – neste sentido, vide decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 205/2013-T, 206/2013-T, 225/2013-T, 285/2014-T e 113/2016-T.

19.O seu contrário configuraria uma presunção inilidível de um facto suscetível de determinar a incidência do imposto, o que, como se sabe, é legalmente inadmissível em matéria tributária (artigo 73º da LGT).

20.A circunstância de a ora impugnada não ter previamente reagido contra a avaliação dos prédios que compõem o seu empreendimento turístico nunca poderia impedir que deduzisse pedido de anulação da liquidação de AIMI, tendo por base a sua incorreta classificação matricial como habitacionais, em lugar de para serviços – como, na realidade, são.

21.Assim tem entendido a Secção do Contencioso Tributário do STA, esclarecendo que “a susceptibilidade de impugnação autónoma decorre da lesividade do acto e que caso o contribuinte não tenha contra ele reagido no momento em que ele surgiu e se tornou lesivo pode ainda vir a atacar esse mesmo acto quando ele se insira num procedimento de liquidação e venha a determinar um acto posterior de liquidação” – vide os Ac. STA de 2 de Março de 2016, Recurso n.º 930/13, de 6 de Julho de 2016, Recurso n.º 330/16, de 29 de Março de 2017, Recurso n.º 312/15.

22.Também o nosso Tribunal Constitucional, a propósito do artigo 54.º do CPPT, declarou inconstitucional a interpretação que, qualificando como ónus e não como faculdade do contribuinte a impugnação judicial dos atos interlocutórios imediatamente lesivos dos seus direitos, impedisse a impugnação das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles, por violação do princípio da tutela judicial efetiva e do princípio da justiça, inscritos nos artºs 20.º e 268.º, 4, da Constituição da República Portuguesa – vide acórdão n.º 410/2015 de 29 de Setembro de 2015, processo n.º 592/14.

23.O ato de inscrição na matriz como prédios destinados à habitação trata-se de um ato interlocutório ou preparatório, que não constitui nem nega qualquer direito – diferentemente do ato de indeferimento de reconhecimento de benefício fiscal, em causa no acórdão n.º 723/2016 do Tribunal Constitucional invocado pela AT.

24.Como bem refere o TAT, “na situação em análise nos presentes autos, não estamos perante um ato tributário autónomo, um ato pressuposto de efeitos constitutivos, mas de um ato interlocutório, de natureza declarativa. A solução que a lei (ordinária) postula num caso e noutro é distinta, como distintas são as propriedades que caracterizam os atos interlocutórios e os atos pressupostos” (cf. p. 18 do acórdão recorrido).

25.Assim, o facto de o ato interlocutório se afigurar imediatamente sindicável, não obstava a que, não tendo este sido autonomamente sindicado, o pudesse ainda ser em sede de impugnação judicial ou arbitral da liquidação do tributo que lhe é consequente – vide o Ac. STA de 8 de Janeiro de 2014, Recurso n.º 1685/13, inter alia.

26.Que a ora impugnada o pudesse fazer, assim o determina não só o artigo 54.º do CPPT, como também o artigo 99.º do mesmo diploma, que dispõe que a impugnação de um tributo se poderá fundar em qualquer ilegalidade.

27.Efetivamente, não foi intenção do legislador fazer precludir a garantia de impugnação unitária, isto é, quis claramente que a impugnação se pudesse fundar em qualquer ilegalidade, incluindo, pois, a errada inscrição matricial do prédio sobre o qual o tributo incidiu.

28.Conforme decidiu o acórdão recorrido, o procedimento de reclamação de matriz previsto no artigo 130.º do CIMI trata-se, pois, de um procedimento facultativo, não fazendo a lei depender a impugnação judicial da sua prévia utilização, nos termos do artigo 185.º, n.ºs 1 e 2 do CPA (cf. p. 13 do acórdão recorrido).

29.Que o erro declarativo na classificação matricial dos prédios se trata de ato meramente interlocutório é particularmente evidente no presente caso, em que tal classificação só adquiriu relevância com a notificação do ato de liquidação de um novo imposto, o Adicional ao IMI, cujo âmbito de incidência se determina com base na afetação dos prédios.

30.Só nessa altura, da notificação da liquidação do novo imposto, sofreu o contribuinte efeitos lesivos – até então a afetação dos prédios constante das matrizes não lhe conferia nem negava qualquer direito.

31.Dúvidas não restam, pois, que não procede o fundamento da incompetência material do T.A.A. alegado pela AT.

32.Por fim, não padece o acórdão recorrido do vício de oposição entre a decisão e os seus fundamentos de facto, que se trata de um vício formal, aferido mediante um juízo situado no plano exclusivo da lógica, de forma a verificar a compatibilidade lógico-discursiva entre a decisão e as suas premissas de facto e de direito.

33.Não se confunde, deste modo, com o erro de julgamento, consistente na errada apreciação da prova, incorreta subsunção dos factos à norma jurídica ou errónea interpretação desta (cf., por todos, Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum – À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, 2013, p. 333).

34.O singelo ponto B. do probatório, invocado pela Fazenda em abono da sua tese, não corresponde à premissa de facto formulada pelo Tribunal Arbitral a respeito da afetação dos prédios da ora impugnada.

35.Com efeito, o acórdão recorrido concluiu, em face de toda a factualidade dada como provada, indicada nos pontos C. a J. do probatório, que os prédios da ora impugnada estão afetos a serviços (cf., de forma clara e inequívoca, o ponto G. do probatório).

36.Perante tal premissa de facto, não poderia a decisão ser outra que não a anulação da liquidação por violação da norma delimitadora da incidência objetiva do AIMI, que exclui os prédios afetos a comércio, indústria ou serviços, nos termos conjugados dos art.ºs 135.º-B, n.º 2 e 6.º, n.º 1 b) e d), ambos do Código do IMI.

37.E assim foi. Tendo o Tribunal Arbitral julgado que a ora impugnada “demonstrou cabalmente que estes prédios não têm fins residenciais” (cf. p. 19 do acórdão recorrido),

38. Só podia, pois, concluir que “Feita essa prova, a tributação efetuada acaba por ofender a norma delimitadora da incidência material ou objetiva, que exclui do AIMI os prédios classificados como ‘comerciais, industriais ou para serviços’ (idem).

Termos em que, com o douto suprimento de V.Exas, deve a impugnação deduzida pela Fazenda Pública ser julgada inteiramente improcedente e mantido o douto acórdão recorrido.»

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O Exmº. Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal, notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, ofereceu aos autos o seu douto parecer, concluindo que “o MINISTÉRIO PÚBLICO não emite pronúncia sobre o mérito do RECURSO JURISDICIONAL porque não estão em causa DIREITOS FUNDAMENTAIS dos CIDADÃOS, interesses públicos especialmente relevantes ou algum dos bens e valores previstos no ART 9º N 2 CPTA».
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Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DA IMPUGNAÇÃO
Atentas as alegações vertidas na petição da presente Impugnação de Acordão Arbitral e, em especial, as conclusões aí formuladas, conclui-se que, no caso concreto, as questões a decidir são as seguintes:
- saber se o Tribunal Arbitral é materialmente competente para o conhecimento do pedido de pronúncia arbitral objecto da presente Impugnação;
- saber se o Acórdão impugnado padece de nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPC que se reconduz ao fundamento previsto no artigo 28.º, n.º 1 al. b) do RJAT.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na Decisão impugnada fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A.M..........., LDA., aqui Requerente, é proprietária de um acervo de 120 prédios urbanos, situados na Quinta do Lago, na freguesia de Almancil e concelho de Loulé, que integram o empreendimento turístico F..........., implantado no Lote …..da Quinta do Lago - cf documentos 1e 2 juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral (ppa) e Processo Administrativo ("PA").
B.A partir de 1989, foi sendo solicitada pelo sócio da Requerente, F........... LIMITED, junto dos serviços da Requerida, a inscrição dos referidos prédios na matriz, mediante submissão dos correspondentes formulários Mod. n.º 129 - "Declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz", dos quais consta tratar-se de prédios destinados a habitação - cf PA.
C.A abertura do empreendimento turístico F........... procedeu de autorização da então Direcção-Geral do Turismo, concedida em fevereiro de 1993, após vistoria efetuada ao estabelecimento, nos termos e para os efeitos do disposto no 4.º do Decreto-lei n.º 328/86, de 30 de setembro - cf documento 14 junto com o ppa.
D.Por despacho do Secretário de Estado do Comércio e do Turismo, de 19 de novembro de 1996, foi atribuída a utilidade turística, a título definitivo, ao aldeamento turístico de 1.ª categoria F........... - cf documento 16 junto com o ppa.
E.Em dezembro de 2001, na sequência de alterações legislativas, o empreendimento foi reclassificado como aldeamento turístico de 4 estrelas - cf documento 15 junto com o ppa.
F.Em julho de 2010, o empreendimento foi reconvertido pelo Turismo de Portugal, l.P., nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 75.º do Decreto-lei n.º 39/2008, de 7 de março, com a tipologia (aldeamento turístico) e categoria (quatro estrelas) que lhe tinham sido atribuídas ao abrigo do regime anterior, mantendo-se a validade e eficácia do título de abertura que a Direcção-Geral do Turismo concedeu inicialmente ao abrigo do Decreto-lei n.º 328/86 – Cf. documentos 3 e 15 juntos com o ppa.
G.Todos os prédios urbanos referidos na alínea A supra compõem o empreendimento F........... e estão afetos a serviços de alojamento turístico, cada um integrando uma ou mais unidades de alojamento, num total de 132 (77 moradias em banda e 55 apartamentos em ladeira), com piscina ou jacúzi, funcionalmente distintas e independentes entre si, equipadas e prontas a ocupar e utilizar, com serviço diário de arrumação e limpeza, reposição de toalhas, roupas de cama e consumíveis de higiene pessoal - cf documentos 3, 4 e 5 juntos com o ppa, cujo teor foi corroborado pelo depoimento da testemunha.
H.O empreendimento turístico F........... é ainda composto por infraestruturas e equipamentos de apoio complementar, como receção, bar, piscinas, exterior e interior, spa, ginásio, parque infantil, cabeleireiro, salão de jogos e espaços comuns de descanso, sendo prestados outros serviços acessórios na área do desporto, lazer, alimentação - cf documentos 4, 5 e 15 juntos com o ppa, cujo teor foi corroborado pelo depoimento da testemunha.
I.O empreendimento turístico F........... oferece exclusivamente serviços de alojamento de tipo hoteleiro, sendo procurado para fins não residenciais e o uso por todos os seus clientes circunscreve-se a curtos períodos de tempo destinados ao repouso e ao lazer dos próprios - cf documento 15 junto com o ppa, cujo teor foi corroborado pelo depoimento da testemunha e pela declaração da parte.
J.Toda a área do Lote AL9 em que se acha implantado o F..........., incluindo todo o edificado referido na alínea A supra, tem enquadramento urbanístico no Plano de Urbanização da Quinta do Lago e está abrangida, para efeitos de uso e ocupação do solo, por uma subunidade ou zona SUT, cujo uso principal exclusivo é turístico - cf documentos 6 a 13 juntos com o ppa, cujo teor foi corroborado pelo depoimento da testemunha.
K.A Requerente foi notificada do ato de liquidação de AIMI, emitido sob o n.º 2017 004657635, datado de 30 de junho de 2017 e referente ao mesmo ano, no valor de €125.490,96, resultante da aplicação da taxa de 0.4% à base de incidência de € 31.372.740, correspondente à soma dos valores patrimoniais tributários ("VPT") dos 120 prédios urbanos referidos na alínea A supra, melhor identificados neste ato de liquidação, e que constituem os prédios urbanos na titularidade da Requerente que integram o empreendimento F........... - cf documento 1 junto com o ppa, que se dá por reproduzido para todos os efeitos.
L.A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de AIMI no montante de €125.490,96 - cf documento 1 junto com o ppa e PA.
M.Até ao presente, os prédios que integram o empreendimento F........... encontram-se inscritos na matriz com afetação habitacional, não tendo sido solicitada pela Requerente a alteração da respetiva classificação para serviços - cf PA e documento 2 junto com o ppa.
N.Em 22 de dezembro de 2017, a Requerente apresentou o correspondente pedido de constituição do Tribunal Arbitral no sistema informático do CAAD.

2. FACTOS NÃO PROVADOS E MOTIVAÇÃO

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil ("CPC"), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar- se como não provados.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou -se nas posições assumidas pelas partes que, quanto aos factos essenciais, não é divergente, e na análise crítica da prova documental junta aos autos que, em grande medida, é constituída por documentos oficiais e de acesso público.
O depoimento da testemunha J........... e as declarações de parte do administrador R........... foram objetivos, consistentes e com conhecimento dos factos que referiram, no entanto, cumpre salientar que se limitaram a corroborar factos relativamente aos quais a convicção do Tribunal se formou pela análise da prova documental.»
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B. DO DIREITO
Como é consabido, o regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo Decreto-Lei n°10/2011, de 20 de Janeiro - Regime Jurídico da Arbitragem Tributária -(RJAT), sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artigo 2.º, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr. artigo 2.º, nº. 2, do RJAT).
Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artigo 16.º, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.
No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.
Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.
Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artigo 25º, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.
Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artigo 23.º, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artigo 6.º, nº.2, al.b), do RJAT.
Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artigo 28.º, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2-Oposição dos fundamentos com a decisão;
3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16º, do diploma. Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artigo 27.º, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artigo 28.º, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artigo 125.º, nº.1, do CPPT com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artigo 615.º, nº.1, do CPC.
Em sede de regime da arbitragem tributária e levando em consideração a jurisprudência mais recente do Tribunal Constitucional, enquadrar-se no fundamento de pronúncia indevida consagrado no citado artigo 28.º, nº.1, al.c), do RJAT, a impugnação da decisão arbitral também com base na alegada incompetência material do Tribunal arbitral (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional 177/2016, II série do D.R. de 3/5/2016).
No caso vertente, a Impugnada apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro RJAT, com o objectivo de obter a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de AIMI de 2017, com a condenação da Administração Tributária à restituição da importância paga em 27 de setembro de 2017, de € 125.490,96, acrescida de juros indemnizatórios contados até integral e efetivo reembolso do imposto.
Para tanto, alegou em síntese que os prédios urbanos na sua titularidade, cujo somatório dos valores patrimoniais tributários constituíram a base de incidência do AIMI com referência ao ano 2017, estão abrangidos pela norma de exclusão de AIMI prevista no artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), sendo inaplicável o n.º 1 do mesmo preceito legal, na medida em que os prédios em causa fazem parte integrante de um empreendimento turístico e não têm quaisquer fins residenciais.
Sustentou ainda que o erro na classificação matricial dos prédios em causa, (enquadrados na espécie “habitacionais” em vez de “para serviços”), não pode prevalecer sobre a efetiva e exclusiva aptidão e utilização turística, sob pena de configurar uma presunção inilidível, legalmente inadmissível.
A Administração Tributária respondeu, apresentando a sua defesa por excepção e impugnação. Excepcionado invocou a excepção de incompetência material do tribunal.
No Acórdão impugnado, conhecendo-se da excepção, foi a mesma julgada inverificada com base na seguinte argumentação: « O objeto do presente processo, recortado com clareza logo no proémio do pedido de pronúncia arbitral, respeita somente à "liquidação do adicional ao imposto municipal sobre imóveis [AIMI) na importância de €125.490,96", a qual foi identificada sob o n.º 2017 004657635, com data de 30 de junho de 2017, pretendendo a Requerente a declaração de ilegalidade e anulação de tal ato.
Submete-se à apreciação do Tribunal um ato tributário proprio sensu, de liquidação de imposto, que define de forma unilateral e impositiva a prestação de AIMI da Requerente relativa ao ano 2017. O meio processual adequado à sindicância de atos desta natureza é a impugnação judicial, da qual constitui fundamento qualquer ilegalidade, conforme previsto nos artigos 97.º, n.º 1, alínea a) e 99.º do CPPT, podendo a mesma ancorar-se num erro de classificação das matrizes prediais urbanas.
Interessa notar que a Requerente não questiona em momento algum a avaliação dos prédios cujos VPT's (ou melhor, cuja soma dos respetivos VPT's), constituíram a base de incidência do AIMI. Não está em discussão a avaliação daqueles prédios. De igual modo, a Requerente não formula um pedido de correção ou alteração das matrizes prediais, nem o estrito efeito cassatório da pronúncia arbitral poderia permitir a satisfação de um pedido com essa natureza.
É inequívoco que o objeto do processo é um ato de liquidação de AIMI, e o pedido formulado o da declaração de ilegalidade e de anulação desse ato, matéria que cabe na competência da jurisdição arbitral tributária e que, por essa razão, este Tribunal pode conhecer, nos termos do disposto nos citados artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e 2.º da Portaria de Vinculação, soçobrando a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral suscitada pela Requerida.
A Requerida levanta um conjunto de (outras) questões que enquadra sob a veste da exceção de incompetência material, mas que, na verdade, configuram questões prévias de outra natureza.
Começa por referir que a avaliação e classificação matricial devem ser sindicadas de forma independente e se apresentam como um ato pressuposto e autónomo face aos atos de liquidação de AIMI. Configurando um ato imediatamente lesivo, a sua impugnação constitui verdadeiro ónus e não uma mera faculdade. Aduz que não tendo a Requerente, em tempo, usado dos meios de reação próprios, designadamente do pedido de 2.ª avaliação (artigo 76.º. do CIMI), da sua impugnação (artigo 77.º do CIMI), da reclamação da matriz (artigo 130.º do CIMI), ou da impugnação dos atos de fixação dos valores patrimoniais (artigo 134.º do CPPT), a avaliação consolidou-se. Assim, aquele ato (de avaliação) não pode ser posteriormente atacado, quando da correspetiva liquidação de imposto.
Acrescenta que mesmo que se admitisse a sindicância no CAAD, não foram esgotados todos os meios graciosos previstos para o procedimento de avaliação, nos termos do artigo 134.º, n.º 7 do CPPT, "donde (na conceção da Requerida] resulta clara a incompetência material do tribunal arbitral".
Identificamos diversos problemas nesta construção. Desde logo, no que se refere à necessidade de sindicância autónoma da avaliação, porquanto se trata de matéria que não integra a causa de pedir da Requerente não sendo, em parte alguma, referido ou invocado qualquer vício referente à avaliação, nem questionado o VPT apurado pelo respetivo procedimento, pelo que constitui um tema alheio ao discutido nos presentes autos.
De igual modo, não se concorda com a afirmação de que, ao conhecer do mérito no sentido da procedência, o tribunal estaria a eliminar da ordem jurídica as avaliações feitas pela AT. Como acabou de se referir estas avaliações não foram questionadas, nem colocadas em causa pelo sujeito passivo, nem os poderes de pronúncia deste Tribunal, que se balizam pela estrita natureza impugnatória da ação arbitral, podem ir além da pronúncia anulatória constitutiva, que permite a eliminação do ato de liquidação (de AIMI) da ordem jurídica, com efeito repristinatório ex tunc, implicando a reposição da situação hipotética atual que se verificaria se esse ato [de liquidação] nunca tivesse existido e a inerente possibilidade de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios ou de indemnização por prestação de garantia indevida. Assim, não se verificam motivos que justifiquem o receio de a AT ver eliminadas as avaliações dos prédios de que a Requerente é titular.
A questão prende-se tão-só com a classificação matricial dos prédios urbanos na titularidade da Requerente e que esta alega ser errónea, por não corresponder à sua finalidade e afetação efetivas - que é de serviços - e não, como consta das matrizes, residencial ou habitacional.
No que se refere à alegada necessidade de esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação, determinada no artigo 134.º, n .º 7 do CPPT, interessa relembrar que o âmbito de projecção da norma em apreço se limita à impugnação de atos de fixação dos valores patrimoniais ou a incorreções nas inscrições matriciais dos valores patrimoniais, que não é seguramente a situação objeto dos presentes autos arbitrais, em que está sindicado um ato de liquidação de AIMI cuja alegada invalidade não se prende com vícios na fixação de valores patrimoniais ou na inscrição matricial destes valores.
Porém, mesmo que assim se entendesse, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo ("STA") tem interpretado que esta exigência (de esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação) não é de fazer, sendo portanto dispensável, nos casos em que a impugnação não se funde na errónea fixação do valor patrimonial ou, dito de outro modo, "em que o sujeito passivo não discorda da quantificação do valor patrimonial", corno sucede na situação vertente - cf Acórdãos do STA nos processos n.º 1101/13, de 15 de janeiro de 2014; n.2 311/11, de 19 de outubro de 2011; n.º 4/08, de 16 de abril de 2008 e n.º 968/02, de 6 de novembro de 2002.
No Acórdão proferido no proc. n.º 930/13, de 2 de março de 2016, numa situação em que estava em causa saber se a liquidação (nesse caso de IMI) poderia ser objeto de impugnação com base em erro declarativo (erro / vício da própria declaração que serviu de base à declaração para inscrição na matriz), sem que tivesse sido validamente deduzido pedido de segunda avaliação, ponto com manifesto paralelismo com a situação aqui em apreciação, o STA entendeu, em linha com o supra exposto que:



Por outro lado, no tocante ao procedimento de reclamação das matrizes previsto do artigo 130.º do CIMI, convém assinalar que a lei não faz depender a impugnação judicial da sua prévia utilização, configurando uma reclamação facultativa. Dispõe o sobre esta matéria o artigo 185.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo ("Novo CPA") no sentido de que "[a]s reclamações e os recursos são necessários ou facultativos, conforme dependa, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação ou condenação à prática de ato devido" e, de acordo com o n. 2 do mesmo artigo, "têm carácter facultativo, salvo se a lei os denominar como necessários".
Não sendo uma reclamação necessária, pois a lei não a denomina como tal, a adoção do mecanismo do artigo 130.º do Código do IMI não constitui condição necessária à abertura da via contenciosa, pelo que não se verifica a omissão de pressuposto processual que obste ao conhecimento do mérito o qual, neste caso não seria de incompetência material, como qualificado pela Requerida, mas de inimpugnabilidade do ato - cf artigo 89.º, n.º 4, alínea i) do CPTA. Por outro lado, podendo os sujeitos passivos reclamar das incorreções nas inscrições matriciais a todo o tempo, não tem cabimento a invocação da estabilidade ou incontestabilidade inerente à figura do caso decidido ou do caso resolvido.
A Requerida apela também à exceção ao regime regra da impugnação unitária que rege o contencioso tributário, expresso no artigo 54.º do CPPT, e defende que este princípio é inaplicável à situação vertente, em virtude de estarmos perante um ato pressuposto e autónomo face ao ato de liquidação de AIMI.
Dispõe a citada norma:



Constata-se que, de acordo com o texto legal, a disciplina regra no contencioso tributário é a de só ser ''possível, em princípio, impugnar o ato final do procedimento tributário, dado que só esse ato atinge ou lesa, imediatamente, a esfera jurídica do contribuinte, sendo que no contencioso tributário o critério da impugnabilidade dos atos é o da sua lesividade objetiva, imediata, atual e não meramente potencial" - cf Acórdãos do STA, processos n.º 1032 /09, de 23 de junho de 2010, e n.º 1361/13, de 23 de outubro de 2013.
Assim, eventuais ilegalidades dos atos interlocutórios do procedimento tributário só podem ser suscitadas quando da impugnação apresentada contra o ato final do procedimento, que consubstancie um ato decisório lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo.
São, todavia, duas as exceções introduzidas pelo mencionado artigo 54.º do CPPT ao regime regra descrito. A primeira exceção respeita a atos interlocutórios relativamente aos quais a lei disponha expressamente em sentido diferente, i.e., os chamados "atos destacáveis", que na falta de imediata impugnação se fixam na ordem jurídica, ficando precludido o direito ou a faculdade processual de posteriormente discutir a sua legalidade - cf Acórdão do STA. proc. n.º 1032/09. Para tanto, é necessário que exista norma expressa nesse sentido, o que não se verifica na situação sub iudice.
Quanto a este ponto, conclui-se, por conseguinte, que a inscrição dos prédios na matriz com uma determinada classificação - errónea - relativa à espécie de prédios urbanos em causa não constitui um ato destacável na aceção do artigo 54.º do CPPT. Solução diversa poderia suscitar-se se o tema que estivesse em discussão nos autos fosse o próprio ato de avaliação patrimonial, qualificável como ato destacável e com autonomia para efeitos de impugnação. No entanto, como acima salientado, tal ato não foi questionado nem a Requerente invoca qualquer vício atinente ao mesmo como causa de pedir anulatória do ato de liquidação de AIMI objeto destes autos.
A segunda exceção refere-se aos atos que, sendo interlocutórios, ou seja, inseridos no procedimento tributário e anteriores à decisão final revistam lesividade imediata. Nestes casos, abre-se a possibilidade da sua impugnação direta, sem prejuízo, no entanto, de a sua ilegalidade poder ser suscitada ulteriormente na impugnação que venha a ser deduzida contra o ato final ( v.g. de liquidação do imposto).
Nestas circunstâncias, o facto de o ato interlocutório lesivo não ser impugnado autonomamente não impede que os vícios de que o mesmo padeça constituam fundamento da impugnação da decisão final do procedimento, inexistindo o efeito preclusivo que a Requerida invoca. Vejam-se a este propósito, a título meramente exemplificativo, os Acórdãos do STA nos processos n.º 0312/15, de 29 de março de 2017, e n.º 1685/13, de 8 de janeiro de 2014, dispondo-se, neste último que "eventuais ilegalidades praticadas nos atos prévios ao de fixação do valor patrimonial tributário do prédio, como o de inscrição oficiosa na matriz de determinada realidade física como prédio, podem ser objeto de impugnação autónoma - através de ação administrativa especial - ou invocadas em impugnação de ato tributário ou em matéria tributária posterior, como o de segunda avaliação".»
Concorda-se com esta argumentação: efectivamente, a questão a decidir no pedido de pronúncia arbitral formulado pela sociedade denominada M..........., LDA prende-se com a classificação matricial dos prédios urbanos e que segundo alega a Impugnada é errónea, por não corresponder à sua finalidade e afetação efetivas – que é de serviços – e não, como consta das matrizes, residencial ou habitacional.
Ora, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Novembro de 2013, proferido no processo n.º 1725/13 –, « [o] acto de inscrição oficiosa na matriz de uma determinada realidade física como prédio reconduz-se a acto imediatamente lesivo dado que provoca uma alteração significativa na esfera jurídica da recorrente, daí a admissibilidade de ser formulado pedido de suspensão da sua eficácia (…),o facto de a imediata lesividade de tal acto permitir, querendo, a sua impugnação autónoma, não obsta a que, não o tendo sido, possa ainda ser sindicado em sede de impugnação da liquidação do tributo».
E não se diga como o faz a Impugnante que a interpretação perfilhada pelo Acórdão impugnado, contraria o decidido nos Autos de Recurso n.º 723/16 do Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 718/17 de 16 de Novembro de 2017), uma vez que neste último está em causa um erro declarativo na classificação dos prédios, no acto de inscrição na matriz, e que é relativa a actos decisórios de pedidos de reconhecimento de benefícios fiscais (no domínio de benefícios fiscais dependentes de reconhecimento), não enquadráveis como actos interlocutórios.
Como bem se afirmou no Acórdão impugnado «[n]o Acórdão n.º 718/2017, o Tribunal Constitucional, relativamente aos atos decisórios de pedidos de reconhecimento de benefícios fiscais, admite a sua qualificação como “atos tributários autónomos”, em face da natureza constitutiva desse reconhecimento e não meramente declarativa. Deste modo, parte do pressuposto que tais atos não integram o procedimento de liquidação do imposto como “atos preparatórios”, mesmo que destacáveis, sendo antes “atos pressuposto”, seguindo José Casalta Nabais, “A impugnação unitária do ato tributário”, in Cadernos de Justiça Tributária, n.º 11, Janeiro-Março 2016, pp. 18 e 19.
A jurisprudência do STA tem decidido que nestas circunstâncias a não impugnação (autónoma) judicial dos atos de indeferimento de pedidos de reconhecimento de benefícios fiscais impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto – cf. Acórdão do STA no proc. n.º 459/14, de 18 de novembro de 2015.
Concluindo o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 718/2017, que esta interpretação – relativa a “atos pressuposto” e não a “atos interlocutórios” – não viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva (artigo 268.º, n.º 4 da CRP), sem prejuízo de não ser a mais garantística, i.e., a que confere ou assegura maior nível de proteção aos particulares.
Porém, na situação em análise nos presentes autos, não estamos perante um ato tributário autónomo, um ato pressuposto de efeitos constitutivos, mas de um ato interlocutório, de natureza declarativa. A solução que a lei (ordinária) postula num caso e noutro é distinta, como distintas são as propriedades que caracterizam os atos interlocutórios e os atos pressupostos, mantendo-se plenamente válido o juízo de desvalor que o Acórdão n.º 410/2015 do Tribunal Constitucional, acima mencionado, formula relativamente à desconformidade da interpretação que a AT advoga do artigo 54.º do CPPT, no âmbito dos atos interlocutórios do procedimento tributário, sendo este preceito de interpretar e aplicar em conformidade com a Constituição, no sentido preconizado pela Requerente, de aplicabilidade do princípio da impugnação unitária, com a consequente improcedência da exceção suscitada pela Requerida.».
Tanto basta, portanto, para que se tenha de reconhecer a competência em razão da matéria do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido formulado o da declaração de ilegalidade e de anulação de liquidação de AIMI.
Alega, ainda, a Impugnante que, o Acórdão em crise padece do vício de nulidade previsto no artigo 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPC (que se reconduz ao fundamento previsto no artigo 28.º, n.º 1 al. b) do RJAT), na medida em que resultando provado que foi solicitada pelo sócio da Impugnada a inscrição dos referidos prédios na matriz, mediante submissão dos correspondentes formulários Mod. N.º 129 - "Declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz", dos quais consta tratar-se de prédios destinados a habitação constata-se « [u]ma óbvia contradição entre, o que foi a factualidade provada e a decisão final, pois que, num silogismo jurídico, os fundamentos de facto e de direito apontados conduzem, inevitavelmente, a uma decisão oposta à proferida, qual seja, a da verificação do facto tributário na situação sub judice.».
Nos termos do dispositivo legal citado «[é] nula a sentença quando: (…) os fundamentos estejam em oposição com a decisão».
Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença.
Como escreve Amâncio Ferreira «[a] oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pág. 56).
A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPC, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «[a] construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente».
Sucede que a Impugnada, apesar de ter declarado erroneamente os prédios urbanos que compõem o empreendimento F........... como destinados a fins habitacionais, o Tribunal Arbitral considerou demonstrado que estes prédios não têm fins residenciais, pois fazem parte integrante de um empreendimento turístico que fornece exclusivamente, desde a data de abertura, que remonta a 1993, serviços de alojamento do tipo hoteleiro e serviços conexos de desporto e lazer.
Por outra banda, não ocorre qualquer oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada. Com efeito, o Tribunal Arbitral apesar de considerar que o erro na classificação matricial dos prédios em causa, enquadrados na espécie "habitacionais" em vez de "para serviços", pode ser inicialmente imputável à Impugnada, pois deriva das declarações de inscrição na matriz, efetuadas pelo seu sócio através do formulário Mod. 129; não deixou de consignar que « [n]ão pode obnubilar-se que a AT dispõe de poderes para promover oficiosamente as incorreções matriciais e que, in casu, nunca o fez.»
Daqui resulta, inequivocamente, no que a esta particular questão da arguida nulidade respeita que a mesma não se verifica.
Improcedem, deste modo, as conclusões da Impugnante.
Assim e com a fundamentação exposta, a impugnação improcede.


IV.CONCLUSÕES
A errada subsunção dos factos nas normas jurídicas seleccionadas ou a errada apreciação das provas produzidas, não configura a nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615.º do CPC (que se reconduz ao fundamento previsto no artigo 28.º, n.º 1 alínea b) do RJAT) apenas, existe, quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão em sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.


V. DECISÃO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes que integram a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar improcedente a presente impugnação da decisão arbitral proferida no processo n.º 674/2017-T que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa.

Custas a cargo da Impugnante.

Lisboa, 22 de Outubro de 2020
[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]